Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Mostrar mensagens com a etiqueta Delação premiada. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Delação premiada. Mostrar todas as mensagens

A engenharia social através do Direito

A movimentação no sentido da criação de mecanismos de denúncia gratificada prossegue. A reiterada presença do agora ministro da Justiça do Brasil em Portugal em eventos que têm aquele tema como referência é disso exemplo. Do mesmo modo o que possa resultar da breve entrada em vigor da Directiva sobre a protecção dos denunciantes.
Tratando-se de matérias da competência reservada da Assembleia da República seguramente já não será na corrente legislatura que haverá iniciativas legislativas em agenda. A própria ministra da Justiça portuguesa já o disse. É, porém, questão de tempo.
A possibilidade de países integrados no concerto europeu resistirem é, como se sabe diminuta. 
O mesmo se diga da tendência, que cada vez mais se desenha, de alteração do paradigma do processo penal. 
A questão é claramente de mentalidade, o culto do pragmatismo.
A lógica da privatização e do outsorcing vai ganhando campo e, assim, os poderes conferidos à transacção no âmbito criminal estão aí claramente presentes. 
Trata-se de uma justiça a materializar fora das instâncias formais ou sem o procedimento que essas instâncias supõem, tudo tido por obsoleto. 
Sempre em nome da eficácia, da celeridade, da avaliação quantitativa dos resultados vão criando instrumentos de notação da produtividade, de ponderação estatística da média dos resultados. 
A injustiça tornou-se, tal como na doutrina militar, mero dano colateral: a engenharia social através do Direito está na ordem do dia.

Brasil: réditos da delação premiada

Cito do portal da Procuradoria-Geral do Brasil, citando declarações da Procuradora-Geral Raquel Dodge [texto integral aqui]:

«A maior parte (70,8%) dos investigados que firmaram acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR), e que foram homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é empresário. Os políticos, por outro lado, representam apenas 2,3% do total. Juntos, os 216 colaboradores se comprometeram a pagar cerca de R$ 1,3 bilhão em multas extrapenais (R$ 1.284.292.753,67). Os dados foram extraídos do Sistema de Monitoramento de Colaborações (Simco), desenvolvido pela PGR. A ferramenta, que já está em operação, permitirá o acompanhamento integral dos acordos, além de fornecer alertas aos investigadores em relação a providências que devem ser tomadas em cada procedimento. O principal propósito é garantir a efetividade das colaborações com o cumprimento integral das cláusulas do acordo tanto as de natureza patrimonial quanto as referentes às chamadas penas corporais (de prisão).»

[...]

«Desde a homologação do primeiro acordo pelo STF, em 2014, foram recuperados aproximadamente R$ 1 bilhão: R$ 741.942.085,27 em multas e R$ 243.130.743,81 em perdimentos. Deste total, pouco mais de R$ 300 milhões (R$ 305.454.629,17) já foram destinados, ou seja, retornaram aos órgãos públicos lesados conforme decisão do relator do acordo. A diferença dos valores segue depositada em conta judicial na Caixa Econômica Federal e, segundo explicou a secretária da Função Penal Originária no STF, Raquel Branquinho, o objetivo é agilizar a destinação dos valores com as devidas correções. “A partir do conhecimento rápido de que um pagamento foi feito pelo colaborador, podemos providenciar o repasse no menor tempo possível garantindo o cumprimento da colaboração”, completou Raquel Dodge.
Ainda em relação aos dados patrimoniais das colaborações, o sistema aponta que, neste momento, as parcelas de multas vencidas e ainda não pagas pelos colaboradores representam 7,3%. A PGR está cobrando R$ 94.580.883,92 de 25 inadimplentes. Já os compromissos que ainda não venceram ultrapassa R$ 450 milhões (R$ 450.757.285,13). Em relação ao perdimento, a previsão é que devem ser devolvidos aos cofres públicos nacionais R$ 193.953.485,08, além de 1 milhão de libras e US$ 125.662.967,70.»

Delação premiada: a posição de Adriano Bretas


Exprimi-me já neste espaço várias vezes - e tive a oportunidade de o fazer de forma menos elaborada no debate levado a cabo pelo programa "Prós e Contras" da RTP-1 - contra o modelo brasileiro da delação premiada. 
Como sou dos que acham que o debate não é só o monólogo das nossas próprias ideias, aqui fica uma palestra proferida por um reputado advogado brasileiro, especialista precisamente na advocacia criminal e, no âmbito desta, favorável a tal modelo.
É um contributo para o debate de ideias. Chamo os que estão contra aquilo que eu penso.

Notícias à semana!


-» AC/programa de clemência: agora que tanto se fala sobre o tema da delação premiada, será interessante ter presente o denominado Programa de Clemência instituído pela Autoridade da Concorrência, com fundamento em lei e que pode ser visto aqui.

