Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Polícia e direitos

Tema oportuno. A editora informa que: «A obra está estruturalmente dividida em duas partes. Na primeira parte constrói-se o conceito de polícia no seu sentido material e funcional, propondo o alargamento das atuações positivas de proteção de direitos fundamentais impostas jurídico-constitucionalmente a todos os poderes estaduais. E na segunda, demonstra-se a existência de um dever de protecção policial e identificam-se os três principais limites que condicionam e traçam o âmbito deste dever, nomeadamente o princípio da legalidade, o princípio da proibição do excesso e o princípio da proibição da insuficiência; e aborda-se ainda o conceito de direito subjetivo público e a discussão sobre a possibilidade de os particulares, perante a violação do dever de proteção policial de algum dos seus direitos, poderem invocar judicialmente tais pretensões».

O Mundo de Ontem


Deve um paroquiano abandonar um cortejo religioso para se deixar entrevistar sobre a sua profissão? Não deve, porque a comunhão com a Fé é incompatível com a profanação do verbo laico.
Deve um entrevistado, ainda que conheça o entrevistador, deixar-se tratar por «tu» e por «Carlos»? Não deve, porque há intimidades que supõem facilidades.
Deve um juiz, conhecido nacionalmente, incorporado num cortejo religioso, abandoná-lo e deixar-se entrevistar por alguém que o trata por «tu» e lhe chama «Carlos». Não pode porque há deveres de cargo que exigem o respeito do trato.
Deve um juiz referir-se ambiguamente, em tais preparos, ao que lhe terá sido dito em acto processual, por mais torpe que tenha sido o dito, mais insidioso, mais a tresandar a aliciamento ou a ameaça, seja a frase «onde o dinheiro fala,a verdade cala?». Não sabia que era possível.
Deve um tal juiz aproveitar o ensejo da entrevista, que se alonga, para dar público conhecimento de que não pertence a qualquer "congregação" ou "obediência"? Não convém porque há quem repare que omitiu "obra".
Devo eu, telespectador acidental, assistir a isto ontem e ainda hoje e não me sentir estranho, velho, ultrapassado, resquício de um mundo que já foi? Completamente impossível.
Uma ideia ficou, comentada no come-em-pé onde almoçava e o ouvia pela enésima vez: eis um homem de coragem, que diz as verdades, que está ameaçado pelo poder do dinheiro!
Dever um juiz dizer isto, assim, neste lugar, por esta forma e com estas referências, já está na base do «queremos lá saber».
Saí, esclarecido com o mundo que temos, isolado quanto ao mundo que supunha devermos ter, para vir aqui dizer isto.
Como dizia a minha Mãe quando eu era miúdo "pisco" e implicativo às refeições: «cala-te José António e come!». E acrescentava para que eu aprendesse uma moral que vejo hoje ser uma lição contemporânea de vida: «o que tu pesquinhas há muito quem queira!».

Enriquecimento ilícito: já leu mesmo o que o TC decidiu?

