Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Na loja do chinês

Na montra da loja do chinês estava afixado um papel: «quem for apanhado a roubar paga coima de sessenta euros se não chamo a autoridade». É assim mesmo! Justiça directa, expedita e sem excesso de garantismos. Uma ideia a reter. No «se não» é que está a chave do sistema: autoridade, só mesmo em caso de emergência! Livra!

A razão e o esquecimento

Estou a ler os «Contos Impopulares» que a Agustina Bessa-Luís escreveu entre 1951 e 1953. Num deles, chamado «Filosofia Verde», surpreendem-se dois homens, maltrapilhos e de barba rala, vagabundos pela miséria de que fazem profissão serem «caçadores de mortes súbitas». Andam por aí, errantes, a encontrar mortos de acaso e, na mira de uma gorgeta, levam aos parentes a notícia e, às vezes, o peso do próprio corpo, na ânsia de uma lembrança maior. Ajuda-os um polícia, daqueles de giro e de ronda, guarda-nocturno amigo, que a escritora diz ser a «autoridade bonachona que nem auscultava a razão para esquecer a lei». Sim, porque há os que auscultam, e fazem toda uma vida, de ausucultadores enfiados.

Saudades do mato

Foi de facto um longo intervalo e entretanto muitas coisas se passaram. Talvez seja um problema de equilíbrio: quando se vive mal com o Direito não apetece pensar bem no Direito. Claro que há os que vivem em conforto intelectual com as grandiosas teorias jurídicas e em amena companhia com as polémicas doutrinárias de salão. No meu caso calha-me um outro mundo, o que eu escolhi. Por causa dele estive num gélido pavilhão de bombeiros transfigurado de tribunal, a fazer um julgamento, por ele ser asim, é uma luta diária corpo a corpo pelo que se julga ser Justiça. Há dias em que, tal como os da guerra colonial, dou comigo a perguntar-me porquê tanta gente no ar condicionado em Luanda e logo eu no campim em Nambuangongo, entre fuzilaria, morteiradas e emboscasdas em cada saída. Hoje é Natal. O soldado 153053/70, saúda-vos e daqui manda um adeus português, até ao meu regresso!

A nova forma de amnistiar

A lei quadro sobre a política criminal é uma espécie de lei de amnistia disfarçada. Com as leis de amnistia, o poder político escolhe aqueles a quem perdoa, com a lei da política criminal dirá aqueles azarados que manda perseguir, forma de mandar poupar os contemplados que convier proteger. Claro que é sempre tudo geral e abstracto. A gente sabe como é nas leis de amnistia e vai ficar a saber como será com a lei que ainda por cima se chama da política... criminal, naturalmente. Depois é só negociar: cada um defende os seus.

Documento anónimo e fotografias:prova proibida

«(...) II- A restrição referida no n. 2 do artº 164º CPP (documento não assinado e/ou anónimo) '... não sendo a falta de assinatura suficiente para se considerar a declaração como anónima, importa verificar se é possível descortinar em qualquer dos documentos de que foi requerida a junção - que foi indeferida e, agora, juntos em recurso - se existe a intenção precisa da autoria.' III- As fotografias - que estavam na posse do arguido - integram o conceito de documento, apesar, obviamente, de não estarem assinadas, contendo-se, assim, manifestamente, na previsão de 'sinal' deixado em 'meio técnico'. IV- Não sendo de presumir o consentimento do cônjuge (na posição do Prof. Costa Andrade, in Comentário Conimbricense ao Código penal, pág. 766), a junção aos autos de uma fotografia daquele, constituirá método proibido, por uso ilícito, nos termos do n. 3 do artº 164º CPP. V- Do mesmo modo, nos termos do mesmo segmento normativo (n. 3, do artº 126 CPP), uma fotografia que integrava correspondência dirigida a outrem, que não o arguido, ainda que ele a tenha junto aos autos, também não pode ser considerada e valorada pelo tribunal», eis o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 05.12.05 [proferido no processo n.º 8718/05 9ª Secção, relator Trigo Mesquita].

Consumação da fraude em subsídio

O Supremo Tribunal de Justiça fixou em 23.11.05 [processo n.º 603/03-3, relator Oliveira Mendes] jurisprudência no seguinte sentido: «O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no art. 36.º do DL 28/84 de 20Jan consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente».