-» AR/morada única digital: o Decreto n.º 62/XIII da Assembleia da República autoriza o Governo a legislar no prazo de 180 dias sobre a matéria da criação de uma morada única digital, ou seja, um sistema de fidelização de endereço electrónico através do qual o cidadão pode ser notificado relativamente a certos actos oficiais.


A legislação em causa deve respeitar a seguinte extensão e sentido:

«No uso da autorização legislativa referida no artigo anterior, pode o Governo:


a) Estabelecer os termos, os meios e as condições em que as pessoas singulares e coletivas, públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, podem fidelizar um endereço eletrónico, que constitui a sua morada única digital;


b) Prever que a fidelização do endereço eletrónico, para efeitos de criação da morada única digital, bem como a adesão ao serviço público de notificações eletrónicas, são voluntárias para todas as pessoas singulares e coletivas, públicas e privadas, nacionais e estrangeiras;


c) Estabelecer que o endereço eletrónico a fidelizar é livremente escolhido pelos interessados em aderir ao serviço público de notificações eletrónicas;

d) Prever que a morada única digital equivale ao domicílio ou à sede das pessoas singulares e coletivas, respetivamente;

e) Estabelecer os termos e as condições em que as entidades públicas aderem voluntariamente ao envio de notificações eletrónicas através do sistema público de notificações eletrónicas associado à morada única digital;

f) Permitir que as entidades que legalmente sejam competentes para processar contraordenações e aplicar coimas ou sanções acessórias e que as entidades prestadoras de serviços públicos essenciais possam aderir ao envio de notificações através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital;

g) Estabelecer as regras de garantia, de segurança e de privacidade do sistema informático de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas, nomeadamente garantindo a comprovação da data e hora de disponibilização efetiva das notificações e o sistema de arquivo de notificações, bem como as regras aplicáveis à sua indisponibilidade;

h) Estabelecer o regime aplicável às vicissitudes do serviço público de notificações eletrónicas, incluindo as alterações à morada única digital e a possibilidade de livre cancelamento da adesão ao referido serviço;

i) Estabelecer o regime especial de envio e de perfeição das notificações eletrónicas administrativas remetidas através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital;

j) Para prever como domicílio fiscal a morada única digital e uniformizar o regime da perfeição das notificações e das citações fiscais e da segurança social, no sentido de as notificações enviadas através do serviço público de notificações eletrónicas e as citações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico se considerarem efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas na morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar ou a citar, respetivamente, proceder às alterações legislativas necessárias aos seguintes diplomas:

i) Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro;

ii) Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro;

iii) Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho;

iv) Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro;

v) Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro;

vi) Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, que cria as secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, define as regras especiais daquele processo e adequa a organização e a competência dos tribunais administrativos e tributários;

vii) Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, que procede à regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro.»

-» OA/organização judiciária: O Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados vai realizar, no próximo dia 9 de Março, pelas 14:30, na Fundação Eng. António de Almeida, sita na Rua Tenente Valadim, 325, no Porto, uma conferência subordinada ao tema “Organização Judiciária: presente e futuro”. A abertura estará a cargo do Bastonário da Ordem dos Advogados, cabendo a moderação ao Dr. Paulo Pimenta, Presidente do Conselho Regional do Porto. Serão oradores: António Pedro Barbas Homem, Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa; Fernando Jorge, Presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais; João Miguel Barros, Advogado; José Mouraz Lopes, Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas; Rui Cardoso, Procurador Adjunto. Inscrição on line aqui.

-» Animais/estatuto jurídico: já tínhamos noticiado aqui a existência do projecto, resta agora chamar a atenção para o facto de já estar em forma de lei, a Lei n,º 8/2017, de 3 de Março, a ser consultada aqui.

-» TRL/sigilo profissional de advogado: o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.02.2017 [relatora Cristina Branco, texto integral aqui] estatuiu que: 

«I – «Tanto o dever de sigilo que a lei substantiva prescreve como o direito ao sigilo que o direito processual reconhece, visam salvaguardar simultaneamente bens jurídicos de duas ordens distintas. A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra-individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões.»
II - Presentemente, é clara a prevalência da tutela da privacidade, bem jurídico pessoal, face ao bem jurídico supra-individual institucional, perante a previsão do art. 195.º do CP, sem prejuízo de os valores supra-individuais, que se «identificam com o prestígio e confiança em determinadas profissões e serviços, como condição do seu eficaz desempenho», aparecerem sempre incindivelmente associados à punição da violação do sigilo profissional, embora «com o estatuto de interesses (apenas) reflexa e mediatamente protegidos».
III - Estão abrangidos pelo segredo profissional do advogado os factos que resultem do desempenho desta actividade profissional, podendo advir da violação desse dever de reserva, para além de responsabilidade criminal e civil, também consequências no plano estatutário e no plano processual.
IV – A eventual prática de ilícitos criminais por parte do próprio mandatário nunca poderá considerar-se compreendida no exercício das funções profissionais de um advogado, sendo violadora, para além do mais, do dever deontológico de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.
V - Não pode fazer-se apelo ao sigilo profissional para encobrir a eventual prática de actos ilícitos, de natureza criminal, por parte do mandatário, pois que, não constituindo acto próprio da advocacia, se mostra excluída da esfera de protecção da norma em causa (o art. 87.º da Lei n.º 15/2005, de 26-01, com as alterações do DL n.º 226/2008, de 20-11, e da Lei n.º 12/2010, de 25-06, e actualmente o art. 92.º da Lei n.º 145/2015, 09-09).»

