Apresentação
O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.
José António Barreiros
A Relação como tribunal de iniciativa
A ideia de que o Tribunal da Relação pode ser um tribunal de iniciativa está subjacente a este entendimento: «I – Num recurso de um despacho que, na sequência do 1.º interrogatório judicial de arguido detido, aplicou a prisão preventiva, em que o recorrente pede a substituição desta medida pela obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, o Tribunal da Relação pode, para a apreciação do mesmo, solicitar aos serviços de reinserção social a realização das diligências e a elaboração da informação prevista no n.º 5 do artigo 3.º da Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto» [Acórdão da Relação de Lisboa de 11.02.09, proferido no processo n.º 11271/08 3ª Secção, relator Carlos Almeida]
O CITIUS sitiado
Uns dias depois de ter garantido a inexpugnabilidade da plataforma CITIUS o Ministério da Justiça mantém a paltaforma bloqueada durante um dia, surpreendendo os seus utilizadores. A dúvida quanto à segurança do sistema está instalada. Todos os que, nomeadamente nos tribunais, sabem como é possível a piratas informáticos imiscuirem-se nas mais sofisticadas redes e acederem a dados, modificando-os, como podem estar sossegados?
Não serão seguros os computadores do Pentágono, do sistema bancário? E, no entanto, quantos casos não soaram de intrusão ilegítima?
O CITIUS está sitiado de dúvidas quanto à sua segurança. Quando os juízes são os primeiros a estar inseguros...
A posse
Talvez o Direito e o que é se pressinta melhor dito pela voz dos que não são juristas, como o «executor fiscal, com dobradiças entre as palavras», no romance Finisterra. Mais do que qualquer livro de Direitos Reais está nele a percepção de como «foi preciso tempo (e sangue já se vê) para esclarecer a posse definitiva da terra», como «a propriedade (o seu ordenamento) obedece agora a regras imutáveis. No começo não. Há um século ou dois, oscilaram bastante. Direi mesmo: imitaram a natureza (dunas feitas, desfeitas, pelo vento)».
Eis aqui o Direito Natural: «as normas sedimentaram».
Procurações irrevogáveis
Fica-se com a ideia de que o espectro do terrorismo, da criminalidade organizada, da criminalidade financeira, do branqueamento de capitais, servem como chapéu de chuva legitimador de medidas estaduais que podem ter, logo na origem, outra finalidade ou que, numa certa medida, possam ser usadas para mais objectivos. Eis o que senti ao ler que o Decreto Regulamentar n.º 3/2009. D.R. n.º 23, Série I de 2009-02-03, ao regulamentar o artigo 1.º da Lei n.º 19/2008, de 21 de Abril, estrutura, no âmbito do Ministério da Justiça de uma base de dados de procurações irrevogáveis.
«A base de dados de procurações irrevogáveis visa dotar o Estado de mecanismos que permitam combater mais eficazmente fenómenos de corrupção associados à utilização de procurações irrevogáveis para transacções imobiliárias», diz o preâmbulo do diploma. Pois bem. Teria sido interessante o legislador explicar como. E sobretudo livrar-se da ideia de que há outro porquê.
Dissimulando o passado
De quando em vez faço um esforço para arrumar livros. Os que estão fora do lugar. Os que deviam estar mais à mão. Os de Direito Antigo, que se supõe fora de uso. Hoje veio-me à mão um encadernado, miscelânea de papéis vários. Um deles um opúsculo de José Homem Correa Telles, a Theoria da interpretação das leis. Escrito em parágrafos, como era do estilo, define-se ali [XXV]: «quando huma Lei perdoando o passado, inhibe de tormar conhecimento do abuso pretérito, intende-se prohibillo dahi em diante».
Ora aí está na História do pensar jurídico a conveniência privada elevada a razão de Estado: dissimula-se o passado mas continua a proibir-se para o futuro. Moral agraciante, moral punitiva. É a intemporalidade do favor.
