Confesso que não posso deixar de exprimir o que penso. Tenho visto os comentários de alguns magistrados ante a decisão do Tribunal Constitucional que viabilizou o diploma pelo qual o Governo reduziu a sua remuneração.
A decisão padecerá da maior crítica. Não quero pronunciar-me sobre ela. Pode considerar-se que foi proferida com prevalência de critérios jurídicos duvidosos. Agora o que me fere a sensibilidade é ver magistrados que a comentam na praça pública do modo agreste como o fazem, pondo em causa a essência do órgão que a proferiu e afinal a honorabilidade dos seus critérios.
Poderá dizer-se que quando o fazem não estão a agir como juízes, sim como cidadãos.
Mas é um mau exemplo. Um dia uma decisão que profiram virá ser comentada na praça pública nos mesmos termos. Como já aconteceu, como aliás tem sucedido. E ouvirem dizer que deram prevalência a critérios políticos sobre jurídicos, a que agiram por causa do medo e com receio de serem prejudicados nas suas carreiras. E outras infâmias.
Não quero dar lições de moral. Vou só contar uma história.
Há muitos anos fui discutir ao Tribunal Constitucional o facto de um certo diploma legal [o Decreto-Lei n.º 28/84] estar ferido de inconstitucionalidade orgânica, pois que, tendo sido legislado ao abrigo de uma autorização legislativa dada ao Governo pela Assembleia da República, aquele, não só não tinha logrado publicá-lo na folha oficial dentro do prazo de vigência da autorização para legislar, como não tinha conseguido, dentro desse mesmo prazo, obter duas - duas, repito - condições que a Constituição considera requisitos sem os quais nenhuma lei existe: a promulgação do Presidente da República e a referenda do primeiro-Ministro.
Sabem como é que o Tribunal Constitucional decidiu? Através da extraordinária doutrina segundo a qual quer a promulgação, quer a referenda, não fazem parte do processo legislativo, são actos puramente políticos e que, portanto, bastava o Governo ter aprovado o diploma em Conselho de Ministros dentro do prazo para tudo estar conforme a Lei Fundamental. Fantástico não é?
Um polícia, com o qual me cruzei na escadaria da PJ, perguntou-me então se era eu o tal advogado que tinha posto em causa a constitucionalidade do dito 28/84. Ao ouvir-me confirmar, replicou «não me diga que estava à espera de ganhar! É que se ganhasse lá ia "ao ar" o decreto que permite perseguir todos os crimes económicos, ora!».
Calei-me. Não vi ninguém gritar contra este critério político que salvou o diploma legal. Pelo contrário todos os magistrados o aplicam como se nada fosse.
Percebo que este decreto lhes afecta directamente a remuneração, como sacrifica todos os que trabalham para outrem.
Optaram por esperar que fosse aquele Tribunal discutir o assunto. Nisso conferiram-lhe legitimidade. Agora que a decisão é aquela, desfavorável, reagem de um modo e com uma linguagem que seguramente não seria a mesma se tivessem ganho.
Moderação, pois, reserva e sobretudo exemplo!
Está em causa a nobreza da Justiça, a dignidade do Estado. Os magistrados ainda são o pouco que resta.