Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Sociedades, seus representantes: a responsabilização

 


Recentíssima publicação da Universidade Católica o livro, que se anuncia e natureza didáctica, compendia estudos que o seu autor vem efectuando no âmbito da responsabilidade nomeadamente criminal das pessoas colectivas, agora na óptica da responsabilização dos seus "dirigentes". 

Trata-se da sequência da obra publicada em 2009, pela Verbo, sob o título "Responsabilidade das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes" e do que foi publicado nesse mesmo ano e já com segunda edição de 2018, o "Direito Penal Tributário".

São, de facto, dois os capítulos em que o tema é desdobrado, o primeiro logo directamente orientado ao tema da responsabilidade pessoal dos dirigentes, o segundo ao da responsabilidade das sociedades.

A isso se junta [páginas 69 e seguintes] uma análise de alguns crimes em especial: os crimes ditos "comuns", porquanto previstos no Código Penal [recebimento indevido de vantagem, corrupção no sector público e privado, tráfico de influência, participação económica em negócio e fraude fiscal] e os crimes previstos no Código das Sociedades Comerciais.

A bibliografia final ajuda o leitor a ampliar o estudo.

Direito Penal de empresa: questões gerais

A obra foi publicada este ano, em Janeiro. Reproduz, em escrito, o ensino da autora em cursos de pós-graduação, desde há alguns anos, em Portugal e no Brasil.
É livro pequeno de 150 páginas. Mas os livros pequenos têm a vantagem de se candidatarem a serem lidos. Sobretudo quando escritos com clareza, e é o caso.
O tema é actual, o território jurídico em que se move, mutante.
Trata-se, a nível criminal, da responsabilidade dos administradores, da responsabilidade das pessoas colectivas e da responsabilidade do compliance. Mas para que tudo ganhe compreensibilidade, o capítulo inaugural ensaia uma rememoração dos conceitos fundamentais do Direito Penal de Empresa e a Teoria da Infracção Penal. 
O foco é precisamente o Direito Criminal Empresarial, o corporate crime, no quadro de uma sociedade técnica, progressivamente mais complexa e especializada.
Terminada a leitura dessa análise preambular, eis as notas que, traduzem o que retive como essencial:

-» a evolução de um Estado interventor para um Estado regulador, não diria recuo do Estado mas uma sua recolocação no território económico, financeiro e social, num ambiente contemporâneo de «desregulação da economia»;

-» a natureza «mutável, flexível e assistemático» desse novo Direito;

-» a configuração dos bens jurídicos em causa nesse Direito Penal Económico [de que o Direito Penal Empresarial seria espécie daquele género] como «relevantes para a sobrevivência do sistema económico»;

-» a dicotomia necessária entre a criminalidade na empresa e a criminalidade de empresa, esta a que lesa bens jurídicos e  interesses «externos, incluídos os próprios interesses dos colaboradores da empresa», abrangendo todo o universo de crimes que se situem no ambiente empresarial, desde o direito penal laboral ao de mercado de valores mobiliários, ao do consumidor, às insolvências puníveis, crimes contra a propriedade industrial, enfim os delitos societários.

Se esta é a configuração da arquitectura global do Direito em causa, Susana Aires de Sousa conduz-nos, seguidamente, para questões problemáticas que se suscitam na matéria:

-» a utilização pela lei de tipos penais abertos e indeterminados na formulação legal dos ilícitos, nomeadamente através do reenvio para normas extra-penais, inclusivamente de valor infra-legal (decreto, regulamento ou uma portaria) o que coloca problemas de constitucionalidade, pois que o reenvio «pode prejudicar a função de garantia que cabe ao tipo incriminador» [cita a exemplo quanto se passa com o artigo 509º do Código das Sociedades Comerciais, convoca a cascata remissiva do artigo 87º do RGIT - que considera, com ironia, uma das situações «caricatas e de duvidosa constitucionalidade» e cita, deixando a apreciação ao leitor, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 1997, segundo o qual o princípio da legalidade incriminatória não está em causa quando o conceito indeterminado utilizado pelo legislador seja «determinável» pelo intérprete;

