Publiquei aqui ontem que «Dizem que os prazos processuais serão suspensos, por lei, desconheço ainda em que termos. Não quero antecipar, mas suponho que a cláusula que o preveja vai trazer áreas de ambiguidade, que farão com que não se arrisque.»
A lei saiu e está aqui e estabelece:
Artigo 14.º
Justo impedimento, justificação de faltas e adiamento de diligências processuais e procedimentais
1 - A declaração emitida por autoridade de saúde a favor de sujeito processual, parte, seus representantes ou mandatários, que ateste a necessidade de um período de isolamento destes por eventual risco de contágio do COVID-19 considera-se, para todos os efeitos, fundamento para a alegação do justo impedimento à prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados presencialmente no âmbito de processos, procedimentos, atos e diligências que corram os seus termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios, cartórios notariais, conservatórias, serviços e entidades administrativas, no âmbito de procedimentos contraordenacionais, respetivos atos e diligências e no âmbito de procedimentos, atos e diligências regulados pelo Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, e demais legislação administrativa.
2 - A declaração referida no número anterior constitui, igualmente, fundamento de justificação de não comparecimento em qualquer diligência processual ou procedimental, bem como do seu adiamento, no âmbito dos processos e procedimentos referidos no número anterior.
3 - O disposto nos números anteriores é, com as devidas adaptações, aplicável aos demais intervenientes processuais ou procedimentais, ainda que meramente acidentais.
Artigo 15.º
Encerramento de instalações
1 - No caso de encerramento de instalações onde devam ser praticados atos processuais ou procedimentais no âmbito de processos e procedimentos referidos no n.º 1 do artigo anterior, ou de suspensão de atendimento presencial nessas instalações, por decisão de autoridade pública com fundamento no risco de contágio do COVID-19, considera-se suspenso o prazo para a prática do ato processual ou procedimental em causa a partir do dia do encerramento ou da suspensão do atendimento.
2 - A suspensão estabelecida no número anterior cessa com a declaração da autoridade pública de reabertura das instalações.
3 - O disposto no artigo anterior é aplicável aos cidadãos, sujeitos processuais, partes, seus representantes ou mandatários que residam ou trabalhem nos municípios em que se verifique o encerramento de instalações ou a suspensão do atendimento presencial, ainda que os atos e diligências processuais ou procedimentais devam ser praticados em município diverso.
CAPÍTULO VII
Decurso de prazos
Artigo 16.º
Atendibilidade de documentos expirados
1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as autoridades públicas aceitam, para todos os efeitos legais, a exibição de documentos suscetíveis de renovação cujo prazo de validade expire a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou nos 15 dias imediatamente anteriores ou posteriores.
2 - O cartão do cidadão, certidões e certificados emitidos pelos serviços de registos e da identificação civil, carta de condução, bem como os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional, cuja validade termine a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei são aceites, nos mesmos termos, até 30 de junho de 2020.
Artigo 17.º
Prazos de deferimento tácito de autorizações e licenciamentos
1 - São suspensos os prazos de cujo decurso decorra o deferimento tácito pela administração de autorizações e licenciamentos requeridos por particulares.
2 - São, ainda, suspensos os prazos de cujo decurso decorra o deferimento tácito pela administração de autorizações e licenciamentos, ainda que não requeridos por particulares, no âmbito da avaliação de impacte ambiental.
Artigo 18.º
Prazos de realização de assembleias gerais.
As assembleias gerais das sociedades comerciais, das associações ou das cooperativas que devam ter lugar por imposição legal ou estatutária, podem ser realizadas até 30 de junho de 2020.
As assembleias gerais das sociedades comerciais, das associações ou das cooperativas que devam ter lugar por imposição legal ou estatutária, podem ser realizadas até 30 de junho de 2020.