Há um princípio segundo o qual, publicadas dado o seu interesse estritamente doutrinário, as decisões dos tribunais devem omitir qualquer menção que permita identificar o nome dos envolvidos na matéria sobre a qual se decide. De lamentar que, por lapso, há situações, como aqui, em que, verificando-se esse cuidado em certos excertos do decidido, o mesmo não se verifique ao longo do mesmo.

Código Criminal Pascoal José de Mello FreireCodigo criminal intentado pela Rainha D. Maria I / autor Pascoal José de Mello Freire [Segunda edição, castigada dos erros / corrector ... Francisco Freire de Mello. - Em Lisboa : Estampava no mez de Agosto o Typographo Simão Thaddeo Ferreira, 1823. - VIII, XIX, 144 p. ; 19 cm. - Inocêncio, 6, p. 350]. Pode ser lido on line aqui






Delação premiada: prós mas contras...



Foi ontem à noite no programa "Prós e Contras", na RTP-1, um debate sobre a delação premiada, em que me foi dado o ensejo de participar. [ver aqui]. Compreendo que a delação premiada sugestione os investigadores criminais, por criar a ilusão de uma mais rápida descoberta da verdade. Problema é quando leva à investigação da mentira. E problema também quando uma delação de aparente sucesso termina numa absolvição com evidente insucesso e a Justiça com isso se desprestigia. Tema difícil. A valerem os números do inquérito efectuado, a maioria dos auscultados querem delatores. Veremos se o Direito um dia não se arrepende antes os seus supostos "arrependidos".
Congratulo-me por todos os que tiveram o ensejo de polemizar em torno de um tema, difícil, seguramente mas relativamente ao qual se falou com a verdade da convicção. 

Notícias ao Domingo!


O panorama internacional está a mudar a ritmo acelerado; não se sabe que conceitos nos esperam para os próximos tempos. Incerteza é termo que se multiplica nos meios de opinião, desde os políticos aos mercados, conjugado com outro seu irmão germano, o de volatilidade. Eis três tópicos do brave new world, para retomar uma designação que foi título de um interessante livro de Aldous Huxley, escrito em 1932 [e que deu, já agora, título a um álbum dos Iron Maiden em que uma das faixas se intitula, curiosamente, The Thin Line Between Love & Hate].


Primeiro, a ameaça do terrorismo. À sua conta multiplica-se a discussão em torno da correlação entre a política de imigração, a liberdade de circulação de pessoas e concessão de vistos com a prática de actos de cunho terrorista. Um dos pilares da União Europeia está, assim, em crise.
Se bem que nem todos quantos falam tenham presente uma definição do que seja terrorismo em sentido próprio - convocando a noção para qualquer acto violento criminalmente punível praticado por estrangeiro nomeadamente em função do país de origem ou da etnia - a verdade é que países que praticaram políticas liberais em matéria de abertura das suas fronteiras por razões humanitárias, começam a incrementar leis de favor à rápida deportação. O caso paradigmático é o da Alemanha. Neste país o parlamento [Bundestag, ver aqui o site, em francês] aprovou, aliás, na generalidade, em primeira leitura, no dia 17.02.2017 uma lei que permitirá a monitorização, através da vigilância electrónica, de suspeitos de terrorismo. [Veja-se a apresentação oficial do diploma aqui]; há, além disso, legislação em preparação quanto à agilização ao regime da expulsão de não documentados.
Paralelamente surgiu toda uma retórica agressiva, actualmente vociferada a partir dos EUA, no sentido da pura e simples proibição de entrada a cidadãos oriundos de certos países. Se bem que rejeitada judicialmente, a sua tradução em norma [ver a primitiva decisão judicial e a proferida pela Court of Appeals, aqui e aqui], a mesma vai ser reiterada pelo POFUS [designativo interessante sob o qual passou a ser generalizadamente conhecido o "President of the United States", sendo a Primeira Dama designada, oficialmente diga-se, como a FLOFUS, "First Lady of the United States"] e, admite-se, se poderá ser revista em termos de contornar as dificuldades que o primitiva directiva encontrou, abrangerá provavelmente os mesmos país originariamente previstos, Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen

