Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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A abstenção


Durante anos têm-se propiciado debates públicos sobre temas jurídicos que se suscitaram a propósito de processos em que tinha participação profissional como advogado. 

Adoptei, desde há muito, como critério não intervir por duas razões: por poder considerar-se que aquilo que exprimisse em termos de ideias gerais no plano legal fossem, afinal, formas indirectas de estar a discutir o que em concreto estivesse a defender nesses processos e por admitir que, até por isso, não se tratasse de opinião credível, antes instrumental de um interesse.

Durante anos têm-se propiciado debates públicos sobre temas jurídicos que se suscitaram a propósito de processos em que não tive intervenção profissional como advogado. Aí, a recusa assentou na noção de que não conhecendo os processos, não me caberia, por respeito a mim, falar sobre o que ignoro, por respeito aos colegas não iria opinar sobre os processos em que tinham eles intervenção.

Em ambos os casos, não esteve ausente das minhas razões um preceito legal que é expresso no Estatuto da Ordem dos Advogados segundo o qual, enquanto advogados, estamos adstritos ao dever de reserva.

Quando desempenhei funções na Ordem dos Advogados questionei-me sobre se uma tal norma legal não se tinha tornado obsoleta, ante o que é torrencialmente vertido no espaço mediático, mesmo em detrimento do segredo de justiça, em detrimento das pessoas envolvidas nesses processos, gerando suspeita condenatória a que os advogados, pela passividade a que estavam adstritos ante aquela norma, não podem obstar sem entrar em contravenção com o que nele se diz. Até hoje não se pensou em alterá-lo.

Em nome de tudo isto foi-se apagando conscientemente a minha intervenção pública. Mesmo no espaço virtual que é o meu blog jurídico, o "Patologia Social", segui o mesmo critério e fi-lo constar do pórtico do mesmo. 

Hoje, penso, está assente a ideia de que opinar sobre processos, ademais pendentes e ainda que de forma ínvia, é algo para o que não contribuo. Razão idêntica fez com que jamais tenha divulgado sucessos que tenho tido na profissão.

Digo isto, não como censura aos demais que surgem a fazer o que não faço, mas como declaração de princípio para justificar uma ausência. Sei que tudo isto é parte de um mundo que se tornou antiquado, mas prefiro assim. Sei que, num mundo de presenças, os ausentes parecem ter deixado de existir mas felizmente ainda há quem note a diferença.

Em tempos escrevi livros e artigos em que tentei exprimir, com distância, o que pensava sobre os temas jurídicos que nos mesmo se suscitavam.

Suponho que ainda possa voltar a escrevê-los, vencido o excesso de trabalho e o cansaço consequente que é hoje o meu mundo: o que me foi dado viver legitima-me a ter uma opinião, discutível seja, e a exprimi-la por essa forma, vencendo na minha consciência o equilíbrio entre o possível rigor e a necessária objectividade. Até lá, abstenho-me.

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A imagem é um quadro do pintor norte-americano Ben Will


Notícias ao Domingo!


-» Conselho Superior da Magistratura/Regulamento: foi publicado o Regulamento do Conselho Superior da Magistratura, revogando o que estava em vigor desde 1993. O texto pode ser lido aqui.

-» Blawgs/Vexata Quaestio: entre os blogs  jurídicos que surgiram [e a designação blawgs quadra bem à sua designação] e tantos foram, os que se finaram, e isso a imensos sucedeu, o Vexata Quaestio [ver aqui] mantém-se. Blog jurídico, de facto, presta um importante serviço público. Celebrou onze anos esta semana que agora finda. Muitos parabéns e longa vida!

-» Acórdão do TConst/defesa em fase de reenvio: o Acórdão do TC de 3 de Novembro de 2916 [relator João Pedro Caupers, texto integral aqui] estatuiu que não são julgadas inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 315.º e 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de não ser de conceder prazo de defesa ao arguido, para apresentação de contestação e rol de testemunhas, no âmbito da decisão de reenvio para novo julgamento por tribunal superior. Com efeito, o objeto do processo fixa-se em momento processual anterior ao da audiência de julgamento, com a dedução da acusação e/ou decisão de pronúncia, sendo evidente que a anulação do julgamento não importa qualquer modificação do objeto do processo, que se mantém essencialmente uno e idêntico em todas as fases do processo penal e sendo exatamente igual a matéria sobre a qual o arguido teve a possibilidade de se pronunciar e produzir prova e aquela sobre que recairá, por força da decisão de reenvio, o novo julgamento. Nestes termos, mantendo-se a instância estável, não pode o arguido, a pretexto da decisão anulatória do tribunal superior, pretender fazer o que não fez em tempo oportuno, contestar e arrolar testemunhas.

