Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Mostrar mensagens com a etiqueta Branqueamento de capitais. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Branqueamento de capitais. Mostrar todas as mensagens

Branqueamento de capitais

 


Grato pela oportunidade em ter podido participar, em Albufeira, esta passada sexta-feira, em tão interessante encontro, tentei, em improviso, deixar dúvidas, sabendo que geraria controvérsia. 

Como é possível que, ante a incerteza quanto a tratar-se inquestionavelmente de um ilícito criminal de perigo abstracto ou de dano, de resultado ou mera actividade, a exigir dolo específico em todas as suas modalidades ou bastar-se com dolo genérico, se tenha por segura a incriminação por branqueamento de capitais, por mais que ela se banalize, nomeadamente assim surja no circuito uma entidade offshore por mais que se tente passar a ideias que nem todas elas estão ao serviço de actos de recorte criminal?

A juntar a isto, vem o tema do dito "bem jurídico". Até pela sua colocação sistemática, verifica-se que estará em causa o bom funcionamento da justiça. A ler o n.º 1 do preceito em causa - o artigo 368º-A do Código Penal - e perguntamo-nos se o dito "bem jurídico" - essa conceito mutante quando deveria ser delimitador - não é, afinal, a possibilidade de encontrar legitimação para se decretar a perda das vantagens do crime. 

E se a isso aditarmos que, em sede de prevenção de branqueamento, ressalta a ideia de que é a eficácia do sistema fiscal, a transparência do sistema financeiro, as regras do mercado, aquilo para o que existe tanta regulação de matriz europeia, e tão imprecisa ela é, então a demonstração do dito "bem jurídico" como circunscrito ao funcionamento da justiça, torna-se problemática.

Não terei, talvez, razão nas dúvidas, mas tenho motivos para as colocar. E assim sucedeu.


Branqueamento de capitais: conferência

 

Por gentileza do Conselho Regional de Faro da Ordem dos Advogados, é-me grato poder participar neste evento. A assistência pode ser alcançada a partir daqui.

Branqueamento de capitais: uma tese

 


O livro é uma tese de doutoramento, mas uma tese [em Ciências Sociais/Estudos Estratégicos, sustentada ante o ICSP da Universidade de Lisboa], escrita em estilo prático por quem tem experiência no terreno, porque inspector, inspector-chefe na Polícia Judiciária, na área do combate à corrupção e  posteriormente a isso na Direcção do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal daquela Polícia onde desempenha actualmente a função de Director da Unidade de Informação Financeira.

Reconhecer-se-á, pois, na obra não apenas o fruto das leituras e reflexões que o autor evidenciou, não apenas no domínio jurídico, mas por igual no campo sociológico, da economia e da teoria das organizações, como, de modo dominante, o produto da sua experiência no terreno: é disso evidência o que escreve a propósito da offshores [que, fazendo-se eco de uma doutrina firmada nos sectores teoria como pertencentes do domínio do "terror financeiro"], ou o que apelida de «breves considerações sobre o lucro ou ganho financeiro».

Antecedida de uma capítulo dedicado à metodologia da investigação, a obra [publicada em 2020]  divide-se em três partes, culminando com um apêndice documental de fontes e pistas para aprofundamento.

A primeira é dedicada ao "Teatro de Operações", centrada, em primeiro lugar, na caracterização da sociedade de risco e sua natureza global, e perspectivada, de seguida, na lógica jurídica, quer quanto ao enunciado do conceito de branqueamento e sua origem, à rememoração do bem jurídico em causa, como no que se refere à revisitação das noções típicas neste domínio, nomeadamente da criminalidade organizada transnacional, território onde se situa hoje o núcleo essencial do problema.

Na segunda parte centra-se no Direito em acção, logo o que decorre das propostas oriundas da EUROPOL e também da própria NATO [entroncado o tema numa lógica securitária global] e de seguida o papel que desempenham as estruturas nacionais de informação e investigação, o DCIAP, a UIF/PJ, a própria PJ como entidade de investigação e o GRA.

A terceira parte está orientada à actuação estratégica, a dois níveis: a da actuação, de acordo com um modelo operativo que o autor sugere como o adaptado às novas circunstâncias e o enunciados dos checklist a ter em conta  na investigação e na prevenção porque indiciadores de situações de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

Branqueamento de capitais e actos próprios de advogados

«Começo com uma pergunta: o título deste texto sugere que, circunscrevendo-se o advogado à prática de actos próprios da profissão, tal como a lei os define, estará defendido da suspeita de poder actuar no quadro de situações de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo e, como tal, protegido pelo, assim intransponível, segredo profissional? A resposta terá de ser sim, se, tendo em conta o âmbito material daquela legislação, atentarmos no que está definido na lei como sendo os actos próprios, afinal exclusivos, dos advogados, tal como os enunciam os artigos 5º e 6º da Lei 49/2004, de 24 de Agosto, que nos permitimos citar:

«5 - Sem prejuízo do disposto nas leis de processo, são actos próprios dos advogados e dos solicitadores:

a) O exercício do mandato forense;

b) A consulta jurídica.

«6 - São ainda actos próprios dos advogados e dos solicitadores os seguintes:

a) A elaboração de contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais;

b) A negociação tendente à cobrança de créditos;

c) O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários.»

Mas o que o título desta minha intervenção tenta também sugerir é uma breve reflexão sobre duas dinâmicas que a contemporaneidade tem trazido ao tema: a evolução da profissão de advogado e a evolução da legislação europeia de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, as quais se encontram em fase de colisão, com desvalor da posição dos advogados.

Vejamos a primeira dessas dinâmicas, atinente à advocacia.

No que se refere às pessoas e entidades que actuam na advocacia, esta é actualmente uma realidade plural e se há necessidades que se colocam como prioritárias a quem venha a vencer eleições, e assumir, assim, responsabilidades a nível do executivo da Ordem, uma delas é a de efectivar um inquérito que permita saber quem somos, afinal, pois o último inquérito feito à classe data dos anos 60 do século vinte; de outro modo há o risco de os discursos sobre a advocacia serem só sobre uma certa advocacia ou, ao limite, sobre nenhuma advocacia concreta.

Assim, por um lado, a advocacia tornou-se uma indústria de prestação de serviços, estruturada em forma societária, com filosofia empresarial capitalista, colhendo os seus réditos pelo critério da aferição horária [o time sheetI] e sujeita, como qualquer empresa, ao rating do chamado PPP [profit per partner, lucro por sócio] ou, num segundo critério de avaliação da rentabilidade da mão de obra ao PPL [profit per lawyer, lucro por advogado].

Que este modelo organizacional tenha futuro, que ele corresponda ao mais adequado para as necessidades dos clientes ou dos advogados não sócios que integram o sistema, que ela garanta de modo eficaz a tutela do segredo profissional, tudo isso está em discussão, mas não integra o tema desta minha comunicação, sendo que a realidade a que assistimos é a da sua transformação qualitativa no sentido da concentração das grandes sociedades, à custa da fusão de outras sociedades de menor dimensão.

E neste aspecto, diga-se de passagem, as exigências da legislação sobre a prevenção do branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo e bem assim a outra sobre protecção de dados, com tudo quanto reclama de meios organizacionais e humanos, e custos, para uma conformidade na matéria, ajudam à concentração, porquanto, ao limite, só os grandes escritórios estão apetrechados com os meios humanos e tecnológicos para cumprir as determinações normativas correspondentes. Trata-se de uma transposição para esta nossa profissão do que se está a passar com o sistema bancário e das entidades financeiras.

Por outro lado, existe, e com larguíssima expressão, uma advocacia de base individual ou organizada em pequenas unidades, por vezes societárias, outras vezes de mera partilha de encargos, aquilo a que, retomando um termo do mercado de venda a retalho, se denominam as boutiques de advocacia. Num país como o nosso são uma realidade numericamente expressiva e não apenas fora de Lisboa e Porto.

Para estes escritórios, muitos vivendo no limiar da sobrevivência, as exigências de compliance do determinado a nível de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo, por um lado, e da protecção de dados, por outro, implica despesas para as quais não têm meios financeiros suficientes, nem capacidade de os repercutir, como custos, nos honorários que praticam.

Mas não é só na dimensão da forma de exercício da profissão que se tem assistido a uma evolução da advocacia: é também o que se passa quanto ao domínio material das realidades da vida sobre a qual ela incide.