-» a natureza social e historicamente situa dos bens jurídicos em causa neste tipo de criminalidade [«afastada de um essência axiológica culturalmente consolidada»] e a sua distância relativamente a qualquer «referência individual imediata», valorando o mero «perigo da conduta face à lesão efectiva do bem jurídico» o que «levanta dúvidas sobre a legitimidade da intervenção penal» [e neste domínio chama à colação os denominados «delitos cumulativos», que enfrentam o risco de generalização de uma conduta, modalidade dos crimes de perigo abstracto, que aqui teriam expressão, no caso dos crimes fiscais e contra o mercado de valores mobiliários];

-» o tema da legitimidade para a constituição de assistente [por ampliação do quadro conceptual da noção de ofendido], concluindo que haverá casos nos quais «não obstante a natureza colectiva do interesse protegido pela incriminação, se deve admitir que a empresa pode aceder ao estatuto de sujeito processual», citando ser, em sua opinião, o caso dos crimes societários [artigos 509º a 529º do Código Penal];

-» a matéria da responsabilidade criminal pelo produto [no caso da produção e da distribuição] e que ao dano individual sucede a multiplicação do dano por um elevado número de consumidores e é, assim, um «dano duplamente anónimo», assunto relativamente ao qual, não só sublinha a existência de lacunas de previsão no Direito em vigor [concretamente ante a conjugação dos artigos 282º e 24º do Decreto-Lei n.º 28/84, apresentando proposta de redacção para um Direito a constituir];

-» e, enfim, em breve apontamento, uma nota quanto «às dificuldades dogmáticas para estabelecer a autoria e a participação nos crimes cometidos através de uma organização».

Pessoas colectivas sem protecção jurídica


O artigo 7º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho [ver aqui], sobre o acesso ao Direito estatui que:

Artigo 7.º
Âmbito pessoal

1 - Têm direito a protecção jurídica, nos termos da presente lei, os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica. 
2 - Aos estrangeiros sem título de residência válido num Estado membro da União Europeia é reconhecido o direito a protecção jurídica, na medida em que ele seja atribuído aos portugueses pelas leis dos respectivos Estados. 
3 - As pessoas colectivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica. 
4 - As pessoas colectivas sem fins lucrativos têm apenas direito à protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário, devendo para tal fazer a prova a que alude o n.º 1. 
5 - A protecção jurídica não pode ser concedida às pessoas que alienaram ou oneraram todos ou parte dos seus bens para se colocarem em condições de o obter, nem, tratando-se de apoio judiciário, aos cessionários do direito ou objecto controvertido, quando a cessão tenha sido realizada com o propósito de obter aquele benefício.

O Tribunal Constitucional n.º 242/ 2018 [ver aqui] considerou ser inconstitucional com força obrigatória geral a «norma do artigo 7º, nº 3, Lei nº 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei nº 47/2007, de 28 de agosto, na parte em que recusa proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa».

Curioso o voto de vencido do Conselheiro João Caupers: «Impressiona-me que entes constituídos com o (legítimo) propósito de ganhar dinheiro, por não o conseguirem fazer, sejam auxiliados com o dinheiro dos contribuintes naquilo que para uma pessoa singular resultará normalmente de uma infelicidade, mas que para elas decorrerá, muito provavelmente, de falta de capacidade empresarial, de deficiente avaliação de riscos ou de ignorância do mercado, nos litígios judiciais em que se vejam envolvidos no exercício da sua atividade. Afinal, os seus concorrentes mais eficientes e competentes não disfrutam de tal benesse, o que coloca mesmo problemas de igualdade.»

Estudos sobre Law Enforcement, Compliance e Direito Penal


Sob a coordenação científica de Maria Fernanda Palma, Augusto Silva Dias e Paulo de Sousa Mendes foi publicado o livro Estudos sobre Law Enforcement, Compliance e Direito Penal. O índice permite alcançar o seu interessante e útil conteúdo.


I. LAW ENFORCEMENT E COMPLIANCE

Law enforcement & compliance Paulo de Sousa Mendes 11

O que não se diz sobre o criminal compliance Paulo César Busato 21

Compliance, cultura corporativa e culpa penal da pessoa jurídica Teresa Quintela de Brito 57

A responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva no contexto do “Estado Regulador” Alexandra Vilela 101

A elaboração de programas de compliance Filipa Marques Júnior e João Medeiros 123


II. QUESTÕES PROCESSUAIS

Questões processuais da responsabilidade penal das pessoas coletivas Germano Marques da Silva 151 

O advogado interno (in-house lawyer): Estatuto e particularidades do segredo profissional Filipe Matias Santos 171

