Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Adiamentos, férias, e o jogo do pião

Ter feito parte da Comissão de que saiu o Código de Processo Penal de 1987 e ter ainda conservada uma relativa memória faz-me ter por vezes um pensamento que se diria pessimista se não fora realista.
Quis-se então, após acalorada discussão, evitar os adiamentos sucessivos de audiências, sobretudo aqueles que faziam mediar entre cada sessão um tempo tido por inaceitável.
O Código iria reflectir, de entre os vários princípios programáticos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a ideia do tempo razoável para a justiça restituir a paz social através de um processo que só assim seria justo.
Entre as várias soluções propostas - e todas elas sopesando experiências transactas que haviam redundado em fracasso - triunfou a de prever um prazo - trinta dias - entre cada adiamento de audiência, e uma penalização: a caducidade da prova.
A primeira partiu de uma asserção, a de para além de trinta dias, a memória humana, mesmo a privilegiada memória judicial - ademais a de quem tenha que reter factos de vários processos e sobretudo complexos - já começa a sofrer dúvidas e incertezas; a segunda resultou de uma constatação: a de norma procedimental para a qual o legislador não fixe sanção é, lamentavelmente, norma para não cumprir * .
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Ante isto a jurisprudência que fez?
Começou por duvidar sobre se, estando a prova gravada e podendo qualquer dos intervenientes processuais - maxime os juízes - consultarem as gravações, se justificaria este fundamento de perda de memória e se, nesse caso, o regime se aplicaria.
Depois, tendo de cumprir em férias judiciais, o ritual de designar audiência para que prova se produzisse, e tantas vezes ocorrendo que se tratava de mera burocracia - que um espírito irónico sintetizou, ante o caricato do que amiúda ocorria, com o «perguntar as horas ao arguido ou a uma testemunha e já está!» - e ante o desprestígio que tal implicava - pois continuar julgamentos em férias, eis algo que a pouquíssimos agradava - pura e simplesmente veio o legislador em socorro dos recalcitrantes e, com perda de memória ou em ela, já que a prova é gravada, pura e simplesmente os trinta dias contam sim, mas nas férias não!
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Eis os números 6 e 7 do artigo 328º do CPP, tal como resulta da Declaração de Rectificação n.º 105/2007, a qual, como se lembrarão alguns - foi há mais de trinta dias! - Rectifica a Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, de 26 de Outubro, que rectifica a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que procede à 15.ª alteração e republica o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro:

«(..)

6 - O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso, deve o respectivo motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita. 
7 - Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, não é considerado o período das férias judiciais, nem o período em que, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova, a prolação de sentença ou que, em via de recurso, o julgamento seja anulado parcialmente, nomeadamente para repetição da prova ou produção de prova suplementar. 

(...)»

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Não gosto de ter opiniões definitivas. Mas pergunto se há lógica nisto porque, a existir, que se acabasse de vez com os trinta dias em férias e antes delas e ficasse a regra de que os julgamento começam quando é possível, continuam quando houver possibilidade e terminam quando chegar o momento. Claro que há a imediação e a concentração e todos esses princípios maiores do processo penal - e há quem ensine este ramo do Direito só com base em princípios, gerando ilusões - mas, ante a prática que os desmente, que melhor fazer do que uma legislação de franqueza?
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Dirão que o que acima fica é cinismo ou ironia. Seguramente sim. Estaria sempre contra uma tal lei, como estive contra aqueles casos em que para uma sessão vi marcados vários julgamentos, de que se faz um pouco de um e um pouco de outro, e assim sucessivamente, vários por manhã, outros por tarde, como piões vários a rodopiar.
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* Veja-se o que se passou em matéria dos prazos de duração do inquérito. Bem escreveu o legislador do artigo 276º do Código de Processo Penal e por duas vezes - uma na epígrafe do preceito outra no corpo do seu número 1 - que se tratava de prazos «máximos». Como para o desrespeito desses prazos não estipulou sanção, nem outra consequência salvo a inoperante aceleração - porque não sendo um mecanismo de habeas actum não contém uma intimação a agir, mas mera recomendação para que se aja - ficou tudo como aquilo que hoje é matéria de polémica na comunicação social: em suma, havendo prazos máximos escritos naquele artigos eles são, afinal, outros, pois o inquérito pode eternizar-se até à prescrição do procedimento criminal. Isto é, como se o legislador tivesse previsto: «O Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação nos prazos máximos previstos nos artigos 118º a 121º do Código Penal» [seja os respeitantes aos prazos de prescrição do procedimento criminal].
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Fonte da imagem: aqui

Comparação e velocidade

Não é comparável o sistema de justiça civil italiano com o nosso, como, em rigor, nenhum sistema é comparável com outro, talvez idêntico, por mais que finjam ignorá-lo ou se esforcem por demonstrar o contrário os maníacos da citação, espécie de erudição sustentada no argumento da autoridade alheia.
Mas algo surge na Itália a braços com dificuldades financeiras que passou a fazer parte da cultura jurídica economicista dos tempos contemporâneos: a celeridade processual. Entra hoje em vigor, naquele País, uma lei para evitar os recursos em processo civil e para lhes reduzir o âmbito em nome do depressa, mais depressa, porque mais barato. Pode ler-se aqui.

