Clarificando o âmbito e o alcance do mandado de detenção europeu, o Acórdão da Relação de Évora de 18 de Março de 2020 [proferido no processo n-º 103/19.8YREVR, relator Renato Barroso, texto integral aqui] estatuiu:
«I - O objectivo de um MDE destinado à entrega do requerido para procedimento criminal não se resume à mera transferência de pessoas para interrogatório na qualidade de suspeitos, pois para este efeito, outras medidas existem, em alternativa, como a decisão europeia de investigação, que pode ser utilizada para obter provas provenientes de outro Estado-Membro e que abrange qualquer medida de investigação, incluindo o mero interrogatório do suspeito no âmbito de um procedimento criminal no qual ainda não foi deduzida a acusação, o qual pode até ser feito através de videoconferência, a fim de determinar se deve, ou não, ser emitido, posteriormente, um MDE tendo em vista julgamento.
«II - O caso de um MDE em que se solicita a entrega do requerido para procedimento criminal é algo de diferente, abrangendo, também, a fase de julgamento.
«III - O pedido de entrega de um individuo para efeitos de procedimento criminal, implica, necessariamente, que a sua devolução ao Estado de que é natural ou residente, apenas aconteça, após a sua audição em julgamento, se a tal houver lugar, pois não se concebe que este corra à sua revelia.»
A consequência prática desta interpretação ressalta a nível das garantias exigíveis:
«Daí que, nestes casos, se aplique, por inteiro, a obrigatoriedade da prestação, por parte do Estado-Membro requerente, da garantia prevista no nº3 do Artº 5 da Lei-Quadro 2002/584/JAI e que foi vertida no nosso ordenamento jurídico na al. b) do nº1 do Artº 13 da Lei 65/03 de 23/08, no sentido de a pessoa procurada ser devolvida ao seu país de origem ou de residência, para cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade, caso venha a ser condenada no julgamento relativo ao procedimento criminal que gera o MDE.
É certo que se desconhece, em concreto, o estado do inquérito em causa, ainda que, tanto quanto se saiba, não foi proferida qualquer acusação contra o arguido.
Mas o pedido de entrega de um individuo para efeitos de procedimento criminal, implica, necessariamente, que a sua devolução ao Estado de que é natural ou residente, apenas aconteça, após a sua audição em julgamento, se a tal houver lugar, pois não se concebe que este corra à sua revelia. (Cfr., neste sentido, Acórdão do STJ, de 20/06/12, proc. 445/12.3YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, essa foi, precisamente, a garantia assegurada pelas autoridades austríacas, no sentido de devolver o arguido a Portugal - país onde reside desde os 3 anos de idade, tendo autorização de residência permanente válida até 09/12/2027, aqui trabalhando e tendo toda a sua família - assim que for ouvido, em audiência de julgamento, com vista ao cumprimento da eventual pena da medida de segurança em que venha a ser condenado.
Nessa medida, a garantia prestada pelo Estado emitente do mandado, preenche o conteúdo material da garantia preconizada pelo nº3 do Artº 5 da Lei-Quadro 2002/584/JAI e al. b) do nº1 do Artº 13 da Lei 65/03 de 23/08.»