Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Esclarecimento

Face a notícias imprecisas surgidas em meios da comunicação social sobre eu estar a colaborar com a Ordem dos Advogados em articulação com o DIAP, no que se refere a regulamento relativo  branqueamento de capitais aplicável a advogados, esclareço:

1 - Presentemente não tenho qualquer colaboração nessa matéria com a Ordem dos Advogados, pois a mesma foi prestada, enquanto Presidente do Gabinete de Política Legislativa, e no âmbito do mesmo Gabinete, lugar de que fui exonerado, a meu pedido, pelo actual Bastonário, Professor Doutor Menezes Leitão.

2 - A intervenção em causa efectuou-se, durante o mandato do Bastonário cessante, em articulação como o DCIAP e não com o DIAP, por ser o organismo legalmente incumbido da matéria da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.

3 - Tendo em vista a preparação do referido normativo foram efectuadas extensas audições de advogados e outros profissionais, bem como uma sessão pública se discussão e sensibilização, tentando obter as diversas sensibilidades em presença e as críticas que não deixaram de se fazer sentir.

4 - Essa colaboração traduziu-se num projecto de regulamento, oportunamente publicado na Diário da República e no portal da Ordem dos Advogados, para efeito de discussão pública, após sua aprovação pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados.

5 - Foram acolhidas sugestões oriundas dessa discussão pública, tendo o texto resultante sido submetido pelo Conselho Geral à Assembleia Geral da Ordem dos Advogados, para aprovação, assim se procurando potenciar a participação, a transparência e a democraticidade na decisão, dada a natureza relevante do assunto.

6 - Ante reparos suscitados nessa Assembleia Geral quanto à competência da mesma quanto à matéria, entendeu o Bastonário, Dr. Guilherme Figueiredo, retirar a proposta.

7- Abstenho-me de pronunciar quanto ao conteúdo do projecto, quer porque se encontra retirado e fora de discussão, quer porque não pretendo gerar polémica face ao tema.

8 - O Bastonário em funções já fez saber que a Ordem dos Advogados irá retomar o tema, como é, aliás, imperioso que o faça, ante as exigências legais e a necessidade de articular as mesmas com a defesa do segredo profissional.

Comparando o incomparável

O problema do Direito Comparado é quando se compara o incomparável. E, no entanto, sem caução, o recurso a soluções estrangeiras como forma de resolver problemas jurídicos nacionais, é comum, sobretudo quando aditado à citação de autores reputados em que se empresta o argumento de autoridade como reforço de afirmação.

Lembrei-me disto ao ler esta manhã a entrevista da ministra da Justiça do Japão, a Senhora Masako Mori, ao Financial Times em que, a propósito da eventual revisão do sistema de justiça criminal do país, posto em causa por causa de alegações feitas contra o mesmo por um mediático fugitivo internacional, afirma, em abono do sistema legal do seu país:

«Apart from interrogation, the prosecutors do not have many other investigative powers,” she said. Police in countries such as the US and UK can go undercover, use wiretaps, take DNA samples from suspects or rely on widespread surveillance cameras. “Japan does not have any of those so interrogation is extremely valuable.».

Ora sendo, nas suas palavras, o interrogatório dos detidos muito útil,  sucede que o dito fugitivo internacional esteve 12 horas a ser interrogado sem direito a advogado, o que é comum naquele país.

Mas mais: segundo a mesma responsável pela justiça japonesa na citada entrevista, a taxa de 99% de condenação dos acusados deriva do facto de apenas 37% dos presos serem acusados, o que, segundo ela, evidencia que os procuradores só acusam quando estão seguros do sucesso da condenação.

Ou seja: no Japão prende-se mas não se acusa em 63% dos casos. Dos 37% acusados apenas 1% são absolvidos.

Assim, tudo se compreende nada se aceita.

Já agora, para quem se queira interessar pelo Direito japonês há aqui este interessante blog italiano cujo título é sugestivo: o Direito que existe mas não se vê.

Negligência: complexo de deveres

A configuração da negligência enquanto violação do dever de cuidado como resultado de um conjunto de acções omissivas e comissivas, entre as quais a de obtenção de informação e preparação, orienta, como critério, o sentenciado no acórdão da Relação de Évora de 07.01.2020 [proferido no processo n.º 89/17.3PAENT.E1 relator Carlos Berguete Coelho, texto integral aqui], de cujo sumário se colhe:

«I - A ordem jurídica, ao impor o dever objectivo de cuidado, está a afirmar, num plano normativo, o verdadeiro sentido onto-antropológico que liga o agir entre os homens. Não prescinde, objectivamente, da imputação do resultado à conduta do agente, dentro da problemática da causalidade, conquanto com as especificidades de se tratar de um facto meramente culposo fundado na violação desse dever.

