O livro chegou há semanas. O autor, Filippo Sgubbi, morreu em Julho deste ano. Tenho estado a lê-lo, aquela leitura lenta, porque se pensa enquanto se lê. O que pareciam apenas 88 páginas expandiu-se ante o que elas contêm.
E nele encontro a ideia que a vida vai formando e que tantos livros de texto iludem: a de que frequentemente não é o processo que vai em busca da realidade, tal como o historiador tenta reconstituir o passado, mas é pelo processo que se forma o que se assume como a realidade e como verdade prática passa a ser.
Mais: assume-se, melhor, assume a acusação pública, ao recortar na complexidade da vida e pelo processo, não a materialidade relevante para a norma incriminadora que possa estar em causa, mas as ocorrências e apenas essas que confiram consistência ao teorema prévio que se queira fazer valer: trata-se não da demonstração de uma eventualidade, sim da legitimação de um apriori.
Mais ainda: traz-se ao poder judicial, sob a forma de acusação, não da realidade o todo, mas dela a parte construída, a qual será doravante a única cognoscível, submete-se a juízes, que se supõem independentes na decisão, a dependência de só julgarem o que lhes é submetido a julgamento: o silogismo judicial fica sofismado ante o construtivismo da premissa menor, como já seria discutível ante a incerteza interpretativa da premissa maior, a volubilidade jurisprudencial ajudando.
Através da miscigenação com os media, torna-se assim aquilo que é suposto ser uma "hipótese de trabalho", como se dizia ser a acusação pública, no veredicto que verdadeiramente conta, estigmatizante para o suspeito, que nem acusado ainda seja, aquele que, como seus efeitos colaterais, abre a oportunidade para o sujeitar à "morte civil", o cerco ao seu património, a privação da sua liberdade, assim haja juiz que seja complacente ante essa verosimilhança dita indiciária.
Que a sentença final venha a decretar tudo isso insubsistente, conta amiúde pouco, pois mesmo absolvição chega, ao limite, a ser irrelevante; o sistema atinge pela sua desesperante duração e pela álea das suas decisões, um tal ponto tal de degradação social e anímica das pessoas que estas, enfim, na recta final do julgamento estão dispostas a aceitar o que seja, assim se libertem da opressão a que foram sujeitas.
Dir-se-á, como é costume dizer-se, que nem sempre é deste modo e exagero ao criar a noção de que é maioritariamente assim. É o costume quando se analisa uma tendência; fica-se à mercê dos que, em nome das excepções, se envergonham da regra, por honradamente nela se não reverem.