Leitura de sentença
Uma das particularidades notáveis do Direito é a sua incapacidade de prever aquilo que a irrequieta imaginação humana concebe. É o chamado Direito do aquém. Foi com este sentimento que li este sumário de um Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Janeiro do corrente [Processo n.º 8925/08 9ª Secção, relator Eduardo Martins]: «I - A falta de leitura da sentença, na medida em que é com ela que se concretiza a sua publicitação obrigatória, constitui nulidade. II - Não pode, por isso, o juiz dispensar a leitura pública da sentença, em audiência, substituindo o acto pelo depósito na secretaria. III - Com efeito, a exigência da publicidade, pretendida com a leitura da sentença traduz a ideia do legislador de sujeição ao escrutínio público a aplicação da justiça. IV - O respeito pelo princípio da publicidade não se cumpre por mero simbolismo, solenidade ou tradição, mas tem antes finalidades específicas na realização da justiça e um contributo incontornável no estabelecimento da paz social. V - Decorre, com efeito, dos arts.365º., nº.1, 372º. e 373º. do C.P.P. que a sentença deve ser lida publicamente, sendo obrigatória, sob pena de nulidade insanável, a leitura de uma súmula da fundamentação e do dispositivo».
E note-se. A lei, em matéria de leitura de leitura de sentença, pelos vistos, segundo este entendimento, já se contenta com uma «súmula da fundamentação e do dispositivo. Pois, pelos vistos, às vezes, sucede que nem isso se lê.
Autonomia do MP:um risco grave
O Ministério Público tem um problema de autonomia interna e um problema de autonomia externa: o primeiro é o de liberdade [limitada] de actuação de cada magistrado face à sua hierarquia; o segundo o da liberdade [total] de acção face ao exterior, nomeadamente ao poder político.
Ambos os problemas estão resolvidos por garantias legais, consagradas em lei, com protecção constitucional.
A propósito da alteração do novo Estatuto percebeu-se que está em causa a primeira questão. Diz o editorial do Sindicato do MP: «O que está realmente em causa são as enormes possibilidades abertas com este «novo estatuto» de se poder escamotear a origem e a responsabilidade da orientação processual concreta do Ministério Público. Isto, sem que os outros sujeitos processuais ou os órgãos e instituições que o devem sindicar se apercebam de onde vêm as directivas, as ordens e as instruções dirigidas aos processos e quem realmente comanda uma investigação, em que sentido o faz e com que intenções».
Não há quem não se sensibilize ante o argumento.
O problema é quando se passa de um registo a outros. E nisso o comunicado que o mesmo Sindicato difundiu abre a porta ao equívoco.
Primeiro, quando nele se afirma que esse sistema de opacidade na condução dos processos pode acobertar a condução dos mesmos segundo critérios que já não são os da objectividade e legalidade, mas sim de acordo com «sugestões vindas de cima».
Uma afirmação destas pode ser lida como contendo o gérmen da desconfiança sobre quem são, afinal, os responsáveis pelo MP? Não pode, sob pena de estar instalada uma grave crise de confiança sobre quem se pressupõe ser um guardião do Estado de Direito. Magistrados capazes disto, de darem ordens e se conformarem a ordens desta natureza não podem ser magistrados.
Segundo, quando se conclui que, a ser assim, falece «o fundamento constitucional que permitiu atribuir ao Ministério Público a direcção do inquérito; não poderá mais ser o Ministério Público a dirigir a investigação e a decidir quem vai ou não ser acusado ou julgado, sob pena de afectar uma das garantias da independência dos tribunais».
Uma afirmação destas pode ser lida como abdicando desde já o MP pela luta em prol da subsistência da condução do inquérito, que tem sido um dos pilares da sua arquitectura constitucional? Não pode, sob pena de o poder político, que tem grandes hipóteses de transformar em lei este novo Estatuto, pegar nas palavras de abdicação do Sindicato e virá-las contra o Ministério Público, confiando o inquérito criminal a juízes ou.. a polícias.