«II - Tal violação, simultaneamente revestindo um juízo de facto e um juízo de valor, deve ser apreciada à luz do grau de diligência exigível ao destinatário da norma, na perspectiva de uma culpa em abstracto, através do padrão do bonus pater familias, ou seja, de um homem médio e normal colocado nas circunstâncias que o caso mereça, sem, contudo, esquecer as capacidades individuais do agente.

«III - Esse dever de cuidado revela-se interna e externamente. A vertente interna determinará o dever de representar ou prever o perigo para o bem tutelado pela norma jurídica e de valorar esse perigo.

«IV - O aspecto externo comporta três exigências: (i) o dever de omitir acções perigosas que se mostrem propícias à realização do facto típico, em que cabem as acções empreendidas pelo agente que tenha falta de preparação ou capacidade para as levar a cabo; (ii) o dever de actuar prudentemente em situações perigosas, por comportarem, em si, um perigo inato, mas que são valiosas e indispensáveis do ponto de vista social e no actual contexto da vida em sociedade, em que entronca a margem de risco permitido; (iii) o dever de preparação e informação prévia relativamente à exigência de cada indivíduo se munir, anteriormente à acção que envolve um risco, dos conhecimentos que lhe permita empreendê-la com segurança.

«V - A ideia mestra da causalidade, ou teoria da adequação, é a de limitar a imputação do resultado àquelas condutas das quais deriva um perigo idóneo de produção do resultado, pelo que deve ser complementada pela análise da conexão do risco, no sentido de determinar os riscos a cuja produção pode ser razoavelmente referido o tipo objectivo do crime e concluir que o resultado só deve ser imputável à conduta quando esta tenha criado ou aumentado ou incrementado um risco proibido para o bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito e esse risco se tenha materializado no resultado típico.»

Taxa sancionatória: natureza e alcance

Interessante o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2019 [proferido no processo n.º 136/13.8JDLSB.L2-A.S1, relator Manuel Augusto Matos, texto integral aqui] sobre a natureza e alcance da taxa sancionatória.

Está prevista no n.º 1 do artigo 531º do CPC, segundo o qual :

«Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida».

Por força do artigo 521º do CPP aplica-se ao processo penal, porquanto, de acordo com aquele preceito legal:

«À prática de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória especial.».

Regulamentando o artigo 10º do Regulamento das Custas Processuais, subsidiariamente aplicável por disposição expressa no artigo 524.º do CPP, determina que:

«A taxa sancionatória é fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC».

Ora historiando a sua origem, o aresto citado remete para um acórdão antecedente do mesmo tribunal:

«Como se dá nota no acórdão deste Supremo Tribunal de 05-09-2019, proferido no processo n.º 222/18.8YUSTR.L1-A.S1 – 5.ª Secção[2], a taxa sancionatória excepcional prevista no citado artigo 531º do CPC «corresponde à que estava já em vigor no art. 447º-B do anterior CPC, aditado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, e em cujo preâmbulo se esclarecia tratar-se de “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, “bloqueiam” os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados. Para estes casos, o juiz do processo poderá fixar uma taxa sancionatória especial com carácter penalizador”.»

Trata-se, pois de um das situações em que a lei processual penal revê uma taxa com tal natureza, porquanto, segundo o acórdão que vimos citando: «Outras taxas sancionatórias estão previstas no CPP, como nos arts. 223º, nº 6, 420º, nº 3, e 456º, punindo também atos manifestamente infundados ou temerários.»

Circunscrevendo o âmbito da referida taxa [e ressalvando que com esta taxa «não se pretende sancionar erros técnico-jurídicos, pois estes são sancionados através do pagamento de custas»], louva-se o acórdão no sentenciado em outras decisões do Supremo Tribunal de Justiça que expressamente refere:

«Assim, deverá o processado revelar a presença de pretensões formuladas por um sujeito processual que sejam manifestamente infundadas, abusivas e reveladoras de violação do dever de diligência que dêem azo a assinalável actividade processual. Mas para fazer essa avaliação é de exigir ao juiz muito rigor e critério na utilização desta medida sancionatória de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual limitando o seu uso a situações que tenham efectivamente, algum relevo na normal marcha processual [[3]].

«Somente em situações excepcionais em que o sujeito aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha ou a eficácia da decisão praticando acto processual manifestamente improcedente é que se justifica a aplicação da taxa sancionatória – por isso chamada – excepcional. O sujeito processual que não tenha agido com a prudência ou diligência devida é o que agiu contra disposição de lei expressa ou sem fundamento legal de forma imperceptível na sua pretensão, ou actuando com fins meramente dilatórios [[4]].

