Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




O Calinas

Legislador trapalhão, o das leis penais acaba de aumentar o caos com as rectificações aos Códigos que entretanto publicou. As editoras jurídicas lançaram no mercado edições do que julgavam ser a lei. Surgem agora, tardias, as modificações. Anda para aí gente com edições de códigos que julgam estarem correctos mas que lhes vão causar graves dissabores quando descobrirem a cruel verdade. Se um ou outro cidadão for «dentro» por causa de uma rectificação não faz mal. É a vida! Cada vez menos gente acredita nos jornais. Agora já nem no jornal oficial. Não fosse o «Diário da República» ser um jornal clandestino, pois nem nome de Director tem, exigia direito de resposta. Raro é o dia em que não sai ali uma prosa que me atinge directamente. Ainda por cima os redactores são fracos e os revisores péssimos! Ainda dizem mal do Calinas!

O atrevimento do PGR

Pinto Monteiro terá uma relação de veneração pelo senhor ministro da Justiça. Mas o senhor ministro da Justiça veio agora desapontá-lo, ridicularizando-o publicamente, ao dizer que ele estará equivocado ou «por desconhecimento» ou por «atrevimento» (sic) se pensa que o Governo não respeita a autonomia do Ministério Público. Durante muito tempo os magistrados do MP tentaram que o PGR tomasse as suas distâncias face ao poder político. Pinto Monteiro entrou numa pose de complacente contemporização. Agora, pode ser que aprenda como é o poder político: primeiro perderam-lhe o medo, agora perderam-lhe o respeito.

Avaria

Uma avaria no sistema informático, cortou-nos o acesso ao blogger. Retornando hoje, iremos repor o não publicado, pela ordem das datas em que foi escrito.

Desculpem qualquer coisinha

«Temos que viver com este código (...) O Ministério Público vai propor três ou quatro alterações legislativas. Não sei se serão possíveis». Eis o tímido discurso, a conformada atitude, as baixas expectativas do Procurador-Geral da República. Numa altura em que era preciso elevar a voz e exprimir, em nome dos seus magistrados, e já agora, em eco ao que o país jurídico pensa e sente, Pinto Monteiro fala assim. Um Director-Geral talvez fosse mais ousado. Volta Cunha Rodrigues, estás perdoado!

P. S. Um anónimo veio afixar um comentário a este post, e que ainda aí continua. Quem o ler que leia, já agora, o post por mim afixado no dia 25 de Novembro.

Lotta continua: ainda o artigo 30º

O decretar o carácter continuado de uma conduta não é obviamente uma obrigação sem que estejam reunidos os pressupostos da figura nisso incluindo o haver uma diminuição da culpa. Esta diminuição não é um efeito, sim um requisito, tem de estar verificada antes a enformar a reiteração. Eis, pois, a diferença. Em boa hora isso foi assinalado pelo STJ, chamando à atenção daqueles que possam ser tentados ao contrário. Di-lo o Acórdão do STJ de 8.11.2007 [proferido no processo n.º 3296/07-5, em que foi relator Simas Santos] e que o blog Grano Salis publica. Citemos o passo em causa:

«11 – Há crime continuado quando, através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente. 12 – O fundamento desta diminuição da culpa encontra-se na disposição exterior (ao agente) das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente. Na existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, «tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito».13 – Dos requisitos do crime continuado resulta também que, tratando-se de bens jurídicos pessoais, não se pode falar, como o exige o n.º 2 do art. 30.º citado, no mesmo bem jurídico, o que afasta então a continuação criminosa, salvo se for o mesmo ofendido. Foi este entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que o n.º 3 aditado ao art. 30.º do C. Penal pela Lei n.º 59/2007, quis integrar ao dispor: «o disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentes pessoais».14 – Pode dizer-se que seria então desnecessário tal aditamento, com o que se concorda. Mas o mesmo não permite a interpretação perversa que já foi apresentada de que daí resultaria a imperatividade do crime continuado quando nos vários crimes fosse sempre a mesma vítima. É que, como se viu, a matriz do crime continuado reside na diminuição considerável da culpa, por razões exógenas e só respeitada essa matriz é que se pode afirmar a ocorrência de crime continuado».

Agora o que não vale a pena iludir é que, ante o acrescento ao artigo 30º do Código Penal do controverso inciso respectivo, todos aqueles que entendiam que em caso de ataque a bens jurídicos eminentemente pessoais de uma mesma vítima não podia haver continuação criminosa, encontram hoje a lei a proibir tal entendimento defensivo da dignidade do ser humano cuja pessoalidade é reiteradamente violada pelo pertinaz agressor. E isso teria sido bom que tivesse sido dito, já agora.

P. S. O STJ ter tido necessidade de, a propósito de um crime patrimonial, como é a burla, fazer pedagogia jurisprudencial sobre a continuação criminosa em caso de crimes que ponham em causa bens jurídicos «eminentemente pessoais» é sintomático. Afinal, o problema existe e é sério. E os que clamaram contra o ter-se alterado a lei a este propósito que foram apodados de estarem a encontrar problemas onde tudo era calmo e pacífico. Fantástico!

