Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




O auto de fé

São inaceitáveis as manobras dilatórias, a chicana processual, o advogar manifestamente contra lei expressa. A possibilidade legal de o juiz condenar a parte como litigante de má fé existe, mas os tribunais têm disso feito uso moderado.
Rui Andrade, que é advogado, recorda aqui que:

«No momento em que se discute a necessidade de mais uma reforma do processo civil, não podia ser mais pertinente o estudo levado a cabo pela Direcção-Geral da Política de Justiça, realizado durante o ano de 2010 e tornado público no passado dia 3 de Maio, no âmbito do qual foi produzido o relatório “Avaliação do Impacto do Regime Jurídico da Litigância de Má-Fé”. Conclui-se, no referido estudo, que o instituto tem pouca ou nenhuma aplicação prática e que só em casos muito excepcionais, gritantes mesmo, os nossos tribunais a ele recorrem e que, quando o fazem, as multas aplicadas são tão reduzidas que não se revelam suficientemente dissuasoras das condutas que o regime pretende combater. Conclui-se, ainda, no estudo, que, pese embora poucos vezes aplicado, o regime vigente enquanto instituto jurídico dá resposta adequada às situações de má-fé que visa evitar, não carecendo, por isso, de uma intervenção imediata do legislador, excepto na revisão do limite máximo da multa aplicável».

E propõe que haja mais endurecimento na punição, um sistema mais musculado. E, inspirado no modelo americano [em rigor diz anglo-americano], sugere:

«E, nesta matéria, muito ainda temos de apreender com os modelos norte-americano e anglo-saxónico, os quais se revelam muito mais adequados aos imperativos de prevenção geral que a situação requer. A parte que litiga de má-fé, e nomeadamente que falseia a verdade procurando nela sustentar uma lide, tem imediato decaimento na acção, com as inerentes consequências ao nível das custas judiciais e incorrendo em responsabilidade perante a contraparte pelas despesas legais incorridas. Certo é que a mentira se tem vindo a revelar uma realidade tolerada nos tribunais portugueses, situação geradora de um sentimento de impunidade para quem mente, que em muito contribui para o descrédito da justiça a que hoje assistimos. Por isso, todos teríamos a ganhar com uma intervenção musculada ao nível da punição dos comportamentos que visam falsear, entorpecer e ludibriar o sistema judicial e a acção da justiça. Não através do aumento da multazinha, mas através da consagração do decaimento imediato da acção».

O estudo para quem quiser aprofundar o enquadramento da questão está aqui.
Por alguma razão a moderação judicial existirá. E - penso no processo penal - ante a cultura dos que acham que pulula um "excesso de garantismo" e que o próprio acto de recorrer quantas vezes já é uma manobra dilatória e colocar questões de constitucionalidade uma acção entorpecente - salvo, diga-se, nos processos em que são parte interessada porque aí há que esgotar os meios de acção e dilação... - seria este um bom sistema, o do auto de fé incinerando processualmente todos quantos? Temo.