Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Notícias à semana!


-» UE/Comissão/proposta sobre regras relativas à privacidade e protecção de dados: no que se refere às comunicações electrónicas a Comissão da UE acaba de divulgar uma proposta de texto para discussão. O seu teor pode ser lido aqui, num resumo e lido na íntegra aqui.

-» EUA/FINRA/carta de 2017: o organismo privado FINRA [ver aqui] que nos Estados Unidos da América visa assegurar a protecção do investidor e a integridade do mercado, divulgou um relatório [ver aqui] sobre as suas prioridades de acção, que funciona simultânea como um alerta proactiva relativamente às companhias e respectivos organismos de compliance.

-» AR/diplomas aprovados: são estes os últimos decretos aprovados pela Assembleia da República [quanto aos que se encontram pendentes em Comissão, ver aqui]:

Decreto da Assembleia 60/XIII XIII 2 Estabelece o regime de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto das Conservatórias do Registo Civil, alterando o Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, e o Código do Registo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de junho
Decreto da Assembleia 59/XIII XIII 2 Estabelece o regime jurídico da realização de testes, exames médicos e outros meios apropriados aos trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional, com vista à deteção do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e do consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas e de produtos análogos e procede à primeira alteração ao Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 3/2014, de 9 de janeiro

-» Acórdão do TC/poderes da CMVM: o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 360/2016, de 08.06.2016 [relatora Ana Guerra Martins, texto integral publicado agora na folha oficial aqui quando já está no site do TC há longo tempo aqui], decidiu: «a) julgar não inconstitucional a interpretação normativa retirada dos artigos 383.º a 386.º do CVM, com o sentido de permitir "que, obtido o conhecimento de factos suscetíveis de ser qualificados como crimes contra o mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros, sem que para tal esteja mandatada pelo Ministério Público, a CMVM possa instaurar e promover um processo de averiguações para apurar a possível existência, da notícia de um crime, sem qualquer limitação temporal, e à revelia de um processo formalmente organizado";
b) julgar não inconstitucional a interpretação normativa retirada dos artigos 116.º e 120.º do RGICSF, 361.º do CVM, 41.º e 54.º do RGCO, e 126.º e 261.º do CPP, com o sentido de que, "após notícia do ilícito, os Reguladores podem intimar os supervisionados visados a fornecer documentação, sob cominação de sanção por incumprimento do dever de colaboração, fora do quadro de um processo sancionatório formalmente organizado, podendo essa documentação assim obtida, ser utilizada como prova contra o visado/Arguido e/ou outros, em processos sancionatórios futuros"»

-» Autoridade da Concorrência/prioridades: a Autoridade da Concorrência divulgou o relatório onde consigna as suas prioridades para 2017. Ver aqui. «A AdC irá promover o combate aos cartéis, independentemente do tipo ou forma concretos de acordo, do mercado em causa ou da dimensão das empresas, dando particular atenção a situações de concertação na contratação pública, mas também a acordos que afetem de forma mais direta e imediata os consumidores finais», é uma das afirmações dessa relatório.

-» DGSP/site: o site continua em reestruturação [ver aqui]. À atenção de quem de Direito!

-» Banco de Portugal/BO/Código de conduta: o Boletim Oficial do Banco de Portugal correspondente ao mês de Dezembro de 2016 publica o Código de Conduta dos seus trabalhadores. Ver aqui.

-» Acórdão do TRG/carta rogatória/prova documental: o Acórdão da Relação de Guimarães de 21.12.2016 [relatora Ausenda Gonçalves, texto integral aqui] ao apreciar se o produto de uma carta rogatória integraria o conceito de prova documental decidiu: « I- No caso vertente, na fase de julgamento, foi determinada a inquirição de testemunhas (residentes na Suíça), através de cartas rogatórias, as quais, constituindo modalidade de comunicação entre vários países, corporizam a prática de actos realizados no estrangeiro [art. 111º, 3, alínea b), do CPP], cuja legalidade resulta do conjunto dos arts. 229º, 230º e 318º, do CPP. II - Ainda que um documento incluído num processo seja uma prova de cujo conteúdo as partes têm conhecimento e que se considera produzida em audiência e submetida ao contraditório sem necessidade de ser lida para valer em julgamento, neste caso, as mencionadas cartas rogatórias, para o efeito que ora nos ocupa, não podem ser adquiridas como “documento”, no sentido de um «objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto» (art. 362º do CC), ou «declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal» (art. 164º, nº 1, do CPP), antes encerram depoimentos testemunhais que, como quaisquer outras provas, nos termos do art. 355º do CPP, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, se não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvadas as provas contidas em actos do processo cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos 356º e 357º do CPP. »