Rectificandoque, Invenies Occultam Lapidem

Quando o Dr. Rui Pereira se encrespou com os que chamavam de revisão àquilo que ele afirmava ser uma reforma das leis penais, nem ele imaginava a sorte que esperava um trabalho feito com tanta pressa quanto o vagar com que foi publicado e a vertigem com que entrou em vigor.
Mas revisão por revisão, o que faltou a estas leis foram revisores. Eis mais uma:
«Declaração de Rectificação n.º 105/2007, de 9 de Novembro de 2007 / Assembleia da República. - Rectifica a Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, de 26 de Outubro, que rectifica a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que procede à 15.ª alteração e republica o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro. Diário da República. - S.1 n.216 (9 Novembro 2007), p.8234-8346».
Pobres leis, à mercê dos revisionistas e dos rectificadores.

Não está, estivesse

Mais simples não há do que a via postal simples para a lógica do não está estivesse: «I- A acusação, nos termos da lei de processo, foi notificada ao arguido, por via postal simples, na morada que indicara aquando prestou o Termo de Identidade e de Residência (TIR), ficando ele, neste acto informado sobre a forma e efeitos das ulteriores notificações realizadas para a morada indicada. II- Não releva, agora, a alegação do arguido, segundo a qual diz não ter sido notificado da acusação por forma a requerer, em tempo, a fase de instrução. III- Com efeito, o arguido só não terá tido conhecimento da acusação porque se ausentou da morada primitiva e não indicou ao Tribunal a nova residência; tal falta de cuidado, em desrespeito ao estabelecido na al. b) do n. 3 do artº 196º CPP, só a ele é imputável; a tanto é alheio o tribunal. IV- Assim, uma vez que a notificação da acusação ao arguido foi efectuada nos termos da lei, não padecendo de qualquer irregularidade nem carecendo de qualquer prova complementar, tal como decidido, é intempestivo o seu requerimento para abertura de instrução, na medida em que apresentado para além do prazo legal». É o Acórdão de 8 de Novembro de 2007, [proferido no processo n.º 8117/07, da 9ª Secção, relator Guilherme Castanheira].

O TGV judiciário

Através da Resolução do Conselho de Ministros nº 172/2007, de 6 de Novembro, a des-judicialização segue o seu caminho. Há quem veja nisso a vantagem de haver, enfim, uma justiça a tempo e horas para benefício dos cidadãos.
Ver assim a desjudicialização como a solução da alta velocidade processual é concluir pela falência dos tribunais: qual vagão J, passam a servir só mesmo para o que tiver de ser, de resto é o TGV judiciário.

Inquérito mais do que suficiente

«A omissão de diligências não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do MP», assim o definiu o Acórdão n.º 2514/07 [proferido em 24.10.07, pela 3ª Secção, relatora Teresa Féria] do Tribunal da Relação de Lisboa.
Quer isto dizer:
o inquérito não é insuficiente quando não reuniu o bastante para fundamentar a acusação que o MP diz nele estribada, o inquérito só é insuficiente quando o MP não faz aquilo a que a lei o obriga, sendo que as diligências verdadeiramente obrigatórias são muito poucas.
Leio isto e pergunto-me, seguramente por incompreensão, se uma acusação proferida por um MP que ouviu o queixoso e o denunciado e se dispensou de ouvir qualquer testemunha ou de reunir qualquer documento, ou mandar fazer qualquer exame, será de facto suficiente? Pelos vistos sim. Diga-se de passagem que já tive uma vez um caso em que de inquérito havia a capa dos autos, a denúncia e o despacho a ordenar ao queixoso que deduzisse acusação. Suscitei o problema da inexistência de inquérito. A Relação disse que eu não tinha razão. Inquérito havia, pois estava lá um «Aut. inq.» querendo dizer «autue como inquérito». Do que se tratava era, concluí eu então, daquilo a que as modernas matemáticas chamam um conjunto vazio, coisa que eu, que me fiqei pela aritmética e já nem a álgebra consegui entender muito bem, por via da minha fraca inteligência, não conseguia alcançar.

Pronúncia por remissão

Quando se lê que «da conjugação dos artºs 307º, n. 1 e 308º, n. 1 do CPP a fundamentação da decisão instrutória (de pronúncia) resulta claro que pode ser feita por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação» [Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão proferido em 25.10.07, no processo n.º 5954/07 9ª Secção, relator Almeida Cabral], bem se pode concluir que já estamos ante um progresso, pois não poucas decisões instrutórias quase nem explicação dão para o aceitarem tal e qual a acusação do MP posta em crise pela instrução, limitando-se a um «porém, da instrução não resultou alteração (etc.).
Claro que há o CPC que diz no seu artigo 158º que «1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição». Mas isso é só para o processo civil onde estão em causa valores pecuniários. Em matéria penal, a remissão judicial para a acusação chega e sobra como forma de dirimir o posto em causa pelo requerimento de instrução.