Difamação pela Net

«A divulgação da difamação num fórum de discussão na Internet, preenche a previsão do art. 183.º, n.º 1, a), do CP, porque traduz o cometimento do crime do art. 181.º através de meios que facilitam a sua divulgação», assim o definiu o interessante Acórdão da Relação de Lisboa de 24.11.05, proferido no processo n.º 6802, em que foi relator Trigo de Mesquita.

Prazo para recurso penal sobre matéria de facto

Ainda a propósito do prazo de recurso penal no caso de o recorrente impugnar a matéria de facto, a Relação de Lisboa sentenciou [num acórdão proferido pela 9ª Secção em 24.11.05, no processo n.º 10151, em que foi relatora Ana Brito] que: «I- Em processo penal o prazo de recurso (de 15 dias, nos termos do artº 411º, n. 1 CPP) é peremptório e improrrogável, mesmo quando o recorrente impugne a matéria de facto, não sendo aplicável o regime de alargamento consagrado no n. 6 do artº 698º do CPC, ex vi artº 4º CPP. Com efeito, a lei processual penal regula expressamente tal matéria, fixando o prazo de recurso e determinando que se inicia, como regra, a partir do depósito da sentença (artº 311º, n.1 CPP). II- O pedido de transcrição prévia da prova oral documentada e em suporte magnético não suspende o prazo em curso para a interposição de recurso. Só até ao momento em que a disponibilidade das cassetes seja proporcionada ao recorrente é que é admissível a suspensão de tal prazo. III- A transcrição prévia da prova produzida em audiência não é uma exigência legal nem um factor que torne possível o recurso sobre a matéria de facto; com efeito, para o efeito, o recorrente tem ao seu dispor na secretaria os referidos suportes magnéticos, pois que tal basta para satisfazer as alíneas b) e c) do n. 3 ex vi seu n. 4 do artº 412º do CPP '... por referência aos suportes técnicos...' IV- Só depois de interposto o recurso '... havendo lugar à transcrição' (2ª parte do n. 4 do artº 412º), esta deve ser ordenada, como incumbência do Tribunal, conforme o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/2003, de 2003-01-16 (Proc. nº 3632/2001 - 3ª secção, in DR I-A, de 2003-01-30). V- O despacho proferido em 1ª instância que admitiu o recurso não 'vincula' o tribunal superior (cfr. n. 3 do artº 414º CPP). VI- Sendo assim, julga-se intempestiva a interposição do recurso, razão que determina a sua rejeição, nos termos conjuntos dos artºs 411º, 412º, n.s 2, 3 e 4, 417º, n. 3 e 420º do CPP».

Depoimento indirecto

O Acórdão n.º 8727/05, da 9ª Secção, subscrito pelo Desembargador João Carrola definiu que «I – O “depoimento indirecto” não traduz um “método proibido de prova”, já que não especialmente previsto no art. 126.º do CPP, mas antes e sim um “meio de prova” – “prova testemunhal” –, por isso admissível, de acordo e nas condições fixadas pelo art. 129.º seguinte. II – Contudo, e porque não respeita imediatamente aos factos probandos, “o testemunho indirecto só serve para indicar outro meio de prova directo”. III – Daí que possa ser, validamente, atendido e livremente valorado pelo Tribunal, desde que este outro meio de prova venha a ser prestado ou “quando for impossível a inquirição da pessoa que disse em razão da sua morte, de anomalia psíquica ou impossibilidade de ser encontrada”. IV – Não ocorrendo nenhuma destas situações “o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova” – n.º 1 do citado art. 129.º do CPP».
Ganha assim percepção o sentido da previsão legal sobre o depoimento indirecto: numa certa medida é um meio de obtenção de prova. O problema é que raras vezes esta se alcança, num país em que se fica muito pelo ouvi dizer não me lembro a quem.

Camarate e a política criminal

Quando uma Assembleia da República diz que descobriu haver indícios de crime e espera que a Justiça Penal, vinte e cinco anos depois, se decida a julgá-los, como esperar que vá funcionar um sistema pelo qual a mesma Assembleia define uma política criminal que à Justiça Penal cumprirá executar? Dir-se-à que ali era o caso individual, aqui a orientação geral. Diga-se, que eu acho que, por ser assim, ainda tenho mais razão em perguntar o que pergunto, por maioria de razão.