O segredo de negócio como escudo e como espada Nuno Sousa e Silva 209 


III. RESPONSABILIDADE DO COMPLIANCE OFFICER

A responsabilidade penal do compliance officer: fundamentos e limites do dever de auto-vigilância empresarial Tiago Geraldo 267

Responsabilidade penal das instituições de crédito e do Chief Compliance Officer no crime de branqueamento José Neves da Costa 303 


IV. RESPONSABILIDADE CONTRAORDENACIONAL

Compliance em processo contraordenacional: Da alegação à decisão através da prova Alexandre Leite Baptista 345

Os poderes de cognição e decisão do tribunal na fase de impugnação judicial do processo de contraordenação Marta Borges Campos 385


V. MERCADOS FINANCEIROS

A revisão das diretivas do abuso de mercado: Novo âmbito, o mesmo regime Helena Magalhães Bolina 425 

A utilização em processo penal das informações obtidas pelos reguladores dos mercados financeiros Paulo de Sousa Mendes 453

Para melhor percepção, permito-me citar da sinopse da obra: «Qual é a relevância do compliance nos diversos âmbitos da ação regulatória (preventiva e sancionatória) e da atividade empresarial? E em que medida será possível relacionar e compatibilizar o compliance com o law enforcement a cargo das autoridades competentes?  A estas questões fundamentais procurou responder o I Curso de Pós-Graduação sobre "Law Enforcement, Compliance e Direito Penal nas atividades bancária, financeira e económica", organizado pelo Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais (CIDPCC) da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no ano letivo de 2015/2016, o qual está na origem da presente publicação. À semelhança do Curso e do seu programa multidisciplinar, esta é uma obra pioneira no tratamento sistemático dos principais problemas jurídicos que resultam da tensão entre law enforcement e compliance. Suportados no conhecimento atualizado da doutrina e da jurisprudência nacionais e estrangeiras relevantes, os diferentes contributos cruzam temas substantivos e processuais de inegável interesse teórico e grande relevância prática, em particular nos domínios regulatório, penal e contraordenacional».

Notícias ao Domingo!


O tema de reflexão deste Domingo incide sobre a tendência que se está a desenhar para a responsabilização penal das pessoas colectivas. A imprensa económica internacional está repleta de casos exemplares. Há normativos em preparação. A nossa História a este propósito é muito significativa dos critérios que têm presidido.

1. Olhando para como tem sido no nosso Direito Penal, primeiro foi em meados da década de oitenta as primeiras tentativas de responsabilização das pessoas colectivas. Paradigmático o que sucedeu em termos de infrações de cariz económico ou contra a saúde pública com o Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro [ver aqui]. Sobre cuja validade, já agora, há algo a dizer.

2. Trata-se - pois ainda vigora - de um diploma que foi não só publicado na folha oficial como promulgado e referendado para além do prazo concedido ao Governo para legislar, no uso da autorização legislativa conferida pelos artigos 1.º, alínea a), 2.º e 4.º, alínea a), da Lei n.º 12/83, de 24 de Agosto, mas cuja inconstitucionalidade orgânica foi salva pelo Tribunal Constitucional com o argumento segundo o qual ... tanto a promulgação como a referenda não fazem parte do processo legislativa, mas são actos puramente políticos! Na altura estava em causa a aplicabilidade do texto legal em causa a processos sobre fraudes aos subsídios concedidos ao abrigo dos fundos comunitários. Quem suscitou a questão a propósito de um processo concreto não poderia ter ilusões. O argumento da inconstitucionalidade não poderia ser acolhido, pois haveria que o salvar, arranjando "Direito" para o caso, o que sucedeu, com base no argumento segundo o qual, aprovado apenas em Conselho de Ministros dentro do prazo, o diploma não era "nado morto".

3. Depois foi a circunstância de esse diploma prever a responsabilidade penal das pessoas colectivas por crimes nele previstos numa lógica de sucessão, sem embargos de normas específicas como a prevista no artigo 7º do RGIT [e outras]. As pessoas colectivas respondem por causa das condutas das pessoas singulares que as responsabilizem.

Veja-se o artigo 3º do citado Decreto-Lei:

«1 - As pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto são responsáveis pelas infracções previstas no presente diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo.
«2 - A responsabilidade é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.
«3 - A responsabilidade das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o n.º 3 do artigo anterior

Ora desde a Revolução Francesa que a responsabilidade penal é pessoal e intransmissível e isso está previsto na nossa Constituição e reiterado no Código Penal. Também aqui o Tribunal Constitucional salvou a situação.

