Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Sumários de acórdãos: descubra as diferenças

No que à difusão da jurisprudência respeita ele há coisas interessantes sobretudo em matéria de sumários. É sabido que estes tentam ser apenas um extracto do entendimento expresso numa decisão ou, pelo menos, no que se tenha por ser o núcleo essencial dessa decisão. E também tem escassa margem de discussão que, fruto da massificação dos processos, e do excesso de informação, há uma generalizada prática de leitura dos acórdãos pelos seus sumários, pressupondo o que pode ser erro: que os sumários traduzem fielmente o decidido e que há um sumário diríamos oficial do decidido.

Ora para meditar sobre o tema, veja-se o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2019, sobre transmissão e execução de sentenças em matéria penal tal como vem publicado no último número da Colectânea de Jurisprudência

«A recusa de reconhecimento de sentença estrangeira, consagrado no art. 36/1/j da Lei n.º 158/2015, quando a duração da medida de vigilância ou da sanção alternativa for inferior a seis [sic], não necessita de interpretação corretiva, pois o legislador consagrou essa recusa, optando por uma solução admitida pela DQ nº 2008/947/JAI, em coerência com o que ocorre em matéria de cooperação judiciária internacional em matéria penal»


Veja-se agora o sumário do mesmo acórdão tal como vem publicado na dgsi [ver o texto integral aqui]:

«I - A questão que se suscita nestes autos prende-se essencialmente com o conjunto de normas que transpuseram para o direito interno as disposições previstas na Decisão-Quadro 2008/947/JAI do Conselho, de 27 de Novembro de 2008, respeitante à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças e decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas e mais precisamente com o disposto no art. 36.º, n.º 1, al. j), da Lei 156/2015, 17-09, o que, numa interpretação que o ilustre recorrente qualifica de meramente literal, aponta para a recusa de reconhecimento da sentença quando a duração da medida de vigilância ou da sanção alternativa for inferior a 6 meses, interpretação que se segundo este recorrente faria do diploma de transposição um articulado incongruente, violaria o primado do direito comunitário e que, independentemente disso, mesmo a aceitar-se a interpretação do Tribunal recorrido, a decisão será nula porquanto, não tendo previamente dado cumprimento ao disposto no art. 36.º, n.º 4 da Lei 158/2015, de 17-09, terá incorrido no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP).
II - Segundo o art. 35.º, n.º 3, da Lei 156/2015, 17-09, a autoridade portuguesa competente não reconhece a sentença ou decisão relativa à liberdade condicional se decidir invocar um dos motivos de recusa do reconhecimento a que se refere o artigo seguinte.
III - A entender-se que a norma do n.º 1 do art. 36.º do mesmo diploma legal tem natureza impositiva, aquele “se decidir” não teria qualquer sentido. Conjugando o disposto em ambas as disposições seria forçoso concluir pela natureza facultativa do disposto no art. 36.º, n.º 1.
IV - O que o legislador fez foi realizar, através do art. 35.º, a transposição do art. 8.º da Decisão-Quadro, de cujo n.º 1 consta o seguinte: "A autoridade competente do Estado de execução reconhece a sentença e, se for caso disso, a decisão relativa à liberdade condicional, transmitida nos termos do artigo 5.º e de acordo com o procedimento previsto no artigo 6.° e toma sem demora todas as medidas necessárias à fiscalização da medida de vigilância ou da sanção alternativa, a menos que decida invocar um dos motivos de recusa do reconhecimento e da fiscalização a que se refere o artigo 11.º", sem ter tido em conta a concreta solução adotada no que se refere às causas de recusa.
V - Em parte alguma do art. 36.º, n.º 4, do CP, se refere que o pedido de informações complementares se destine a evitar accionar o motivo de recusa. Pelo contrário, o n.º 4 refere que "antes de decidir não reconhecer a sentença (...) ".
VI - O n.º 4 não impõe o pedido de informações, uma vez que ele se destina a obter " (...) todas as informações complementares necessárias". Ora, se não houver necessidade de quaisquer informações complementares, tal pedido não se justifica e faz desse procedimento um ato totalmente inútil. O que o legislador pretende é, face a um fundamento de recusa, que o mesmo só seja accionado dispondo a autoridade competente de todos os elementos para que essa recusa seja inquestionável.
VII - O n.º 5 do art. 36.º ao admitir que mesmo face a uma recusa pode-se e deve-se procurar chegar a um acordo com a autoridade emitente e, com base nele, decidir fiscalizar mas sem assumir as decisões a que alude o art. 40.º n.º 2, consagra uma solução subsidiária.
VIII - Face ao considerando n.º 18 da Decisão-Quadro e no art. 11.º constata-se que a Decisão-Quadro tem o propósito de dar aos Estados a possibilidade de não reconhecer um conjunto de decisões, mas não pretendendo, nem podendo, vincular um Estado a fazê-lo de determinada forma. O Estado português optou pela decisão de recusa, em coerência com o que ocorre em outras situações, designadamente em matéria de cooperação judiciária internacional em matéria penal, o que é uma opção perfeitamente legítima.
IX - Portugal não é o único Estado da União que optou por esta solução para situações como a que está em apreço. Houve Estados que optaram pela mera possibilidade de recusa, como a Itália (art. 13.º, n.º 1, al. g) do Decreto legislativo 38, de 15-02-2016), ou a França (art. 764-25, n.º 1 do CPP, um dos artigos acrescentados a este código pela a Lei 2015-993, de 17-08, aprovada para afeitos de transposição da Decisão Quadro 2008/947).
X - Em Espanha o art. 105.º, n.º 1, al. b) da Lei 23/2014, de 20-11, determina que o juiz denegará o reconhecimento e a execução das decisões de liberdade vigiada em medida inferior a seis meses (decisões essas que, nos termos do seu art. 94.º, al. i) do mesmo diploma, abrangem a prestação de trabalho a favor da comunidade). Ou seja, num caso como o que está em apreço, a Espanha recusaria o reconhecimento da decisão.
XI - A decisão sob recurso não incorre na nulidade do art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, decidiu em conformidade com a letra e o espírito do art. 36.º, n.º 1 da Lei 158/2015 e não ofende o primado do direito comunitário porquanto o legislador português optou por uma solução admitida pela Decisão-Quadro 2008/947/JAI (considerando 18 e art. 11.º).»