Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




OLAF & Procuradoria Europeia


[citando do Boletim Informativo da REPER, fonte aqui]: «Comissão propõe novas regras para uma estreita colaboração do OLAF com a Procuradoria Europeia. A criação de uma Procuradoria Europeia marca o início de uma nova fase no domínio da luta contra a fraude que afeta o orçamento da UE.


«Neste contexto, a Comissão Europeia propôs hoje a alteração do Regulamento (UE, Euratom) n.º 883/2013 relativo aos inquéritos efetuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF). A referida alteração pretende assegurar que o OLAF está equipado para cooperar estreitamente com a Procuradoria Europeia para detetar e investigar a fraude em toda a UE. As alterações propostas irão igualmente clarificar os instrumentos de que o OLAF dispõe para a realização de inquéritos administrativos com vista a assegurar a sua eficácia. Dizem respeito, nomeadamente, aos controlos e inspeções, ao acesso a informações sobre contas bancárias, bem como aos instrumentos de luta contra a fraude ao IVA.

«O orçamento diz verdadeiramente respeito ao valor acrescentado da UE. Temos de garantir que cada cêntimo é gasto em benefício dos nossos cidadãos. Tal significa que a luta contra a fraude e a corrupção deve ser mais forte do que nunca. Devemos assegurar que o OLAF dispõe dos instrumentos adequados para a consecução da sua finalidade e que atua ombro a ombro com a Procuradoria Europeia de forma funcional e eficiente. Temos de manter um OLAF forte que integre a abordagem da Procuradoria Europeia baseada no direito penal com sólidos inquéritos administrativos.» afirmou Günther H. Oettinger, Comissário Europeu responsável pelo Orçamento e pelos Recursos Humanos.
«A Procuradoria Europeia terá competência para investigar e instaurar processos penais contra ações lesivas do orçamento da União, como a corrupção ou a fraude com fundos da UE, ou as fraudes transnacionais em matéria de IVA.

«A proposta apresentada hoje de alteração do Regulamento 883/2013 tem por objetivo garantir que o OLAF se torne um parceiro próximo e fiável da Procuradoria Europeia e que continue a proceder a inquéritos administrativos para completar o trabalho da Procuradoria Europeia. O OLAF continuará, por conseguinte, a desempenhar um papel essencial na proteção dos interesses financeiros da União. A Procuradoria Europeia e o OLAF deverão trabalhar em estreita colaboração a fim de garantir — através dos seus mandatos distintos mas complementares — que são utilizados todos os meios disponíveis para combater a fraude e proteger o dinheiro dos contribuintes.

«Nos Estados-Membros que participam na Procuradoria Europeia, os inquéritos do OLAF centrar-se-ão em facilitar a recuperação administrativa e impedir, através de medidas administrativas, novos prejuízos às finanças da UE. A ação baseada no direito penal da Procuradoria Europeia, será assim completada e, sempre que adequado, em estreita consulta com esta. Quando o OLAF identificar possíveis infrações penais, deve comunicá-las sem demora à Procuradoria Europeia e, a pedido desta, apoiar as suas investigações.

«O OLAF continuará igualmente a investigar as irregularidades não fraudulentas (não abrangidas pela competência da Procuradoria Europeia) em todos os Estados-Membros. Em 2016, estas representaram 93 % do total das irregularidades comunicadas, com um impacto financeiro estimado em, aproximadamente, 2,58 mil milhões de EUR [1]. Além disso, o OLAF continuará as realizar os seus inquéritos sobre a fraude e a corrupção nos Estados-Membros que não participam na Procuradoria Europeia.

«Para o efeito, a proposta introduz as disposições necessárias no quadro jurídico do OLAF destinadas a reger o intercâmbio de informações com a Procuradoria Europeia, a prestar apoio às investigações da Procuradoria Europeia e a assegurar a complementaridade de ação e evitar a duplicação das atividades de investigação. Por outro lado, a alteração prevê um número limitado, mas importante de clarificações, que irá reforçar a eficácia dos inquéritos administrativos do OLAF, tendo em conta a recente avaliação efetuada pela Comissão. A ênfase é colocada em domínios concretos, relativamente aos quais, atualmente, a falta de clareza do regulamento em vigor cria obstáculos que impedem a eficácia dos inquéritos do OLAF. A alteração inclui regras para melhorar a consecução de inspeções e verificações no local, que constituem o elemento central das competências do OLAF e que são de importância vital para a deteção de elementos que permitam provar ou refutar as suspeitas de comportamentos ilegais. Tal alteração prevê conceder ao OLAF acesso a informações sobre contas bancárias, a fim de identificar os fluxos financeiros sob formas fraudulentas cada vez mais sofisticadas, e os instrumentos necessários para cumprir o seu mandato em matéria de IVA.