4. Além disso, a nível geral, tratava-se de consagrar uma responsabilidade penal sem culpa, pois só podem agir com culpa as pessoas singulares. Mas também aqui a jurisprudência constitucional salvou o diploma.

5. Enfim, foi a consagração de uma norma específica, de cunho geral, no Código Penal a consagrar
os termos em que ocorre a responsabilidade penal das pessoas colectivas.

Eis o artigo 11º do referido Código:

«1 - Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal.
«2 - As pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285,º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 376.º, quando cometidos: 

a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou
b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. 

«3 - (Revogado.)
«4 - Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade.
«5 - Para efeitos de responsabilidade criminal consideram-se entidades equiparadas a pessoas colectivas as sociedades civis e as associações de facto.
«6 - A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.
«7 - A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes.
«8 - A cisão e a fusão não determinam a extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou entidade equiparada, respondendo pela prática do crime:
a) A pessoa colectiva ou entidade equiparada em que a fusão se tiver efectivado; e
b) As pessoas colectivas ou entidades equiparadas que resultaram da cisão.
«9 - Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes: 

a) Praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa;
b) Praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respectivo pagamento; ou
c) Praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento. 

«10 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade.
«11 - Se as multas ou indemnizações forem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por elas o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados. »

6. Tanto num caso como em outro, sucedem duas realidades perversas mas a que o sistema fica indiferente: primeiro, a incerteza quanto a quem pode representar a pessoa colectiva, matéria sobre a qual reinou diversidade de critérios jurisprudenciais; depois, a estigmatização dos que, nomeadamente se actuais administradores daquela, ficam adstritos a sentarem-se no "banco dos réus" ao lado daqueles que, pelos seus actos, levam a pessoa colectiva a ser responsabilizada no foro criminal e isto sem que a opinião pública distinga quem são uns e quem são outros, estigmatizando injustamente os novos em função dos antigos, e mais sucedendo que, amiúde, a nova administração está em funções precisamente para que se assuma a nível da pessoa colectiva uma nova filosofia de acção conforme ao Direito e em completa divergência com o que decorrera da transacta administração, agora a ser julgada pelos seus actos.

7. Novos tempos se avizinham no plano da responsabilização. Olhando para o panorama da legislação em preparação e para a prática que, oriunda dos EUA, começa a ser comum na Europa, um novo cenário está em marcha: já não se investigam casos pontuais de pessoas singulares por causa dos quais se responsabilizam pessoas colectivas; agora, a partir de uns casos pontuais, abrem-se investigações a pessoas colectivas, e delas passa-se para a responsabilização das pessoas individuais que possam estar envolvidas. Ou melhor dizendo: investigadas as pessoas colectivas a partir de uma amostra de casos individuais, transaciona-se com elas pesadíssimas sanções pecuniárias e daí parte-se para a responsabilização individual das pessoas que as tenham administrado. Primeiro ganha a Fazenda o valor da "pena negociada", a seguir trata-se de tentar uma outra punição. Não é indiferente serem as pessoas colectivas, nomeadamente se empresas, significativamente mais abonadas para suportarem o valor das penas pelas quais se libertam de ulteriores procedimentos.

Notícias ao Domingo!



OCDE/Corrupção/pessoas colectivas: os países que integram a OCDE estão abrangidos por uma Convenção visando o combate à corrupção, complementada por diversos outros instrumentos jurídicos [ver aqui]. No âmbito das actividades daquele organismos está a ser conduzido um inquérito [ver aqui], baseado num relatório [ver aqui] quanto à aplicabilidade de mecanismos jurídicos específicos visando a responsabilização das pessoas legais (ditas também morais nos países francófonos ou colectivas segundo o nosso Direito).

Portugal/branqueamento de capitais: a CMVM mantém uma lista actualizada da legislação aqui

Brasil/violência doméstica/alteração à Lei Maria da Penha: A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) define que a renúncia à representação só pode ser feita durante audiência específica e na presença do juiz. O projeto do Senador Eduardo Lopes [ver aqui] prevê que seja marcada nova audiência, 60 dias após a primeira, para que a vítima possa confirmar seu posicionamento.