Palavras perigosas, ideias vagas, riscos graves.
Regresso
Este blog esteve inactivo por várias razões. Talvez não venham ao caso.
Aos que tiveram a gentileza de o visitarem, na esperança defraudada de nele encontrarem actualizações, os meus agradecimentos.
Aos que com generosidade o mantiveram linkado nos seus blogs, obrigado também.
Regresso hoje à comunidade jurídica que se exprime no ciber-espaço, com a sensação de retornar vindo das entranhas da terra.
Às armas!
O inserirem-se onde normas sobre prisão preventiva relativamente a crimes envolvendo armas ou com armas praticados foi questão que ontem suscitou grande atenção parlamentar. Ganharam os avulsistas, ou seja os que acham que o melhor lugar para se tratar de mandar prender os armados é na lei que lhes diz respeito.
Ante isso, para uns passará a haver dois Códigos de Processos Penal, um à mão armada outro o da geral.
O que nem todos se terão lembrado é que esta consagração de uma norma comum - sobre a prisão preventiva - num diploma atinente a uma situação especial - regulador de armas - consagrando uma regulamentação excepcional - a liberdade passa de regra a excepção - não é uma questão de sistemática, sim uma questão de política.
Pois algum dos senhores legisladores se tem incomodado com o facto de haver diplomas legais onde, a propósito ou a despropósito, se alteram, em disposições finais, leis e decretos-leis e Códigos e tudo quantas vezes em relação a diplomas legais que tinham sido alterado há pouco tempo, aumentando a confusão, gerando o caos, potenciando a insegurança, desdentando e desfeando o chamado ironicamente sistema jurídico, tornando-o tudo menos um sistema?
Do que se trata não é de tratar da ordem, sim de manter o caos. Mas do que verdadeiramente se trata é de começar, decreto a decreto, hoje por causa das armas, amanhã por causa de outra situação mediática eleitoralmente apetecível, a desfazer o que se fez no Código de Processo Penal quando se consagrou um sistema que parecia ser um farol de liberalismo penal.
Trata-se de trocar um princípio por uma conveniência. É por isso que tudo isto é feito pelo Ministro da Administração Interna, retirando-se o da Justiça para trás de cortina, como se fingisse não ser com ele. E se calhar não é!
Em Portugal há uma regra antiga, espécie de Lei da Boa Razão na arte de legislar: as proclamações amáveis e liberais vão para as Constituições e para os grandes Códigos, os tratos de polé, caceteiros e carcerários, esses dão-se nos curros da legislação extravagante. Há sempre uma portaria por cada vergastada, um Código a dizer que é uma vez sem exemplo.
A sentença debaixo do braço
De repente uma alteração na cultura judiciária. Os tribunais julgam-se e condenam-se. Ou melhor condenam os contribuintes a pagar pelo que consideram erros na justiça.
Da condenação pecuniária passa-se à condenação moral: «é passível da maior censura o facto de o acórdão ter sido lido e disponibilizado, logo após as alegações orais; este facto permite tolerar a alegação do recorrente, segundo a qual, afinal, “a sentença ia debaixo do braço”». Lê-se no sumário do Acórdão da Relação de Lisboa de 11.09.08 [proferido no processo n.º 6888/08 9ª Secção, relator Almeida Cabral].
Veremos se quando se passar da responsabilização subrogada do Estado para a responsabilização pessoal dos autores das decisões a mesma lógica se mantém.
No caso tratava-se de uma reabertura de audiência, ao abrigo do artigo 371º-A do CPP na qual o tribunal indeferiu a produção de prova. A Relação declarou inexistente a audiência em causa. Exactamente: não irregular, não nula, inexistente! Houve tempos em que, sendo todas as ilegalidades, mesmo as mais gritantes, meras irregularidades já sanadas, a inexistência era um vício processual inexistente. Algo está a mudar. Resta saber porquê.
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