«É que, além do mais, à criação da sanção não são de todo estranhas razões de celeridade processual e bem assim de gestão útil dos fundos postos ao serviço da Justiça e suportados por todos os cidadãos contribuintes para as receitas fiscais. E à sua utilização deverá subjazer a patente falta de prudência a respeito da prática de certo acto e a falta de utilidade de que esse dito acto se revestiria importando um acrescido e injustificado atraso no desfecho do processo [[5]].

«Se é certo que com a taxa sancionatória excepcional se não pretende sancionar erros técnicos pois a sanção para estes sempre adveio do pagamento de custas, não é menos certo também que com a sua imposição se pretende reagir contra uma atitude claramente abusiva de utilização do processo sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte com uma actuação imprudente, desprovida da diligência exigível e como tal censurável [[6]]».


[2] Disponível nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais acórdãos que se citarem sem outra menção.
[3] Ac STJ de 2017.01.04, proc 149/05.3PULSB.L1-B.S1 como os demais citados infra consultável em www.dgsi.pt.
[4] Ac STJ de 2017.05.10, proc 12806/04.7DLSB.L2-A.S1.
[5] Ac STJ de 2017.06.08, proc 1246/05.0TASNT.L1-B.S2. 

[6] Ac STJ de 2019.05.09, proc 565/12.4TATVR-C.E1-A.S1.

A meta

Não é que seja necessariamente uma corrida para ver quem chega primeiro à meta, nem que a celeridade seja necessariamente critério de boa justiça, mas a resposta tempestiva ainda é algo a relevar, sobretudo quando se atende à resposta que é divulgada. É este o ponto de situação actual no que se refere à publicação de acórdãos na dgsi:

TRL-16.01.20
TC-15.01.20
TRP-14.01.20
TRE-07.01.20
STJ-27.12.19
TRG-17.12.19

Segredo de advogado: a imprescindível defesa

Sempre em risco, a enfrentar várias frentes de ataque pelas mais variadas razões, o segredo profissional de advogado ainda consegue encontrar um espaço de consideração em aresto como o Acórdão da Relação de Évora de 07.01.2020 [proferido no processo n.º 422/14.0T9TMR-A.E1, relatora Maria de Fátima Bernardes, texto integral aqui], segundo o qual e de acordo com o respectivo sumário: «Só se justifica a quebra do segredo profissional de advogado se, no caso concreto, for absolutamente essencial e imprescindível à descoberta da verdade material, que se pretende alcançar.»

Eis a fundamentação do decidido:

«Em processo penal, a regra geral quanto ao dever de testemunhar é a que consta do n.º 1 do artigo 131º do Código de Processo Penal, o qual preceitua que: «Qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade para testemunhar e só pode recusar-se nos casos previstos na lei.»
Todavia, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 135º, que supra se transcreveu, os advogados e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem recusar-se a depor, invocando, precisamente, esse dever.
Mas o segredo profissional não é absoluto, sendo legalmente previstos casos em que pode ser dispensado ou quebrado.
Tratando-se de Advogado, existem duas[5] situações em que, excecionalmente, pode ser, por assim dizer desvinculado, do segredo profissional, sendo uma a das situações a da dispensa do segredo profissional, requerida pelo Advogado ao Presidente do Conselho Regional competente e por este autorizado, nos termos do artigo 92º, n.º 4 do EOA e a outra situação, a da quebra do segredo profissional, por via do correspondente incidente processual, regulado no artigo 135º do C. Processo Penal.
É esta última a situação que, in casu, é submetida à apreciação desta Relação.
Como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 135º, o tribunal superior pode ordenar a prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que se mostre “justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos”.
O princípio da prevalência do interesse preponderante impõe ao tribunal superior a realização de uma atenta, prudente e aprofundada ponderação dos interesses em conflito, a fim de ajuizar qual deles deverá, no caso concreto, sobrepor-se ao outro[6].
«Os interesses em confronto são, por um lado, o interesse do Estado na realização da justiça, especificamente, na realização da justiça penal, e por outro, o interesse tutelado com o estabelecimento do segredo profissional na Advocacia, ou seja, a tutela da relação de confiança entre o advogado e o cliente e da dignidade do exercício da profissão que a Lei Fundamental considera elemento essencial à administração da justiça (art. 208º da Constituição da República Portuguesa)[7].»
Nesta ponderação, os elementos a atender, pelo tribunal para aferir qual o interesse preponderante que deve prevalecer, em ordem a justificar a quebra do segredo profissional e a determinar a prestação de depoimento por quem se encontre obrigado ao mesmo, são, nomeadamente, a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos.
Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque [8], «A imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade significa duas coisas: a descoberta da verdade é irreversivelmente prejudicada se a testemunha não depuser ou, depondo, o depoimento não incidir sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional e, portanto, o esclarecimento da verdade não pode ser obtido de outro modo, isto é, não há meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade.
A “necessidade” de protecção de bens jurídicos identifica-se com uma “necessidade social premente” (…) de relevação da informação coberta pelo segredo profissional, à luz da interpretação que o TEDH e o Comité de Ministros do Conselho da Europa têm feito do artigo 8º da CEDH [9] (…). Os “bens jurídicos” a que a lei se refere são os bens jurídicos tutelados pela lei penal Portuguesa, mas a quebra do sigilo profissional só é justificável se corresponder a um interesse social premente. (…)»
Portanto, nem todos os bens jurídicos tutelados pela lei penal justificam a quebra do sigilo profissional. O critério da necessidade da protecção dos bens jurídicos é ainda mais rigorosamente delimitado pelo critério da “gravidade do crime”. É aqui se reside o cerne do juízo de justificação feito pelo tribunal superior: na ponderação da gravidade do crime investigado em contrapeso com o prejuízo da intrusão na privacidade da pessoa obrigada ao segredo profissional. A gravidade dever ser aferida em abstracto e em concreto. Em abstracto, o conceito de “gravidade do crime” ou de “crime grave” deve ser condensado de acordo com a bitola fixada no artigo 187.º, nº 1, al.ª a) [10], isto é, considerando-se “crime grave” o crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos, atenta a similitude material entre a tutela do direito à privacidade pelo artigo 187º e a tutela do segredo profissional pelo artigo 135.º Ou seja, não deve o tribunal superior considerar justificada a quebra do segredo profissional nos casos de crime punível com pena de prisão até três anos. (…)
Isto não quer obviamente dizer que a revelação da informação sobre segredo profissional deva sempre ter lugar quando estiver em causa a investigação de crimes puníveis com pena superior a três anos de prisão. A ponderação da gravidade dos crimes puníveis com pena superior a três anos de prisão não é dispensável, pois a gravidade do crime deve ser aferida não apenas em abstracto, mas também em concreto, em face das concretas circunstâncias que envolveram a prática do crime. (…).»
É incontroverso que a quebra do segredo profissional, em favor do interesse da descoberta da verdade dos factos e da administração da justiça, tem carácter verdadeiramente excecional e, em nosso entender, só deve ser determinada por razões imperiosas, de outro modo inultrapassáveis, nomeadamente, estar a parte impedida de produzir a prova que lhe compete sem o depoimento da testemunha adstrita ao segredo profissional [11], ou, dito de outro modo, só é justificada a quebra «quando não haja meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade.[12]»

Como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 135º, o tribunal superior pode ordenar a prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que se mostre “justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos”.

O princípio da prevalência do interesse preponderante impõe ao tribunal superior a realização de uma atenta, prudente e aprofundada ponderação dos interesses em conflito, a fim de ajuizar qual deles deverá, no caso concreto, sobrepor-se ao outro[6].

«Os interesses em confronto são, por um lado, o interesse do Estado na realização da justiça, especificamente, na realização da justiça penal, e por outro, o interesse tutelado com o estabelecimento do segredo profissional na Advocacia, ou seja, a tutela da relação de confiança entre o advogado e o cliente e da dignidade do exercício da profissão que a Lei Fundamental considera elemento essencial à administração da justiça (art. 208º da Constituição da República Portuguesa)[7].»

Nesta ponderação, os elementos a atender, pelo tribunal para aferir qual o interesse preponderante que deve prevalecer, em ordem a justificar a quebra do segredo profissional e a determinar a prestação de depoimento por quem se encontre obrigado ao mesmo, são, nomeadamente, a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos.

Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque[8], «A imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade significa duas coisas: a descoberta da verdade é irreversivelmente prejudicada se a testemunha não depuser ou, depondo, o depoimento não incidir sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional e, portanto, o esclarecimento da verdade não pode ser obtido de outro modo, isto é, não há meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade.

