Confesso que sempre me impressionou que o proclamado direito ao silêncio dos arguidos pudesse, enquanto decorrência da presunção de inocência, contrastar com o estado de sujeição enquanto objecto de prova.
Decorria isto do facto de, através das escutas telefónicas, o arguido ser, afinal, surpreendido e à traição a "confessar" aquilo que de nada lhe valia em audiência recusar admitir. Mas também porque afinal poderiam ser-lhe tomadas ao seu corpo e roupa vestígios que conduziam a provar o que ele não quisesse verbalizar. E, eis agora o tema, porque os arguidos podem ser compelidos, até perante o Ministério Público, a escrever para que, pelo exame pericial de letra, ainda que daí decorra a sua própria responsabilização.
Ante o que acaba de ser sancionado pelo Supremo Tribunal de Justiça pelo Acórdão n.º 14/2014, de 28 de Maio [com votos de vencido, texto integral aqui], aliás profusamente fundamentado: «Os arguidos que se recusarem à prestação de autógrafos, para posterior exame e perícia, ordenados pelo Exm.º Magistrado do M.º P.º, em sede de inquérito, incorrem na prática de um crime desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1 b), do Código Penal, depois de expressamente advertidos, nesse sentido, por aquela autoridade judiciária.»
Lembro que aqui há uns anos, num célebre caso, o Ministério Público tentou compelir uma pessoa que inquiria como testemunha a proceder à escrita de certas palavras para que, examinadas grafologicamente, se achasse a autoria de um certo "recado" tido por relevante como prova. Recusando a fazê-lo, intimado a que a desobediência equivaleria a desobediência, o visado pela ordem exigiu ser tratado como arguido, pois um tal acto supunha uma investigação sobre a sua pessoa. Rejeitada a pretensão, foi detido então em flagrante e levado, com largo escândalo público, ao Tribunal de Polícia, para julgamento sumário, de onde saiu em liberdade e absolvido.
Hoje, arguido que fosse, ai dele se recusasse: estava a condenar-se pelas suas mãos que não escrevessem.
Sei que o tema é complexo e não se compadece com a leviandade de um comentário aqui mais detalhado, necessariamente superficial.
Trouxe-o, permita-se a amarga ironia, porque tenho estado silencioso e não quero ficar à mercê da presunção de culpa, não vá pensar-se que não escrevo não porque não apeteça, sim porque, pertinaz suepeito, não queira.
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