Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Não justificação da difamação por formulação de juízos de valor

O Acórdão 40/07 do TC teve de decidir a seguinte questão, saber se seria «inconstitucional a determinação contida na norma do artigo 180.º do Código Penal aplicada como ratio decidendi no sentido defendido da inaplicabilidade das circunstâncias previstas como causa de exclusão da ilicitude no n.o 2 do artigo 180.º do Código Penal aos casos em que a ofensa à honra e consideração de terceiros decorram de juízos valorativos, e não de factos hoc sensu, ainda que tais juízos sejam acompanhados da referência ou menção desses mesmos factos, por ‘impossibilidade de preenchimento da condição da alínea b)’ (do n.o 2 do artigo 180.º do CP)».

Como se sabe, a causa de justificação no crime de difamação só ocorre quando alguém imputa factos e prove
que visava fim legítimo, prove a verdade do afirmado ou a convicção séria da verosimilhança e não se exceda face ao fim em vista. Tem sido este o entender uniforme da doutrina e a jurisprudência: a causa de exclusão da ilicitude referida no n.o 2 do artigo 180.o do Código Penal não se aplica a juízos de valor. Eis o que se sujeitou ao TC agora numa lógica de aferição da constitucionalidade material.
No caso estava em apreço o uso por jornalista da «expressão aldrabão (...) acompanhada da
descrição factual—a mentira ao Parlamento», em concreto «o aldrabão do governador civil de (...), usada num artigo de jornal.
A defesa quis a justificação do facto, pois que a formulação do dito juízo de (des) valor viera acompanhada da descrição de factos. E tentou que a norma nesta dimensão normativa concreta, fosse declarada materialmente desconforme à CRP.

Para que melhor se entenda, em causa o artigo 180º, n.os 1 e 2, do Código Penal:
«1—Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto ou formular sobre ela um juízo ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2—A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira».

Ora o TC, citando o acórdão recorrido, lembrou que «se a específica causa de justificação sobre que nos
debruçámos (a do artigo 180.º, n.o 2, do Código Penal) é inaplicável à formulação de juízos de valor ofensivos, por impossibilidade de preenchimento da condição da alínea b), tal não implica que a formulação de juízos de valor seja, em absoluto, insusceptível de justificação. No caso de formulação de juízos ofensivos, poder-se-ão aplicar, se for caso disso, as regras gerais contidas no artigo 31.o, designadamente a constante da alínea b) do n.o 2, tendo-se em especial atenção o princípio da ponderação de interesses».

Estatui o citado n.º 2 do artigo 31º do Código Penal que:
«1—O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.
2—Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
(...)
b) No exercício de um direito.»

E assim consignou o TC, em remate, que: «daqui decorre que a interpretação normativa adoptada pela
decisão recorrida não viola a exigência constitucional de que os direitos à liberdade de imprensa e à honra sejam conciliados através duma operação de harmonização proporcional, uma vez que não considera que o artigo 180.o, n.o 2, do Código Penal seja a única norma, no plano do direito infraconstitucional, convocável para julgar se os juízos de valor ofensivos da honra duma pessoa se possam traduzir no exercício do direito de liberdade de imprensa, tendo-se socorrido do disposto no artigo 31.o, n.o 2, alínea b), do Código Penal, para efectuar essa ponderação. Assim, tal como também concluiu o Acórdão n.o 201/2004, do Tribunal Constitucional (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 58, p. 965), o artigo 180.o, n.o 2, alínea b), do Código Penal, quando interpretado em termos de ele não abranger juízos de valor, mesmo que tais juízos sejam acompanhados da referência aos factos que lhe estão subjacentes, não viola qualquer princípio ou preceito constitucional, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente nesta parte».

Ou seja, porque justificável nos termos do artigo 31º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, a formuação de juízos
de valor, ao não estar prevista, como causa de justificação do facto, no n.º 2 do artigo 180º do mesmo diploma, não infringe a Constituição, pois «não viola a exigência constitucional de que os direitos à liberdade de imprensa e à honra sejam conciliados através duma operação de harmonização proporcional».

Faz sentido para quem se habitua à estranha lógica jurídica: o Direito prevê ali o que parecia negar aqui.

Processo penal, processo disciplinar: o jogo duplo

O artigo 5º da nova Lei 50/07, de 31 de Agosto, que estabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos susceptíveis de afectar a verdade, a lealdade e a correcção da competição e do seu resultado na actividade desportiva, consagra que: «o exercício da acção penal ou a aplicação de penas ou medidas de segurança pelos crimes previstos na presente lei não impedem, suspendem ou prejudicam o exercício do poder disciplinar ou a aplicação de sanções disciplinares nos termos dos regulamentos desportivos».
Trata-se da manifestação do que pode vir a ser uma injustiça grave. Julgo que a ideia consagrada sempre valeria nos termos gerais pelo que, o consagrá-la, é uma imprudência legislativa, pois transmite a ideia de que, se não houvesse lei expressa, a solução seria outra!
A punição disciplinar - quantas vezes acelerada - a que se siga um não provado, judicialmente decretado em processo penal, quanto aos factos que deram origem à procedimento por violação de regras de diciplina, não abre a porta a uma revisão da decisão punitiva. Disse-o o STA em vários acórdãos, em relação a funcionários demitidos por factos que, por serem possíveis crimes, a justiça penal considerou mais tarde serem inexistentes; funcionários e que, na ânsia de retomarem o emprego que lhes garantia a subsistência, tentaram em vão o recurso extraordinário de revisão disiciplinar.