Citando jurisprudência oriunda do Tribunal da Relação de Lisboa e para fundamentar o decidido, o aresto considerou: «( Para destrinçar os conceitos processuais de documento e de auto (art. 99.º do CPP), «deve partir-se da ideia de que o objecto representado pelo documento é um acto realizado fora do processo ao qual ele vem a ser junto. Se, pelo contrário, o objecto representado é um acto do processo em causa, qualquer que ele seja, então estamos perante um auto que é nele lavrado e que está sujeito a um regime diferente do reservado à prova documental. Um auto não pode, nomeadamente, ser valorado para a formação da convicção do tribunal a não ser nos apertados limites traçados pelos arts. 356.º e 357.º ambos do CPP» [Ac. da RL de 18-05-2011 (199/07.5GHSNT.L1-3 - Carlos Almeida)].) que, como quaisquer outras provas, nos termos do citado art. 355º, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, se não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvadas as provas contidas em actos do processo cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos 356º e 357º, do CPP.»

Rectificação

Com o meu formal pedido de desculpas: publiquei um post contendo um comentário crítico a um acórdão do Tribunal Constitucional que continha a injustiça de se basear no resumo do mesmo feito na folha oficial e não do teor do dispositivo. Embora o texto tenha estado no ar apenas uns minutos e apesar de sentir que tenho razão quanto à substância da crítica, o aresto em causa não pode ser apontado como exemplo. Por isso suprimi-o, por iniciativa própria, logo que me apercebi do lapso a que fui conduzido por uma leitura apressada, de que me penitencio. Dado que os sistemas de difusão do blog devem ter levado o seu texto aos seguidores do mesmo, eis a devida rectificação. 

Notícias à semana!


-» Acórdão do STJ/recurso cível em matéria de suspeição de juiz
: o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.12.2016 [relator Olindo Geraldes, texto integral aqui] decidiu que « - A decisão do incidente de suspeição de juiz, suscitado na Relação, não é passível de recurso. II - Tal não ofende qualquer princípio de ordem constitucional. III - Também não viola os arts. 6.º e 13.º da CEDH, quanto ao direito a um processo equitativo e recurso efetivo. IV - Inexistindo decisão com a natureza de acórdão, não é possível o recurso da decisão do presidente da Relação, que, decidindo o incidente de suspeição, condenou o requerente como litigante de má fé.»

Fundamentando o decidido considerou o aresto: «O incidente de suspeição de juiz, suscitado designadamente na Relação, é decidido pelo seu presidente, não sendo essa decisão passível de recurso, conforme decorre, de forma expressa, do disposto no art. 123.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC). Por outro lado, em tal decisão, no caso de improcedência, apreciar-se-á também se o requerente do incidente de suspeição “procedeu de má fé”, nos termos constantes da parte final do n.º 3 do art. 123.º do CPC. Os termos da responsabilidade por má fé encontram-se, genericamente, plasmados no art. 542.º, n.º s 1 e 2, do CPC. A decisão do presidente da Relação sobre o incidente de suspeição de juiz, incluindo o segmento da condenação por má fé, não admite recurso, por disposição especial da lei, nomeadamente do n.º 3 do art. 123.º do CPC. Esta norma legal, com efeito, estipula, textualmente, que o “presidente decide sem recurso”. Trata-se, com efeito, de uma exceção ao regime geral estabelecido no art. 629.º do CPC (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, 1.º, 1999, pág. 235).»

-» Acórdão do TRE/evasão de recluso/competência para decretar contumácia: o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora [que sobre todas as outras tem um ritmo de produção jurisprudencial mais intenso, a fazer fé no publicado pela dgsi] de 06.01.2017 [relator Fernando Ribeiro Cardoso, texto integral aqui] sentenciou no seguinte sentido: «O instituto da contumácia é aplicável aos casos em que o condenado se exima ao cumprimento da pena de prisão subsidiária, ausentando-se para parte incerta, cabendo ao TEP a sua declaração, de harmonia com o previsto no artigo 97.º, n.º2, do CEPMPL.»

