O tema da suspensão da pena está na ordem do dia, por se questionar o que se tem por permissividade na aferição das razões da sua revogação, bem como na cumulação sucessiva de penas suspensas em relação ao mesmo condenado.
O Acórdão da Relação de Évora de 19.12.2019 [proferido no processo 293/03.1TAVFX.E3, relatora Ana Bacelar Cruz, texto integral aqui] decidiu quanto ao primeiro tema num sentido que é o que é consensualmente aceite como razoável, afinal, o do não automatismo da revogação, ao estatuir [sumário da própria relatora]:
«I. O incumprimento culposo da obrigação condicionante da suspensão da execução da pena de prisão não basta para revogar essa suspensão. Por ser ainda necessária a demonstração inequívoca de que esse incumprimento evidencia a frustração da finalidade prosseguida pela suspensão da execução da pena. É o que resulta da conjugação do disposto nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.
Porque não seria aceitável que tal exigência existisse apenas para a prática de novo crime no decurso do período de suspensão, sendo certo que tal acontecimento faz sobressair de forma mais evidente o fracasso da prevenção da reincidência.»
Relevante é o que o mesmo aresto teve de decidir e levou ao seu sumário, o fosso temporal entre o momento do incumprimento, e a data em que a revogação foi decidida e sobre isso determinou:
«II. Atendendo a que do registo criminal do Arguido não consta qualquer condenação para além da imposta nos presentes autos, não pode deixar de se considerar um exagero o período de mais de 3 (três) anos para apreciar a necessidade de prorrogação ou de revogação da suspensão da execução da pena. Estando esgotado o período de suspensão da execução da pena de prisão imposta e não sendo possível decretar a sua prorrogação, face ao tempo, entretanto decorrido e ao disposto na alínea d) do artigo 55.º do Código Penal, impõe-se a extinção da pena.»
A decisão assenta numa evidente disfunção do sistema de justiça, que a Relação teve de resolver em termos de justiça. Como refere o decidido:
«Entre o termo do período em que o Arguido devia entregar à Assistente a quantia de € 43 758,25 (quarenta e três mil setecentos e cinquenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos) [18 de janeiro de 2014] e a ocasião em que foi proferida a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão [6 de junho de 2019] decorreram 5 (cinco) anos 4 (quatro) meses e 19 (dezanove) dias. Entre o termo previsto para suspensão da execução da pena [18 de janeiro de 2016] e a ocasião em que foi proferida a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão [6 de junho de 2019] decorreram 3 (três) anos 4 (quatro) meses e 19 (dezanove) dias.»
Ante tal insuportável hiato temporal, bem se considerou na decisão: «São períodos longos, não imputáveis ao Arguido, e inaceitáveis, sob pena de se perpetuarem as condenações em processo crime, com possibilidade de desrespeito pelo período de prorrogação do tempo de suspensão consagrado na lei e pelo prazo prescricional da alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal.»
Uma faceta incidental, mas que não pode passar despercebida: ao fundamentar o seu entendimento o acórdão cita três decisões, uma da própria Relação de Évora de 18 de Novembro de 2010, proferido no processo 12/99.5GFSTR.E1], outra da Relação do Porto, de 23 de Novembro de 2016, proferido no processo 622/12.7PCMTS-A.P1e enfim uma do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 117/14.4GTBRG.G1, não publicado.
Ora haver acórdãos relevantes cognoscíveis pelos tribunais que não pelos recorrentes, pois que não publicados, é situação inaceitável em termos das garantias que um Estado de Direito deve oferecer no que se refere ao conhecimento do seu sistema jurídico.