A “necessidade” de protecção de bens jurídicos identifica-se com uma “necessidade social premente” (…) de relevação da informação coberta pelo segredo profissional, à luz da interpretação que o TEDH e o Comité de Ministros do Conselho da Europa têm feito do artigo 8º da CEDH[9] (…). Os “bens jurídicos” a que a lei se refere são os bens jurídicos tutelados pela lei penal Portuguesa, mas a quebra do sigilo profissional só é justificável se corresponder a um interesse social premente. (…)»

Portanto, nem todos os bens jurídicos tutelados pela lei penal justificam a quebra do sigilo profissional. O critério da necessidade da protecção dos bens jurídicos é ainda mais rigorosamente delimitado pelo critério da “gravidade do crime”. É aqui se reside o cerne do juízo de justificação feito pelo tribunal superior: na ponderação da gravidade do crime investigado em contrapeso com o prejuízo da intrusão na privacidade da pessoa obrigada ao segredo profissional. A gravidade dever ser aferida em abstracto e em concreto. Em abstracto, o conceito de “gravidade do crime” ou de “crime grave” deve ser condensado de acordo com a bitola fixada no artigo 187.º, nº 1, al.ª a)[10], isto é, considerando-se “crime grave” o crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos, atenta a similitude material entre a tutela do direito à privacidade pelo artigo 187º e a tutela do segredo profissional pelo artigo 135.º Ou seja, não deve o tribunal superior considerar justificada a quebra do segredo profissional nos casos de crime punível com pena de prisão até três anos. (…)

Isto não quer obviamente dizer que a revelação da informação sobre segredo profissional deva sempre ter lugar quando estiver em causa a investigação de crimes puníveis com pena superior a três anos de prisão. A ponderação da gravidade dos crimes puníveis com pena superior a três anos de prisão não é dispensável, pois a gravidade do crime deve ser aferida não apenas em abstracto, mas também em concreto, em face das concretas circunstâncias que envolveram a prática do crime. (…).»

É incontroverso que a quebra do segredo profissional, em favor do interesse da descoberta da verdade dos factos e da administração da justiça, tem carácter verdadeiramente excecional e, em nosso entender, só deve ser determinada por razões imperiosas, de outro modo inultrapassáveis, nomeadamente, estar a parte impedida de produzir a prova que lhe compete sem o depoimento da testemunha adstrita ao segredo profissional[11], ou, dito de outro modo, só é justificada a quebra «quando não haja meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade.[12]»

Tendo presentes as considerações que se deixam expendidas e baixando ao caso concreto:

Antes de mais, importa referir que não se determinou a audição da Ordem dos Advogados, como se estabelece no n.º 4 do artigo 135º do C. Processo Penal, atendendo a que o Sr. Advogado, Dr. BB juntou aos autos cópia da notificação que lhe foi dirigida pelo Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, de que foi proferido despacho de indeferimento do pedido de dispensa de sigilo profissional que, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 92º do EAO, formulou, tal audição se traduziria numa mera e desnecessária repetição e portanto, na prática de um ato inútil.

Por outro lado, a circunstância de não serem conhecidos nos autos, os fundamentos em que o órgão competente do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados se baseou para indeferir o pedido de dispensa de sigilo profissional apresentado pelo Dr. BB, ao abrigo do n.º 4 do artigo 92º do EAO e que constarão do despacho proferido que foi notificado ao Sr. Advogado que requereu aquela dispensa[13], não tem qualquer relevância para a apreciação da questão trazida à apreciação desta Relação, quer por que esse despacho recaiu sobre um pedido dirigido pelo Sr. Advogado ao Presidente daquele Conselho Distrital, de dispensa do sigilo profissional - seguindo o procedimento previsto no artigo 92º, n.º 4 do EOA e no Regulamento nº. 94/2006, de 12 de junho -, quer porque essa decisão é vinculativa apenas para o Sr. Advogado e não para este Tribunal. E por que assim é, o desconhecimento, no processo de onde foi extraído o presente traslado, dos fundamentos daquele despacho e, ressalvado o devido respeito por entendimento contrário, não pode servir para que o arguido, ora recorrente, possa invocar, como o faz, a inconstitucionalidade do artigo 135º, n.º 3, do CPP, na interpretação «de que pode ser decidido que o segredo profissional prevalece sobre o interesse da descoberta da verdade e da defesa do Arguido, sem que se conheça, mesmo de forma sumária, o interesse concreto subjacente à recusa do seu levantamento, por violação das garantias de defesa, tal como previstas no art. 32º, n.º 1, da C.R.P..»

__________________________________________________
[1] In Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição, Almedina, anotação 2 ao artigo 135º, pág. 494.

[2] Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Editora Rei dos Livro, 2008, pág. 961

[3] Cfr. Cons. Santos Cabral, in ob. cit., anotação 5 ao artigo 135º, pág. 499.

[4] E também no Regulamento nº. 94/2006, de 12 de junho (Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional da AO, pub. no DR IIª Série, de 25 de maio de 2006).