Dispõe o preceito legal citado:

«1 - O director do estabelecimento prisional comunica de imediato a evasão ou ausência não autorizada do recluso às forças e serviços de segurança, ao director-geral dos Serviços Prisionais, ao tribunal à ordem do qual cumpre medida privativa de liberdade e ao tribunal de execução das penas, comunicando igualmente a captura.
«2 - Ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335.º, 336.º e 337.º do Código de Processo Penal, relativos à declaração de contumácia, com as modificações seguintes:
a) Os editais e anúncios contêm, em lugar da indicação do crime e das disposições legais que o punem, a indicação da sentença condenatória e da pena ou medida de segurança a executar;
b) O despacho de declaração da contumácia e o decretamento do arresto são da competência do tribunal de execução das penas.
«3 - Quando considerar que a evasão ou a ausência do recluso pode criar perigo para o ofendido, o tribunal competente informa-o da ocorrência, reportando-o igualmente à entidade policial da área da residência do ofendido.
«4 - Qualquer autoridade judiciária ou agente de serviço ou força de segurança tem o dever de capturar e conduzir a estabelecimento prisional qualquer recluso evadido ou que se encontre fora do estabelecimento sem autorização.»


-» Acórdão do TRP/constituição como assistente/caso julgado/advogado em causa própria: o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.12.2016 [relatora Élia São Pedro, texto integral aqui], decidiu que: «I – O despacho que admite (ou não) a constituição do ofendido como assistente só faz caso julgado formal relativamente às questões concretamente apreciadas. II – Se tal despacho não apreciou, em concreto, a questão de saber se o ofendido (advogado) estava ou não representado nos autos por mandatário judicial, tendo-se limitado a remeter para o disposto no art. 68.º, n.º 1, do CPP, forçoso é concluir que não existe caso julgado formal relativamente à possibilidade de o ofendido se poder autorrepresentar para efeitos de constituição de assistente [matéria sobre a qual se debruçou o Ac. STJ n.º 15/2016 (fixação de Jurisprudência)].»

O primeiro tópico integra jurisprudência pacífica. Quanto ao segundo é, que conheça, o primeiro aresto a fazer uso do estatuído no citado Acórdão de fixação de jurisprudência.

-» Mercado de explosivos e munições: o Decreto-Lei n.º [ver aqui estabelece requisitos na colocação no mercado de explosivos e munições e transpõe a Diretiva n.º 2014/28/UE [ver aqui]

Mau grado a sua extensão [incluindo mapas anexos] e complexidade o diploma, inaceitavelmente, decreta [artigo 62º] a sua entrada em vigor no dia seguinte à respectiva publicação. Revoga: a) Os artigos 1.º a 5.º do Decreto-Lei n.º 265/94, de 25 de outubro; b) O Decreto-Lei n.º 265/2009, de 29 de setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 33/2013, de 27 de fevereiro; c) O Decreto-Lei n.º 33/2013, de 27 de fevereiro.o.



Notícias ao Domingo!


A presente reflexão sobre os arquivos jurídicos privados foi-me proporcionada pelo Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde tento dar um contributo. É um primeiro pensamento sobre o tema, na expectativa de que se me proporcione ulterior desenvolvimento.


Antes de mais uma palavra de honradez: eu deveria estar aqui em pessoa e não subrogadamente pela gentileza de quem me lê, e quem deveria aqui estar e a quem eu tributo a mais amiga homenagem de respeito e muito apreço, seria o meu amigo Luís Bigotte Chorão, ele sim especialista porque amigo da História e de quanto a documenta. A ele devo uma breve conversa, já em aflição ante o meu encontro com o tema, e tudo só envergonha o meu escasso saber e o atrevimento de ter aceite o repto, seja, o vosso embaraço final que já prevejo à distância.

Julgo que o tema que me é proposto pode ser desdobrado nas seguintes três vertentes.
Em primeiro lugar, e vai nisto já uma deformação profissional de jurista, a definição do que sejam arquivos privados.
Em segundo lugar, um esboço enunciativo de onde possam estar arquivos com tal natureza.
Enfim, alguns problemas que sejam privativos dessa espécie de arquivos, atenta a natureza dos documentos que os integram.
São mera pistas de reflexão as que ficam. E ao fazer assim permito-me pensar que terei cumprido, o que melhor que sei, o propósito que presidiu a quem entendeu que poderia ser útil dar-me a palavra.



