Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Prova pericial: lei de saúde mental



Está claramente enunciado neste Acórdão da Relação de Lisboa de 07.09.2021 [proferido no processo 19731/15.4T8LSB-E.L1-5, relator Paulo Barreto, texto integral aqui] o problema da prova pericial, em geral, e nomeadamente em matéria de saúde mental, o qual tem idêntica expressão no sistema processual penal.
O regime legal é, claramente, uma regra de confiança na qualidade dos peritos, sendo que peritos são os que são designados pela autoridade judiciária, já não aqueles que os demais sujeitos possam indicar, por mais competentes sejam; e isto é assim, a favor da oficiosidade, devido à inexistência de um sistema de perícia contraditória.
Este voto de confiança traduz-se na regra expressa pelo artigo 163º, n.º 2 do CPP, segundo o qual:

 Artigo 163.º
Valor da prova pericial
1 - O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
2 - Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.

E, como se denota no caso, está igualmente presente no âmbito do artigo 17º, n.º 5 da Lei de Saúde Mental [Lei 36/98, de 24 de Julho], o qual determina que:

 Artigo 17.º
Avaliação clínico-psiquiátrica
1 - A avaliação clínico-psiquiátrica é deferida aos serviços oficiais de assistência psiquiátrica da área de residência do internando, devendo ser realizada por dois psiquiatras, no prazo de 15 dias, com a eventual colaboração de outros profissionais de saúde mental.
2 - A avaliação referida no número anterior pode, excepcionalmente, ser deferida ao serviço de psiquiatria forense do instituto de medicina legal da respectiva circunscrição.
3 - Sempre que seja previsível a não comparência do internando na data designada, o juiz ordena a emissão de mandado de condução para assegurar a presença daquele.
4 - Os serviços remetem o relatório ao tribunal no prazo máximo de sete dias.
5 - O juízo técnico-científico inerente à avaliação clínico-psiquiátrica está subtraído à livre apreciação do juiz.

Trata-se, explicitam ambos os normativos de uma presunção, seja em sentido técnico ou não, conforme é posto em causa na literatura jurídica, a qual limita os poderes de avaliação do tribunal.

Cite-se pois o sumário do aresto em causa, tal como redigido pelo relator:

«I– Se o legislador impõe que o juízo técnico científico, inerente à avaliação clínico-psiquiátrica, do serviço oficial de assistência da área da residência da internada, está subtraído à livre apreciação do juiz, só pode ser porque se concluiu que técnica e cientificamente é credível, que estas perícias serão seguras e confiáveis e que os respectivos peritos gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica.

«II– Não compete ao tribunal apreciar a competência dos psiquiatras e, outrossim, do relatório da avaliação-psiquiátrica nada consta que seja notoriamente errado (à luz do homem médio e da experiência comum) que justifique uma intervenção dos (leigos) juízes já que as conclusões da avaliação psiquiátrica estão em consonância com o exame pericial produzido, os peritos fundamentaram de modo razoável e suficiente a sua convicção, apreciando crítica e cientificamente a situação da internada e o relatório da avaliação clínico-psiquiátrica está devidamente fundamentado.»