Sustentando a sua fundamentação, considerou o TC que: «impondo a Constituição que a causa penal seja objeto de apreciação e decisão judiciais no «mais curto prazo» (artigo 32.º, n.º 2), e não apenas «em prazo razoável», como exige para os demais processos judiciais (artigo 20.º, n.º 4) - sendo à luz desta particular exigência, e dos valores que a justificam, que se deve entender a estruturação faseada e progressiva do processo penal -, não se vê como sustentar, no plano constitucional, a reivindicação, por parte do recorrente, de um novo prazo de defesa, para apresentação de contestação e rol de testemunhas, quando já lhe foi reconhecido, no processo, o direito processual de contestar os factos imputados na acusação e carrear prova que demonstre a sua inocência, e há muito que decorreu o prazo legal previsto para o efeito.»

-» AC/efeito dos recursos: segundo se informa no site respectivo [ver aqui]: «O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, em acórdãos de 11 de outubro e 27 de outubro de 2016, que os recursos de decisão interlocutória da AdC não têm efeito suspensivo, mas sim efeito meramente devolutivo. A AdC vê agora confirmado o seu entendimento de que, sem prejuízo da normal sindicância de quaisquer atos da AdC, a Lei da Concorrência prevê expressamente que a investigação de uma determinada infração não fica prejudicada pela litigância que possa existir durante o procedimento, sob pena de paralisação das investigações em curso.»

OA/Estatuto em e-book: a Ordem dos Advogados Portugueses acaba de publicar o seu Estatuto em formato ebook. Pode aceder-se a ela aqui.

-» Leituras/Media, Corrupção Política e Justiça: coordenado por Inês Ferin Cunha e Estrela . São estudos sobre a relação entre os media e a justiça nomeadamente na cobertura por aqueles de processos relativos a processos de corrupção efectivados pelo Centro de Investigação Media e Jornalismo.
Análise casuística em grande parte dos trabalhos, a partir de determinados processos denominados "mediáticos" (António João Maia, Patrícia Contreiras e Èrica Anita Baptista, Brun Bernardo de Araújo e Helder Rocha Priro, Mafalda Lobo, Lorela Broucher), só algumas das análises se propõem uma avaliação global da questão (Estrela Serrano, do Centro de Investigação Media e Jornalismo e Bruno Paixão, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra). 
O universo em análise cobre o período de 2005/2012. 
Alguns dos trabalhos focam a problemática do segredo de justiça e da natureza diversa da investigação jornalística e da investigação criminal, bem como a problemática da admissão dos jornalistas como assistentes em processo penal.
A obra foi editada este ano pela "Mariposa Azul".

JRISMAT


Editada pela Escola de Direito do ISMAT, o Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes, em Portimão [ver aqui], «o único curso de Direito existente ao Sul do Tejo», o n.º 2 da revista JURISMAT ]ver aqui o site on line] aí está desde Maio. A periodicidade será semestral. Dirigida por Alberto de Sá e Mello, promete a partir do quarto número proceder a recensões de doutrina e de jurisprudência. 
Compendiando o contributo de docentes de outras Universidades, contém artigos sob matéria diversificada.

Porque com relevo directo para a área jurídica penal permito-me destacar a colaboração de Ana Paula Pinto Lourenço, intitulada  Justiça e Comunicação Social, entre a tensão e a tentação recíprocas, onde se analisam os conflitos de interesse que na comunicação social se digladiam, nomeadamente no que se refere ao acesso e à divulgação mútua de informações entre os dois sectores.

Interessantes também, embora não incidindo sobre penalistas, as nótulas de Alberto de Sá e Mello de cunho biográfico referente a três «professores de Direito», assim se chama o artigo: Artur Montenegro (1871-1941), José Gabriel Pinto Coelho (1886-1978), Luís Pinto Coelho (1912-1995), Paulo Merêa (1889-1977) e Pedro Soares Martinez (1925-). Fundamental que se proceda à reconstituição da memória daqueles que, pela docência, diversificada e ainda quando controversa, deram ao Direito as bases teóricas que só pela jurisprudência não o permitiria tornar em Justiça.