Comecemos pela definição. 
Penso que o senso comum apontará para a ideia quase lapalissiana de que serão privados os arquivos que não pertençam a entes públicos. 
Só que este modo de entender abre a porta a uma questão: que natureza terão os espólios que, oriundos de privados, e por conseguirem escapar aos trambolhões da lei sucessória e às batalhas hereditárias em que se misturam a cupidez e o desprezo familiares, conseguem ter a sorte de ser depositados em arquivos públicos? Ou seja, arquivos privados na origem mas públicos pelo seu destino final? Manterão a natureza da sua génese, a da sua certidão de nascimento, ou ganharão aquela etiqueta do lar oficial de acolhimento?
Não se diga que a questão é puramente conceitual, sem relevo prático, pois que, estando os arquivos públicos sujeitos a estritas regras legais atinentes ao seu funcionamento, acesso à informação e sua difusão, bem pode concluir-se, conforme seja a solução dada ao problema da definição, poder haver aqui uma regra de absorção que dita que, uma vez integrados no acervo do património cultural público, tais arquivos perderiamm a natureza de privados em sentido estrito que detinham até àquele acto.
E, assim, como decorrência, a autonomia da vontade que governava a sua existência, em que a palavra do seu titular ou dos seus herdeiros era a única lei válida a geri-los, com os limites óbvios atinentes aos direitos de terceiros, perderia agora sentido ante a incorporação em entidade pública, para tudo ficar sujeito ao que fosse a regra válida para os arquivos de natureza pública.
Vistas as coisas neste ângulo, desclassificando como privados os espólios integrados já em arquivos públicos, menor seria o seu número e talvez mais fácil, porque mais reduzido, o objecto do nosso estudo. A preguiça do ignorante levaria a aceitar esse critério. Mas há o escrúpulo intelectual do rigor e as boas maneiras!
Creio, assim, que critérios documentalísticos deverão prevalecer sobre as regras estritamente jurídicas. E assim, considero terem natureza privada os arquivos cuja génese pertença a pessoas, singulares ou colectivas, de natureza privada, ainda que, pelas vicissitudes da vida ou da morte de quem detinha a sua titularidade, os mesmos acabem por ser recolhidos por organismos de natureza pública mas mantenham ali autonomia de existência.
E porquê? Porque de algum modo a titularidade do arquivo acaba por determinar o perfil, donde a natureza e, por osmose, a própria regra de funcionamento do acervo respectivo, diferenciando-o daqueles outros que logo na sua formação tiveram mão pública a ditar-lhes o conteúdo e a organização; acessório, e por isso não determinante, será a natureza dos documentos que o integrem, pois nada exclui que um privado junte em vida, e assim compile, documentação de cunho oficial e por isso pública.
Claro que nada disto é isento de dúvidas: os arquivos paroquiais que se integraram, pela mão de Alexandre Herculano, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, que natureza terão hoje? E o Arquivo Oliveira Salazar na parte em que não está abrangido pela cota “CO”, Correspondência Oficial? E os de todos os entes fundacionais ou associativos que detenham utilidade pública, por contribuírem, com a sua existência, para a aculturação que é um bem patrimonial fundamental da Humanidade do Espírito?

Posta assim a questão, que transporta para a esfera privada em sentido amplo aquilo que, fosse outro o critério, estaria dela subtraída, passemos à questão do elenco possível dos arquivos privados, centrando-nos nos espólios que estão hoje disponíveis para consulta pública institucionalizada. 
E se digo “possível” é porque muitos deles estão fora do conhecimento comum e acabam por ser apenas conhecidos pelos especialistas em sectores determinados da investigação, ou iniciados com acesso privilegiado às famílias ou aos detentores de tais tesouros documentais e ainda os frequentadores de alfarrabistas, adelos e “sebos” aqueles que fazem, afinal, do “andar ao papel” vício, paixão, profissão, negócio por vezes.
Peço licença para que os próximos momentos sejam de tipo meramente exemplificativo, a convidar quem seja historiador a retomar, de modo organizado, isto que aqui fica a esmo, a evidenciar a brutalidade da minha ignorância.
Assim, na Biblioteca da Ordem dos Advogados, e começo pela minha casa, na secção de Fundos Documentais Especiais, encontram-se o espólio do Bastonário Adelino da Palma Carlos e de sua mulher, Elina Guimarães e também parte do Bastonário José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães (parte deste confiado igualmente à Biblioteca Nacional), ambos a aguardarem tratamento documental e bem assim do Bastonário Vicente Rodrigues Monteiro, que compreende documentos entre 1927 e 1936.
Na Procuradoria-Geral da República está guardado o espólio de Cunha Gonçalves, do Procurador-Geral Arala Chaves e do Procurador-Geral Pinheiro Farinha.
Na Biblioteca Nacional encontra-se, que esteja divulgado como tal, como se disse parte do espólio de José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães e o de Abranches Ferrão.
Relevante também o conteúdo da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, nomeadamente na parte em que se arquivam espécimes de Paulo Merêa e Beleza Santos, e numa menor medida, que eu saiba, o da Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, nomeadamente documentos oriundos dos seus professores Paulo Cunha e Marcello Caetano.
E do mesmo modo é a Torre do Tombo onde se encontra, o que surpreenderá os menos informados, por exemplo, parte relevante do espólio do Bastonário Adelino Palma Carlos.
Na Fundação Mário Soares, e aqui outrem falará por mim com conhecimento directo de causa, encontram-se documentos de muitos dos que exerceram actividade política, como Afonso Costa, e por isso mais centrado nesta vida pública que não na advocacia que exerceu também. E a Universidade do Minho guarda, para além da Biblioteca, muita documentação jurídica daquele que foi o meu patrono na advocacia, Francisco Salgado Zenha, um marco obrigatório na cidadania e na dignidade da profissão.