Tempo vai em que a actuação forense era a matriz caraterística e definidora da advocacia, em que a “alma da toga” qualificava o ser-se advogados, e tempo vai em que tudo quanto fosse trabalho com natureza jurídica só poderia ser efectuado por advogados ou, numa outra vertente, por solicitadores.

Aquilo a que assistimos é ao assenhoreamento pelas consultoras e outras entidades similares, das tarefas ainda há pouco desempenhadas por advogados.

Trata-se, aliás, de uma tendência internacional, não sendo por acaso que a projecção das mesmas em Portugal tem como ponta de lança sociedades que à sua natureza como consultoras juntam também – em lógica amiúde de conflito de interesses – a função de auditoras.

A somar a esta evolução acresce a legislação europeia sobre a concorrência, a qual começa a enfrentar – e em breve a destruir – o núcleo protector dos denominados actos próprios e como tal específicos e assim privativos de advogados, circunscrevendo-o a limites mínimos que, não sendo os da advocacia forense, não ultrapassam em muito esse apertado sector, tudo em nome de uma política do que se entende serem práticas restritivas da concorrência.

Sendo este o panorama na advocacia, vejamos agora, sempre de modo esquemático, o que se passa em matéria de legislação visando a prevenção do branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.

A primeira tendência que descortinamos é a exasperação legislativa, quer em termos de quantidade de normativos, quer de exigências colocadas ao mercado.

A segunda, tem a ver com o foco nos advogados que se assumiu nos últimos anos com incidência a partir de 2005.

Data desse ano a Directiva europeia que, abrangendo os notários e os membros de outras profissões jurídicas independentes, incluiu os advogados no âmbito dos obrigados ao cumprimento das normas legais vigentes na matéria, com exclusão da consultoria jurídica, nisso abrangendo «as informações obtidas antes, durante ou após um processo judicial ou aquando da apreciação da situação jurídica do cliente».

Eis o que decorre do ponto 20 do referido instrumento normativo:

«Enquanto membros independentes de profissões que prestam consulta jurídica legalmente reconhecidas e controladas, tais como os advogados, estiverem a determinar a situação jurídica de clientes ou a representá-los em juízo, não seria adequado impor-lhes, ao abrigo da presente directiva, a obrigação de comunicarem, em relação a essas actividades, suspeitas relativas a operações de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. Devem estar isentas de qualquer obrigação de comunicação as informações obtidas antes, durante ou após um processo judicial ou aquando da apreciação da situação jurídica do cliente. Por conseguinte, a consultoria jurídica continua a estar sujeita à obrigação de segredo profissional, salvo se o consultor jurídico participar em actividades de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, se prestar consulta jurídica para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo ou se o advogado estiver ciente de que o cliente solicita os seus serviços para esses efeitos.»

Mas mais, a evidenciar que o território da advocacia era foco e tema privilegiado de acção no domínio da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, já nessa Directiva se previa um acompanhamento do que se passasse no sector, como decorre do artigo 42º da mesma:

«Até 15 de Dezembro de 2009 e, posteriormente, pelo menos de três em três anos, a Comissão deve elaborar um relatório sobre a execução da presente directiva e apresentá-lo ao Parlamento Europeu e ao Conselho. No primeiro destes relatórios, a Comissão deve incluir um exame específico do tratamento dado aos advogados e outros membros de profissões jurídicas independentes.»

Claramente a tónica dessa legislação europeia tem vindo progressivamente a assentar no carácter meramente relativo do segredo profissional de advogado enquanto instrumento de tutela dos valores de ordem pública que são inerentes à profissão e garantia, assim, do Estado de Direito, com salvaguarda, apesar disso, da zona da consultoria jurídico naquele sentido amplo que se referiu.

Os tempos são, pois, de agravamento da situação dos advogados.

Se olharmos para as Directivas que em 2017 foram transpostas para lei em Portugal sobre branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, e concretamente, se cotejarmos a referida Lei, verificamos que, se é verdade que o segredo profissional dos advogados está previsto no preâmbulo da mesma, a verdade é que nos normativos da mesma vinga a quase ausência de previsão que o torne limite às exigências de compliance, antes muitas delas estão delineadas como se tal segredo dos advogados não existisse sequer.

Veja-se, porquanto elucidativo, o artigo 56º dessa Lei n.º 83/2017, que efectuou a transposição das penúltimas Directivas comunitárias:

«1 - As entidades obrigadas [no caso também os advogados] disponibilizam todas as informações, todos os documentos e os demais elementos necessários ao integral cumprimento dos deveres enumerados nos artigos 43.º, 45.º, 47.º e 53.º [afinal os deveres essenciais na matéria], ainda que sujeitos a qualquer dever de segredo, imposto por via legislativa, regulamentar ou contratual.

«2 - A disponibilização de boa-fé, pelas entidades obrigadas, das informações, dos documentos e dos demais elementos referidos no número anterior não constitui violação de qualquer dever de segredo imposto por via legislativa, regulamentar ou contratual, nem implica responsabilidade de qualquer tipo, mesmo quando se verifique um desconhecimento da concreta atividade criminosa ou esta não tenha efetivamente ocorrido.»

Ante isto, permitam-nos que se deixe desde já claro que, quanto consta do texto em discussão pública do projecto de Regulamento da Ordem dos Advogados sobre branqueamento de capitais naquilo que se refere à possível tutela do segredo profissional dos advogados, resulta de uma capacidade compreensiva por parte do DCIAP – entidade incumbida por lei de garantir a tutela na matéria – compreensão que decorreu da percepção que, em contacto com a nossa Ordem, tiveram de que não poderia prevalecer uma interpretação legislativa que se baseava na mera hermenêutica da letra da lei sem valorar na devida forma, o segredo dos advogados.

E assim, permito-me fazer notar os relevantes momentos nesse projecto de Regulamento em que, precisamente em resultado desse diálogo construtivo, se prevêm pelo menos duas normas regulamentares, gizadas face a uma interpretação teleológica das Directivas comunitárias, segundo as quais ocorre:

-» uma clara definição dos actos que não exigem o cumprimento dos deveres legalmente previstos em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, concretamente:

«a) Actos de consulta jurídica ou de emissão de pareceres;

«b) Actos de patrocínio forense e de representação judiciária, independentemente da jurisdição onde se pratiquem ou devam ser praticados os atos processuais, incluindo em comissões ou tribunais arbitrais;

«c) Informação obtida do cliente ou de terceiro visando a práticas dos atos referidos nas alíneas antecedentes, antes, durante ou após a intervenção em processo mediante representação judiciária ou patrocínio forense.»

-» a previsão expressa de que o Bastonário, sujeito a deveres de confidencialidade, se responsabiliza pela concordância prática entre o dever de comunicação pelos advogados e o dever de segredo profissional, responsabilização essa que exonera os advogados que hajam efetuado a comunicação devida nos termos legais;

Tal interpretação teleológica, que não derrogatória, estriba-se no previsto nos considerandos (9) e (39) da Diretiva (UE) n.º 2015/849, onde consta:

«A consultoria jurídica deverá continuar a estar sujeita à obrigação de segredo profissional, salvo se o membro de profissão jurídica independente participar em atividades de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, se prestar consulta jurídica para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo ou se o membro de profissão jurídica independente estiver ciente de que o cliente solicita os seus serviços para esses efeitos»; «Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, um sistema de notificação em primeira instância a um organismo de autorregulação constitui uma salvaguarda importante de proteção dos direitos fundamentais no que diz respeito às obrigações de comunicação aplicáveis aos Advogados. Os Estados membros deverão providenciar os meios e a forma de garantir a proteção do segredo profissional, da confidencialidade e da privacidade».

Facto é, porém, ser patente que a legislação europeia sobre a prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo visa directamente sectores em que estão em causa actos que podem ser praticados por advogados que não sejam os que integram aquele núcleo acima referido dos actos próprios, seja privativos da advocacia.

Ora nesta vertente os advogados se não são postos em causa enquanto profissão, acabam por sê-lo no que se refere aos actos que [ainda] são considerados da profissão porque dela não excluídos.

Assim, não protegidos directamente no que à garantia do segredo respeita, e visados indirectamente pelos actos sobre as quais a lei incide, e que podem também ser por si praticados, os advogados encontram-se actualmente num contexto difícil no qual toda a protecção que possam encontrar por parte da sua Ordem é de maximizar.