Já agora um apelo à precisão: aquilo de que se tratou, ao contrário do que muitos supuseram, não foi de uma "lei" firmada pelo POFUS sim de uma "executive order", figura não prevista na Constituição americana, mas que equivale a uma directiva presidencial aos competentes órgãos federais no sentido de agirem em conformidade, a nível legislativo, se necessário. Ver aqui a lista oficial das EO's e veja-se o teor e sobretudo o âmbito de aplicação das mesmas, paradigmático de uma preocupação obsessiva com matéria de criminalidade, nomeadamente internacional organizada, segurança, circulação de pessoas. 
+
Segundo, a da equação poder político-social/poder judicial. Países como o Brasil ou a Coreia do Sul, são exemplo de um domínio completo da cena social pelo poder judicial, através de decisões de prisão de altas figuras do poder, político no primeiro caso, empresarial no segundo. Só para falar no mais recente, às prisões proferidas no âmbito da cognominada Operação Lava Jato, sucede-se a do Vice-Presidente da Samsung no próprio país de origem e residência, tratando-se esta de uma das mais poderosas empresas na área das telecomunicações. Em Espanha a situação tornou-se análoga. Excepção sintomática, pelo inexplicado, a da condenação da Senhora Lagarde [por actos praticados enquanto ministra das Finanças de França] e a sua manutenção à frente do FMI. No panorama europeu, e num outro registo, a coincidência de investigações judiciais com candidaturas dos investigados a cargos de relevo continua a fazer gerar a dúvida sobre o acaso dessa ocorrência. A França, em eleições, é um dos mais recentes exemplos. O tema do "governo de juízes" não abandona, assim, a agenda da discussão pública.
+
Em penúltimo lugar, a nível da regulação económico-financeira. Se bem que as autoridades de regulação e supervisão tenham vindo a multiplicar, a nível internacional, as suas expedições punitivas sobre entidades que pareciam insuspeitas de más práticas, aplicando sanções pecuniárias elevadíssimas [Rolls-Royce, VW, DB, etc, para mencionar apenas algumas das mais mediáticas], e se bem que, também, e tenham vindo a multiplicar a generosidade do pagamento aos delatores, também com origem nos Estados Unidos, assiste-se também a um primeiro sinal de que a desregulação, proclamada pelo actual Presidente durante a sua campanha eleitoral, pode vir a tornar-se lei, visando concretamente este o Dodd-Frank Act, que desde 2010 e na sequência da crise de 2008, disciplina  o sistema financeiro, visando a protecção dos consumidores. 

Ver a executive order contra o Dodd-Frank Act, firmada a 03.02.1017, aqui.

Entre nós, o Parlamento aprovou, na sessão da pertinente Comissão, no dia 15, uma alteração ao regime sancionatório dos valores mobiliários, criminalizando, nomeadamente, a prestação da informação falsa. Ver aqui.
+
Finalmente, há a questão da delação, nas múltiplas facetas que pode assumir. Assistimos actualmente, ao sucesso de investigações criminais a partir de delações, incluindo as que são premiadas a nível da sentença ou do regime prisional e também ao êxito da actividade das entidade reguladoras norte-americanas, através de um programa especial de remuneração dos "tocadores de apito", os whistleblowers [ver aqui], ou "lanceurs d'alerte", como, com mais pudor, são designados na terminologia francófona. O sistema é complementado, no primeiro caso, com a repressão das entidades empregadoras, que estabeleçam cláusulas que limitem os seus empregados, ou ex-empregados, a denunciarem, ainda que remuneradamente, aquilo de que tiveram conhecimento durante o exercício das funções, possibilitando-lhes assim este sistema sancionatório que à indemnização pela cessação do contrato ou pensão de reforma somem o bónus complementar [veja-se o tipo de valores, aqui] da traição ante aquilo com que conviveram até ali, silenciosos. 
Verificamos que o modelo está a seduzir os nossos meios judiciários, como o atestam tomadas públicas de posição por parte do director do DCIAP e do mais antigo juiz do TCIC [através de intervenções na comunicação social], se bem que muito mais cautelosa haja sido, na matéria, a posição da ministra da Justiça que apenas se reportou ao interesse do debate, se bem que, enquanto Procuradora-Geral Distrital de Lisboa, tenha a 13.01.2012 emitido indicações aos magistrados sob a sua supervisão, instruções no sentido de favorecerem o modelo então em debate, relativo a "acordos sobre a sentença" [a ver aqui].

Sintomático: está a organizar-se em alguns países, entre todos no Brasil, uma advocacia criminal especializada neste paradigma [por mera curiosidade, ver aqui], a qual alega, para se justificar, que se trata, afinal, da prestação do melhor serviço profissional aos seus clientes, e que a delação, ainda que paga, é um direito dos arguidos


Inexistir delação premiada: crime, diz ele...