E, eis-nos, no último tópico da comunicação que – perdoe-se a estultícia – creio ser o mais relevante, o a problemática específica dos arquivos particulares.
Logo a primeira é serem eles fruto dos interesses próprios de quem os organizou, sendo, ou uma acumulação de papéis oriundos de uma actividade profissional, amiúde sem preocupação de sistemática ou sequer de ordem, ou a tradução de um espírito de colecionismo, em que a norma é a soma de tudo o que relevou para um certo sector da vida, muitas vezes com lacunas decorrentes do não acesso à espécimen que preencheria o hiato documental ou a circunstância de o móbil que presidiu à incessante procura ser o espírito de lucro através do comércio de antiquário ou de alfarrabista.
Gera isso uma necessária prevenção porque sempre estaremos ante uma fracção da realidade, amputada pela natureza das coisas ou pelas vicissitudes da vida. E, no entanto, quanto se tem escrito, até do campo fértil da fabulação romanesca, tomando a parte pelo todo juntando ficção àquilo que já o ser-se “económico com a verdade”.
Daqui decorre a natureza quantas vezes fragmentária de tais arquivos, porque quem os deteve e lhes deu origem teve menos preocupação em organizar um universo total de documentos respeitantes a um certo momento da existência, ou foi alheio à truncagem e assim ao parcelamento do universo documental, através da alienação de espécies mais valiosas e, por isso, mais rentáveis financeiramente. 
Arquivos que os próprios descendentes consideram destruídos porque jogados ao acaso do adelo acabam por entrar no mercado dos papéis e integram hoje o armazém avaro dos que os juntam e aferrolham sem porquê, subtraindo à investigação o alimento de que carece para subsistir e medrar.
Outra característica tem a ver com a natureza instrumental de tais acervos relativamente a uma finalidade profissional que presidiu à sua constituição e assim não será de espantar que deles constem apenas o que interessou para o precário momento em que a memória se formou, em que o acontecimento documentado relevou, em que ficou o apontamento, a súmula, o extracto, aquele farrapo de vida que é um pedaço amputado da própria História.
E isso obriga a que, não desconsiderando o documentado, lhe atribuamos sempre um valor relativo pois que parcelar é o objecto que constitui, parte da verdade, isto se é que o passado não é tão incerto que, ante ele, faça mais sentido falarmos em verosimilhança do que em veracidade, em que se nos oferece apenas uma contra-memória, oponente, adversarial, antagonista porque litigante, relativa pois.
Enfim, e agora entramos no campo da delicadeza, trata-se amiúde de material sensível, atinente a relações humanas frequentemente conflituosas, sobre temas em que as vertentes da intimidade estão presentes, em que pulula por isso a incerteza quanto a veracidade do documentado quando não do próprio documento e sobre a dúvida radical quanto à ética da sua utilização. 
A apetência historiográfica pelos arquivos, por exemplo de advogados, em relação a processos célebres, tem de ser temperada por apertadas regras prudenciais em relação ao que integra o seu conteúdo, regras essas e que orientem o espírito para uma lógica permanentemente dubitativa sobre o seu teor, completude e fidedignidade. E sobretudo de decência no que respeita à difusão do que por ali se encontra.
Talvez por isso mesmo alguns advogados em fim de existência confiem à destruição os dossiers que em vida fizeram, pelo seu teor, os seus pesadelos e o sonho de ansiosos polícias, para que traço não fique para terceiros do que foram segredos profissionais de que foram guardiões, moral de um tempo em que o escritório de um causídico partilhava com o confessionário a regra do vinculante sigilo da confissão auricular dos pecados.
Mas não só de papéis de advogados, porque um processo judicial, volume em folio que o é de papéis de diversa origem não é, só pela sua intrínseca natureza oficial, mais verosímil ou mais fiável. E não contém informação menos letal para a probidade, honra e consideração social ou o que disso resta no mercado de valores contemporâneos.
Eis, a findar, o momento atinente ao admirável mundo novo, digitalizado, em que juntamos a acumulação exponencial de informação e a facilidade de encriptação que torna esses arquivos, e dos privados falamos, absolutamente inacessíveis quando não sujeitos à inexorabilidade da tecla “delete”.
Tempos houve em que era possível ainda armazenar o que ficava de cópias de correspondência enviada, originais da recebida, minutas do que acabaria por ser levado a letra de forma. Hoje tudo isso são memórias computacionais invisíveis, de aparente eternidade mas de tão evidente precariedade. 
Ante isso pergunto se será o ciberespaço o arquivo universal eterno com que sonharam os conservadores de documentos, poupado ao perecimento do papel, ao extravio da folha, aos limites do armazenamento? Sim. Assim não ocorra uma tempestade solar, se invertam os pólos magnéticos e tudo quanto confiamos à digitalização se não torne o zero total, o absoluto vazio, a total ausência de memória!