É que, chegados a este ponto, e sendo realistas, a manter-se esta tendência, os próximos anos vão trazer ao segredo profissional dos advogados o mesmo declínio a que se assiste no que ao segredo bancário respeita e digamos, dos segredos em geral.

Nesta dimensão, atentemos no que se passa em matéria de fomento à delação mesmo em detrimento de obrigações contratuais de sigilo nomeadamente pelas regras de non disclosure de informações que possam ser considerados segredos de negócio ou segredos de indústria.

Ora é aqui que me permiti inserir o tema de reflexão que o título sugere.

De todo o exposto, creio ser perceptível estarmos a assistir a um cruzamento contraditório de situações:

-» por um lado, a uma redução dos actos próprios de advogados, abrindo a porta à concorrência quanto a eles, por profissionais que não exercem advocacia, pelo que a razão da aplicação da legislação sobre branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo encontra neste alargamento subjectivo uma fonte acrescida de legitimação: não se trata já de proteger advogados e apenas advogados mas sim enfrentar actos que podem, não necessariamente, ser actos de advogados;

-» por outro, uma desconsideração ostensiva da valia do segredo profissional no quadro da desconsideração dos segredos em geral.

A ser tudo isto assim que se espera da Ordem dos Advogados, eis a questão?

Primeiro, que potenciando tudo quanto sejam iniciativas legislativas, crie uma zona de defeso dos interesses legítimos dos advogados, concretamente quanto ao livre exercício da profissão no quadro de uma livre concorrência, de modo a salvaguardar os actos para os quais se exija mais do que preparação técnica, habilitação certificada e disciplina deontológica.

Segundo que, a nível deontológico, leve a cabo uma prática não complacente com atentados aos interesses dos cidadãos e aos interesses de ordem pública que se encontram confiados a advogados, devolvendo à classe o prestígio e a probidade que retire pretexto a intromissões externas que vêm estribadas sob razão de suspeita sobre a advocacia em geral a partir de condutas de alguns advogados em particular.

Terceiro, que não ceda, agora especificamente em sede de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, quanto a ser, não apenas a entidade interlocutora entre o DCIAP e os advogados, como a entidade que efectua, em exclusivo, a compatibilização do dever legal de informação pelos advogados quanto a casos em que ocorra fundada suspeita daqueles crimes com o dever, também ele legal, de sigilo profissional.»

* imagem: lavadeiras de Caneças

Branqueamento de capitais: a rede 5G

Com ironia e trabalho minucioso Miguel da Câmara Machado orienta-nos desta versão actualizada do livro Regimes de Branqueamento de Capitais e Compliance Bancário pela profusa legislação sobre o sector.

A obra é antecedida de um prefácio que tem duas virtualidades (i) a de sistematizar a legislação que desde a década de noventa tem vindo a ser publicada no quadro europeu e transposta no plano nacional, arrumando o elenco por gerações [tal como nas gerações das comunicações, da 3G à 5G] (ii) fornecendo uma listagem da legislação em vigor, o que antecipa o índice do livro e melhor o permite compreender.

Segundo o autor são estas as cinco gerações normativas que se têm sucedido, em regime de sucessiva revogação:

-» a primeira geração, surgida no final dos anos oitenta, com início nos anos noventa, no contexto da luta contra o tráfico de droga, e que se consubstanciou (i) a nível europeu, na Directiva 91/308/CE, de 10 de Junho de 1991 (ii) a nível nacional no Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro [ver aqui, qual reviu a legislação sobre o tráfico de droga] e o Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro [ver aqui], «que introduziu os primeiros deveres de prevenção do branqueamento no nosso ordenamento jurídico»;

-»  a segunda geração, editada tomando como contexto os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 e orientadas, portanto para a tutela ante situações de terrorismo e que consistiu no seguintes normativos (i) a nível europeu, na Convenção do Conselho da Europa relativa ao branqueamento, detecção, apreensão e perda dos produtos do crime e ao financiamento do terrorismo (ii) ainda a nível europeu, no Regulamento (CE) 2580/2001, do Conselho, de 27 de Dezembro de 2001 (iii) ao mesmo nível, a Directiva 2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Dezembro de 2001 (iv) enfim, o Regulamento (CE) 1889/2005, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005 e (v) a nível nacional a Lei n.º 11/2004, de 27 de Março [ver aqui];

-» a terceira geração, caracterizada pelo reforço dos mecanismos internacionais ainda a propósito do terrorismo e da criminalidade internacional «que orientou os profissionais portugueses nesta matéria ao longo de uma época», expressa pelos seguintes instrumentos jurídicos (i) a nível europeu, a Directiva 2005/60/CE (ii) ainda a nível europeu, o Regulamento (CE) 178/2006, o qual foi concretizado entre nós pelo Decreto-Lei n.º 125/2008 (iii) ao mesmo nível, a Directiva 2006/70/CE, (iv) a nível nacional, transposta, tal como a Directiva anteriormente referida, pela Lei n.º 25/2008,  de 5 de Junho [ver aqui] sucessivamente alterada;

-»  a quarta geração, orientada ao combate contra a corrupção e os crimes fiscais, que se expressou (i) a nível europeu, na Directiva (UE) 2015/849, de 20 de Maio de 2015 (ii) ao mesmo nível na Directiva (UE) 2016/2258, de 6 de Dezembro de 2016 (iii) ainda a nível europeu nos Regulamentos (UE) 2018/1108, de 7 de Maio de 22018, (UE) 2016/1675, de Julho de 2016 e (UE) 2015/847, de 20 de Maio de 2015, o Regulamento (UE) 2018/1672, de 23 de Outubro e a Directiva (UE) 2018/1673, de 23 de Outubro (iii) no plano nacional pelo vulgarizado «pacote de 2017), formado pela Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto [ver aqui] e pelas Leis 89/2017, de 21 de Agosto [ver aqui], 92/2017,  de 26 de Agosto [ver aqui], 96/2017, de 23 de Agosto [ver aqui] e 97/2017, de 23 de Agosto [ver aqui]bem como em outros diplomas legais convergentes como a Lei n.º 15/2017, de 3 de Maio [ver aqui], o Decreto-Lei nº 123/2017, de 25 de Setembro [ver aqui], a Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2015, de 1 de Outubro [ver aqui] e a Portaria n.º 233/2018, de 21 de Agosto [ver aqui];

-» enfim, a quinta geração, traduzida na Directiva (UE) 2018/843, de 30 de Maio de 2018 [ver aqui], a qual deverá ser transposta para o Direito interno, até 10 de Janeiro de 2020

Crítico em relação ao que compendia, Miguel da Câmara Machado já havia, em prefácio à compilação anterior, perguntado sobre se estaríamos «entre um manual para branqueadores e um código sancionatório em branco». Agora, com humor, suscita a questão e saber se, tal como o quadro de Banski [ver aqui], estes regimes não se vão destruir «antes de acabarem de ser lidos (ou transpostos)», situação que, remata, seria «pior do que as dos filmes, onde as mensagens enviadas a Ethan Hunt se autodestruíam em 5 segundos», como o título do texto com que apresenta a obra: «Estes regimes vão autodestruir-se em 5 segundos».

Branqueamento de capitais: dia negro para a lista negra

O facto passou despercebido: a rejeição unânime pelos ministros da Justiça e do Interior da União Europeia do que seria a nova lista negra de países não cooperantes em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, a qual vinha proposta pela Comissão Europeia. 
Mais do que a rejeição, significativos são dois factos: a acusação apontada à Comissão de não ter sido transparente no processo e a fissura que parece existir quanto a esta matéria num momento particularmente sensível do processo. Ver a notícia oficial aqui.
Numa declaração pública, o Conselho justifica a sua decisão argumentando que «não pode apoiar a atual proposta, que não teve por base um processo transparente e resiliente que incentive ativamente os países afetados a tomar medidas decisivas e que respeite simultaneamente o seu direito a serem ouvidos». [ver o texto integral aqui]
A actual lista abrange 16 jurisdições, a proposta visava chegar ao número de 23 [ver o seu texto aqui], o que passava pela inclusão da Arábia Saudita, o Panamá, e quatro territórios norte-americanos [Samoa, USA Virgin Islands, Puerto Rico e Guam], para além do Afganistão, Bahamas, Coreia do Norte, Etiópia, Ghana, Irão, Iraque, Líbia, Bigéria, Paquistão, Sri Lanka, Síria, Trinidad e Tobago, Tunísia e Iémen.
A Comissão terá agora de propor um novo projeto de lista de países terceiros de risco elevado para dar resposta às preocupações dos Estados-Membros.