Ainda diz a Constituição que as decisões dos tribunais prevalecem sobre as de todas as outras autoridades! Se
isto fosse assim, esta legislação estava mais do que fora de jogo, era um verdadeiro penalty!

As escutas e os jornais

É curioso o que está a surgir em torno da possibilidade de divulgação jornalística de escutas telefónicas. Sobretudo a falta de lógica nas críticas.
Sabe-se em que medida as escutas telefónicas são uma intromissão e uma devassa.
Sabe-se quantas vezes elas são uma habilidosa colagem do que interessa à acusação, uma selecção maldosa de partes de conversas enxovalhantes para os escutados.
Sabe-se em que medida o Tribunal Constitucional teve de intervir para se moralizar o sistema e que o apagar das escutas, fonte de todas as truncaturas e mãe de todas as caricaturas, não sucedesse sem que ao menos os escutados, ouvidos, pudessem opor-se a que se destruíssem as escutas que podiam defendê-los.
Sabe-se isso tudo.
Mas é curioso que os que sabem exacatamente isto, conhecem em que medida as escutas que estão nos processos enlameiam, enxovalham, devassam, ridicularizam, surpreendem o escutado à traição, apanham-no nos momentos em que a investigação quer, esses mesmos berram e gritam o «aqui d'El Rei» que há que permitir que a imprensa venda papel à conta desssa intrusão desleal na privacidade alheia.

Compreendo uns: querem que se perpetue o circo mediático, o boxe na lama em que se converteu a nossa
vida pública. Mas há outros que é melhor pararem um pouco para reflectirem: ou são juristas ou jornalistas! Tertium non datur!

Acesso ao Direito e aos Tribunais

A Lei n.º 47/07, de 27 de Agosto procede à primeira alteração à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais. Entra em vigor em 1 de Janeiro! Consulta-se, aqui.

PSP com nova orgânica

Órgão de Polícia Criminal, a PSP vê a sua Lei Orgânica modificada pela Lei n. º 53/07, de 31 de Agosto. Leia-se. Excepto um artigo, entra em vigor dentro de trinta dias.

Leis animalescas

Com incidências penais a Lei n.º 49/07, de 29 de Agosto procede à «primeira alteração aos Decretos-Leis n.os 312/2003, de 17 de Dezembro, e 313/2003, de 17 de Dezembro, e segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, que estabelecem o regime jurídico de detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos, de identificação e registo de caninos e felinos e de aplicação da Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia». Lê-se a partir daqui.

Lei do flair play desportivo

Outra Lei para entrar em vigor no dia 15 de Setemebro é a Lei n.º 50/07, de 31 de Agosto, vulgo lei da corrupção desportiva, mas tecnicamente uma lei que pretende estabelecer «um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos antidesportivos contrários à verdade, à lealdade e à correcção nas competições desportivas». Pode alcançar-se a partir daqui. Neste jogo que é a Justiça, tanta lei a entrar em vigor quinze dias depois da abertura dos tribunais é caso para ficar o Ministro off side.

Lei de Política Criminal

Foi publicada a Lei de Política Criminal, a 51/07, de 31 de Agosto. Também ela é para entrar em vigor em 15 de Setembro! Regressados das «férias», os que trabalham na Justiça, em vez de irem trabalhar vão estudar!
A Lei pode ser lida aqui.
Comentários serão feitos, logo que a tenhamos lido.

Fazer de juiz

A propósito de um escrito meu sobre o ser-se advogado, a Nicolina Cabrita, no seu interveniente blog, lembrou uma frase do bastonário Ângelo D'Almeida Ribeiro: «togas e becas "são feitas com o mesmo tecido"».
Obrigado Nicolina, por nos ter lembrado um grande homem, um excelente Advogado, um Digno Bastonário, o Dr. Ângelo Vidal d'Almeida Ribeiro.
Procurei-o tinha eu uns atrevidos 20 anos, porque queria escrever um artigo sobre a então chamada «assistência judiciária» para o «Comércio do Funchal», o jornalinho cor-de-rosa onde escrevíamos todos os que queríamos fugir à censura. É que o coronel censor madeirense era mais brando ou de compreensão mais lenta, nunca o soube. Andavam por lá, treinando-se na letra de imprensa, o Vicente Jorge Silva (ilustre director) o José António Saraiva, hoje director do Sol, o António José Saraiva, pai daquele, o Luís Manuel Angélica,sei lá quantos outros! Sugeriu-me o Dr. Almeida Ribeiro que procurasse o então Desembargador Hernâni de Lencastre, que visitei na sua casa na Avenida de Roma, o tempo mecessário para, respeitoso, não o maçar, o tempo suficiente para me encantar com a sua tranquilidade de alma, característica de quem é mesmo juiz e não se limita a fazer de juiz.
Sabia-o dado à escrita. Outro dia encontrei num alfarrabista um livro seu, de versos, com uma dedicatória carinhosa. Lembrei-me então, comovido, tal como hoje, dos dois, ambos falecidos, o juiz-poeta e o meu Bastonário.

Recursos em processo civil

Para entrar em vigor em 1 de Janeiro, a alteração de fundo ao sistema de recursos em processo civil, através do Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto. Consulta-se aqui.