Obrigado pela vossa atenção. Cada jurista que morre é um arquivo que se perde, o da sua memória, o da tumultuosa vida que viu viver, doce e amarga, chã e torrencial. Indocumentada, sem traço nem prova, a vida vivida no sobressalto do oculto e do esquecido. Como li num jornal cultural este mesmo fim-de-semana, porque a História trata de heróis, a memória de vítimas.

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Fonte da imagem: aqui

Notícias à semana!




Regressado ao trabalho, se é que essa distinção entre trabalhar e descansar tem fronteiras rígidas em certas profissões, aqui estou. Quando publico legislação, procuro dar sempre um contributo mais para além da citação do texto, nem que seja a criação de uma hiper-ligação para os diplomas referenciados ou um extracto do conteúdo do legislado.


-» Transporte de Armas, Munições e Explosivosna sequência do Decreto-Lei n.º 48/2016 [aqui], de 22 de Agosto e da Lei n.º 53/2007, de 31 de Agosto [aqui], a Portaria n.º 345/2016, de 30.12, definiu o SIGESTAME, Sistema de Gestão de Transporte de Armas, Munições e Explosivos.


-» Procriação médica assistida: Decreto Regulamentar n.º 6/2016, de 29.12, na sequência da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, da Lei n.º 17/2016, de 20 de Junho, procede à regulamentação da procriação médica assistida.

Consignando o efeito da não discriminação o artigo 6º, n.º 1 da referida Lei dispoõe: «O acesso a técnicas de PMA no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS) pelos casais de mulheres ou por mulheres, independentemente de um diagnóstico de infertilidade, do estado civil e da orientação sexual, que reúnam os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, alterada pelas Leis n.os 59/2007, de 4 de setembro, 17/2016, de 20 de junho, e 25/2016, de 22 de agosto, deve obedecer aos mesmos critérios que são aplicados aos casais de sexo diferente com acesso às técnicas de PMA ao abrigo da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, na sua versão original.», determinando o artigo 7º que: «É proibida a existência de tempos de espera distintos para os tratamentos de PMA, em função do beneficiário ser casal de sexo diferente, casal de mulheres ou mulheres sem parceiro ou parceira, sem prejuízo das prioridades estabelecidas com base em critérios objetivos de gravidade clínica.»
-» LOSJ/"mapa judiciário": o Decreto-Lei n.º 86/2016, de 27.12 procedeu à regulamentação da Lei da Organização do Sistema Judiciário e estabeleceu o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais.

Cito do preâmbulo do diploma:
«Em execução da orientação corporizada na lei, procede-se à reativação das vinte circunscrições extintas (Sever do Vouga; Penela; Portel; Monchique; Meda; Fornos de Algodres; Bombarral; Cadaval; Castelo de Vide; Ferreira do Zêzere; Mação; Sines; Paredes de Coura; Boticas; Murça; Mesão Frio; Sabrosa; Armamar; Resende e Tabuaço) aqui se praticando, bem como em 23 das anteriormente denominadas secções de proximidade, atos judiciais, maxime audiências de julgamento. Opera-se, deste modo, a imprescindível aproximação entre o tribunal que julga a causa criminal e o local da comissão dos factos submetidos a julgamento, com ganhos evidentes também para o esclarecimento desses factos.