Lugares comuns


Regressei de um tempo de voluntária pausa e fui dar uma volta pelo que escreve na blogoesfera jurídica.
Vejo que a escrita sobre casos concretos sujeitos à Justiça continua. O fundamento factual é o relato do que a comunicação social noticia, mesmo sabendo-se a imperfeição com que as notícias são dadas. 
Um minuto de reflexão leva a que se pense que a complexidade de um processo dificilmente se reduz a uma forma simples de o expressar. 
Ora é a lei da simplificação do facto uma das regras que permite aos media serem conhecidos e o que através deles se relata. 
Além disso, estão em causa, outras vezes, questões de cunho técnico que não é viável reduzir à formulação que o leigo entenda e este não tem outro meio de saber salvo o que a sua formação não jurídica lhe permite compreender. 
Enfim, é sabido que o relato mediático é centrado por uma lógica adversarial, sublinhando o que é contrastante, polémico, apto a ser notícia por causar sensação.
Estas constatações não desencorajam quantos cronistas há que diariamente emitem opinião sobre o que conhecem pelos jornais.
Mais: quantas vezes quando a notícia ainda revela apenas o embrião do facto, indefinidos os contornos. Mais ainda: na hora zero da notícia permitem-se serem comentadores em directo na TV e na rádio, brevemente informados pelos jornalistas quanto ao que supostamente se está a passar, não se desencorajando por reconhecerem que «do caso concreto nada sabem, mas...», estando ao abrigo do dito «mas» o resto do longo discurso e do autoritário veredicto com que nos brindam nem percebendo quanto se aviltam nesse falar do que ignoram.
Vem a isto propósito de se concluir que a comunicação social se deve abster de divulgar o que pela Justiça se passa? Não, antes pelo contrário, assim certas realidades que verdadeiramente se passam fossem relatadas, mas não são. É que há buracos negros no que se noticia, santuários de protecção.
Vem sim, a propósito, de quantos, tendo tido ou tendo ainda responsabilidades públicas no que à Justiça respeita, deveriam ter, assim o penso, mais contenção verbal não só quanto ao modo como se pronunciam mas sobre aquilo sobre o que se pronunciam.
A comunicação social, na ânsia de ter colaboradores privilegiados, multiplica os tempos de antena. A questão é saber se com isso ganha a Justiça ou a comunidade em nome da qual ela é administrada.
Confesso que ao regressar fiquei impressionado como a blogoesfera jurídica, mesmo a que deveria ser um espaço para os que nela fazem vida profissional, ainda aquela que visa intervenção cívica, se está a tornar indiscriminadamente num replicar dos jornais, numa lógica de espelhos, o território dos lugares comuns.

Quando o afinal surpreende...

A notícia conheceu honras de caixa alta. A imprensa fez-se eco dela. O caso foi interpretado como um sério aviso aos bancos. Pessoas com responsabilidades difundiram-na e opinaram. E citaram a situação como um acto de coragem do (a) magistrado (a) que teria proferido a sentença. E adiantaram que o seu nome deveria ser divulgado como exemplo. 
Agora veio o desmentido: afinal não se tratava de entregar a casa ao banco credor hipotecário e ficar extinta a dívida. Vi isso este começo de manhã no In Verbis, aqui.
É por isso que me guardo de comentar neste blog o que chega pelos jornais: não que a imprensa não mereça respeito, mas porque o respeito pela segurança do que se diz no Direito merece mais.

O Mundo de Ontem


Deve um paroquiano abandonar um cortejo religioso para se deixar entrevistar sobre a sua profissão? Não deve, porque a comunhão com a Fé é incompatível com a profanação do verbo laico.
Deve um entrevistado, ainda que conheça o entrevistador, deixar-se tratar por «tu» e por «Carlos»? Não deve, porque há intimidades que supõem facilidades.
Deve um juiz, conhecido nacionalmente, incorporado num cortejo religioso, abandoná-lo e deixar-se entrevistar por alguém que o trata por «tu» e lhe chama «Carlos». Não pode porque há deveres de cargo que exigem o respeito do trato.
Deve um juiz referir-se ambiguamente, em tais preparos, ao que lhe terá sido dito em acto processual, por mais torpe que tenha sido o dito, mais insidioso, mais a tresandar a aliciamento ou a ameaça, seja a frase «onde o dinheiro fala,a verdade cala?». Não sabia que era possível.
Deve um tal juiz aproveitar o ensejo da entrevista, que se alonga, para dar público conhecimento de que não pertence a qualquer "congregação" ou "obediência"? Não convém porque há quem repare que omitiu "obra".
Devo eu, telespectador acidental, assistir a isto ontem e ainda hoje e não me sentir estranho, velho, ultrapassado, resquício de um mundo que já foi? Completamente impossível.
Uma ideia ficou, comentada no come-em-pé onde almoçava e o ouvia pela enésima vez: eis um homem de coragem, que diz as verdades, que está ameaçado pelo poder do dinheiro!
Dever um juiz dizer isto, assim, neste lugar, por esta forma e com estas referências, já está na base do «queremos lá saber».
Saí, esclarecido com o mundo que temos, isolado quanto ao mundo que supunha devermos ter, para vir aqui dizer isto.
Como dizia a minha Mãe quando eu era miúdo "pisco" e implicativo às refeições: «cala-te José António e come!». E acrescentava para que eu aprendesse uma moral que vejo hoje ser uma lição contemporânea de vida: «o que tu pesquinhas há muito quem queira!».