Foto DN 

Evito comentar questões jurídicas tal como são apresentadas na imprensa, não por desrespeito para com esta, mas porque, compreendo o seu estilo, sinto que se corre o risco de imprecisão. E faz-me impressão que espaços de reflexão jurídica vão atrás do modo como as questões são suscitadas nos media, sem mais. É que há meandros que passam despercebidos na hipnose do mainstream. O Acórdão do Tribunal Constitucional sobre o enriquecimento ilícito está publicado aqui. Vale a pena lê-lo na fonte. Porque é exemplar disto mesmo.
Primeiro para alcançar, enfim, os fundamentos do pedido de fiscalização preventiva do diploma, formulado pelo Presidente da República, o qual não se dignou tornar tempestivamente pública a razão pela qual, em matéria de tal sensibilidade, havia solicitado a intervenção do TC.
Segundo, para poder acompanhar a exposição de Direito Internacional e de Direito Comparado que no aresto se efectua, a qual, se leva a concluir que se é verdade que no espaço europeu tal tipo incriminador é minoritário, não deixa de consignar que artigo 321-6 do Código Penal Francês, introduzido pela Lei n.º 2006-64, de 23 de Janeiro de 2006 prevê a «não justificação de rendimentos» pela seguinte forma: “Le fait de ne pouvoir justifier de ressources correspondant à son train de vie ou de ne pas pouvoir justifier de l’origine d’un bien détenu, tout étant en relations habituelles avec une ou plusieurs personnes quis soit se livrent à la commission de crimes ou de délits punis d’au moins cinq ans d’emprisonnement et procurant à celles-ci un profit direct ou indirect, soit sont les victimes d’une de ces infractions, est puni d’une peine de trois ans d’emprisonnement et de 75 000 d’amende.”
Terceiro, para poder levar em linha de conta que no plano fiscal são relevados contra o contribuinte os acréscimos patrimoniais não justificados.
Quarto, para ter consciência do que é que afinal foi o tema decidido pelo Palácio Ratton, primacialmente sobre a indeterminação do tipo incriminador, concorrentemente sobre a questão da violação do princípio da presunção de inocência e do modo como a segunda questão foi postergada em favor da primeira. Mais: do modo como a segunda questão - que foi a que gerou ampla polémica pública - acabou por ser desconsiderada e aberto o caminho à sua relativização. Ou seja, os que se congratulam com a vitória do princípio, não alcançaram a profunda derrota sofrida. Expressa nas entrelinhas, como é do estilo.

Quanto ao primeiro tema, recordando os termos em que lhe foi colocada a questão diz o Acórdão: «No seu pedido, o requerente invoca que o regime aprovado pela Assembleia da República viola o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição, considerando que “podem ser encontradas outras formas de, protegendo os mesmos bens jurídicos, salvaguardar princípios constitucionais fundamentais, ademais quando aplicável a todas as pessoas” e que “na formulação adotada pelo Decreto, tanto mais que não são claros os bens jurídicos a proteger pela norma e pela respectiva incriminação”, sendo sempre que “tal indeterminação coloca em crise não só o juízo de proporcionalidade como a própria possibilidade concreta de definição do tipo legal”». Ante isso o aresto considera que «nesta ordem de ideias e atento o pedido ‘sub judicio’, cumpre começar por perspectivar, a título prévio, se as normas sindicandas cumprem o desiderato básico de assegurar a tutela de bens jurídicos e se, em caso de resposta positiva, ultrapassam o teste específico da necessidade». E eis o que o TC acompanha quando estatui: «se a finalidade é punir, através da nova incriminação, crimes anteriormente praticados e não esclarecidos processualmente, geradores do enriquecimento ilícito, então não há um bem jurídico claramente definido, o que acarreta necessariamente a inconstitucionalidade da norma».
Quanto à segunda questão, de acordo com o decidido «o tipo legal de crime, tal como se encontra configurado, não passa indemne ao princípio da presunção de inocência», pois que «a formulação do tipo não impede o entendimento de que verificada a incongruência entre o património e o rendimento, ela é qualificada de enriquecimento ilícito sem ser feita a demonstração positiva da ausência de toda e qualquer causa lícita.Tenha-se presente, aliás, que sendo o elenco de causas lícitas aberto e potencialmente inesgotável, sempre se poderia entender que a exigência de demonstração positiva da sua ausência afectaria quase irremediavelmente a operacionalidade do tipo. Assim lidas as normas incriminadoras, está-se a presumir a origem ilícita da incompatibilidade e a imputar ao agente um crime de enriquecimento ilícito, o que redunda em manifesta violação do princípio da presunção de inocência, determinando, portanto, a inconstitucionalidade das normas em causa.»
Debalde previa, assim, o artigo 10º do decreto inconstitucionalizdo que: «Compete ao Ministério Público, nos termos do Código do Processo Penal, fazer a prova de todos os elementos do crime de enriquecimento ilícito». É que sobre essa norma, em função da qual a violação da regra da presunção poderia ser, afinal, aferida, considerou o Acórdão do TC: «Por último, resta uma sucinta referência à norma constante do “artigo 10.º”, tendo em atenção a questão suscitada pelo requerente. Ora, o tratamento autónomo de tal questão carece de qualquer razão útil, estando, por isso, manifestamente prejudicado pela solução a que se chegou.». Ou seja, a violação da presunção de inocência foi encontrada na formulação dos tipos, não na regra de processo. O que quer dizer que, assim haja tipos penais formulados com concisão, assim o TC viabilizará a inversão do ónus da prova por não estar então em causa a presunção de inocência. 
Isto porque os Conselheiros subscritores do Acórdão, considerando «não ser fácil determinar o sentido do princípio da presunção de inocência» - e em abono de tal constatação citam Vital Moreira e Gomes Canotilho - louvam-se em Fernanda Palma para afirmarem deve ter-se por certo que a sua concretização há de levar em conta o ambiente axiológico específico deste terreno dogmático e a particular estrutura de onde o mesmo desponta».
Ora é por se tratar de um princípio que não é fundamental se não ante o ambiente em que se suscite, uma regra constitucional que não é absoluta mas relativa, que a presunção da inocência foi chamada à colação, com a particularidade de não ter sido sequer definida decisão sobre a sua pertinência ao caso, bem antes pelo contrário, afastado o seu relevo pelo princípio da preclusão.
O que só pode trazer mau augúrio no bojo.

