O caso era assim: «a arguida viajava em transporte público sem título válido, o que sabia ser condição para a utilização do serviço; daí que lhe foi levantado o auto respectivo, bem como lhe foi concedido um prazo de 10 dias para proceder ao pagamento do preço da viajem, no montante de 1,40€, acrescido da multa devida, conforme o disposto no artº 3º do DL 108/78, de 24 de Maio - o que a arguida, livre e voluntariamente, não concretizou». «O Ministério Público, face aos elementos recolhidos optou por requerer o julgamento da arguida em processo de transgressão, por entender que o ilícito em causa integrava matéria contravencional e não o crime de burla, p. p. pelo artº 220º, n. 1 c) do Cód. Penal». «A Mª juiz, ao contrário da posição assumida pelo MPº, julgou que os factos indiciados constituíam crime e não simples contra-ordenação, pelo que decidiu dar sem efeito o julgamento e ordenou o arquivamento dos autos».
O Acórdão da Relação de Lisboa de 27.01.05 [proferido no processo n.º 10233/04 9ª Secção, relator Almeida Cabral], ante esta questão considerou o seguinte: «(...) IV- Esta é uma querela a que urge por cobro através de decisão que uniformize jurisprudência, atenta a frequência com que a controvérsia se coloca nos tribunais. V- Em todo o caso, e respeitando entendimento diverso, entendemos que sempre que o agente seja surpreendido a viajar em transporte colectivo de passageiros, sem bilhete e, depois, se recusa a pagar o respectivo preço, no momento e prazo em que é interpelado para o efeito, incorre no crime de burla do artº 220º, n. 1, c) do CP, pois que se concluirá que o seu propósito fora sempre o de não efectuar o aludido pagamento, apesar de saber, como qualquer cidadão normal o sabe, que a viajem realizada no transporte público pressupõe a contraprestação do preço. VI- A intenção de não pagar o preço resulta, obviamente, de factos posteriores - factos concludentes - o que se pode aferir da recusa da arguida quando interpelada para liquidar a dívida. Com efeito, a conduta do agente é clara em evidenciar um propósito de enriquecimento ilegítimo, com o consequente prejuízo do sujeito passivo, que é a entidade exploradora do serviço de transportes, sendo que o dolo se pode manifestar em qualquer das suas vertentes e modalidades. VII- Deste modo, bem andou a Mª juiz recorrida ao considerar a factualidade descrita como subsumível ao crime de burla (220º, n. 1, c) Cód Penal), mas já não deveria ter decidido pelo arquivamento dos autos, pelas razões atrás desenvolvidas, e antes deveria declarar nula a acusação - por verificada a nulidade insanável, de conhecimento oficioso, nos termos da alínea f) do artº 119º CPP ( por emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei ) - devendo a acusação ser substituída por outra que acuse a arguida pelo referido crime de burla.».