Troika Laundromat

Está na ordem do dia, a nível internacional, a discussão sobre a vantagem de se configurar um sistema europeu centralizado no combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
A questão surgiu ante um relatório, oriundo OCCRP [The Organized Crime and Corruption Report, link aqui] sobre o alegado envolvimento de bancos europeus num esquema de branqueamento referido com a Troika Laundromat, citado e ampliado depois por agências de notícias prestigiadas como a Bloomberg ou a Reuters e disseminadas por artigos na restante imprensa.
Segundo um ponto de vista, tal contaminação decorreria da ausência de policiamento centralizado europeu na matéria, o qual está actualmente confiado às autoridades e à legislação de cada um dos vinte e oito países que integram a União Europeia e que, com ritmos diferenciados, vão efectuando a transposição das Directivas Europeias. Em alguns casos com atraso, como o ilustrou o caso do Luxemburgo.
Complementarmente, uma política no sentido de agravar ainda mas a penalização dos bancos encontrados em contravenção das regras, cada vez mais apertadas, em matéria de branqueamento de capitais começa a ganhar corpo, desconsiderando o argumento de que fragilidade do sistema bancário mundial poderia ser agravada pelo incremento exponencial de multas que, sobretudo determinadas pelas autoridades norte-americanas, têm sido a ser aplicadas.
Novos tempos se adivinham na matéria.

Luxemburgo: branqueamento de capitais


Entrou em vigor a 1 de Março no Luxemburgo a Lei de 13 de Janeiro [aprovada a 13 de Janeiro e regulamentada a 15 de Fevereiro, ver a versão oficial da lei aqui e do regulamento aqui], que procede à transposição da 4ª Directiva europeia em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Aguarda-se a aprovação de um normativo que regule o registo central de beneficiários efectivos [actualmente ainda em projecto, n.º 7216B, ver aqui].
O Luxemburgo era, na Europa, um dos países mais criticados ante a circunstância do seu atraso na adequação às normas europeias na matéria.

Banco de Portugal: Aviso sobre branqueamento de capitais

Foi publicado o Aviso do Banco de Portugal n.º 2/2018, o qual, na sequência do determinado pela Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto e na Lei n.º 97/2017, de 23 de Agosto estabelece os aspectos necessários a assegurar o cumprimento dos deveres preventivos do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, no âmbito da actividade das entidades financeiras sujeitas à supervisão do Banco de Portugal. Texto integral, aqui. O normativo entra em vigor sessenta dias após a sua publicação, a qual ocorreu a 26 de Setembro.


Do preâmbulo, destacamos:

«A pertinência do presente Aviso decorre, assim, em primeira linha, da necessidade de dar cumprimento aos múltiplos mandatos dirigidos ao Banco de Portugal pelos diplomas a que se fez referência. Em razão, porém, das profundas alterações introduzidas pelo referido quadro legal e, bem assim, da sua sobreposição, em vários planos, com os vários diplomas regulamentares vigentes, impõe-se uma revisão das normas regulamentares aplicáveis nesta matéria, com particular destaque para o Aviso do Banco de Portugal n.º 5/2013, de 18 de dezembro, o qual será revogado com a aprovação do presente Aviso. Complementarmente, e em concretização do n.º 3 do artigo 154.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, o Banco de Portugal considera oportuno fazer aprovar um conjunto de normas destinadas a regulamentar os artigos 7.º, 8.º, 11.º e 12.º do Regulamento (UE) 2015/847, nas quais se incorporam as Orientações Conjuntas emitidas pelas Autoridades Europeias de Supervisão em conformidade com o artigo 25.º do Regulamento (UE) 2015/847.

«Adicionalmente, pelo presente Aviso pretende-se, ainda, contribuir para a simplificação do quadro regulamentar aplicável nesta matéria, pela sistematização num único Aviso, de matérias que atualmente se encontram dispersas por diferentes instrumentos regulamentares. Assim, e por um lado, procede-se, pelo presente Aviso, à unificação num mesmo reporte - o "Relatório de Prevenção do Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo" - da informação até aqui era transmitida ao Banco de Portugal por intermédio de dois reportes obrigatórios distintos: o Relatório de Prevenção do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo ("RPB") e do Questionário de Auto-Avaliação ("QAA"), regulados pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 9/2012 e pela Instrução n.º 46/2012, respetivamente. Em consequência deste novo regime, estes diplomas regulamentares serão revogados pela entrada em vigor do presente Aviso.

«Por outro lado, regulamentam-se, ainda, pelo presente Aviso os requisitos de admissibilidade do recurso à videoconferência e à identificação por prestadores qualificados de serviços de confiança, enquanto meios ou procedimentos alternativos de comprovação dos elementos identificativos que ofereçam graus de segurança idênticos aos exemplificados nas subalíneas i) e ii) da alínea c) do n.º 4 do artigo 25.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto. Incorpora-se, por esta via, o regime contido na Instrução n.º 9/2017, a qual será, por essa razão, revogada com a aprovação do presente Aviso.

«Por último, em concretização do disposto no artigo 67.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, consagra-se no presente Aviso um regime próprio aplicável ao Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo, em ordem a responder às suas especificidades.»

Revista do Ministério Público: n.º 153

Estão publicados na íntegra, no último número da Revista do Ministério Público os seguintes artigos com interesse jurídico-penal:

-» Américo Taipa de Carvalho: Recusa de médico: comentário actualizado ao artigo 284.º do Código Penal [aqui]
-» Carlos Casimiro Nunes: O Ministério Público na prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo [aqui]

-» Duarte Alberto Rodrigues Hunes: O crime de dano relativo a programas ou outros dados informáticos [aqui]

EUA: novas regras de due diligence para as instituições financeiras


A semana que passou teve como grande notícia a entrada em vigor, a 11 de Maio, nos Estados Unidos de um novo regime legal, aplicável ao sector financeiro, do Customer Due Diligence Requirements for Financial Institutions. O texto integral do novo regime pode ser encontrado aqui.
A nova regulação procede a uma alteração do Currency and Foreign Transactions Reporting Act, mais conhecido com BSA [Bank Secrecy Act, ver aqui], aprovado em 1970, no qual se clausulavam medidas de reporte às autoridades em caso de suspeita de branqueamento de capitais e fraude e por isso também denominado BSA/AML, legislação que foi complementada por outra, nomeadamente o Patriot Act de 26 de Outubro de 2001 [de seu nome completo o Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001, ver aqui o texto original].
As regras agora em vigor caracterizam-se por exigir que as instituições financeiras abrangidass estabeleçam e mantenham políticas e procedimentos escritos que sejam razoavelmente projectados para (i) identificar e verificar a identidade dos clientes (ii) identificar e verificar a identidade dos beneficiários efectivos das empresas que abrem contas (iii) compreender a natureza e o propósito das relações com o cliente para desenvolver perfis de risco do cliente; e (iv) realizar acompanhamento contínuo para identificar e relatar transacções suspeitas e, numa base de risco, manter e actualizar as informações dos clientes.

ASAE: branqueamento de capitais em consulta

A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica submeteu a consulta pública, até 16 de Abril de 2018, um projeto de Regulamento dos deveres gerais e específicos de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo previstos na Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto. O texto pode ser encontrado aqui.

Luxemburgo: "amnistia fiscal" e branqueamento

O ministro das Finanças do Luxemburgo, Pierre Gramegna, informou que a amnistia fiscal que vigorou durante o ano de 21017 permitiu um encaixe financeiro da ordem dos cinquenta milhões de euros. As primeiras estimativas apontavam para um valor da ordem dos trinta e seis milhões de euros. A Directora da administração fiscal para os impostos directos, Pascale Toussing, por seu turno aproveitou para explicar que a aplicação de uma lei [a Lei n. º 7020, de 23 de Dezembro de 2016, texto integral aqui] que antecipa o teor da 4ª Directiva sobre o branqueamento de capitais [(EU) 2015/849] havia contribuído para melhorar a imagem do país face ao exterior.

