Vai-se ganhando a convicção de que, por vezes, a prisão preventiva, não sendo a pena, acaba por ser a efectiva punição; a degradação cívica, inerente ao juízo de suspeita, gerada pela prolongamento do inquérito e pela indefinição temporal do termo da arguição tornam-se o efeito acessório dessa pena; que a absolvição ou a condenação são, em tantos casos, um somenos.
Vai-se ganhando a certeza de que as finalidades de que o Direito Penal se proclama instrumento - a prevenção, a repressão - são hoje asseguradas pelo Direito Processual Penal, tornado o meio em fim.
Vai-se chegando hoje à conclusão de que ao crime já não corresponde necessariamente o castigo da pena, sim o castigo do processo.
Vem isto a propósito de ser hoje dia de Natal.
Lembro as vezes em que houve presos preventivos que esperavam ter passado a Consoada com os seus mas foram libertos uns dias depois; lembro a angústia da esperança em cada dia, em cada hora anterior ao encerramento dos tribunais para férias de Natal, a agonia de aguardarem ainda um milagre provindo do juiz de turno; lembro aqueles para quem a esperança foi vã.
Vai-se ganhando a convicção de que os sentimentos na justiça penal, tal como a razão, se tornaram erráticos, dependendo de quem, o mundo do provável a juntar-se ao da surpresa.
Cada dia em que o medo cresce por causa dos crimes de terror, o coração endurece face a todos os demais, a liberdade tornou-se provisória e fragmentária.
O indulto do Natal era uma dessas sobrevivências do agraciamento; hoje tornou-se rotina protocolar.
A todos, um Natal em paz, se não com o mundo pelo menos com as vossas consciências.
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Fonte da imagem: Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa, citado numa reportagem da Rádio Renascença, aqui.