O PGR do Brasil parece ter dito que é "um crime" em Portugal não haver delação premiada; e parece ter acrescentado que a nossa Procuradora-Geral da República "concorda" com ele. 
Vindo de uma pessoa com responsabilidades, proferida num país estrangeiro ao seu, a ser sido nos termos em que o foi, a frase é pior do que mau gosto, é imprópria. Além disso é de uma vacuidade incompatível com a seriedade do cargo. E a concordância que invoca em abono da seriedade está por confirmar. 
Mas ficou a ideia e a apetência por ela em certas mentalidades que estão ansiosas por meios que tragam sucessos rápidos e uma justiça negociada em que à mesma mesa de jogo se sentam a justiça e quem ela julga para, em função de quem tiver melhor jogo, levarem um terceiro à ruína.
+
Tentei contribuir para uma reflexão serena deste tema, publicando crónicas que reproduzi nestas ligações que se alcançam clicando nos números respectivos: 1, 2, 3, 4, 5. Numa delas remeto para o lugar aqui onde está um concreto acordo de delação premiada.
+
Elementos complementares de reflexão podem alcançar-se, por exemplo, aqui e aqui, tudo no contexto brasileiro, onde a ideia tem encontrado estrondo e eco.
+
O tema é mais vasto, como tenho procurado informar neste blog. E merece que haja sobre ele um profundo debate. Há um paradigma de justiça a mudar. Insensivelmente o mundo que considerámos como sendo os pilares do travejamento do Estado de Direito já não existe. E reina silêncio em todas as colunas derrubadas.

+
Fonte da imagem: reproduzo foto que já ilustrou um dos escritos sobre a matéria.

Colaboracionismo penal: onde está o Wally?


A partir de uma entrevista de um juiz [vê-la aqui], a simpatia pelo colaboracionismo voltou para a ribalta como tema, pois uma pergunta vaga e uma resposta ambígua abriram campo ao mesmo. Na verdade, ante o que vi e ouvi e depois li, não estou certo quanto ao objecto da simpatia. A questão é complexa, divide-se em vários segmentos e se os leigos podem confundir, cabe aos juristas distinguir. Permito-me pois o exercício seguinte. Há várias modalidades em causa no que ao colaboracionismo respeita. E aqui fica como exercício de reflexão para os que queiram encontrar o Wally das respostas o que lanço como puzzle de perguntas.

Denúncia facultativa e obrigatória: se há crimes que só certas pessoas podem denunciar através do que se denomina queixa, outros podem ser denunciados por qualquer pessoa [os denominados públicos], e há, finalmente, os crimes cuja denúncia é obrigatória para certas pessoas: os funcionários públicos quando tiverem conhecimento da prática dos mesmos através do exercício das suas funções. Sucede que, dado o conceito amplíssimo de funcionário público, há uma questão que consiste em saber se todos eles estarão adstritos a esse dever de dar notícia da infracção ou só os funcionários no sentido jurídico-administrativo do termo.

Denúncia anónima: o nosso Direito Processual Penal admite-a e com base nela o procedimento criminal pode ser instaurado. Apesar de não ter autor conhecido [ou tendo autor com identificação suposta] esta denúncia tem eficácia, embora possa não fazer prova em si, já que o nela relatado terá de ser provado através da investigação criminal. E se o crime descoberto for outro que não o denunciado, sendo a localização, porém, por ela propiciada?

Denúncia transaccionada com contrapartida: o nosso Direito parece impedi-la, ao considerar provas proibidas as obtidas com promessa de vantagem legalmente inadmissível, mas como a denúncia em si não fará prova, a regra em causa não tem aplicação directa pelo que urge encontrar preceito jurídico que impeça tal tipo de acordo, considerando ser a contrapartida a dita vantagem legalmente inadmissível. Para além disso, a aceitar-se a tese da admissibilidade parcial, importa determinar qual o tipo de contrapartida que pode ser consentida, ou seja, se valem promessas de benefícios processuais (nomeadamente ao nível das medidas coactivas), se quanto à pena aplicável, se quanto ao modo como a mesma será executada ainda que em regime prisional, ou no que refere à delimitação do objecto do processo (omitindo a acusação menção a certos temas que envolvam o denunciante "facilitador", ainda que com reserva de uma acusação em tempo futuro ou sob condição).

Delação de "arrependido": a prova incriminatória do "arrependido" pode valer no nosso Direito mesmo que se não prove a sua condição de penitente em acto de contrição, mas a de rancoroso vingativo ante outros, "entregando à morte" comparsas de quem apenas se desligou? 

Delação premiada: um acordo formal entre as autoridades judiciárias e um arguido através do qual este se comprometa a sustentar em juízo teses que levem à condenação de outros [modelo brasileiro] ou, no mínimo, a orientar a investigação criminal no caminho certo, é admissível, implicando concessão de benefícios ao outorgante, mesmo a nível da pena, para além do regime especial de protecção da sua pessoa? 

Remuneração da denúncia: o pagamento de denúncia em matéria de crimes com recorte financeiro [modelo americano], a fazer-se numa lógica mercantilista que leve em conta o ganho pecuniário obtido com as penas e a perda de bens face ao custo da gratificação dada ao delator, é viável ou desejável l?