«A proposta de hoje constitui outro passo nos esforços da Comissão de reforçar a proteção dos interesses financeiros da União, após a adoção de dois importantes atos legislativos em 2017 — o Regulamento que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia [2] e a Diretiva relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal [3].
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[1] Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho: Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Luta contra a fraude — Relatório anual de 2016, COM(2017) 383 de 20.7.2017.

[2] Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia, JO L 283 de 31.10.2017, p. 1-71.

[3] Diretiva (UE) 2017/1371 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2017, relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal, JO L 198 de 28.7.2017, p. 29-41).»

Dodd-Frank Act: revisão

O Presidente Donald Trump acaba de assinar o texto de lei, aprovado nas duas Câmaras do Congresso dos Estados Unidos, que modifica o Dodd-Frank Act, instrumento jurídico aprovado pelo Presidente Obama, que, na sequência de crise 2008, regulou restritivamente o funcionamento do mercado de capitais e que estava sujeito a escrutínio pelos ónus de regulação que o seu estrito incumprimento implicava. O texto do novo bill pode ser lido aqui, o original, agora alterado, aqui.
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Na foto os senadores autores da lei que ficou conhecida pelo seu nome.

EUA: novas regras de due diligence para as instituições financeiras


A semana que passou teve como grande notícia a entrada em vigor, a 11 de Maio, nos Estados Unidos de um novo regime legal, aplicável ao sector financeiro, do Customer Due Diligence Requirements for Financial Institutions. O texto integral do novo regime pode ser encontrado aqui.
A nova regulação procede a uma alteração do Currency and Foreign Transactions Reporting Act, mais conhecido com BSA [Bank Secrecy Act, ver aqui], aprovado em 1970, no qual se clausulavam medidas de reporte às autoridades em caso de suspeita de branqueamento de capitais e fraude e por isso também denominado BSA/AML, legislação que foi complementada por outra, nomeadamente o Patriot Act de 26 de Outubro de 2001 [de seu nome completo o Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001, ver aqui o texto original].
As regras agora em vigor caracterizam-se por exigir que as instituições financeiras abrangidass estabeleçam e mantenham políticas e procedimentos escritos que sejam razoavelmente projectados para (i) identificar e verificar a identidade dos clientes (ii) identificar e verificar a identidade dos beneficiários efectivos das empresas que abrem contas (iii) compreender a natureza e o propósito das relações com o cliente para desenvolver perfis de risco do cliente; e (iv) realizar acompanhamento contínuo para identificar e relatar transacções suspeitas e, numa base de risco, manter e actualizar as informações dos clientes.

Registo Central de BO's: aprovado hoje no Parlamento Britânico



O Parlamento britânico aprovou hoje, dia 1 de Maio, um conjunto de diplomas legais entre os quais o que implementa um sistema de registo de beneficiários efectivos [BO's] de companhias registadas em offshores sob domínio britânico, concretamente Channel Islands, Isle of Man, Anguilla, Bermuda, Cayman Islands, Gibraltar, Montserrat, Turks and Caicos, Virgin Islands.


Ficam excluídas Jersey e Guernsey, porquanto o Parlamento não tem jurisdição sobre as mesmas.

Os textos das iniciativas legislativas aprovado na Câmara dos Comuns, podem ser encontrados aqui e aqui, bem como todo o processo.

É um passo significativo em direcção a um sistema que tem vindo a configurar-se como um elemento necessário para o controlo da conformidade dessas companhias com a legalidade de procedimentos, nomeadamente quanto à origem de fundos e regras de compliance, incluindo as fiscais.