+

Eis as normas que foram sujeitas ao juízo de conformidade constitucional:

Artigo 1.º [27.ª alteração ao Código Penal]

1 - É aditado à secção II do capítulo I do título V do livro II do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, e alterado pela Lei n.º 6/84, de 11 de maio, pelos Decretos-Leis n.ºs 101-A/88, de 26 de março, 132/93, de 23 de abril, e 48/95, de 15 de março, pelas Leis n.ºs 90/97, de 30 de julho, 65/98, de 2 de setembro, 7/2000, de 27 de maio, 77/2001, de 13 de julho, 97/2001, 98/2001, 99/2001 e 100/2001, de 25 de agosto, e 108/2001, de 28 de novembro, pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pelas Leis n.ºs 52/2003, de 22 de agosto, e 100/2003, de 15 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, e pelas Leis n.ºs 11/2004, de 27 de março, 31/2004, de 22 de julho, 5/2006, de 23 de fevereiro, 16/2007, de 17 de abril, 59/2007, de 4 de setembro, 61/2008, de 31 de outubro, 32/2010, de 2 de setembro, e 40/2010, de 3 de setembro, o artigo 335.º-A, com a seguinte redação:

“Artigo 335.º-A [Enriquecimento ilícito]

1 - Quem por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão até três anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada.
4 -Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível.
5 - Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”

2 -A secção VI do capítulo IV do título V do livro II do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, e alterado pela Lei n.º 6/84, de 11 de maio, pelos Decretos-Leis n.ºs 101-A/88, de 26 de março, 132/93, de 23 de abril, e 48/95, de 15 de março, pelas Leis n.ºs 90/97, de 30 de julho, 65/98, de 2 de setembro, 7/2000, de 27 de maio, 77/2001, de 13 de julho, 97/2001, 98/2001, 99/2001 e 100/2001, de 25 de agosto, e 108/2001, de 28 de novembro, pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pelas Leis n.ºs 52/2003, de 22 de agosto, e 100/2003, de 15 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, e pelas Leis n.ºs 11/2004, de 27 de março, 31/2004, de 22 de julho, 5/2006, de 23 de fevereiro, 16/2007, de 17 de abril, 59/2007, de 4 de setembro, 61/2008, de 31 de outubro, 32/2010, de 2 de setembro, e 40/2010, de 3 de setembro, passa a denominar-se “Enriquecimento ilícito por funcionário”, sendo composta pelo artigo 386.º, que passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 386.º [Enriquecimento ilícito por funcionário]

1 - O funcionário que, durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada, designadamente os constantes em declaração de património e rendimentos.
4 - Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível.
5 - Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é punido com pena de prisão de um a oito anos.”