Tudo visto e perante estas questões e tantas outras em que elas se desdobram onde está o Wally que tudo isto suscita num mundo que, pelos vistos, está a tornar-se um outro mundo, antecâmara de coisas do outro mundo? Eu sei que haverá quem diga: seja como for, o crime é sempre mais repelente do que modo como ele se descobre. Como se os fins justificassem os meios. A questão de sempre.

+

Fonte da imagem: aqui

"Salamizar" ou concentrar?


«A colaboração premiada continua, qual maré negra, a fazer no Brasil as suas vítimas. Mas já tem, na sua cauda, a sombra do que poderá ser-lhe fatal: o risco de transformar-se de meio de obtenção da prova, tal como prevê o artigo 3º da lei que a regula – a 12.850/13 – em meio de prova em si e os tribunais condenarem, não como base na prova que o arguido delator permite encontrar com a sua denúncia – com isso beneficiando-se na pena e até dela se livrando – mas sim na mera delação em si, sem mais; e os tribunais, em recurso, virem depois a anular o julgado.
A este risco, que foi claramente enunciado pelo juiz (ministro como ali se designa) Dias Toffoli na recente decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro, julgando em plenário, segue-se um outro, o facto de a delação poder permitir a manipulação das regras de competência dos tribunais, gerando, em suma, através da suposta conexão de processos, que causas diversas se vão somando como da jurisdição do mesmo juiz.
O tema, gerando aceso debate público em terras brasileiras, é ali encarado não como uma fria problemática estritamente jurídica – saber qual o tribunal competente para conhecer cada um dos casos delatados, se o mesmo juiz, se juízes diferentes conforme o lugar dos acontecimentos – mas como tórrida questão política e fulanizada.
É como se o «fatiamento» da operação significasse não só o “desaforamento” do juiz que até agora tudo centralizava na sua pessoa – o qual assim ficava privado de jurisdição quanto a estes novos casos – mas o perigo de os novos alegados crimes sob investigação – agora distribuídos por outros tribunais – «caírem no esquecimento», como argumentou o juiz Sérgio Moro, prevenindo publicamente quanto ao risco que a operação corre se atribuída doravante a outras mãos que não as suas. E cita sintomaticamente as «mãos limpas» italianas.
Em Portugal tudo isto é conhecido nas suas várias vertentes, mas – terra de “brandos costumes” – ainda que com impacto menos luxuriante.
Menos exuberante, o estatuto de “arrependido” tem feito aqui também as suas “vítimas”: se bem que, como o próprio nome o sugere, ainda se pressuponha da parte daquele que supostamente se arrependeu uma pelo menos aparente contrição de alma e a denúncia de outros surja assim como espécie de purga interior e o colaboracionismo expressão de alinhamento com as forças do Direito – trazendo para o sistema judiciário recônditos religiosos do pecado, sua culpa e expiação – na prática, o requisito torna-se formal e, assim, o próprio rancor vingativo ou a ânsia de “safar a própria pele” a troco de “dar outros à morte” são relevados como se de virtude teologal estivéssemos a falar, aceitando Deus negociar com o próprio Diabo.
E, por igual, as regras de conexão processual foram também usadas quer no sentido de multiplicar processos sob o mesmo sujeito – fazendo-o sujeitar-se a julgamentos sucessivos e a sucessivas condenações que, ao limite, podem equivaler a prisão perpétua, como, ao invés, no sentido de autuar num só processo casos diferenciados em que o ponto de referência comum, por mais ténue que seja, traz o benefício ilusório de um megaprocesso, mastodôntico e, por isso, amplamente mediático sujeito sempre ao mesmo tribunal.
Em ambos os casos o legislador teve de intervir já para introduzir alguma disciplina no sector porque, em recurso, os tribunais superiores tinham transformado os megaprocessos em mega absolvições, fazendo fracassar o que parecia ser uma promissora “barrela” jurídico-criminal e a “salamização” processual ia para além do tolerado em termos de garantias constitucionais de um processo justo.
O mesmo sucedeu no que se refere à extensão indefinida dos prazos de inquérito e à prorrogação indeterminada do segredo de justiça. Quando o legislador português, para evitar a primeira, legislou no sentido de que a publicidade do processo penal ocorreria, com excepções, a partir de certo prazo razoável de inquérito secreto – retomando o que era, aliás, uma garantia do Código de Processo Penal de 1929, promulgado pela Ditadura Nacional – logo surgiu uma interpretação jurisprudencial em primeira instância no sentido de que no caso das excepções poderia chegar-se ao limite de perpetuar o secretismo contra os direitos do arguido. O caso é por demais conhecido porque mediático, assim como a decisão da segunda instância que a invalidou.
E está aqui a questão essencial.
Os tempos correm hoje na Justiça a favor do pragmatismo como critério da validação: bom é o que se revela eficaz. Princípios como o direito dos arguidos ao silêncio – que estavam adquiridos como regras de decência processual e pedra basilar do Estado de Direito – tornam-se, como no caso da colaboração premiada brasileira, em obrigação de prestar declarações, assim o arguido em causa tenha negociado com as autoridades judiciárias que, em troca de favor para si, denunciará outros mais apetitosos. E há quem, entre nós, esteja sugestionado já pelos seus resultados estatístico-punitivos.
Mais: são tempos de chumbo de apoucamento dos direitos dos arguidos, tidos por privilégios passadista de uma justiça elitista que não cuida suficientemente das anónimas vítimas: por causa do pouquíssimo para estas há quem promova o muitíssimo menos para aqueles.
Centremo-nos, porém, no tema que me traz aqui: regras como a do “juiz natural”, segundo a qual o juiz tem de estar predisposto antes do processo entrar em juízo e ser escolhido para ele segundo regras gerais e abstractas e por sorteio, tornaram-se no “juiz pré-determinado”, cumulando competências e somando casos sob a sua jurisdição. E no caso brasileiro, como já foi no nosso antigo Direito, com competência para instruir e julgar.
Os séculos somados de anos de cadeia das suas condenações, sendo notícia, tornam-se a medida da excelência do sistema; as absolvições em recurso, quando ocorrem, não merecem sequer uma linha no espaço mediático, nem como discreta necrologia processual.
Em suma: «a prorrogação de competência do juiz processante» com fundamento não na conexão material dos casos mas sim no «mero encontro furtivo da prova» - e ademais da prova por delação – foi agora barrada pelo Supremo brasileiro. É um sinal de que os tribunais superiores, tanto lá como cá, começam a intervir, mesmo em território sensível, e evidência, sobretudo, de na dialética judiciária, o respeito pela legalidade do processo ainda condicionar a eficácia do processado. O que se regista com aplauso.
A concentração de competência judiciária dá poder. Todo o poder é, porém, por populares que sejam os seus resultados, ilusório e precário.