Direito Processual Penal: desafios na era digital, iniciativa da PGR


Segundo o portal da PGR, que anuncia o evento e divulga o programa provisório, a ter lugar na manhã do dia 25 de Maio:

«Emails, mensagens instantâneas e outros documentos em formato eletrónico. Nos dias que correm são elementos de prova cada vez mais comuns em processos crime.
Para aprofundar a reflexão sobre a temática da obtenção da prova digital, a Procuradoria-Geral da República realiza, no próximo dia 25 de maio, o Workshop “Direito Processual Penal: Desafios na Era Digital”.
A iniciativa tem em vista contribuir para consolidar opiniões e uniformizar procedimentos, não deixando de analisar o atual quadro normativo e de identificar eventuais lacunas e necessidades de aperfeiçoamento dos instrumentos legais.
O workshop destina-se primordialmente a magistrados do Ministério Público mas está aberto a toda a restante comunidade jurídica.
A participação depende de inscrição (que é gratuita, mas obrigatória) e está limitada à disponibilidade de espaço. Inscrições por email, para cibercrime@pgr.pt.».

Assembleia da República: últimas iniciativas legislativas



Segundo o portal da Assembleia da República, são estas as últimas iniciativas legislativas com reflexo na área jurídico-criminal e contraordenacional:

-» Projecto de Lei 832/XIII [PS]: Procede à 47.ª alteração ao Código Penal e regula as condições especiais para a prática de eutanásia não punível. Ver aqui

-» Projecto de Lei 837/XIII [PCP]: Abre um período extraordinário de entrega voluntária de armas de fogo não manifestadas ou registadas. Ver aqui

-» Projecto de Lei 838/XIII [PEV]: Define o regime e as condições em que a morte medicamente assistida não é punível. Ver aqui

-» Proposta de Lei 125/XIII [Governo]: Aprova as regras relativas ao tratamento de dados pessoais para efeitos de prevenção, deteção, investigação ou repressão de infrações penais ou de execução de sanções penais, transpondo a Diretiva (UE) n.º 2016/680. Ver aqui

-» Proposta de Lei 126/XIII [Governo]: Altera o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial. Ver aqui

Revista Julgar: 34º número


Está publicado o n.º 34 da revista Julgar, órgão da Associação Sindical dos Juízes Portugueses. O anúncio está aqui no portal da Associação. Os que, não sendo assinantes, estejam interessados na respectiva compra podem adquiri-la aqui. Nela publica-se o texto da ninha intervenção que já mereceu esta minha declaração de interesses aqui, o que não impediu que um determinado órgão de comunicação social, referindo-se ao evento e sem distinguir, amalgamasse as diversas ideias nele defendidas como se uma só se tratasse e ao serviço de uma determinada estratégia concertada. Sem comentários porque, por uma questão editorial, não comento neste espaço, temas que estejam no espaço mediático, com o devido respeito pelo mesmo, quando é devido.

Voltando à revista, permito-me citar o editorial que resume bem o respectivo conteúdo.



«A Revista ultrapassa, neste número 34, os onze anos completos de vida. “Vida” em mais do que um sentido, porque não lhe tem bastado a sobrevivência, só encontrando sentido como espaço vivo de discussão jurídica, aberto e plural. Como, recentemente, se ouviu (na conferência organizada pela Revista, em 24 de novembro de 2017, na Casa do Juiz, sobre Direito da Insolvência), “a curiosidade jurídica não tem horizonte final e alimenta-se perpetuamente. Todos (…) temos uma vontade de aperfeiçoamento. A Revista JULGAR não é uma peça especial na complexa engrenagem pessoal e institucional que responde a esta necessidade. É apenas mais uma. Mas, como qualquer outro projeto semelhante, existe porque acreditamos que também ela pode contribuir com a sua parcela de luz”.

Alimentando esta ideia, propõem-se temas de grande interesse prático no caderno JULGAR, orientados para a sua dimensão de instrumento de trabalho. Mariana Coimbra Piçarra analisa o direito de retenção do promitente-comprador, um dos temas que maior discussão têm suscitado, na sequência da interpretação fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (STJ) n.º 4/2014. Ana Carolina Cardoso trata da mediação como um meio alternativo para a resolução dos litígios, deixando o seu olhar crítico sobre o papel ativo do juiz na tentativa de conciliação e apresentando um conjunto de propostas que visam proporcionar maior celeridade processual, designadamente a introdução da mediação no seio dos tribunais. Sofia Marques e Fernando Vieira trazem-nos um olhar médico sobre o sistema de interdição e de inabilitação, incluindo as suas limitações como resposta a uma situação de incapacidade, referindo os principais problemas do atual regime jurídico português nesta matéria e apontando, para futuro, o caminho da alternativa menos restritiva e da criação de novas medidas.