3 -A atual secção VI do capítulo IV do título V do livro II do Código Penal passa a ser a secção VII, sendo composta pelo atual artigo 386.º, que passa a ser o artigo 387.º.

(...)

Artigo 2.º [Quinta alteração à Lei n.º 34/87, de 16 de julho]

É aditado à Lei n.º 34/87, de 16 de julho, alterada pelas Leis n.ºs 108/2001, de 28 de novembro, 30/2008, de 10 de julho, 41/2010, de 3 de setembro, e 4/2011, de 16 de fevereiro, o artigo 27.º-A, com a seguinte redação:

“Artigo 27.º-A

Enriquecimento ilícito

1 - O titular de cargo político ou de alto cargo público que durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada, designadamente os constantes em declaração de património e rendimentos.
4 - Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível.
5 - Se o valor da incompatibilidade referida no n.º 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”

(...)

Artigo 10.º

Prova

Compete ao Ministério Público, nos termos do Código do Processo Penal, fazer a prova de todos os elementos do crime de enriquecimento ilícito».

Gente que conta e quer contar...


Fotografia © Paulo Spranger- Global Imagens

Soube por aqui que o Presidente do STJ deu uma entrevista ao programa "Gente Que Conta". Em que fala de temas gerais da Justiça e também da sua intervenção num processo concreto em que estava envolvido o anterior primeiro-ministro. O célebre caso das "escutas".
Confesso que não tenho certezas quanto ao que pensar sobre a  compatibilização entre o dever de reserva e a necessidade de intervenção pública de um Presidente de um Tribunal Superior, nomeadamente do STJ.
Admito que o Presidente do Conselho Superior da Magistratura possa proferir declarações públicas sobre assuntos que tenham a ver com questões gerais que se coloquem em relação ao órgão a que presida. Mas o Presidente de um Tribunal? E sobre um processo concreto, ainda que envolva um antigo primeiro-ministro, mesmo que se trate do decantado tema das escutas em que o mesmo surge em embaraços?
Talvez seja conservadorismo. Mas há algo em mim a repelir a circunstância. Acho que o protagonismo é antagónico com a função judicial. Quem quer ter palco abrace outra profissão pública. Quem quer ter intervenção na mudança do mundo vá para a política. O mundo judiciário tem de ser um universo de contenção regrada, de palavras prudentemente medidas, de silêncios eloquentes e parcimónias inteligentes. 
Que o Procurador-Geral tenha voz e fale sobre o geral, o particular e o concreto, ainda se poderá dizer que resulta daquela ambiguidade congénita do estatuto que torna o Ministério Público um advogado sem paixão e um juiz sem jurisdição. Mesmo assim, confesso que por vezes atinjo a perplexidade ante o que ouço. Agora que o mais alto magistrado judicial venha a público como já veio comentar até quem deveria estar ou não preso, como já o fez, reportando-se a processos de outros, ou se ele deveria ou não ter tentado que fossem destruídas as escutas que envolviam José Sócrates, decididamente não! Nem o cargo o autoriza nem a Justiça o reclama.
Por estarem na judicatura muitos que deveriam estar na política é que os políticos, julgando-os seus iguais e concorrentes, se permitem falar na judicialização da política.

Japão restabelece a pena de morte

«O Japão voltou a aplicar a pena de morte, foram enforcadas três pessoas que tinham sido condenadas por homicídio. As execuções põem fim à moratória à pena capital imposta pelo governo japonês há um ano e meio. Acontecem na mesma semana em que Tóquio recebeu elogios da Amnistia Internacional justamente por manter a suspensão. Tudo levava a crer que o país se encaminhava para a abolição, mas afinal aconteceu o contrário», informa-se aqui.