Gente que conta e quer contar...


Fotografia © Paulo Spranger- Global Imagens

Soube por aqui que o Presidente do STJ deu uma entrevista ao programa "Gente Que Conta". Em que fala de temas gerais da Justiça e também da sua intervenção num processo concreto em que estava envolvido o anterior primeiro-ministro. O célebre caso das "escutas".
Confesso que não tenho certezas quanto ao que pensar sobre a  compatibilização entre o dever de reserva e a necessidade de intervenção pública de um Presidente de um Tribunal Superior, nomeadamente do STJ.
Admito que o Presidente do Conselho Superior da Magistratura possa proferir declarações públicas sobre assuntos que tenham a ver com questões gerais que se coloquem em relação ao órgão a que presida. Mas o Presidente de um Tribunal? E sobre um processo concreto, ainda que envolva um antigo primeiro-ministro, mesmo que se trate do decantado tema das escutas em que o mesmo surge em embaraços?
Talvez seja conservadorismo. Mas há algo em mim a repelir a circunstância. Acho que o protagonismo é antagónico com a função judicial. Quem quer ter palco abrace outra profissão pública. Quem quer ter intervenção na mudança do mundo vá para a política. O mundo judiciário tem de ser um universo de contenção regrada, de palavras prudentemente medidas, de silêncios eloquentes e parcimónias inteligentes. 
Que o Procurador-Geral tenha voz e fale sobre o geral, o particular e o concreto, ainda se poderá dizer que resulta daquela ambiguidade congénita do estatuto que torna o Ministério Público um advogado sem paixão e um juiz sem jurisdição. Mesmo assim, confesso que por vezes atinjo a perplexidade ante o que ouço. Agora que o mais alto magistrado judicial venha a público como já veio comentar até quem deveria estar ou não preso, como já o fez, reportando-se a processos de outros, ou se ele deveria ou não ter tentado que fossem destruídas as escutas que envolviam José Sócrates, decididamente não! Nem o cargo o autoriza nem a Justiça o reclama.
Por estarem na judicatura muitos que deveriam estar na política é que os políticos, julgando-os seus iguais e concorrentes, se permitem falar na judicialização da política.

As notícias que se dão

A notícia já tem alguns dias «Governo compra Tribunal da Boa Hora por 6,15 milhões». O que não vi noticiado é o mecanismo concreto, documentado e pormenorizado, pelo qual se percebe como é que o Estado que tinha a disponibilidade do Tribunal da Boa Hora e a perdeu e agora para a recuperar vai levar um rombo de 6,15 milhões, isto segundo se noticia também para instalar lá o CEJ, tendo o Estado edifício para o CEJ, nem o que vai suceder ao edifício do CEJ. As notícias que se dão são as notícias que se encobrem.

Os corneiteiros

O atrevimento do comentário público sobre processos pendentes continua. «Pelo conhecimento que tenho das peças do processo» escrevia descaradamente há dias um cavalheiro que tem coluna cativa nos jornais e em tudo quanto é comunicação para além de funções de relevo que nem sei como lhe deixam tempo para tanto.
O espanto não é a falta de pudor e a vigarice intelectual. O espanto é ninguém perguntar que peças é que o senhor conheceu e que ninguém conhece e como é que o conseguiu por meios lícitos, isto sabendo que só ilicitamente o poderá ter alcançado. 
Mas mais: o cavalheiro não só bolsa conhecimento como vaticina desfecho, antecipando resultado.
Poderia ser um qualquer. Não. É daqueles que têm direito a corneta na chamada "opinião pública".
Que fazer? Nada, evidentemente.
Primeiro, porque a nível dos responsáveis ninguém quer fazer o que seja, como está visto.
Segundo, porque este género de vigarice intelectual tem tanto valor como as previsões "astrológicas" de meia-tijela que inundam os espíritos fracos e volúveis de fácil convencimento e que mesmo quando falham todos os dias são diariamente lidas.
O problema, sério, grave, escandaloso, é haver pessoas que, sem sentirem quanto se rebaixam e desconsideram alinham no mesmo tique, ainda que com menos cornetim, mesmo que seja só com um pífaro à medida da sua importância.
Resta saber uma única coisa: se tais criaturas têm o condão de convencerem advogados, polícias, procuradores ou juízes, gerando decisões "a jeito". No dia em que responder sim a esta pergunta ou desisto da profissão ou passo à alternativa de lhes ir à corneta.