Tudo passa, mesmo a vã glória de mandar.»

+
Artigo originariamente publicado no jornal "Público".
Fonte da imagem: aqui

Delação premiada - um exemplo




Para que se entenda do que se fala - e abrindo excepção à regra editorial que impus a este blog de não me reportar a casos concretos - publico um documento que circula no ciberespaço, um acordo de delação premiada. Pode ler-se aqui.

Delação premiada-2


O facto vem do Brasil e com ele a sugestão. No âmbito de uma operação judiciária denominada “Lava Jato” tem sido feito uso generalizado da “delação premiada”. Resultados, vários: no imediato, denúncias em cascata, prisões em sequência, atingindo já o coração do sistema político governante, não se sabendo se é este o investigado ou o tecido empresarial sob suspeita; para além disso, o surgimento de advogados especializados nesta forma de delação, justificando publicamente a mesma como uma forma de defesa como outra qualquer, porque o delator obtém benefício na pena expondo o delatado a ser punido: redução da prisão em 2/3 ou substituição da prisão por penas mais benignas ou ao limite a impunidade, para além de outros «prémios acrescidos».
O debate está em aberto e estou certo que contagiará em Portugal aqueles sectores do judiciário que louvaram o estatuto de “arrependidos” – mesmo quando se generalizou a partir do núcleo inicial para o combate ao terrorismo – e ensaiaram recentemente a entronização da “pena negociada”, forma tida por análoga à da justiça norte-americana. E na escola americana se formou a linha da frente dos magistrados brasileiros que agora avançam, com amplo respaldo mediático, para a nova fase da operação, denominada “ninguém pode dormir”.
A delação premiada tem do ponto de vista da eficácia penal notórias vantagens: abre o apetite aos arguidos necessitados que dão a morte aqueles que, julgam, saciarão a fome probatória dos investigadores. E faz progredir a investigação com celeridade e redução de custos.
O problema são os seus “quês”. Já nem falo no moral, porque essa é hoje, tempos de pragmatismo, tida como uma excrescência do passado: permitimo-nos, dizem, o que censuramos aos filhos na escola. Nem refiro quanto estão em causa princípios que pareciam universais da Justiça Penal, porque o mundo mudou e com ele endureceu certo crime e está a endurecer toda a Justiça.
Refiro-me aos riscos deste expediente para a própria investigação. Este meio de obtenção da prova penal – porque a delação não é prova em si – é obtido com promessa de vantagem e sob receio de punição. O delator que veja provar-se o denunciado obtém, no mínimo, redução da pena, o que viu ser infirmado o que contou vê a sua pena agravada. Ora, não se tratando de declarações livres, e muitas vezes não sendo espontâneas, fica em aberto saber se não integram o conceito de prova proibida. Por outro lado, meio sugestivo que é, abre a porta à efabulação, que pode lançar a investigação por caminhos sinuosos e enganadores.
Tal como a concebe a justiça brasileira, esta colaboração passa por um acordo em que se envolve o próprio juiz, homologando-o. E significa que o delator renuncia ao direito ao silêncio e se obriga a prestar declarações.
Até aqui tem havido o benefício de uma jurisprudência complacente com isto, que data já de 1990, com a Lei dos Crimes Hediondos, e desde 1998 se tem vindo a estender ao universo da criminalidade económico-financeira. Mas assim o seu uso leve a situações em que a convicção judicial expressa na sentença se firme mais na íntima convicção do juiz baseada no assim delatado do que na demais prova que o confirme, assim podem os tribunais superiores entender que se transpôs a linha do admissível.