É um tema tremendo a pena de morte. À ferocidade da pena contrapõem uns a ferocidade do crime. À dignidade da vida humana respondem que nem seres humanos se podem considerar. É um debate de selvajarias. Posta a questão no leilão das sondagens e nas conversas de café há quem a queira mas com tortura e requintes. 
Os abolicionistas em momentos de angústia social estão numa trincheira difícil. Um único argumento convence todos, paradoxalmente em desabono da Justiça: a pena de morte torna o erro judiciário irreparável.

Novos tribunais e a analogia do melão

Alguém terá a gentileza de me explicar porque é que se criou um tribunal com competência especializada para a propriedade intelectual e para a concorrência? Está aqui a lei. Porque é que os intrincados casos que têm a ver com o mercado de valores mobiliários, com a vida financeira e bancária, com a sofisticação de conhecimentos que existem continuam a ser julgados pelas instâncias comuns e se gerou agora esta especialidade privativa?
Se eu disser que já ouvi, com estes ouvidos que a Terra haverá de comer, um senhor magistrado, não interessa qual nem quando nem onde, virar-se para o arguido e dizer-lhe «o senhor a mim não me engana com essa do descoberto em conta ser uma forma de o banco conceder crédito autorizado ao cliente, porque esse dinheiro que os senhores dão a esses clientes vão mas é roubá-lo a pessoas como eu que têm as contas com saldos positivos!» talvez ilustre bem a ideia de que se torna necessário ter tribunais que saibam com rigor o que estão a julgar o que - vamos à verdade mesmo quando dói - nem sempre sucede. No caso que relato como se não bastasse a frase proferida a coberto da autoridade da beca para infundir o terror que se sente ante a ignorância de quem tem o poder, acrescentou o seu autor: «porque eu o que quero saber é daquilo com que se compram os melões». Estava definido o tema e o critério.
Por isso, para que eu não fique com o grande melão de não entender nada do que se passa, tenham a caridade de me informar, sabendo.
Já agora: porque é que o recurso das coimas, que podem atingir milhões, são julgados na pequena instância criminal, o antigo «tribunal de polícia», ao lado dos condutores sem carta, zaragatas com as autoridades, dos sumários dos avinhados nocturnos e coisas de igual teor?

As custas e a "troika"

É a quarta alteração à Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, que regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades. Trata-se da Portaria n.º 82/2012, cujo texto integral vem publicado aqui.
A demonstração de que foi preciso vir a tutela governativa estrangeira para se introduzirem factores de racionalização financeira na Justiça demonstra-o o preâmbulo do diploma [que a contragosto cito estando em desacordo como o Acordo Ortográfico]: «No âmbito do Memorando de Entendimento celebrado com o Banco Central Europeu, com a Comissão Europeia e com o Fundo Monetário Internacional, tendo em vista o programa de assistência financeira à República Portuguesa, o Estado Português assumiu, entre outras, um conjunto de obrigações relacionadas com o regime das custas judiciais, das quais se destaca: a imposição de custas e sanções adicionais aos devedores não cooperantes
nos processos executivos; a introdução de uma estrutura de custas judiciais extraordinárias para litígios prolongados desencadeados pelas partes litigantes sem justificação manifesta; a padronização das custas judiciais; e a introdução de custas judiciais especiais para determinadas categorias de processos e procedimentos com o objetivo de aumentar as receitas e desincentivar a litigância de má -fé».
Explicando do que se trata agora explicita o mesmo preâmbulo: «Torna -se agora necessário alterar a portaria que regulamenta o Regulamento das Custas Processuais, de modo a compatibilizá -la com as inovações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro. A maioria das alterações agora introduzidas decorre de duas situações: o facto de a conta deixar de ser feita de modo contínuo durante todo o processo, sendo efetuada apenas no final do processo, e o facto de, como já referido, ter sido revogado o mecanismo de conversão da taxa de justiça em pagamento de encargos previsto no artigo 22.º
do Regime das Custas Processuais. Trata -se de alterações que simplificam consideravelmente o trabalho das secretarias judiciais, permitindo libertar os funcionários judiciais para outras tarefas.Para além destas alterações, a presente portaria prevê ainda o meio de pagamento da taxa de justiça nas injunções europeias (situação que implica uma solução especial uma vez que são pagamentos que muitas vezes devem ser
feitos à partir do estrangeiro) bem como um conjunto de alterações que ou se destinam a assegurar a sustentabilidade do sistema de justiça ou se trata de ajustamentos que corrigem remissões ou revogam artigos cuja matéria foi entretanto inserida no próprio Regulamento das Custas Processuais».