ReverLaw: baseado no conceito do jogo Pokemon foi lançado pela Universidade de Wetsminster um programa de ensino para juristas criminalistas visando, através da imersão na realidade virtual, fazê-los encontrar os meios de prova para um caso de homicídio. Para os incrédulos ver aqui a notícia e aqui o site oficial.

PGDL/legislação anotada: «dando continuidade e alargando o âmbito do trabalho que tem sido desenvolvido, relativo à publicação de legislação e jurisprudência, a PGDL, vai a partir de agora, proceder, à anotação, com jurisprudência, pareceres e doutrina, não só dos diplomas legais da área penal, mas também de outros diplomas, começando pelos da área laboral», informa o magnífico site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa [ver aqui]

Revista Julgar/ASJP/CEJ/análise à alteração às leis penais/conferência/28.09: realiza-se no CEJ. Ver o programa aqui

Metáfora e ironia no Direito: visto ângulo de uma tese de doutoramento. Autor: Pedro Parini Marques da Silva. A ler aqui.

Leitura/Espanha/Branqueamento culposo de capitais: da autoria de Calderón Tello, e Lyonel Fernando, trata-se uma extensa monografia sobre a criminalização do branqueamento culposo de capitais. [pode ser adquirido aqui]

«PARTE I. Elementos para configurar el delito de blanqueo de capitales culposo o por imprudencia grave Capítulo I. El delito culposo o imprudente Capítulo II. El delito de blanqueo de capitales imprudente 

PARTE II. Delimitación del ámbito de aplicación entre los delitos de blanqueo de capitales y receptación Capítulo III. Protección de bienes jurídicos o de la vigencia de la norma: consecuencias dogmático-prácticas de la discusión material respecto del blanqueo de capitales y de la receptación Capítulo IV. Bien jurídico protegido por los delitos de blanqueo de capitales: ¿Protegen el blanqueo y la receptación distintos bienes jurídicos? Capítulo V. Objeto material en los delitos de blanqueo de capitales: hacia una necesaria delimitación del ámbito de aplicación entre el delito de blanqueo de capitales y el delito de receptación» [da informação editorial]

Responsabilidade penal das PC's: Circular do PGR

Revogando a Circular nº 1/2009, de 19 de Janeiro, o Procurador-Geral da República determinou, ao abrigo do disposto no artigo 12°, n.o 2, aI. b), do Estatuto do Ministério Público, na redacção da Lei n.o 60/98, de 27 de Agosto, que os Senhores Magistrados e Agentes do Ministério Público, observem o seguinte:

«1 - Nos casos em que existam fundadas suspeitas da prática de factos ilícitos penalmente imputáveis a uma pessoa colectiva, os Magistrados e Agentes do Ministério Público deverão instruir o órgão de polícia criminal, no qual deleguem competência para a investigação ou a realização de diligências, no sentido de procederem à sua constituição como arguida, através dos seus actuais representantes legais;
«2 - O disposto no número anterior aplica-se ainda no caso de ter sido declarada a insolvência da pessoa colectiva, mantendo-se, até ao encerramento da liquidação, a representação legal nos termos estatutários.
«3 - A constituição da pessoa colectiva como arguida não prejudica a eventual constituição e interrogatório como arguidos dos representantes legais da pessoa colectiva que possam ser pessoal e individualmente responsabilizados pelos factos que constituem objecto do inquérito».

O que cremos seria interessante - visto que a responsabilidade penal das pessoas colectivas passou a ser regra geral em face do artigo 11º do Código Penal para um extenso catálogo de crimes, como se pode ver aqui - seria  definir quem é que pode/deve assumir para efeitos penais o papel de legal representante da pessoa colectiva: se o próprio titular do órgão máximo da sua gestão, se algum membro da direcção ou administração com o pelouro respectivo, se alguém mandatado para o efeito. É que já vi soluções para todos os gostos. 
Uma coisa é certa: visto do ângulo exterior ao julgamento não se distingue quem está ali a ser julgado por ter praticado crimes que até podem ter lesionado a própria pessoa colectiva [pelo menos a sua imagem ficou sempre posta em crise] e quem está ali [quantas vezes da gerência/administração que se seguiu] porque a pessoa colectiva terá que ter, sentado no "banco dos réus" um figurante físico.
O efeito estigmatizante, a má imagem pública, é igual, porque indistinta entre quem agiu e quem representa aquele ente colectivo que se co-responsabiliza.
É um equilíbrio instável.