[5] Certo setor da jurisprudência considera ainda existir uma terceira situação que é a que decorre da desvinculação feita pelo próprio cliente, isto é, quando este autoriza a revelação do segredo– neste sentido, vide, entre outros, Ac. desta RE de 07/05/2019, proc. 248/12.5TAELV-B.E1 e Ac. da RC de 28/11/2018, proc. n.º 305/14.3T9LRA-A.C1, ambos acessíveis no endereço www.dgsi.pt e Paulo Pinto de Albuquerque –, não sendo este entendimento consensual, defendendo outro setor da jurisprudência e da doutrina, que do ponto de vista da desvinculação, o consentimento do cliente é irrelevante – neste sentido, vide, entre outros, Ac. da RP de 07/12/2018, proc. 430/14.0TAAMT.P1, também acessível no referenciado endereço –.

[6] Cf. referenciado Ac. da RC de 28/11/2018, proc. n.º 305/14.3T9LRA-A.C1,

[7] Idem.

[8] In Comentário do Código de Processo Penal …, 3ª edição, 2009, Universidade Católica Editora, anotações 8, 9 e 10 ao artigo 135º, páginas. 363 e 364.

[9] Normativo que têm por epigrafe, “Direito ao respeito pela vida privada e familiar” e que dispõe:

1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.

2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.

[10] Que se reporta à admissibilidade das escutas telefónicas.

[11] Cfr. Ac. da RL de 25/03/2014, proc. 602/08.7TBBNV-A.L1-7

[12] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit. anotação 11 ao artigo 135º, páginas 364 e 365.

Audição parlamentar da ministra da Justiça

Encontra-se aqui o vídeo da audição da ministra da Justiça na reunião em sessão conjunta da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e da Comissão de Economia e Finanças da Assembleia da República. Quanto ao texto inicial apresentado pela ministra, o mesmo está aqui. Foi nessa intervenção que a ministra anunciou a atribuição da presidência do grupo de trabalho incumbido da definição, a propor ao Governo, de uma estratégia contra a corupção. Nas suas palavras:

«O Governo identificou no seu Programa um amplo conjunto de medidas e tem em curso a promoção de uma estratégia nacional integrada, compreendo a prevenção e a repressão dos fenómenos corruptivos - robustecendo instrumentos jurídico-processuais já existentes e prosseguindo o processo de reforço dos recursos humanos e tecnológicos do Ministério Público e da Polícia Judiciaria. A definição das linhas dessa estratégia está a cargo de um grupo de trabalho liderado pela senhora professora Maria João Antunes, da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.»

Depoimento indirecto: validade sem confirmação

Por lei, o depoimento indirecto é admissível desde que seja confrontado com a fonte em que se baseia, o que obriga o tribunal ao dever de apurar a fonte de ciência para que o possa valorar. A excepção reside, nos termos da mesma lei, quando a pessoa a quem se ouviu dizer não puder ser inquirida, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada.

É o que dispõe o artigo 129º, n.º 1 do CPP: 

«Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.».

Ora no sentido da interpretação deste último requisito [«impossibilidade de serem encontradas»], o Acórdão da Relação de Guimarães de 17.12.2019 [proferido no processo n.º 602/16.3GBVVD.G1, relatora Ausenda Gonçalves, texto integral aqui] estatuiu:

«Para ser ultrapassada a proibição de valoração do conteúdo do testemunho indirecto, enunciada no comando do citado art. 129º, basta que a fonte da informação seja chamada ao processo - quer ela compareça em juízo quer se mostre impossível encontrá-la -, não impondo a lei que esse conteúdo venha a ser confirmado pela fonte material originária de onde provinha o conhecimento dos factos.»

Mas o cerne do entendimento plasmado é este excerto:

«Assim, a lei limita-se a impor que o tribunal diligencie no sentido de obter o depoimento da fonte, cessando a proibição de valoração inerente ao artigo 129.º do CPP com o chamamento a depor da fonte originária, mesmo que posteriormente a mesma se recuse legitimamente a depor, pois a valoração não depende do conteúdo do depoimento da mesma. Para ser ultrapassada a proibição de valoração enunciada nesse comando, basta que a fonte da informação seja chamada ao processo, quer ela compareça em juízo quer se mostre impossível encontrá-la para depor.»

Ou seja, e sendo claro, não estarei errado ao afirmar que onde a lei estatui restritivamente como excepção a impossibilidade de a testemunha-fonte ser encontrada, este acórdão basta-se com a mera notificação e não audiência, pois assumo que, assim interpretado, não fará sentido se não como lapso de formulação pela negativa o excerto «quer ela compareça em juízo».