Dois comentários a propósito:

-» primeiro: a criminalização e a descriminalização fiscal tornaram-se generalizadamente meios coercivos discricionários de cobrança fiscal, com o Estado a fazer avançar e recuar a linha da frente da Justiça Penal consoante as suas necessidade de meios orçamentais;

-» segundo: se bem que a avaliação GAFI tenha reconhecido [ver aqui] que o país efectuou significativos progressos desde o ano de 2011 [altura em que, sujeito a uma avaliação efectuada em 2010 [texto aqui] saiu da lista cinzenta em função do escasso controlo do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo].

Branqueamento de capitais: novo Aviso do BdP em preparação

O Banco de Portugal submete a consulta pública, até 29 de março de 2018, um projeto de aviso sobre a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo. Com este projeto de aviso, pretende-se emitir um instrumento regulamentar que, entre outros aspetos, defina: 
As condições de exercício dos deveres preventivos do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo previstos nos Capítulos IV e V da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto;

Os meios e os mecanismos necessários ao cumprimento, pelas entidades financeiras, dos deveres previstos na Lei n.º 97/2017, de 23 de agosto, tendo em a vista aplicação e a execução de medidas restritivas aprovadas pela Organização das Nações Unidas ou pela União Europeia;

As medidas que os prestadores de serviços de pagamento devem adotar para detetar as transferências de fundos em que as informações sobre o ordenante ou o beneficiário são omissas ou incompletas e os procedimentos adequados a gerir as transferências de fundos que não sejam acompanhadas das informações requeridas pelo Regulamento (UE) 2015/847.

Pretende-se que o aviso revogue os seguintes instrumentos regulamentares: 
Aviso n.º 5/2013, de 18 de dezembro de 2013;
Aviso n.º 9/2012, de 29 de maio de 2012;

Conteúdo do projeto de aviso

Com o presente projeto de aviso, o Banco de Portugal pretende dar cumprimento aos mandatos que lhe são conferidos pela Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, e pela Lei n.º 97/2017, de 23 de agosto. Pretende ainda contribuir para a simplificação do quadro regulamentar aplicável em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, sistematizando num único aviso matérias que atualmente se encontram dispersas por diferentes instrumentos regulamentares. 

O projeto de aviso não vem, em geral, onerar mais as entidades financeiras relativamente ao quadro legal vigente. De facto, o Banco de Portugal procurou, no diploma que agora submete a consulta pública, conformar os deveres e as obrigações previstos nos diplomas legais às concretas realidades operativas específicas das entidades financeiras sujeitas à sua supervisão, nomeadamente detalhando e exemplificando os meios e os procedimentos que estas entidades devem adotar em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.

Relativamente ao quadro legal vigente, o projeto de aviso: 

Altera o âmbito subjetivo, dado que inclui: (i) as instituições de pagamento e as instituições de moeda eletrónica com sede noutro Estado-Membro da União Europeia, quando operem em território nacional através de agentes ou distribuidores; (ii) as entidades financeiras, ou outras de natureza equivalente, que operem em Portugal em regime de livre prestação de serviços, apenas para efeitos previstos no artigo 73.º da Lei n.º 83/2017;

Elimina a diferenciação de regime para as contas de depósito bancário;

Apresenta soluções adequadas ao desenvolvimento tecnológico e ao surgimento de procedimentos alternativos;

Prevê um regime simplificado para as operações de crédito;

Unifica num mesmo reporte – o “Relatório de Prevenção do Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo” − a informação até aqui era transmitida ao Banco de Portugal por intermédio de dois reportes obrigatórios distintos;

Prevê um regime próprio para o Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo;

Reforça os poderes do supervisor relativamente à pessoa designada para assegurar, nas instituições financeiras, o cumprimento do quadro normativo em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, considerando-a explicitamente como “titular de funções essenciais”.

Resposta à consulta pública

Apenas serão considerados os contributos que, até ao dia 29 de março de 2018, sejam remetidos ao Banco de Portugal, em formato editável, através do endereço de correio eletrónico averiguacao.accao.sancionatoria@bportugal.pt, com indicação em assunto «Resposta à Consulta Pública n.º 1/2018».

O Banco de Portugal publicará os contributos recebidos ao abrigo desta consulta pública, devendo os interessados que se oponham à publicação, integral ou parcial, da sua comunicação fazer disso menção no contributo que enviem, indicando expressa e fundamentadamente quais os excertos da sua comunicação a coberto de confidencialidade.

+
Fonte da imagem: aqui.

Branqueamento de capitais: esta quarta-feira

Agradecido à Delegação da Ordem dos Advogados de Setúbal que me confiou a responsabilidade. O tema tornou-se complexo e mais ainda com a pendência no Parlamento de uma iniciativa legislativa que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpondo a Diretiva (UE) n.º 2015/849 e executando o Regulamento (UE) n.º 2015/847. Ver aqui o texto respectivo e o estado dos trabalhos parlamentares.

Luxemburgo: advogados, contabilidade e branqueamento


A possibilidade de as contas bancárias de advogados poderem ser usadas para fins ilícitos, nomeadamente no quadro de actividades de branqueamento de capitais não é de excluir. A questão, quando suscitada é sempre polémica. A questão coloca-se mesmo quanto a contas de terceiros, que o advogado abra especificamente para o efeito de gerir verbas que lhe hajam sido confiadas.
A Ordem dos Advogados do Luxemburgo [portal aqui] editou regulamentação no sentido de monitorar a situação a partir do exame aleatório da contabilidade dos escritórios de advogados. Não se trata, pois, de intromissão nas contas bancárias onde estejam depositados os valores recebidos, sim da contabilidade que os evidencie.
Trata-se do Regulamento Interno da Ordem, de 14.09.2016, publicado na folha oficial do dia 31.10.2016. Ver o texto aqui.  Modifica o regulamento geral da Ordem de 09.01.2013 [ver o texto oficial aqui].
O Regulamento permite à Ordem um sistema de controlo aleatório da contabilidade dos escritórios de advogados e, por esta forma, umas fiscalização do uso dado a esse tipo de contas.

Notícias ao Domingo!


Portugal/financeiro/branqueamento de capitais e comunicação automática de informações: o Decret-Lei n.º 64/2016 de 11.10.2016 [texto aqui] «no uso da autorização legislativa concedida pelos n.os 1, 2 e 3 do artigo 188.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, regula a troca automática de informações obrigatória no domínio da fiscalidade e prevê regras de comunicação e de diligência pelas instituições financeiras relativamente a contas financeiras, transpondo a Diretiva n.º 2014/107/UE, do Conselho, de 9 de dezembro de 2014, que altera a Diretiva n.º 2011/16/UE»

-» PGR/boletim bibliográfico: tem a forma de ebook e é uma referência. O último número referente a Outubro pode ser consultado aqui.

-» Portugal/dolo no peculato/Acórdão da RP. o Acórdão da Relação do Porto de 28.09.2016 [relator Neto de Moura, texto integral aqui] considerou que: «No que tange ao elemento volitivo, o tipo legal não exige um específico propósito apropriativo (como no furto), basta-se com a vontade, livre e consciente, de praticar actos concludentes de apropriação do bem». 

Numa monografia que dediquei ao crime, sugeri que o tipo incriminador admitia uma configuração mais ampla, pois escrevi que (...) verifica-se, no que ao peculato respeita, uma mutação psicológica no agente do ilícito que, da realização mental de ser mero possuidor do que não é seu, passa a assumir a atitude mental de quem é dono, agindo como tal, ou seja, transforma a posse em domínio; ou então quando, num diverso registo em que o crime de peculato também pode ser cometido, quando o agente do ilícito desvia o bem em causa da finalidade à qual este se encontra legalmente consignado e e ele bem conhece e dá-lhe uma intencional aplicação que entra em colisão com o que exigem os seus deveres funcionais».

-» Burla tributária/idoneidade do meio/Acórdão da RP: o Acórdão da Relação do Porto de 28.09.2016 [relator Francisco Mota Ribeiro, texto integral aqui] sentenciou nos seguintes termos: «No crime de burla tributária, estando em causa uma "burla por palavras ou declarações expressas", é à luz da conduta do arguido e do conteúdo dessas declarações, que deverá ser apreciada a existência por parte deste do "domínio do erro" que provoca a acção enganosa idónea a causar o enriquecimento do agente e o empobrecimento da administração.» 