Publicam‑se, no caderno DEBATER, algumas das intervenções da conferência internacional “Tribunais Constitucionais: entre o Político e o Jurídico”, organizada no passado dia 30 de junho de 2017 pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses e pela MEDEL – Magistrats Européens pour la Démocratie et les Libertés, com a colaboração da Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa e da ANESC – Academic Network on European Social Charter and Social Rights.

A especial natureza e papel dos tribunais constitucionais – órgãos a quem cabe apreciar atos políticos de acordo com critérios estritamente jurídicos – coloca‑os na linha da frente do combate pela independência do Poder Judicial. Muitas vezes olhados pelos demais tribunais como órgãos “politizados” (pela forma como os seus juízes são escolhidos) e pelo poder político como “força de bloqueio” sem legitimidade democrática (atenta a não eleição dos seus juízes), é especialmente nos momentos de crise que a independência dos tribunais constitucionais se revela essencial e mais é posta à prova.

No passado recente, em Portugal, esteve o Tribunal Constitucional na linha de mira quando foi chamado a pronunciar-se sobre as medidas de austeridade aprovadas pelo governo em cumprimento do programa de auxílio financeiro da chamada Troika e também aí foi alvo de críticas de todos os quadrantes: de um lado, aqueles que reclamavam uma maior intervenção e defesa intransigente do texto da Constituição; de outro, os que exigiam mais neutralidade e a ponderação de critérios de oportunidade e conjunturais na apreciação das medidas de austeridade económica. A intervenção do Tribunal Constitucional nesse período é analisada no texto do Mestre Pedro Coutinho (o qual, numa exceção à regra editorial desta revista, se opta por publicar também na sua versão original inglesa, por ter sido a língua na qual originalmente foi escrito, uma vez que se destinava aos participantes estrangeiros da conferência), que faz uma resenha dos principais acórdãos proferidos durante o período da austeridade económico‑financeira.

Os Professores Doutores Joaquim Sousa Ribeiro (que exerceu funções de Presidente do Tribunal Constitucional precisamente durante o período de austeridade) e Catarina Santos Botelho analisam seguidamente qual o lugar de um tribunal constitucional numa sociedade democrática e o papel que nela deve desempenhar, analisando e tentando traçar os limites da sua atuação no confronto dos demais tribunais e também dos restantes poderes do Estado, bem como as garantias que devem estar consagradas para a sua efetiva independência.

Antonio Narváez Rodríguez, juiz do Tribunal Constitucional de Espanha, procura depois definir com precisão, partindo da experiência daquele Tribunal Constitucional e da realidade espanhola, a natureza dos tribunais constitucionais – se órgãos judiciais ou políticos. É precisamente esta – a natureza dos tribunais constitucionais – a questão sobre a qual se debruça Guilherme Fonseca, apontando o seu papel central no funcionamento institucional do Estado e traçando o desígnio fundamental da jurisdição constitucional.

Como nos recorda a Professora Catarina Botelho no seu texto, vivemos numa época em que os textos constitucionais se tornaram crescentemente politizados, criando “expectativas constitucionais”, o que levou, nas palavras de Michel Rosenfeld, “a constitucionalizar o político e a politizar a Constituição”. Ora, numa altura em que se assiste a uma deriva autoritária e antidemocrática em alguns países do leste europeu que fazem parte da União Europeia – fenómeno até há bem pouco tempo inimaginável – e que tem passado precisamente pela tentativa de controlo dos tribunais constitucionais pelo poder político, é fulcral fazer o debate sobre as garantias de independência destes órgãos que estão no vértice da separação de poderes.

No caderno DIVULGAR, abrem-se as portas a um assunto da maior importância e atualidade do direito processual penal: o da natureza dos prazos de duração da fase de inquérito.