Juiz das liberdades, não das dificuldades

Não sei se com razão pois não conheço o caso e apenas posso aquilatar pelo que leio e não quero incorrer em superficialidade. Mas a expressão mais do que um estado de alma traduz um verdadeiro programa de acção: «2. O Juiz de Instrução Criminal deve ser o juiz que acautela as liberdades dos cidadãos face à impetuosidade da investigação criminal, mas não tem de ser o juiz das dificuldades sistemáticas para a investigação criminal.».
É a Relação de Évora no seu Acórdão de 26.06.12 [relator Martinho Cardoso, texto integral aqui].

Aceleração máxima

Eu sei que é um contributo modesto, mas é de boa vontade e à medida das minhas possibilidades. De acordo com as estatísticas «o País fecha o ano com mais de 1,6 milhões de processos pendentes nos tribunais, em média 950 por cada magistrado». Ora, tendo de cumprir aquilo a que nos obrigámos ante a "troika" que nos governa temos de eliminar as pendências nos tribunais, aumentando a rapidez processual. Mais depressa, mais depressa, cada vez mais depressa. 
Seguramente haverá doutos e sábios a estudarem como. Esta manhã lembrei-me desta. Está tudo no Charlot.

O auto de fé

São inaceitáveis as manobras dilatórias, a chicana processual, o advogar manifestamente contra lei expressa. A possibilidade legal de o juiz condenar a parte como litigante de má fé existe, mas os tribunais têm disso feito uso moderado.
Rui Andrade, que é advogado, recorda aqui que:

«No momento em que se discute a necessidade de mais uma reforma do processo civil, não podia ser mais pertinente o estudo levado a cabo pela Direcção-Geral da Política de Justiça, realizado durante o ano de 2010 e tornado público no passado dia 3 de Maio, no âmbito do qual foi produzido o relatório “Avaliação do Impacto do Regime Jurídico da Litigância de Má-Fé”. Conclui-se, no referido estudo, que o instituto tem pouca ou nenhuma aplicação prática e que só em casos muito excepcionais, gritantes mesmo, os nossos tribunais a ele recorrem e que, quando o fazem, as multas aplicadas são tão reduzidas que não se revelam suficientemente dissuasoras das condutas que o regime pretende combater. Conclui-se, ainda, no estudo, que, pese embora poucos vezes aplicado, o regime vigente enquanto instituto jurídico dá resposta adequada às situações de má-fé que visa evitar, não carecendo, por isso, de uma intervenção imediata do legislador, excepto na revisão do limite máximo da multa aplicável».

E propõe que haja mais endurecimento na punição, um sistema mais musculado. E, inspirado no modelo americano [em rigor diz anglo-americano], sugere:

«E, nesta matéria, muito ainda temos de apreender com os modelos norte-americano e anglo-saxónico, os quais se revelam muito mais adequados aos imperativos de prevenção geral que a situação requer. A parte que litiga de má-fé, e nomeadamente que falseia a verdade procurando nela sustentar uma lide, tem imediato decaimento na acção, com as inerentes consequências ao nível das custas judiciais e incorrendo em responsabilidade perante a contraparte pelas despesas legais incorridas. Certo é que a mentira se tem vindo a revelar uma realidade tolerada nos tribunais portugueses, situação geradora de um sentimento de impunidade para quem mente, que em muito contribui para o descrédito da justiça a que hoje assistimos. Por isso, todos teríamos a ganhar com uma intervenção musculada ao nível da punição dos comportamentos que visam falsear, entorpecer e ludibriar o sistema judicial e a acção da justiça. Não através do aumento da multazinha, mas através da consagração do decaimento imediato da acção».

O estudo para quem quiser aprofundar o enquadramento da questão está aqui.
Por alguma razão a moderação judicial existirá. E - penso no processo penal - ante a cultura dos que acham que pulula um "excesso de garantismo" e que o próprio acto de recorrer quantas vezes já é uma manobra dilatória e colocar questões de constitucionalidade uma acção entorpecente - salvo, diga-se, nos processos em que são parte interessada porque aí há que esgotar os meios de acção e dilação... - seria este um bom sistema, o do auto de fé incinerando processualmente todos quantos? Temo.