Desenvolvendo o raciocínio, explicitou o aresto: «(...) coloca o recorrente o epicentro da sua discordância na impossibilidade, face aos factos dados como provados nos autos, de se considerar positivamente preenchido o requisito, defendido por alguns autores[3], da idoneidade do meio empregue para enganar a administração, determinando-a a realizar a prestação.Sob a epígrafe “burla tributária”, estabelece o nº 1 do art.º 87º do RGIT que “Quem, por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos, determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efetuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro é punido com prisão até três anos ou multa até 360 dias.” Acrescentando-se no nº 2 do mesmo artigo que se a atribuição patrimonial for de valor elevado, a pena é de prisão de cinco anos ou multa até 360 dias. Como refere Germano Marques da Silva[4], o crime de burla tributária, embora com especificidades relevantes, foi estruturado nos moldes do correspondente ao crime de burla do art.º 217º do CP, e teve em vista pôr termo à discussão que até aí se verificava na doutrina e na jurisprudência sobre se o comportamento constitutivo do crime de burla comum, quando tivesse por finalidade uma prestação de natureza tributária, se enquadraria ainda no âmbito da fraude fiscal ou seria punível como crime comum. E não havendo quaisquer divergências quanto aos elementos objetivos do tipo-de-ilícito do art.º 87º, designadamente o “uso de engano sobre factos por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos – entendendo-se aqui como meios fraudulentos qualquer outro meio enganoso, além, portanto, das falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante -, nem sobre o elemento da determinação da administração tributária ou da segurança social a efetuar atribuições patrimoniais que levaram ao enriquecimento do agente ou de terceiro, tais divergências já surgem quanto ao facto de saber se, entre estes tais elementos, além de uma relação de causalidade, terá ou não de existir uma idoneidade dos meios fraudulentos empregues para determinar a administração a proceder às atribuições patrimoniais indevidas. É certo que no tipo-de-ilícito comum, previsto no artigo 217º, nº 1, do CP, se refere expressamente o “erro ou engano astuciosamente provocado”, que aparentemente se poderá considerar afastado na construção do tipo do art.º 87º, porquanto este parece bastar-se com o mero erro ou engano provocado, nos termos ou pelos meios aí descritos (falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos), sendo defensável, porém, que embora a referência expressa à astúcia, na descrição do tipo, esteja aí ausente, ela subjaz à descrição dos meios que aí é feita e, sobretudo, à natureza fraudulenta dos mesmos[5]. Não é, no entanto, o sentido e alcance das normas relativas à descrição dos elementos constitutivos do tipo, supra referidas, que aqui está em causa, mas sim a relação de idoneidade ou não que entre esses elementos possa haver, e mais precisamente saber se só haverá crime se os meios fraudulentos usados forem idóneos à determinação da administração tributária ou da administração da segurança social em efetuar a atribuição patrimonial ao agente ou a terceiro. Isto não obstante poder afirmar-se, tautologicamente, que a idoneidade dos meios usados resultaria já do facto de os mesmos serem fraudulentos, em si mesmo considerados, pois situações haverá em que na sua apreciação isolada, sem a necessária visão unitária dos factos e sem a perceção do contexto em que se gera a conduta do agente, a respetiva conduta poderá até parecer inócua, pelo menos de um posto de vista jurídico-penal. Acontece, porém, que se forem avaliadas as circunstâncias em que o agente atuou, delas ressaltará sempre a assunção por parte deste de uma conduta que se caracteriza normalmente pelo recurso natural a uma “economia de esforço”, pautada por uma adequação dos meios empregues às especificidades do caso e, nomeadamente, do agente[6]. Por isso mesmo, e no que toca ao funcionamento e à utilização dos meios enganosos ou fraudulentos e à sua idoneidade para provocar o enriquecimento do agente ou de terceiro, bem como o correlativo empobrecimento da administração, e estando nós perante a possibilidade de uma “burla por palavras ou declarações expressas”, tais palavras ou declarações, mais do que a configuração externa que possam ter, em si, ou quando isoladamente consideradas, será a sua valoração, à luz da conduta adotada pelo agente, bem como do conteúdo comunicacional que a essa mesma conduta revela e representa para o burlado e para a determinação do comportamento deste, que deverá ser tida em conta, e globalmente considerada, em termos de se poder concluir que tal conduta, no caso concreto, traduz um “domínio do erro” por parte do agente, isto é do estado de erro e do circunstancialismo em que o burlado se encontra, e que por isso acaba por atuar em ordem a satisfazer os objetivos visados por aquele, e em termos tais que se pode concluir que o comportamento do agente viola flagrantemente o princípio da boa fé, em sentido objetivo, no sentido de “refletir uma deslealdade tida por inadmissível no comércio jurídico”[7], revelando-se por isso idóneo a produzir o resultado pretendido. E exemplos disso, ou dessa idoneidade entre a conduta adotada, em termos de previsão típica, e o resultado alcançado, são precisamente, como acontece no caso dos autos, “a apresentação de documento falso ou de documento que, não sendo falso, não fundamenta (ou não fundamenta ainda) determinada pretensão”, designadamente “a solicitação de subsídios ou comparticipações para despesas não efetuadas”[8].
+
[3] Discordando Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, in Regime Geral das Infrações Tributárias anotado, 4ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, p. 601, ao considerarem que que “se o engano é produzido e se lhe segue o enriquecimento ilegítimo não há lugar a indagações sobre a idoneidade do meio empregue, considerada abstratamente”. Sendo que opinião contrária tem Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Tributário", Universidade Católica Editora, Lisboa 2009, p. 191, e Carlos Teixeira e Sofia Gaspar, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa 2009, Lisboa, 2011, p. 413.
[4] Idem, p. 190.
[5] Assim o entendem Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, obra citada, p. 600.
[6] ) Cfr. A. M. Almeida Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 294 e sgs..
[7] A. M. Almeida Costa, idem, p. 217.
[8] ) A. M. Almeida Costa, idem, p. 302.

-» Portugal/Relatório da visita do Provedor de Justiça ao EP do Funchal: são de refinado recorte literários e escritos em estilo pessoal os relatórios do Provedor. O sétimo, atinente à visita efectuada a 19 de Julho ao EP do Funchal pode ser lido aqui. O remate dita o tom que não enfraquece a verdade sentida ante o visto: «11h:15m –Saí. O céu permanece limpo e azul. Cá fora, as pessoas circulam; há toda uma rotina a observar, sítios onde ir e compromissos a cumprir. Lá dentro, na prisão, um outro quotidiano se impõe. É quase hora de almoço e meio dia já está praticamente passado. Será que hoje a sopa chegou quente?»  

Outros relatórios podem ser lidos como o do Monsanto [aqui], Ponta Delgada [aqui], Coimbra [aqui], Vale de Juseus [aqui], Tires [aqui], Lisboa [aqui]

-» Portugal/Declaração de Lisboa do encontro dos PGR's da CPLP: o texto da declaração pode ser encontrado aqui. Como resultado final deliberaram «Assumir o compromisso de promover o cumprimento das metas do objetivo 16 da Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, no âmbito das suas competências e atribuições.», que de seguida transcrevo [e que se encontra na íntegra aqui]: 

«Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis
16.1 Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada em todos os lugares
16.2 Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças
16.3 Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos
16.4 Até 2030, reduzir significativamente os fluxos financeiros e de armas ilegais, reforçar a recuperação e devolução de recursos roubados e combater todas as formas de crime organizado
16.5 Reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas
16.6 Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis
16.7 Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis
16.8 Ampliar e fortalecer a participação dos países em desenvolvimento nas instituições de governança global
16.9 Até 2030, fornecer identidade legal para todos, incluindo o registro de nascimento
16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais
16.a Fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive por meio da cooperação internacional, para a construção de capacidades em todos os níveis, em particular nos países em desenvolvimento, para a prevenção da violência e o combate ao terrorismo e ao crime
16.b Promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável»