No n.º 32 da Revista, Cláudia Cruz Santos trouxe-nos um artigo intitulado “O controlo judicial da violação dos prazos de duração máxima do inquérito”, marcando uma posição muito clara a esse respeito. O debate é anterior, posterior e mais amplo do que aquela edição, claro está, tendo lugar em outras arenas. Em 19 de outubro de 2017, realizou-se, em Coimbra, uma conferência organizada pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados sobre a mesma matéria. Para além da autora já referida, participaram outros oradores de referência do direito processual penal, incluindo Germano Marques da Silva, José António Barreiros e Paulo Dá Mesquita, que enriqueceram o debate com diferentes percursos argumentativos e pontos de vista. Com grande generosidade, estes autores também aceitaram partilhar com a Revista o seu pensamento, permitindo um continuum enriquecedor entre os números 32 e 34, em tema de prazos de inquérito.»

Banco de Portugal: actividade sancionatória/primeiro trimestre

Segundo comunicado oficial do Banco de Portugal: «No decurso do primeiro trimestre de 2018 o Banco de Portugal instaurou 34 e decidiu 30 processos de contraordenação. Dos 30 processos decididos, 11 respeitam a infrações de natureza comportamental, 10 respeitam a infrações a deveres relativos à prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo e 9 respeitam a infrações de natureza prudencial. No contexto das decisões proferidas foram aplicadas 8 admoestações e aplicadas coimas que totalizaram € 694.500,00 (seiscentos e noventa e quatro mil e quinhentos euros), dos quais € 566.000,00 (quinhentos e sessenta e seis mil euros) suspensos na sua execução.»

Protecção de delatores: uma próxima Directiva da União Europeia

A noticia surgiu ontem. A União Europeia tornou pública uma proposta de Directiva que procederá a uma uniformização das legislações dos Estados membros em matéria de "alertadores" - eis o termo da tradução oficial, próximo do francês "lanceurs d'alerte" - em suma, a protecção dos delatores, os "whistleblowers" [tocadores de apito], segundo é a expressiva terminologia inglesa.

Para mais detalhes ver aqui e aqui o vídeo do anúncio público da iniciativa.

Cito, com a devida vénia, do texto oficial do anúncio público [ver aqui]:

«A proposta hoje apresentada garantirá um elevado nível de proteção dos alertadores que denunciem violações do direito da UE, definindo novas normas à escala da UE. A nova legislação instaurará canais seguros para lançar o alerta, tanto no interior das organizações como junto das autoridades públicas. Permitirá ainda proteger os alertadores contra o despedimento, a despromoção e outras formas de retaliação, obrigando as autoridades nacionais a informar os cidadãos e a proporcionar formação às autoridades públicas sobre a forma de lidar com os alertadores.
«O Primeiro Vice-Presidente da Comissão, Frans Timmermans, declarou: Muitos dos escândalos recentes nunca teriam vindo a lume se não existissem vozes corajosas para os denunciar. Mas essas pessoas assumiram enormes riscos. Assim se protegermos melhor os alertadores poderemos detetar e prevenir melhor as situações lesivas do interesse público, como a fraude, a corrupção, a evasão fiscal por parte das empresas ou os danos à saúde humana e ao ambiente. Ninguém deve ser punido por fazer o que está certo. Além disso, as propostas hoje apresentadas protegem também as fontes dos jornalistas de investigação, contribuindo assim para garantir a liberdade de expressão e a liberdade dos meios de comunicação social na Europa.
«Věra Jourová, Comissária Europeia responsável pela Justiça, Consumidores e Igualdade de Género, acrescentou: «As novas regras de proteção dos alertadores agirão como um catalisador da mudança. Num mundo globalizado em que a tentação de maximizar o lucro, por vezes a expensas da lei, é muito real, temos de apoiar as pessoas que estão dispostas a correr o risco de denunciar graves violações do direito da UE. É o nosso dever para com os cidadãos honestos da Europa.
«Os alertadores podem ajudar a detetar, investigar e sancionar as violações do direito da UE. Desempenham também um importante papel ao permitirem aos jornalistas e à imprensa livre ocupar o seu lugar fundamental nas nossas democracias. É por tudo isto que os alertadores necessitam de uma proteção adequada contra a intimidação e as represálias. Os cidadãos que desmascaram atividades ilegais não devem ser punidos em consequência da sua ação. Mas, na realidade, muitos pagam a sua ação com os seus postos de trabalho, a sua reputação ou mesmo a sua saúde; 36 % dos trabalhadores que denunciaram situações irregulares sofreram retaliações (de acordo com o projeto de investigação «Global Business Ethics Survey», de 2016). A proteção dos alertadores contribuirá também para salvaguardar a liberdade de expressão e a liberdade dos meios de comunicação e é essencial para a proteção do Estado de direito e da democracia na Europa.
Proteção relativamente a um vasto conjunto de violações do direito da UE
«A proposta de hoje garante proteção em toda a União Europeia em caso de alerta relativamente a violações da legislação da UE nos domínios dos contratos públicos, serviços financeiros, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo; segurança dos produtos; segurança dos transportes; proteção ambiental; segurança nuclear; segurança dos alimentos para consumo humano e animal e saúde e bem-estar animal; saúde pública; proteção dos consumidores; privacidade, proteção de dados e segurança das redes e dos sistemas de informação. Aplica-se igualmente às infrações às regras de concorrência da UE, às violações e abusos em matéria de regras de tributação das sociedades, bem como a situações lesivas dos interesses financeiros da UE. A Comissão incentiva os Estados-Membros a irem além desta norma mínima e a criarem quadros globais de proteção dos alertadores assentes nos mesmos princípios.
Mecanismos e obrigações claros para os empregadores
«Todas as sociedades com mais de 50 empregados ou com um volume de negócios anual superior a 10 milhões de EUR terão de estabelecer um procedimento interno para gerir as denúncias dos alertadores. Todas as administrações nacionais e regionais, bem como de municípios com mais de 10 000 habitantes, serão igualmente abrangidas.
«Os mecanismos de proteção a introduzir devem incluir:
  • Canais de comunicação de informações claros dentro e fora da organização de forma a garantir a confidencialidade;
  • Um sistema de comunicação de informações de três níveisincluindo:
  • Canais de comunicação internos;
  • Comunicação de informações às autoridades competentes, caso os canais internos não funcionem ou não se espere que venham a funcionar (por exemplo, quando a sua utilização possa comprometer a eficácia das investigações levadas a cabo pelas autoridades competentes);
  • Comunicação ao público/meios de comunicação — caso não sejam tomadas medidas adequadas após comunicação das informações através de outros canais ou em caso de perigo iminente ou claro para o interesse público, ou ainda em caso de danos irreversíveis;
  • Obrigações de resposta das autoridades e empresas, que terão de responder e dar seguimento às denúncias dos alertadores no prazo de três meses para canais de comunicação internos;
  • Prevenção de represálias e proteção eficaz: todas as formas de represália são proibidas e devem ser punidas. Se um alertador sofrer represálias, deve ter acesso a aconselhamento gratuito e vias de recurso adequadas (por exemplo, medidas para impedir o despedimento ou o assédio no local de trabalho). Nestes casos, o ónus da prova será invertido, pelo que a pessoa ou organização deve provar que não se trata de uma represália contra o alertador; Os alertadores serão igualmente protegidos nos processos judiciais, nomeadamente através de uma isenção de responsabilidade pela divulgação das informações.
Salvaguardas eficazes
«A proposta protege o lançamento de alerta responsável, com a intenção genuína de proteger o interesse público. Por conseguinte, inclui salvaguardas destinadas a desencorajar as denúncias mal-intencionadas ou abusivas e evitar danos injustificados à reputação. As pessoas afetadas pela denúncia de um alertador beneficiarão plenamente da presunção de inocência, do direito a recurso efetivo, do direito a um processo equitativo e do direito de defesa».