Em abono do decidido o acórdão cita, para além de um estudo de Costa Pinto [Depoimento indirecto, legalidade da prova e direito de defesa” in Estudos e homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. III, Coimbra editora, 2010, págs. 1047-1048] outro da mesma Relação e secção, proferido no proceso n.º 3202/17.7T8GMR [relator por Cruz Bucho], segundo o qual:

«Como é sabido, na fase de transição que mediou entre a entrada em vigor da Constituição de 1976 e a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, os textos nacionais que estiveram na génese do novo regime apontavam genericamente para a proibição do testemunho de ouvir dizer [cfr. Parecer do Prof. Costa Andrade publicado na Colectânea de Jurisprudência (CJ), ano VI, 1981, tomo 1, págs 5-11, Figueiredo Dias, “Para uma reforma global do processo penal português”, in AAVV, Para uma nova justiça penal, Coimbra editora, 1983, págs. 207-209 e 219 e o parecer da Comissão Constitucional n.º 18/81 que esteve na base da resolução do Conselho da Revolução n.º 146/81, que declarou inconstitucional o artigo 439.º do CPP de 1929)]. A proscrição de testemunhos de outiva ou de ouvir dizer, na linha dos direitos de raiz anglo-saxónica que proibiam a “hearsey evidence”, não foi, porém, consagrada de forma absoluta.É hoje unânime o entendimento segundo o qual o Código português consagrou um regime de “admissibilidade condicionada” (cfr. Carlos Adérito Teixeira, “Depoimento Indirecto e Arguido”, in Revista do CEJ, n.º2, 1º semestre 2005, págs. 131-133, Paulo Dá Mesquita, A Prova do Crime e o que se disse antes do julgamento, Coimbra editora, 2011, pág. 520 e Costa Pinto, Depoimento indirecto, legalidade da prova e direito de defesa, cit., págs 1043 e ss). Na síntese de Dá Mesquita (A Prova do Crime e o que se disse antes do julgamento, cit., pág. 532):«O regime português do depoimento indirecto não compreende uma política preventiva que obste à admissão do ouvir dizer, o depoimento faz emergir os deveres procedimentais do tribunal (determinação da fonte e chamamento a depor da mesma) e as proibições não derivam do processo inferencial gerado pelo ouvir dizer, mas traduzem restrições por força do procedimento adoptado. Proibição irrestrita, no caso da fonte indeterminada e dependente do achamento a depor no caso da fonte determinada que não foi inquirida, admitindo-se excepções em que aquela não tem que ser chamada».

Convocando o tema à luz dos preceitos de salvaguarda dos direitos humanos, e louvando-se no aresto que citou em apoio ao que sufragou, acrescenta o decidido:

«A jurisprudência do TEDH admite a validade dos testemunhos de ouvir dizer desde que a ausência do testemunho directo esteja devidamente justificada (cfr. Sentenças do TEDH 19 de Dezembro de 1990, Delta c. França, § 37, de 19 de Fevereiro de 1991, Isgro c. Itália, § 35 ; de 26 de Abril de 1991, Asch c. Austria , § 28, de 28 de agosto de 1992, Artner c. Austria , §§ 22-24 e de 14 de Dezembro de 1999, A.M . c. Itália , § 25) e desde que a condenação não seja fundamentada (...) uniquement ou dans une mesure déterminante (...) sur des dépositions faites par une personne que l’accusé n’a pu interroger ou faire interroger ni au stade de l’instruction ni pendant les débats (CEDH 27 de Fevereiro de 2001, Lucà c Itália, § 40). Esta última regra dita “de la preuve unique ou déterminante » foi abandonada pelo Ac da Grande Câmara de 15-12-2011, n° 26766/05 et 22228/06, Al-Khawaja e Tahery v. Reino Unido (cfr. detalhadamente, Nicolas Hervieu, Admissibilité des preuves par ouï-dire et droit de contre-interrogatoire en matière pénale, in licithttp://combatsdroitshomme.blog.lemonde.fr), abandono reafirmado no Ac. Schatschaschwili c. Alemanha , n.º 9154/10, de 15 de Dezembro de 2015.».

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Este texto foi objecto de rectificações, incluindo o título, por ter havido lapsos na escrita que lhe desvirtuavam o sentido.

Despacho que converte multa em prisão: notificação postal simples

A eterna questão das notificações ao arguido, entre a celeridade, a economia financeira e a segurança jurídica. Eis a Relação de Coimbra a considerar, no seu acórdão de 15.01.2010 [proferido no processo n.º 43/14.7PFLRA-A.C1, relatora Alcina da Costa Ribeiro, texto integral aqui] que:

«A notificação da decisão que, ao abrigo do disposto no artigo 49.º, n.º 1, do CPP, converte a pena de multa em prisão subsidiária, pode ser efectuada via postal simples, para a residência escolhida pelo arguido quando da prestação do TIR».

