Nós, os que andamos pelo Direito, far-nos-á bem, não por auto-flagelação, mas só mesmo para sabermos que há mais mundos, pensar naqueles que não vivendo propriamente fora-da-lei, passam por ele, e pelo mundo em que ele se vive e sofre, com um sentimento de aversão.
Lembrei-me disto ao folhear, já cabisbaixo de sono, mais umas folhas da Irene Lisboa: «Já um dia falei do sobressalto e da repugnância que só a palavra lei me dá. De que servem as fórmulas dos homens? A da lei, então, só de vingança. Na origem, a lei é a perfeita antecipação da vingança. É a cautela maldosa, a repressão cominada, prevista - o passo tolhido, antes mesmo de ser dado. O homem prevenido, sicário do desprevenido. Um postura de lei é perfeitamente um assalto, uma guet-apens. Uns estão emboscados para desarmar e vencer outros, para lhes arruinar os planos. São detentores de uma arma curta, violenta e pessoal, e só eles a podem manejar. Como é difícil inutilizá-la, embotá-la! À custa de quanto tempo e astúcia, sobretudo».
Vinha tudo isto, a repugnância à lei, a propósito de uma conversa que ela teve com a Maripa que no fim de tarde, já escuro, a visitou mais à sua amiga Franz. A conversa rodou em torno de fatalidades irremediáveis.