A restrição de competências aos crimes da competência do tribunal singular é amplamente compensada pela circunstância de esses processos constituírem a grande maioria das causas criminais.
(...)
Ordenado ainda pelo fundamento final de corrigir o distanciamento da jurisdição de família e menores, modifica-se o perímetro geográfico das respetivas circunscrições territoriais no interior de algumas comarcas, assegurando-se, assim, a relação de imediação entre o decisor e os sujeitos e intervenientes processuais, relação de proximidade comunicante que garante uma melhor qualidade da decisão, como decorre da circunstância de a lei do processo impor, como regra, a comparência pessoal dos intervenientes processuais.
Na concretização deste pressuposto, são criados sete novos juízos de família e menores (Fafe, Leiria, Alcobaça, Mafra, Vila do Conde, Marco de Canaveses e Abrantes) e devolve-se essa competência a cerca de 25 juízos locais, à imagem, aliás, do que já hoje acontece em algumas comarcas (Bragança, Guarda e Portalegre) cuja dimensão territorial, caraterísticas geográficas e escassa oferta de transportes públicos, desaconselharam, e continuam a desaconselhar, a especialização.
Procede-se ao alargamento da competência material dos juízos locais nas situações em que, atendendo à distância, escassez ou inexistência de transportes públicos, se considerou ser esse o modo de garantir o acesso da população à jurisdição de família e menores, alcançando-se, assim, a conciliação equilibrada entre a manutenção da especialização e a imprescindível acessibilidade da população aos equipamentos judiciários onde se administra essa justiça.
Deste modo, manteve-se a competência dos juízos de família e menores nas áreas urbanas ou suburbanas que traduzem fluxos populacionais intercorrentes e dispõem, em regra, de redes adequadas de transportes públicos, por forma a permitir a comparência em atos judiciais, com ida e regresso no mesmo dia.
Nos outros municípios, essa competência será exercida pelos juízos locais.
(...)
Por outro lado, em execução da lei e tendo em conta as pendências processuais expectáveis, são criados quatro juízos de competência genérica (Miranda do Douro, Nisa, Castro Daire e Oliveira de Frades) que se considera virem a ter volume processual para integrar aquela categoria.
(...)
Numa outra perspetiva, retoma-se a anterior nomenclatura judiciária, recuperando-se os juízos como unidades autónomas e ligadas ao município onde se encontram instalados. Abandona-se as designações instâncias e secções, nos termos em que são utilizadas na LOSJ, optando-se por um sistema classificativo mais claro e com maior tradição no léxico da organização judiciária que, inextricavelmente, se liga à administração da justiça, procedendo-se à redenominação de todas as secções em juízos, recuperando-se, do mesmo passo, o valor e o significado simbólico que os associa à administração da justiça.
(...)
Com o propósito de evitar ou, ao menos, de minimizar a anomalia dos conflitos de competência e obviar ao atraso no julgamento da causa à falta de tribunal competente, adota-se um conjunto de soluções iluminadas, por um lado, pela estabilização da competência do juízo já instalado e, por outro, pela maximização da aquisição de competência pelos juízos a reativar ou criados ex novo.
(...)
Optou-se, por último, pela inexistência de situações de transferência automática de processos, no intuito de prevenir a ocorrência de convulsões numa organização que sofreu recentemente abalos consideráveis.»

-» Instituto de Valores Mobiliários: ver o site aqui. Visa a investigação, ensino e divulgação das Ciências Jurídica, Económica e Financeira no âmbito do mercado de Valores Mobiliários e de outras áreas dos mercados financeiros.
«Constituído por escritura pública em 21 de Julho de 1998, o IVM é uma associação cultural, sem fins lucrativos, sediada na Faculdade de Direito de Lisboa, que tem por objecto a investigação, o ensino e a divulgação das Ciências Jurídica, Económica e Financeira, no âmbito do mercado de valores mobiliários e de outras áreas dos mercados financeiros.»

Notícias ao Domingo!


Excepcionalmente e por ser o primeiro dia do ano coincidente com um Domingo e me permitir preguiçar este dia, deixamos o espaço em branco. Aproveito para desejar a todos um Bom Ano, o quer que isso signifique para os projectos de cada um e para o benefício da nossa comunidade. Tentarei dar o meu contributo, gerindo melhor o tempo e aumentando o esforço. 

Justiça: Arte ou Ciência?


Porque baseado no precedente, na lógica do stare decisis [ver aqui], o sistema de justiça norte-americano valora muito a prognose do comportamento judicial. O respeito pela decisão antecedente limita a capacidade de originalidade do subsequente e cria, por isso, balizas à possibilidade de antevisão do sentido da mesma.
Os estudos empíricos sobre o tema abundam e, a partir dos anos cinquenta, a crença nas virtualidades epistemológicas dos métodos quantitativos e o desenvolvimento da estatística levou surto de uma disciplina própria denominada jurimetria [jurimetrics, no original] cuja essência se pode captar aqui, a qual visava precisamente encontrar o algoritmo que - ainda que pela média probabilísticas - permitisse antecipar a sentença em espera.
Aparentemente a evolução do pensamento contemporâneo levou a minar a crença no positivismo que informa um tal modo de tentar conjecturar as decisões. Mas, como li aqui, ainda resta, talvez a nível analítico, essa crença na virtualidade da computação para achar uma racionalidade na diversidade do comportamento humano.
Tudo isto transporta a uma questão filosófica: a haver invariâncias descortináveis pelos resultados pode concluir-se que a justiça em concreto é, afinal, menos subjectiva e mais científica, concretização, assim, da Ciência do Direito, ou, bem pelo contrário, do que se trata é saber que decide um juiz, sobretudo quando se junta a outro juiz e, em conjunto podem ter comportamento diverso do que resultaria, diverso fosse o conjunto, tudo a mostrar que, no fundo, é do casuismo e do subjectivismo da Arte de Julgar que falamos?
E, honestamente, tudo leva a uma questão de fundo que tem a ver com a formação dos colectivos e a não intervenção do presidente nos tribunais superiores salvo em caso de empate: até que ponto a vontade que era suposta ser de três e passou a poder ser a de dois e não se está em risco de se tornar a de um acolitado com a concordância de um outro quanto ao pensado a solo e assim decidido em dueto?