-
» Portugal/CEJ/contra-ordenações tributárias e processo tributário: o muito interessante ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários em Setembro de 2016 pode ser lido aqui.
-» Portugal/registo criminal/condenação em pena prisão suspensa: o Acórdão n.º 13/2016 do STJ [texto aqui] uniformizou jurisprudência ao ter decidido que «a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro».
-» Portugal/STJ/50 anos de Código Civil: terá lugar no Supremo Tribunal de Justiça no próximo dia 27 deste mês o Colóquio comemorativo dos 50 anos do Código Civil. Para mais ver aqui
Com ele a visão antropocêntrica do Direito era apeada em favor do tecnicismo germanófilo. A um Código - o de 1867, seu antecessor, o do Visconde de Seabra [texto original aqui] - que se inaugurava com um artigo em que o o ser humano era o destinatário de todas as previsões, o actor essencial da cena normativa [artigo 1º: «Só homem é susceptível de direitos e obrigações. Nisto consiste a sua capacidade jurídica ou personalidade»], sucedeu agora um outro em suja sistemática o Homem era degradado a mero «sujeito», ao lado de categoriais conceituais tidas como de igual valência, o «objecto», o «facto» e a «garantia». E assim se contaminou todo o sistema jurídico. Tentaram ensinar-me até Direito Romano com essa arrumação das noções que os romanos nem suspeitavam então, quando editaram as suas leis, viessem alguma vez a existir! Assim o Direito, tornado técnica, julgou-se «ciência», quando, afinal, é arte e prudência. A hermenêutica e o positivismo legalista encarregaram-se do resto, o legal passou a ser por essência o único justo. 
Poucos se lembram que em homenagem foi editado em 1967 um selo comemorativo do acto, hoje raridade filatélica Custava vinte e cinco tostões. 

-» OCDE/protecção efectiva de delatores: ver o relatório da OCDE sobre a protecção dos "tocadores de apito" (whistleblower's) aqui.
Segundo a linha política que a OCDE pretende implementar [ver aqui] Encouraging employees to report wrongdoing ("or blow the whistle"), and protecting them when they do, is an important part of corruption prevention in both the public and private sectors. Employees are usually the first to recognise wrongdoing in the workplace, so empowering them to speak up without fear of reprisal can help authorities both detect and deter violations. In the public sector, protecting whistleblowers can make it easier to detect passive bribery, the misuse of public funds, waste, fraud and other forms of corruption. In the private sector, it helps authorities identify cases of active bribery and other corrupt acts committed by companies, and also helps businesses prevent and detect bribery in commercial transactions. Whistleblower protection is thus essential to safeguarding the public interest and to promoting a culture of public accountability and integrity.

-» Reino Unido/Criminal Finances Bill: visando o combate ao branqueamento de capitais, recuperação de produtos do crime e combate ao terrorismo, o Reino Unido pretende introduzir a legislação de que se publica aqui a notícia e aqui os documentos respectivos, incluindo o projecto de lei.
-» A ver: Nürnberg antes e depois: um apontamento memorial sobre a mítica dos lugares. Tribunal não o lugar simbólico, nem o que ele representa ou as leis que o fundamentem. Ainda hoje tudo o que foi erigido em nome da justiça é discutido, a natureza retroactiva das leis editadas para o efeito, o carácter selectivo dos acusados, a composição do tribunal, a discrepância das penas. Sobre o julgamento ver aqui e aqui. A própria discutibilidade é problemática.



Notícias ao Domingo!


Portugal/financeiro/branqueamento de capitais e comunicação automática de informações: o Decret-Lei n.º 64/2016 de 11.10.2016 [texto aqui] «no uso da autorização legislativa concedida pelos n.os 1, 2 e 3 do artigo 188.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, regula a troca automática de informações obrigatória no domínio da fiscalidade e prevê regras de comunicação e de diligência pelas instituições financeiras relativamente a contas financeiras, transpondo a Diretiva n.º 2014/107/UE, do Conselho, de 9 de dezembro de 2014, que altera a Diretiva n.º 2011/16/UE»

-» PGR/boletim bibliográfico: tem a forma de ebook e é uma referência. O último número referente a Outubro pode ser consultado aqui.

-» Portugal/dolo no peculato/Acórdão da RP. o Acórdão da Relação do Porto de 28.09.2016 [relator Neto de Moura, texto integral aqui] considerou que: «No que tange ao elemento volitivo, o tipo legal não exige um específico propósito apropriativo (como no furto), basta-se com a vontade, livre e consciente, de praticar actos concludentes de apropriação do bem». 

Numa monografia que dediquei ao crime, sugeri que o tipo incriminador admitia uma configuração mais ampla, pois escrevi que (...) verifica-se, no que ao peculato respeita, uma mutação psicológica no agente do ilícito que, da realização mental de ser mero possuidor do que não é seu, passa a assumir a atitude mental de quem é dono, agindo como tal, ou seja, transforma a posse em domínio; ou então quando, num diverso registo em que o crime de peculato também pode ser cometido, quando o agente do ilícito desvia o bem em causa da finalidade à qual este se encontra legalmente consignado e e ele bem conhece e dá-lhe uma intencional aplicação que entra em colisão com o que exigem os seus deveres funcionais».

-» Burla tributária/idoneidade do meio/Acórdão da RP: o Acórdão da Relação do Porto de 28.09.2016 [relator Francisco Mota Ribeiro, texto integral aqui] sentenciou nos seguintes termos: «No crime de burla tributária, estando em causa uma "burla por palavras ou declarações expressas", é à luz da conduta do arguido e do conteúdo dessas declarações, que deverá ser apreciada a existência por parte deste do "domínio do erro" que provoca a acção enganosa idónea a causar o enriquecimento do agente e o empobrecimento da administração.» 

Desenvolvendo o raciocínio, explicitou o aresto: «(...) coloca o recorrente o epicentro da sua discordância na impossibilidade, face aos factos dados como provados nos autos, de se considerar positivamente preenchido o requisito, defendido por alguns autores[3], da idoneidade do meio empregue para enganar a administração, determinando-a a realizar a prestação.Sob a epígrafe “burla tributária”, estabelece o nº 1 do art.º 87º do RGIT que “Quem, por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos, determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efetuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro é punido com prisão até três anos ou multa até 360 dias.” Acrescentando-se no nº 2 do mesmo artigo que se a atribuição patrimonial for de valor elevado, a pena é de prisão de cinco anos ou multa até 360 dias. Como refere Germano Marques da Silva[4], o crime de burla tributária, embora com especificidades relevantes, foi estruturado nos moldes do correspondente ao crime de burla do art.º 217º do CP, e teve em vista pôr termo à discussão que até aí se verificava na doutrina e na jurisprudência sobre se o comportamento constitutivo do crime de burla comum, quando tivesse por finalidade uma prestação de natureza tributária, se enquadraria ainda no âmbito da fraude fiscal ou seria punível como crime comum. E não havendo quaisquer divergências quanto aos elementos objetivos do tipo-de-ilícito do art.º 87º, designadamente o “uso de engano sobre factos por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos – entendendo-se aqui como meios fraudulentos qualquer outro meio enganoso, além, portanto, das falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante -, nem sobre o elemento da determinação da administração tributária ou da segurança social a efetuar atribuições patrimoniais que levaram ao enriquecimento do agente ou de terceiro, tais divergências já surgem quanto ao facto de saber se, entre estes tais elementos, além de uma relação de causalidade, terá ou não de existir uma idoneidade dos meios fraudulentos empregues para determinar a administração a proceder às atribuições patrimoniais indevidas. É certo que no tipo-de-ilícito comum, previsto no artigo 217º, nº 1, do CP, se refere expressamente o “erro ou engano astuciosamente provocado”, que aparentemente se poderá considerar afastado na construção do tipo do art.º 87º, porquanto este parece bastar-se com o mero erro ou engano provocado, nos termos ou pelos meios aí descritos (falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos), sendo defensável, porém, que embora a referência expressa à astúcia, na descrição do tipo, esteja aí ausente, ela subjaz à descrição dos meios que aí é feita e, sobretudo, à natureza fraudulenta dos mesmos[5]. Não é, no entanto, o sentido e alcance das normas relativas à descrição dos elementos constitutivos do tipo, supra referidas, que aqui está em causa, mas sim a relação de idoneidade ou não que entre esses elementos possa haver, e mais precisamente saber se só haverá crime se os meios fraudulentos usados forem idóneos à determinação da administração tributária ou da administração da segurança social em efetuar a atribuição patrimonial ao agente ou a terceiro. Isto não obstante poder afirmar-se, tautologicamente, que a idoneidade dos meios usados resultaria já do facto de os mesmos serem fraudulentos, em si mesmo considerados, pois situações haverá em que na sua apreciação isolada, sem a necessária visão unitária dos factos e sem a perceção do contexto em que se gera a conduta do agente, a respetiva conduta poderá até parecer inócua, pelo menos de um posto de vista jurídico-penal. Acontece, porém, que se forem avaliadas as circunstâncias em que o agente atuou, delas ressaltará sempre a assunção por parte deste de uma conduta que se caracteriza normalmente pelo recurso natural a uma “economia de esforço”, pautada por uma adequação dos meios empregues às especificidades do caso e, nomeadamente, do agente[6]. Por isso mesmo, e no que toca ao funcionamento e à utilização dos meios enganosos ou fraudulentos e à sua idoneidade para provocar o enriquecimento do agente ou de terceiro, bem como o correlativo empobrecimento da administração, e estando nós perante a possibilidade de uma “burla por palavras ou declarações expressas”, tais palavras ou declarações, mais do que a configuração externa que possam ter, em si, ou quando isoladamente consideradas, será a sua valoração, à luz da conduta adotada pelo agente, bem como do conteúdo comunicacional que a essa mesma conduta revela e representa para o burlado e para a determinação do comportamento deste, que deverá ser tida em conta, e globalmente considerada, em termos de se poder concluir que tal conduta, no caso concreto, traduz um “domínio do erro” por parte do agente, isto é do estado de erro e do circunstancialismo em que o burlado se encontra, e que por isso acaba por atuar em ordem a satisfazer os objetivos visados por aquele, e em termos tais que se pode concluir que o comportamento do agente viola flagrantemente o princípio da boa fé, em sentido objetivo, no sentido de “refletir uma deslealdade tida por inadmissível no comércio jurídico”[7], revelando-se por isso idóneo a produzir o resultado pretendido. E exemplos disso, ou dessa idoneidade entre a conduta adotada, em termos de previsão típica, e o resultado alcançado, são precisamente, como acontece no caso dos autos, “a apresentação de documento falso ou de documento que, não sendo falso, não fundamenta (ou não fundamenta ainda) determinada pretensão”, designadamente “a solicitação de subsídios ou comparticipações para despesas não efetuadas”[8].
+
[3] Discordando Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, in Regime Geral das Infrações Tributárias anotado, 4ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, p. 601, ao considerarem que que “se o engano é produzido e se lhe segue o enriquecimento ilegítimo não há lugar a indagações sobre a idoneidade do meio empregue, considerada abstratamente”. Sendo que opinião contrária tem Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Tributário", Universidade Católica Editora, Lisboa 2009, p. 191, e Carlos Teixeira e Sofia Gaspar, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. 2, Universidade Católica Editora, Lisboa 2009, Lisboa, 2011, p. 413.
[4] Idem, p. 190.
[5] Assim o entendem Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, obra citada, p. 600.
[6] ) Cfr. A. M. Almeida Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 294 e sgs..
[7] A. M. Almeida Costa, idem, p. 217.
[8] ) A. M. Almeida Costa, idem, p. 302.

