Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Responda quem souber

Numa conferência hoje organizada em Viseu pela Delegação da Ordem dos Advogados, uma colega perguntou-me como é que se compatibilizam os números 5 e 6 do artigo 58º do CPP. De facto, ele há coisas!

As medidas coactivas como pena antecipada!

Continuando algumas das reflexões em torno das medidas de coacção, eis o primeiro de cinco tópicos que propus para reflexão na Associação Jurídica de Setúbal:

«Primeiro tópico: (i) se o processo penal é a única forma pela qual o Direito Criminal se pode aplicar, impondo sanções penais (ii) este Direito punitivo só se aplica na sentença final, não em antecipações dos seus efeitos, por via processual, através das medidas coactivas.

Vale isto dizer, variadas coisas, todas em torno da impossibilidade de se aceitar a intolerável assimilação do final ao instrumental. Nota-se:

-» Primeiro, que as medidas de coacção não são penas, nem imposições punitivas, apesar de tantas vezes ouvirmos, em discurso murmurado, que o preso preventivo está afinal a «descontar» para a pena final pelo que, todos os que no processo intervêm dão por si a calcularem a pena esperada ante a prisão já sofrida, como se o cárcere preventivo fosse, afinal, uma espécie de sinal e princípio de pagamento para o que ao preso lhe caberá cumprir a final.

Ante isso, pergunto: quantas vezes a prisão definitiva não foi antecipada no juízo de quem a decretou e quem a sofreu através da prisão provisória, dita preventiva?

-» Segundo, que a presunção de inocência exige que o arguido não seja tratado como culpado, pelo que o sofrimento expiatório que garantirá a redenção deste, ou a sua ressocialização [escolha-se o campo de uma justiça personalística ou sociológica], não se pode impor àquele, fazendo-o iniciar mais cedo o processo purgativo, a sujeição a juízo já em estado de contrição.

Perante tal pergunto: quantas vezes não se julgaram pessoas diminuídas pela incerteza moral quanto à sua razão, convencidos afinal de que se formou já a sua culpa antes do veredicto final, todo o sistema orientado a que o relatório do IRS já absorva que, durante o processo e por causa dele, se potenciaram os factores de integração social dos julgados, as medidas coactivas a funcionarem já numa lógica difusa de prevenção especial?

-» Terceiro, que as medidas de coacção não visam dar resposta judicial a alarmes sociais, cumprindo uma função de prevenção geral que só às penas compete.

Face a isso, pergunto: quantas vezes tais alarmes sociais, que não passam frequentemente de alardes sociais induzidos pela propaganda de interesses e pela contra-informação mediática, não foram servidos por medidas coactivas que não fossem eles não tinham outra justificação numa lógica de ponderação meramente processual» [continua...]

A banalização do Direito Penal

A Associação Jurídica «Direito e Justiça» de Setúbal deu-nos a honra de convidar para participar num colóquio dedicado à justiça penal.
Não tomarão como sintoma de vaidade que arquive aqui alguns excertos do que sugeri como tema de reflexão para esse fim de tarde. Começando pelo que julgo sera a banlalização do Direito Penal.