A faena continua...

Escrevi isto em 17 de Junho de 2003. Encontrei-o hoje e dei comigo a pensar em touradas...

O tema não é fácil e permitam-me que vos diga que o sinto com especial acuidade.
Há catorze anos, regressado de uma efémera passagem pelo Governo de Macau, reabria banca de advogado. Nessa altura lançaram-se as televisões privadas e com elas uma apetência especial pelos casos judiciais que, até ali, pouco interesse despertavam à comunicação social.
Surgiram então jornais com o timbre de fazerem de cada denúncia uma «manchete» e da evolução de cada processo penal um interminável folhetim. Advogado limitado à área penal, senti em torno dos casos que defendia, o aperto da curiosidade pública e dos jornalistas.
O modo como alguns desses processos se desenvolviam terá, em alguns casos, acicatado a curiosidade jornalística a seu propósito. A tudo isto se juntou a sistemática verificação de fugas de informação, claramente oriundas em violações do segredo de justiça.
Perante este admirável mundo novo, poucos de nós sabíamos como agir.
Perguntei na altura a responsáveis da Ordem se devia, como advogado, limitar a minha defesa ao «papel selado» e consentir que os clientes fossem esfrangalhados na imprensa, chegando a tribunal em chaga viva, degradados que chegue para uma condenação, ou se devia ir à luta na própria imprensa onde se travava o combate, falando pelos que não tinham voz. Nunca obtive orientação clara.
Perguntei-me a mim mesmo como reagir face a essa multidão de violações do segredo de justiça, impunes, porque nunca havia prova da autoria e, porque, não sendo crime que legitimasse a constituição como assistente, todo o arquivamento era inimpugnável. Foram tempos difíceis.
Não sendo melhor do que os outros, terei feito também as minhas asneiras. Olhando para algumas atitudes que todos tomámos na altura de ingénuo colaboracionismo, seguramente que hoje o não faríamos.
Mas aprendi depressa. 

[continua aqui]

O mundo aos quadradinhos

Confesso que custa assistir a este espectáculo de comentadores sobre processos criminais que, nada sabendo do conteúdo do que está em causa - e confessando até a sua ignorância - se permitem emitir opiniões sobre eles, dar como certos e seguros factos dos mesmos e como inexistentes outros e até formular vaticínio sobre o que vai suceder.
Confesso que custa ter olhado de relance a entrevista da ministra da Justiça vê-la a ser perguntada sistematicamente sobre um certo processo concreto e a responder que não podia nem devia comentar e a entrevistadora a regressar com mais uma pergunta para obter a mesma resposta e, no entanto, a insistir pelo mesmo e no interstício das respostas ficar uma frase, uma meia-frase, uma sugestão de ideia, tudo logo a ser explorado com mais uma pergunta num ciclo que seria cómico se não fosse trágico, a tentativa de forçar o Executivo a pronunciar-se sobre o Judiciário, tentativa feita pela comunicação social a quem incumbe denunciar, sim, caso essa intromissão suceda.
Confesso que custa assistir a tudo isto e estar calado. Dar conta das mais altas figuras do Estado, de ministros a magistrados a pronunciarem-se sobre processos penais pendentes. Advogados que opinam publicamente sobre processos entregues a Colegas.
À conta de uma pretensa pedagogia ouvir dizer enormidades, intervenções que só não condicionam quem tem de intervir nos mesmos porque uma pessoa aprende a não ligar.
Num táxi onde ia, no rádio ligado, ouvi alguém dizer sobre o Portugal/Bósnia: «ontem o seleccionador nacional era uma besta e nós íamos levar uma goleada; hoje já se fala em que vamos ganhar a prova europeia!» Assim se fazem heróis e vilões. A mentalidade emotiva primária adora.
Um dia perguntaram ao Luiz Pacheco, o "escritor maldito", o que andava a ler. Ele respondeu «o Texas Jack». Ante o atónito entrevistador, respondeu: «o Texas Jack, pois! Porquê? Vem tudo no Texas Jack!». 
E de facto vinha. Aos quadradinhos e com pouca escrita que as pessoas gostam é de ver. Histórias explosivas! A pouco mais de vinte e cinco tostões.