O problema é que, se no Brasil, tudo isto é muito rápido – e as condenações estão já a surgir e pesadas – em Portugal tudo pode levar anos. E, anos depois, surgirem as anulações decretadas em recurso. Com as consequências e as inconsequências do costume.

+
Fonte da imagem aqui. O original do texto foi publicado no jornal Sol.

Delação premiada


A entrevista é apenas o ponto de partida para uma reflexão, a que segue.
+
Mais do que uma prática está a ocorrer uma mudança de cultura jurídico-penal no Brasil. A novidade decorre do instituto da delação premiada, uma variante do nosso sistema dos ditos "arrependidos". Se não erro a sugestão do sistema vai propagar-se além-fronteiras. Ver o seu traço geral aqui.
+
Tal cultura é subsidiária da influência que o pensamento jurídico norte-americano exerce sobre uma nova geração de procuradores e juízes brasileiros. A sua génese tem também assentimento no Direito Italiano, nomeadamente na legislação anti-mafia.

Trata-se, no fundo, de uma transação processual penal, pela qual o arguido adquire vantagens em torno de declarações úteis.

Tal decorre de lei: Lei n.º 9807/99, Lei do Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) em seu art. 8º, parágrafo único; Lei do Crime Organizado (Lei 9.304/95) em seu art. 6º; o próprio Código Penal brasileiro quando trata do crime de Extorsão mediante seqüestro (art. 159, § 4º); Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98) em seu art. 1º e 5º; Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei 9.807/99) nos arts. 13 e 14 e na Nova Lei Antitóxicos (Lei 10.409/2002) no art. 32,§ 2º estando consagrada na Lei n.º 12850, de 2 de Agosto de 2013 [ver aqui].
+
O tema abre a porta a inúmeras questões. Sem pretende esgotar e apenas como convite à reflexão, eis algumas, sem sistemática:

Do ponto de vista da eficácia do sistema:

-» Qual a certeza quanto à veracidade do denunciado pelos delatores premiados? Qual a segurança jurídica de que não estarão a adquirir benefícios em troco de afirmações úteis para a tese dos investigadores?
-» Qual a garantia de que a linha de investigação criminal não fica comprometida pelas denúncias remuneradas com os benefícios processuais concedidos?
-» Qual a evidência de que o aumento exponencial de denunciados não vai gerar, em lógica inversa, o aumento igualmente exponencial de absolvidos, assim o delatado se não confirme em audiência?
-» Em que medida é que as penas aplicadas aos delatores, na aparência severas, para executadas em regime de permissiva tolerância, não expõe o sistema à aparência que é a porta aberta para a sua descredibilização?

Do ponto de vista da arquitectura do sistema:

-» Em que medida a delação premiada abre a porta ao colaboracionismo da defesa com a acusação, gerando, em primeira linha, defensores de actuação útil aos investigadores, ou, como efeito perverso, defensores sugeridos pela investigação, como os mais adequados ao suposto benefício a obter pela delação?
-» Até que ponto o sistema não coloca em crise a independência do sistema judicial, limitado pelos achados probatórios obtidos sob delação premiada?
-» Em que medida tal sistema, incrementando por sua natureza o protagonismo dos procuradores/advogados/negociadores não gera, como seu efeito mediático, o culto da personalidade em detrimento do espírito de corpo e de critérios de reserva e contenção, apanágios de uma justiça serena?

Do ponto de vista da moral do sistema:

-» Haverá limite ao envolvimento do Estado através da autoridade judiciária, com imputados criminosos, para que, em transação, como se de igual para igual, aquele alcance os seus fins através destes meios?
-» Ou será limite imaginar que a liberdade de negociar do delator está limitada, quer pela sugestão do benefício esperado, quer pela ameaça da sanção a que se sujeita caso não aceite a delação, ainda que dos seus anteriores comparsas?
-» Em que ponto de equilíbrio se pode valorar uma delação sem manifestação de arrependimento e interiorização dos valores do Estado de Direito, assunção, em suma, de uma conduta de reintegração social?
+
Estou em crer que é um mundo novo. Cada achado obtido por delação enche o espaço mediático e encontra aplauso popular. Quem levantar dúvidas corre o risco de passar pela suspeita de querer a impunidade do crime. Um dia, porém, a fronteira entre os bons e os maus estará esbatida, o justo e o injusto será apenas uma questão de pragmática.