Impugnando o inimpugnável

Por entender que o crime em causa era outro que não aquele sobre o qual o Ministério Público e o juiz de instrução se haviam entendido concordando com uma dispensa de pena, o assistente veio requerer a abertura de instrução. Foi-lhe rejeitada porque o Tribunal da Relação de Évora no seu Acórdão de 27.03.12 [relator Sénio Alves, texto integral aqui] decidiu que «contra a decisão de arquivamento do processo ao abrigo do disposto no artigo 280º, nº 1 do CPP não pode o assistente reagir através do pedido de abertura de instrução».
Fundamentando justificou explanando que: «Como claramente resulta do artº 286º, nº 1 do CPP, a instrução visa a comprovação judicial de deduzir a acusação ou de arquivar o inquérito. A decisão (de acusar ou arquivar) aqui referida só pode ser a proferida pelo MºPº, titular do inquérito. Não parece sensato defender-se que pode haver comprovação judicial de uma decisão… judicial de arquivar o processo! Mais: o juiz de instrução já comprovou judicialmente a decisão de arquivamento tomada pelo MºPº: fê-lo ao dar a sua concordância, nos termos do artº 280º, nº 1 do CPP, examinando os autos e verificando a existência dos pressupostos e requisitos legais».
É que, segundo o mesmo Tribunal: «Dispõe-se no artº 280º, nº 1 do CPP que “se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa”. E, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, “a decisão de arquivamento, em conformidade com o disposto nos números anteriores, não é susceptível de impugnação” sendo certo que, como opina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 123, “o não ser susceptível de impugnação parece significar que a decisão de arquivamento não admite nem recurso nem comprovação pela instrução”».
Curioso é que ante uma lei que veda uma impugnação e ante uma situação que parece exigi-la - e cuja conformidade constitucionalidade tem sido aceite - a Relação de Évora conclua - citando o mesmo professor - que a via de ataque à mesma é a...impugnação por recurso. 

P. S: Um só reparo: no sumário o tema surge indicado por referência a vários descritores, um deles, o de «inquérito preliminar». Já houve.

UC's e UCP's

Quando da discussão do projecto de que saiu o Código de Processo Penal houve a ideia de acabar com as referências monetárias por causa da inflação que as desactualizava. Logo surgiu o conceito de unidade de conta. Dada a matéria houve quem sugerisse a nomenclatura «unidade de conta processual». Só que, abreviado, a sigla daria UCP e isso faria lembrar as unidades colectivas de produção dos tempos do PREC [na altura não havia confusão possível com Universidade Católica Portuguesa]. 
E como UCP podia dar origem a equívocos políticos um cidadão ser condenado a não si quantas UCP's, daí que tenha ficado UC. 
O site dos Oficiais de Justiça tem um instrumento que demonstra como se calculam. Está aqui. Para 2012 são 102,000 €

Emotiva motivação

Racionalidade pura, despido de sensações, privado de sentimentos, olhos vendados e coração empedernido? Que se passa com as emoções no Direito? No seu desenho, na sua aplicação? Pode haver lágrimas que a fundamentação de uma sentença esconda, que uma acusação omita? São só as defesas que clamam o grito da indignação, o clamor pela piedade? 
Eis em forma estudo o problema em si, aqui.