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Fonte da imagem: aqui

Excepcional complexidade: (não) audição do arguido...irregularidade

Já me tinha perguntado quando chegaria o dia em que, nesta progressiva caminhada para o desguarnecimento de garantias fundamentais, a audição de arguido em matéria de despacho que decrete a excepcional complexidade do processo passaria a ficar à mercê. Já sucedeu. O Acórdão do Tribunal Constitucional de 21.02.2018 [proferido no processo n.º 1326/2017] e e que me penitencio só agora ter lido, determinou: 

«Não é julgada inconstitucional a interpretação, extraída da conjugação dos artigos 118.º, n.ºs 1 e 2, 123.º, n.º 1 e 215.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, conducente ao sentido de que constitui mera irregularidade a não audição do arguido sobre o requerimento do Ministério Público tendente à declaração da especial complexidade do procedimento, em momento prévio à prolação do despacho judicial que defira esse requerimento, procedendo a tal declaração. A irregularidade só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar, quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado. A preterição do ato obrigatório de audição prévia do arguido é facilmente detetável e a sua invocação não exige uma especial análise do processo, pelo que o regime legal por via da sua qualificação como irregularidade não se traduz num ónus excessivo ou desproporcionado, impendente sobre o arguido prejudicado pelo vício».

Na mira de tentar encontrar uma fundamentação adequada para o decidido o acórdão explicitou:

«No âmbito da definição do regime de invalidades, o legislador ordinário dispõe de uma margem de liberdade de conformação, condicionada pelo respeito do núcleo essencial do direito envolvido.
A questão de saber se a solução normativa, preconizada no critério sob sindicância, se encontra compreendida no âmbito da liberdade de conformação do legislador infraconstitucional reconduz-se, no fundo, à averiguação sobre se a modalidade e intensidade da violação do direito em causa - especificamente, o direito ao exercício do contraditório - vincula, constitucionalmente, à consagração de uma solução mais grave - no âmbito dos vícios de incumprimento das disposições legais - do que a irregularidade.
Nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, "[o] processo criminal assegura todas as garantias de defesa" e, de acordo com o n.º 5 do mesmo preceito, a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar encontram-se subordinados ao princípio do contraditório.
O preceito do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, ao dispor que «o processo penal assegurará todas as garantias de defesa», funciona como cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, 4.ª edição revista, I Vol., p. 516). Nas palavras de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1.ª reimp., Coimbra Editora, 2004 (1.ª ed.: 1974), p. 142), as garantias de defesa impõem um processo estruturado de forma a que ao arguido seja assegurada «a mais ampla possibilidade de tomar posição, a todo o momento, sobre o material que possa ser feito valer processualmente contra si (...)».
No âmbito do Acórdão n.º 555/2008, o Tribunal Constitucional concluiu:
«[a excepcional complexidade do procedimento] é qualificação que, nos termos do n.º 3 do artigo 213.º do CPP, acarreta a elevação dos prazos de prisão preventiva. Por conseguinte, a decisão afecta[ ]pessoalmente[o arguido], incidindo directamente no núcleo do seu direito fundamental à liberdade, pois é susceptível de provocar a extensão temporal de uma medida de coacção que o priva desse bem primário, sendo certo que, por imperativo constitucional (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), ele é presumido inocente. É quanto basta para considerar que aqui se fazem sentir, de forma particularmente intensa, as razões garantísticas que dão suporte axiológico ao direito de audição, arredando qualquer justificação, no plano da legitimidade constitucional, de uma interpretação que a dispense».
Naquele aresto, porém, o Tribunal Constitucional apenas se pronunciou sobre a obrigatoriedade de audição do arguido, em caso de declaração oficiosade excecional complexidade do processo, julgando inconstitucional a interpretação normativa, extraída do artigo 215.º, n.º 4, do CPP, conducente à negação dessa obrigatoriedade (sublinhado nosso).
A questão que se coloca no âmbito dos presentes autos é diversa, por não ser problematizada essa obrigatoriedade, sendo, pelo contrário, a mesma pressuposta, a ponto de ser considerado assente que o incumprimento dessa imposição se traduz num vício. A questão decidenda prende-se, como já referimos, com a suficiência, em termos de exigências constitucionais, da qualificação do vício em causa como irregularidade.
Nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, a irregularidade «só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar, quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado».