-» Portugal/Relatório da visita do Provedor de Justiça ao EP do Funchal: são de refinado recorte literários e escritos em estilo pessoal os relatórios do Provedor. O sétimo, atinente à visita efectuada a 19 de Julho ao EP do Funchal pode ser lido aqui. O remate dita o tom que não enfraquece a verdade sentida ante o visto: «11h:15m –Saí. O céu permanece limpo e azul. Cá fora, as pessoas circulam; há toda uma rotina a observar, sítios onde ir e compromissos a cumprir. Lá dentro, na prisão, um outro quotidiano se impõe. É quase hora de almoço e meio dia já está praticamente passado. Será que hoje a sopa chegou quente?»  

Outros relatórios podem ser lidos como o do Monsanto [aqui], Ponta Delgada [aqui], Coimbra [aqui], Vale de Juseus [aqui], Tires [aqui], Lisboa [aqui]

-» Portugal/Declaração de Lisboa do encontro dos PGR's da CPLP: o texto da declaração pode ser encontrado aqui. Como resultado final deliberaram «Assumir o compromisso de promover o cumprimento das metas do objetivo 16 da Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, no âmbito das suas competências e atribuições.», que de seguida transcrevo [e que se encontra na íntegra aqui]: 

«Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis
16.1 Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada em todos os lugares
16.2 Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças
16.3 Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos
16.4 Até 2030, reduzir significativamente os fluxos financeiros e de armas ilegais, reforçar a recuperação e devolução de recursos roubados e combater todas as formas de crime organizado
16.5 Reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas
16.6 Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis
16.7 Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis
16.8 Ampliar e fortalecer a participação dos países em desenvolvimento nas instituições de governança global
16.9 Até 2030, fornecer identidade legal para todos, incluindo o registro de nascimento
16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais
16.a Fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive por meio da cooperação internacional, para a construção de capacidades em todos os níveis, em particular nos países em desenvolvimento, para a prevenção da violência e o combate ao terrorismo e ao crime
16.b Promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável»

-
» Portugal/CEJ/contra-ordenações tributárias e processo tributário: o muito interessante ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários em Setembro de 2016 pode ser lido aqui.
-» Portugal/registo criminal/condenação em pena prisão suspensa: o Acórdão n.º 13/2016 do STJ [texto aqui] uniformizou jurisprudência ao ter decidido que «a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro».
-» Portugal/STJ/50 anos de Código Civil: terá lugar no Supremo Tribunal de Justiça no próximo dia 27 deste mês o Colóquio comemorativo dos 50 anos do Código Civil. Para mais ver aqui
Com ele a visão antropocêntrica do Direito era apeada em favor do tecnicismo germanófilo. A um Código - o de 1867, seu antecessor, o do Visconde de Seabra [texto original aqui] - que se inaugurava com um artigo em que o o ser humano era o destinatário de todas as previsões, o actor essencial da cena normativa [artigo 1º: «Só homem é susceptível de direitos e obrigações. Nisto consiste a sua capacidade jurídica ou personalidade»], sucedeu agora um outro em suja sistemática o Homem era degradado a mero «sujeito», ao lado de categoriais conceituais tidas como de igual valência, o «objecto», o «facto» e a «garantia». E assim se contaminou todo o sistema jurídico. Tentaram ensinar-me até Direito Romano com essa arrumação das noções que os romanos nem suspeitavam então, quando editaram as suas leis, viessem alguma vez a existir! Assim o Direito, tornado técnica, julgou-se «ciência», quando, afinal, é arte e prudência. A hermenêutica e o positivismo legalista encarregaram-se do resto, o legal passou a ser por essência o único justo. 

Poucos se lembram que em homenagem foi editado em 1967 um selo comemorativo do acto, hoje raridade filatélica Custava vinte e cinco tostões. 

-» OCDE/protecção efectiva de delatores: ver o relatório da OCDE sobre a protecção dos "tocadores de apito" (whitleblower's) aqui.
Segundo a linha política que a OCDE pretende implementar [ver aqui] Encouraging employees to report wrongdoing ("or blow the whistle"), and protecting them when they do, is an important part of corruption prevention in both the public and private sectors. Employees are usually the first to recognise wrongdoing in the workplace, so empowering them to speak up without fear of reprisal can help authorities both detect and deter violations. In the public sector, protecting whistleblowers can make it easier to detect passive bribery, the misuse of public funds, waste, fraud and other forms of corruption. In the private sector, it helps authorities identify cases of active bribery and other corrupt acts committed by companies, and also helps businesses prevent and detect bribery in commercial transactions. Whistleblower protection is thus essential to safeguarding the public interest and to promoting a culture of public accountability and integrity.

-» Reino Unido/Criminal Finances Bill: visando o combate ao branqueamento de capitais, recuperação de produtos do crime e combate ao terrorismo, o Reino Unido pretende introduzir a legislação de que se publica aqui a notícia e aqui os documentos respectivos, incluindo o projecto de lei.
-» A ver: Nürnberg antes e depois: um apontamento memorial sobre a mítica dos lugares. Tribunal não o lugar simbólico, nem o que ele representa ou as leis que o fundamentem. Ainda hoje tudo o que foi erigido em nome da justiça é discutido, a natureza retroactiva das leis editadas para o efeito, o carácter selectivo dos acusados, a composição do tribunal, a discrepância das penas. Sobre o julgamento ver aqui e aqui. A própria discutibilidade é problemática.