Li e procurei o que temia e creio ter entendido: o isolamento oficialmente decretado impede o que exigiria presença, mas, não pressupondo incapacidade para trabalhar, não dispensa o cumprimento dos deveres sujeitos a prazo. Não foi contemplada a sugestão da Ordem dos Advogados segundo a qual:
«Tendo recebido, para pronúncia, o projecto de diploma relativo ao justo impedimento, justificação de faltas e adiamento de diligências processuais e procedimentais, conforme tinha sido proposto pela Ordem dos Advogados, entende esta, no entanto, que o projecto que recebeu não é suficiente, uma vez que não contempla a situação dos Advogados obrigados a permanecer em casa a cuidar dos filhos em resultado do encerramento das escolas recentemente decretado. A Ordem dos Advogados comunicou, por isso, à Senhora Ministra da Justiça que essa situação deveria ser igualmente contemplada no diploma cujo projecto nos foi apresentado.».
Creio que a ideia de não contemplação de tal excepção foi não gerar a a favor dos advogados um regime de diferença com vantagem superior aos demais cidadãos sobre quem impendam deveres, porquanto a lógica do sistema é que o isolamento não impede trabalhar.
Há, porém, três particularidades que anulam a lógica do que se consagrou e que vão para além do reparo da Ordem dos Advogados, pois referem-se a todos os advogados que fiquem em isolamento, com ou sem filhos [até porque o dever de cuidado não se restringe a filhos, havendo quem tenha outros a cargo, logo, por exemplo, pais e avós]:
-» em matéria de prazos, os que impedem sobre os advogados não têm o benefício de serem considerados «meramente ordenadores», pelo o que seu não cumprimento em tempo faz os cidadãos sofrerem graves consequências, ao limite a perda da liberdade;
-» o cumprimento de alguns desses prazos pressupõem contactos com terceiros [reuniões, deslocações] que não são compatíveis com o cumprimento do regime de isolamento, nem com a sua efectivação através de comunicações electrónicas;
-» em relação a advogados cujo escritório não seja a residência ou não tenham na residência tudo quanto precisem para o exercício da profissão [dossiers, biblioteca, equipamento] o isolamento ou impede o cumprimento desses deveres sujeitos a prazo, ou não o permite cumpri-los de modo adequado.
Assim, não tendo de se consagrar um sistema de pura e simplesmente suspensão de todo e qualquer prazo, estas situações só podem ser actuadas desde que haja quanto a elas da parte da jurisprudência a gentileza de as considerar como justo impedimento.
Digo gentileza pois, como é sabido, a orientação dos tribunais neste matéria é altamente restritiva. Mas talvez os senhores magistrados que, estando em casa, não libertos do dever de função, mas não possam praticar actos que pressuponham o que em casa não está - por exemplo os processos em suporte papel e ainda os há e imensos ou até o equipamento de que não disponham, ou o contacto com terceiros que a prática dos actos pressupõe - inquirições, exames nos locais - entendam, como se na sua pele, o que se passa com a pele dos outros.
Isto porque em matéria de funcionamento dos tribunais por decorrência da actual situação pandémica, o Conselho Superior da Magistratura deliberou que nos tribunais «só deverão ser realizados os actos processuais e diligências nos quais estejam em causa direitos fundamentais, sem prejuízo da POSSIBILIDADE de realização do demais serviço a cargo dos
Srs. Juízes (as) que possa ser assegurado remotamente.»
Ora entre os Senhores Juízes, cujos prazos só raramente serem cominatórios, poderem trabalhar remotamente e os advogados, cujos prazos que são na esmagadora maioria sujeitos a cominação que prejudica os cidadãos, fica patente a diferença.
Sim, porque a ter de ir para os tribunais seriamente doente, já que a doença de advogado não é motivos de adiamento do acto, quanto a isso estamos falados.
Sim, porque a ter de ir para os tribunais seriamente doente, já que a doença de advogado não é motivos de adiamento do acto, quanto a isso estamos falados.
Em matéria de pele, percebe-se, a dos advogados, é, como de costume, um coiro de segunda categoria, curtidos que estamos e há muito com esta sistemática desconsideração.