«Banalizou-se [o Direito Penal], porque entrou a funcionar como instrumento de garantia da consecução das medidas políticas e de administração dos governos, ao estender-se à tutela dos réditos fiscais e da segurança social, à tutela da economia e do mercado, perdendo o seu carácter fragmentário para se tornar, diversamente, expansionista, apto a invadir a totalidade das relações sociais.
Banalizou-se de tal modo conscientemente esse Direito Penal que, já a uma larga zona de si se intitula como sendo o Direito Penal «secundário», como se aquilo que se diz ser a última razão, não tivesse de ser, em coerência de princípios, sempre um Direito primário, nunca um Direito secundarizado, com uma dogmática própria que só subsidiariamente faz apelo aos princípios reitores do Direito Penal comum, espraiando-se fora dos códigos, em legislação extravagante, como outrora as contravenções, agora em irmandade concursal com as contra-ordenações, figuras suas primas, às vezes mais prendadas e prometedoras de resultados.
Um dos sintomas dessa banalização é a perda de critério de referência. Quando se diz e já foi dito que os crimes aduaneiros são mais graves do que o tráfico de droga, pois colocam em crise os pilares das finanças do Estado, minando-lhe o sustentáculo económico do Governo, é não só porque se interiorizou uma lógica mercantilista e burguesa, para a qual os valores patrimoniais se sobrepõem aos pessoais, como se demonstra uma lógica de autoritarismo, segundo a qual pesa mais o interesse do Estado do que a valia da pessoa humana; mas sobretudo, fica a nu que a desregulação já conduziu à trivialidade argumentativa, o menos alçado a mais, o arbítrio a surgir da perda da tramontana normativa.
O Estado administrador torna os tribunais criminais cobradores de tributos sob a ameaça do cárcere, como os cobradores de fraque cobram dívidas sob a ameaça do escândalo! O Direito Penal ressente-se, instrumentalizado. A demonstração da falta de fundamento do sistema resulta quando, na mira de encaixes financeiros a curto prazo, se acena com a regularização tributária como forma de agraciamento pela suspensão provisória, esquecidos os grandiloquentes princípios pelos quais ontem se clamava pela punição exemplar dos relapsos. O Estado que foi buscar aos paióis as armas do Direito Penal para a guerra contra a evasão fiscal, espera que os generais da sua justiça assinem pactos de armistício em que se tratem mais dos negócios dos despojos do que dos fins últimos em nome dos quais se comprometeram exércitos regulares no que parecia ser uma guerra santa.
Não menor sintoma da banalização do Direito Penal é ele ter passado a funcionar numa lógica populista, em que a política criminal decorre da agenda mediática, em que as expectativas punitivas da comunidade e o próprio alarme social são induzidos pela propaganda da comunicação social, tantas vezes fábrica de vilões, essa crónica dos bons malandros, em que todo o sistema está condicionado. A existência de comentadores públicos de casos penais não torna a justiça perceptível a todos, torna-a incompreensível no que decida aos olhos de cada um, faz de cada espectador um possível juiz, quando não torna cada juiz num obrigatório espectador do que julgou e do que vai julgar, nivelando por baixo, num condicionamento mútuo em que os tribunais e os media entre si repartem o «share» da melhor audiência e do espectáculo de maior agrado.
Prender, neste contexto passou a ser uma manifestação de importância do caso, uma forma de concitar assim sobre ele a atenção comunitária, mesmo que ao limite não venha a haver outra prisão do que a preventiva. Eis onde estamos, com honrosas excepções [continua...]

O devido e o merecido

A despropósito de um post que aqui afixei, um anónimo veio plantar um excerto de um comunicado que o Dr. Marinho e Pinto teve a preocupação de difundir por toda a classe dos advogados, pondo em causa minha pessoa, forma obsessiva de tentar pôr em causa a minha candidatura ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados, no caso acusando-me de ter abandonado por três vezes cargos na Ordem para os quais fora eleito. «Abandonou» escreveu ele. Numa primeira arremetida, logo que inaugurou a sua candidatura, aquele Advogado tentara já, aliás, que ficasse em dúvida a minha seriedade pessoal. Está tudo no «site» onde expõe a sua propaganda.
Não é este blog o local onde eu deva dar conta do que se passa em matéria de eleições para a Ordem dos Advogados. Disse uma vez que não o usarei para tratar dos meus casos como Advogado, não o farei para as minhas causas como candidato.
Por isso, ao ter deixado ficar, sem receio, o anónimo e despropositado comentário, aqui fica a remissão para o blog da candidatura onde agora - nestas coisas não andamos a reboque da agenda mediática dos outros ! - se deu a resposta devida, talvez não a merecida.

O Calinas

Legislador trapalhão, o das leis penais acaba de aumentar o caos com as rectificações aos Códigos que entretanto publicou. As editoras jurídicas lançaram no mercado edições do que julgavam ser a lei. Surgem agora, tardias, as modificações. Anda para aí gente com edições de códigos que julgam estarem correctos mas que lhes vão causar graves dissabores quando descobrirem a cruel verdade. Se um ou outro cidadão for «dentro» por causa de uma rectificação não faz mal. É a vida! Cada vez menos gente acredita nos jornais. Agora já nem no jornal oficial. Não fosse o «Diário da República» ser um jornal clandestino, pois nem nome de Director tem, exigia direito de resposta. Raro é o dia em que não sai ali uma prosa que me atinge directamente. Ainda por cima os redactores são fracos e os revisores péssimos! Ainda dizem mal do Calinas!

O atrevimento do PGR

Pinto Monteiro terá uma relação de veneração pelo senhor ministro da Justiça. Mas o senhor ministro da Justiça veio agora desapontá-lo, ridicularizando-o publicamente, ao dizer que ele estará equivocado ou «por desconhecimento» ou por «atrevimento» (sic) se pensa que o Governo não respeita a autonomia do Ministério Público. Durante muito tempo os magistrados do MP tentaram que o PGR tomasse as suas distâncias face ao poder político. Pinto Monteiro entrou numa pose de complacente contemporização. Agora, pode ser que aprenda como é o poder político: primeiro perderam-lhe o medo, agora perderam-lhe o respeito.