Em causa estava um recurso do Ministério Público de despacho que indeferiu a notificação do arguido, via postal, com prova de depósito, do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária; o recorrente entendia que haveria lugar à notificação judicial simples para a morada declarada no termo de identidade e residência.

A decisão louva-se num raciocínio que, para efeitos da lógica de relativização das consequências do decidido, começa por qualificar o despacho em causa como não restritivo da liberdade do arguido, porquanto, porquanto como explicita: 

«[...] o despacho que converte a multa em prisão, nos termos do nº 1 do artigo 49º, do Código Penal, ainda não restringe a liberdade do arguido, pois entre o momento em que é decretada e o respectivo cumprimento, ainda o condenado pode evitar a privação da liberdade, pagando total ou parcialmente a multa.»

Para além disso, e em complemento argumentativo, o acórdão dá como assente a existência de um dever legal de manutenção de ligação à residência declarada em sede de TIR. Na expressão do aresto:

«O arguido prestou termo de identidade e residência, escolheu a morada para efeitos de notificação dos actos processuais, não tendo, como devia, indicado a alteração da morada.
Com a sentença condenatória em pena de multa, sabia o arguido que a sua relação com o Tribunal só terminaria com a extinção da pena.
Se, ao Estado cumpre diligenciar pela notificação do arguido, dando-lhe a conhecer o teor das decisões tomadas no processo-crime; ao condenado exige-se que tome as diligências adequadas para tornar efectivo esse conhecimento, com uma atitude simples e fácil, a de comunicar a alteração da morada que ele mesmo escolheu e indicou, para efeitos de notificação dos actos processuais. A facilidade do cumprimento deste dever, perante a importância dos fins que visa atingir, não o torna desproporcional ou ilegítimo.»

E, no sentido de enfrentar o tema da eventual inconstitucional de uma orientação como a que sufraga cita dois aresto do Tribunal Constitucional que decidiram sobre a valoração do desvalor das notificações por via postal simples: o Acórdão n.º 17/2010 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de fevereiro de 2010) e o Acórdão nº 109/2012 do mesmo Tribunal.

Enfim, dando conta que o tema é polémico na jurisprudência, a decisão cita:

«É conhecida a abundante jurisprudência suscitada sobre o regime de notificações das decisões condenatórias em processo penal, abordando questões várias, de entre as quais, se salienta, para o caso, a forma que devem revestir.
Especificamente sobre a questão da notificação da decisão que converte a multa em prisão subsidiária, a divergência surge entre os que defendem que aquela notificação deve ser efectuada por contacto pessoal (v.g. entre outros, Acórdão desta Relação de 9 de Maio de 2012, Processo nº 100/08.9GBMIR-A.C1 e de 25 de Junho de 2014, Processo nº 414/99.7TBCVL-B.C1; da Relação de Évora de 30 de Outubro de 2012, Processo nº 63/09.3 PAOLH.E1 e de 19 de Março de 2013, Processo nº 99/05 3PATVR-B.E1; da Relação de Lisboa de 14 de Fevereiro de 2018, Processo nº 210/15.6PESNT.L1-3 e de 19 de Fevereiro de 2019, Processo nº 124/14.7PTOER-A-.L1-5; da Relação do Porto de 18 de Maio de 2011, Processo nº 241/10.2PHMTS-A.P1 e 14 de Dezembro de 2011, Processo nº 344/09.6PBMTS-B.P1) e os que entendem a notificação pode ser por via postal (Acórdão desta Relação de 22 de Maio de 2013; da Relação do Porto de 30 de Junho de 2018, Processo nº 92/15.8GBOAZ-A.P1, de 12 de Setembro de 2018, documento nº RP20180912390/13.5GBOAZ-A.P1; de 31 de Outubro de 2018, Processo nº 665/14.6GBOAZ-A.P1, de 6 de Fevereiro de 2019, Processo nº 1630/15.1T9VFR.P1 e de 29 de Novembro de 2016, processo nº 1239/06.0PTPRT-A.P1; da Relação de Évora de 22 de Setembro de 2015, Processo nº 385/11. 3GGSTB-A.E1).»



Gabinete de Política Legislativa: termo de funções

Cessou hoje, com exoneração a meu pedido, a presidência do Gabinete de Política Legislativa da Ordem dos Advogados. Faço aqui referência não como excepção à regra a que me amarrei de não trazer para este espaço a minha actividade como advogado, sim por se ter tratado de missão pública, sendo, pois, relevante, a meu ver, dar notícia do facto.
O fruto desse triénio está divulgado no Portal da Ordem dos Advogados, faltando apenas a difusão do relatório respeitante ao ano antecedente.