Continuando algumas das reflexões em torno das medidas de coacção, eis o primeiro de cinco tópicos que propus para reflexão na Associação Jurídica de Setúbal:
«Primeiro tópico: (i) se o processo penal é a única forma pela qual o Direito Criminal se pode aplicar, impondo sanções penais (ii) este Direito punitivo só se aplica na sentença final, não em antecipações dos seus efeitos, por via processual, através das medidas coactivas.
Vale isto dizer, variadas coisas, todas em torno da impossibilidade de se aceitar a intolerável assimilação do final ao instrumental. Nota-se:
-» Primeiro, que as medidas de coacção não são penas, nem imposições punitivas, apesar de tantas vezes ouvirmos, em discurso murmurado, que o preso preventivo está afinal a «descontar» para a pena final pelo que, todos os que no processo intervêm dão por si a calcularem a pena esperada ante a prisão já sofrida, como se o cárcere preventivo fosse, afinal, uma espécie de sinal e princípio de pagamento para o que ao preso lhe caberá cumprir a final.
Ante isso, pergunto: quantas vezes a prisão definitiva não foi antecipada no juízo de quem a decretou e quem a sofreu através da prisão provisória, dita preventiva?
-» Segundo, que a presunção de inocência exige que o arguido não seja tratado como culpado, pelo que o sofrimento expiatório que garantirá a redenção deste, ou a sua ressocialização [escolha-se o campo de uma justiça personalística ou sociológica], não se pode impor àquele, fazendo-o iniciar mais cedo o processo purgativo, a sujeição a juízo já em estado de contrição.
Perante tal pergunto: quantas vezes não se julgaram pessoas diminuídas pela incerteza moral quanto à sua razão, convencidos afinal de que se formou já a sua culpa antes do veredicto final, todo o sistema orientado a que o relatório do IRS já absorva que, durante o processo e por causa dele, se potenciaram os factores de integração social dos julgados, as medidas coactivas a funcionarem já numa lógica difusa de prevenção especial?
-» Terceiro, que as medidas de coacção não visam dar resposta judicial a alarmes sociais, cumprindo uma função de prevenção geral que só às penas compete.
Face a isso, pergunto: quantas vezes tais alarmes sociais, que não passam frequentemente de alardes sociais induzidos pela propaganda de interesses e pela contra-informação mediática, não foram servidos por medidas coactivas que não fossem eles não tinham outra justificação numa lógica de ponderação meramente processual» [continua...]