Embora não especificamente a respeito da norma em crise nestes autos, este Tribunal já se pronunciou sobre casos em que igualmente se discutia a constitucionalidade da consequência - nulidade insanável, nulidade dependente de arguição ou mera irregularidade - ligada ao incumprimento de ónus ou imposições processuais.
Para aquilatar dessa suficiência, convém ter presente, por um lado, que o vício em causa - a preterição do ato obrigatório de audição prévia do arguido - é facilmente detetável e que a sua invocação não exige uma especial análise do processo, pelo que o regime legal convocável por via da sua qualificação como irregularidade não se traduz num ónus excessivo ou desproporcionado, impendente sobre o arguido prejudicado pelo vício (menos ainda nas circunstâncias do caso presente).
De facto, encontrando-se a reposição da legalidade, relativamente ao cumprimento efetivo da formalidade de audição, prevista no artigo 215.º, n.º 4, do CPP, apenas dependente da arguição do respetivo vício pelo arguido, nos termos plasmados no artigo 123.º, n.º 1, do referido diploma, sendo que o mesmo se encontra assistido por defensor, não se vislumbra que esse condicionamento extravase o âmbito de conformação confiado ao legislador, que optou por não colocar todos os vícios no mesmo plano, «gradua[ndo] os seus efeitos de acordo com a respetiva gravidade», como pode ler-se no Acórdão n.º 350/2006, tendo em conta a necessidade de equilíbrio entre a realização da pretensão punitiva do Estado e a tutela de direitos fundamentais dos arguidos.
No Acórdão n.º 429/95 - que, a propósito da nulidade resultante da omissão do dever de informar os arguidos do que se passou, em audiência, na sua ausência, nos casos em que é determinada a audição em separado dos co-arguidos, concluiu pela não desconformidade constitucional das «normas do artigo 343.º, n.º 4, conjugada com a do artigo 120.º, ambos do CPP, interpretadas no sentido de que a nulidade prevista na primeira das referidas normas é sanável» - pode ler-se, nomeadamente, o seguinte:
«Com efeito, como bem faz ressaltar o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal nas suas alegações, no processo penal existem outros valores relevantes para além do direito da defesa à obtenção de uma sentença absolutória:
- o dever de diligência do arguido - e, muito em particular, do defensor que obrigatoriamente o deve assistir ao longo do processo (e da audiência) - que obviamente deverão de imediato reagir contra as nulidades ou irregularidades que considerem cometidas e entendam relevantes, na perspectiva de defesa, não podendo naturalmente escudar-se na sua própria negligência no acompanhamento das diligências ou audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento da lei relativamente a que estiveram presentes e de que, agindo com a prudência normal, não puderam deixar de se aperceber;
- dever de boa fé processual, que naturalmente impedirá que possam - arguido e defensor - ser tentados a aproveitar-se de alguma omissão ou irregularidade porventura cometida ao longo dos actos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um «trunfo» para, em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado».
Nestes termos, aplicando as considerações expendidas ao critério normativo aqui em apreciação, diremos que a interpretação, extraída da conjugação dos artigos 118.º, n.ºs 1 e 2, 123.º, n.º 1, e 215.º, n.ºs 3 e 4, todos do CPP, conducente ao sentido de que constitui mera irregularidade a não audição do arguido sobre o requerimento do Ministério Público tendente à declaração da especial complexidade do procedimento, em momento prévio à prolação do despacho judicial que defira esse requerimento, procedendo a tal declaração, não se apresenta desconforme à Constituição, não extravasando a margem de liberdade que é conferida ao legislador, no âmbito da definição dos vícios correspondentes ao incumprimento das disposições processuais penais».

Ou seja, a lesão de uma garantia primária de defesa - o direito a ser ouvido por juiz antes de este decidir algo tão relevante quanto uma excepcional complexidade do processo, com tudo quanto releva a nível da própria duração do prazo de inquérito e sobretudo da prisão preventiva - fica sanada se não for arguida em três dias.

A lógica do decidido pressupõe três fundamentos de que me permito duvidar:

-» Que há um ónus de arguição [em três dias], sem o que o vício fica sanado;
-» Que a não arguição, dispensa o conhecimento oficioso do vício;
-» Que, ao limite, a defesa até poderia usar como "trunfo" essa não arguição, assim o vício fosse entendido como nulidade insanável [o que consubstancia uma interessante suspeição sobre a defesa e uma jurisprudência defensiva, como se as invalidades fossem não patologias processuais universalmente inaceitáveis mas sim fragilidades face ao adversário arguido].

Resta o que ainda há dias ouvi de autorizada boca: nem todo o mau Direito é inconstitucional. Seguramente. A inversa é também verdade: nem é tudo quanto é constitucional é bom Direito.