Avaria

Uma avaria no sistema informático, cortou-nos o acesso ao blogger. Retornando hoje, iremos repor o não publicado, pela ordem das datas em que foi escrito.

Desculpem qualquer coisinha

«Temos que viver com este código (...) O Ministério Público vai propor três ou quatro alterações legislativas. Não sei se serão possíveis». Eis o tímido discurso, a conformada atitude, as baixas expectativas do Procurador-Geral da República. Numa altura em que era preciso elevar a voz e exprimir, em nome dos seus magistrados, e já agora, em eco ao que o país jurídico pensa e sente, Pinto Monteiro fala assim. Um Director-Geral talvez fosse mais ousado. Volta Cunha Rodrigues, estás perdoado!

P. S. Um anónimo veio afixar um comentário a este post, e que ainda aí continua. Quem o ler que leia, já agora, o post por mim afixado no dia 25 de Novembro.

Lotta continua: ainda o artigo 30º

O decretar o carácter continuado de uma conduta não é obviamente uma obrigação sem que estejam reunidos os pressupostos da figura nisso incluindo o haver uma diminuição da culpa. Esta diminuição não é um efeito, sim um requisito, tem de estar verificada antes a enformar a reiteração. Eis, pois, a diferença. Em boa hora isso foi assinalado pelo STJ, chamando à atenção daqueles que possam ser tentados ao contrário. Di-lo o Acórdão do STJ de 8.11.2007 [proferido no processo n.º 3296/07-5, em que foi relator Simas Santos] e que o blog Grano Salis publica. Citemos o passo em causa:

«11 – Há crime continuado quando, através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente. 12 – O fundamento desta diminuição da culpa encontra-se na disposição exterior (ao agente) das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente. Na existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, «tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito».13 – Dos requisitos do crime continuado resulta também que, tratando-se de bens jurídicos pessoais, não se pode falar, como o exige o n.º 2 do art. 30.º citado, no mesmo bem jurídico, o que afasta então a continuação criminosa, salvo se for o mesmo ofendido. Foi este entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que o n.º 3 aditado ao art. 30.º do C. Penal pela Lei n.º 59/2007, quis integrar ao dispor: «o disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentes pessoais».14 – Pode dizer-se que seria então desnecessário tal aditamento, com o que se concorda. Mas o mesmo não permite a interpretação perversa que já foi apresentada de que daí resultaria a imperatividade do crime continuado quando nos vários crimes fosse sempre a mesma vítima. É que, como se viu, a matriz do crime continuado reside na diminuição considerável da culpa, por razões exógenas e só respeitada essa matriz é que se pode afirmar a ocorrência de crime continuado».

Agora o que não vale a pena iludir é que, ante o acrescento ao artigo 30º do Código Penal do controverso inciso respectivo, todos aqueles que entendiam que em caso de ataque a bens jurídicos eminentemente pessoais de uma mesma vítima não podia haver continuação criminosa, encontram hoje a lei a proibir tal entendimento defensivo da dignidade do ser humano cuja pessoalidade é reiteradamente violada pelo pertinaz agressor. E isso teria sido bom que tivesse sido dito, já agora.

P. S. O STJ ter tido necessidade de, a propósito de um crime patrimonial, como é a burla, fazer pedagogia jurisprudencial sobre a continuação criminosa em caso de crimes que ponham em causa bens jurídicos «eminentemente pessoais» é sintomático. Afinal, o problema existe e é sério. E os que clamaram contra o ter-se alterado a lei a este propósito que foram apodados de estarem a encontrar problemas onde tudo era calmo e pacífico. Fantástico!

Rectificandoque, Invenies Occultam Lapidem

Quando o Dr. Rui Pereira se encrespou com os que chamavam de revisão àquilo que ele afirmava ser uma reforma das leis penais, nem ele imaginava a sorte que esperava um trabalho feito com tanta pressa quanto o vagar com que foi publicado e a vertigem com que entrou em vigor.
Mas revisão por revisão, o que faltou a estas leis foram revisores. Eis mais uma:
«Declaração de Rectificação n.º 105/2007, de 9 de Novembro de 2007 / Assembleia da República. - Rectifica a Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, de 26 de Outubro, que rectifica a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que procede à 15.ª alteração e republica o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro. Diário da República. - S.1 n.216 (9 Novembro 2007), p.8234-8346».
Pobres leis, à mercê dos revisionistas e dos rectificadores.