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Fonte da imagem: aqui.

Luxemburgo: fiscalidade de transacções inter-grupo


Para enfrentar situações de abuso de benefício fiscal pela domiciliação no Luxemburgo e manipulação dos preços de transferência * , e aditando um artigo 56 bis à respectiva Lei de Imposto sobre o Rendimento, o Ministério das Finanças deste Grão-Ducado emitiu, na sequência da Recomendação da OECD BEPS Project (Actions 8 - 10) [ver aqui], uma circular, que entrará em vigor a 1 de Janeiro de 2017 [ver texto integral aqui], cujo sumário se capta através da resenha difundida à comunicação social:


«L’Administration des Contributions vient de publier une nouvelle circulaire, relative au traitement fiscal des sociétés exerçant des transactions de financement intra-groupe. Cette circulaire fait suite à l’insertion dans la loi concernant l’impôt sur le revenu (L.I.R.) d’un nouvel article 56bis, lequel précise les principes de base à respecter dans le cadre d’une analyse de prix de transfert concernant la technique à mettre en œuvre et la méthodologie à retenir en vue de l’application du principe de pleine concurrence, conformément aux normes retenues dans le cadre du plan d’action BEPS de l’OCDE. Le Luxembourg adapte ainsi son cadre juridique, pour tenir compte des dernières évolutions au niveau international et européen. Cette publication fait suite à des contacts avec les services de la DG Concurrence de la Commission européenne, qui ont permis de mettre au point le texte en question.»

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* Preços de Transferência: preços praticados nas operações comerciais, incluindo operações financeiras, entre entidades relacionada ou entre sectores da mesma entidade.
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Fonte da imagem: aqui.


Conceito de animal: mais alterações ao Código Penal


Em função da descaracterização do conceito de animal como coisa, no sentido em que a noção é definida pelo Código Civil [diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas, segundo o artigo 202º do Código Civil * ], segundo o texto de substituição aprovado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, ocorrerão mais alterações àquele Código, ao Código Penal e também ao Código de Processo Civil. A ler aqui.
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Como decorre, por exemplo do artigo 1323 º do Código Civil: «Aquele que encontrar animal ou outra coisa móvel perdida e souber a quem pertence deve restituir o animal ou a coisa a seu dono, ou avisar este do achado; se não souber a quem pertence, deve anunciar o achado pelo modo mais conveniente, atendendo ao valor da coisa e às possibilidades locais, ou avisar as autoridades, observando os usos da terra, sempre que os haja.»

Natal


Vai-se ganhando a convicção de que, por vezes, a prisão preventiva, não sendo a pena, acaba por ser a efectiva punição; a degradação cívica, inerente ao juízo de suspeita, gerada pela prolongamento do inquérito e pela indefinição temporal do termo da arguição tornam-se o efeito acessório dessa pena; que a absolvição ou a condenação são, em tantos casos, um somenos.
Vai-se ganhando a certeza de que as finalidades de que o Direito Penal se proclama instrumento - a prevenção, a repressão - são hoje asseguradas pelo Direito Processual Penal, tornado o meio em fim. 
Vai-se chegando hoje à conclusão de que ao crime já não corresponde necessariamente o castigo da pena, sim o castigo do processo.
Vem isto a propósito de ser hoje dia de Natal. 


Lembro as vezes em que houve presos preventivos que esperavam ter passado a Consoada com os seus mas foram libertos uns dias depois; lembro a angústia da esperança em cada dia, em cada hora anterior ao encerramento dos tribunais para férias de Natal, a agonia de aguardarem ainda um milagre provindo do juiz de turno; lembro aqueles para quem a esperança foi vã.
Vai-se ganhando a convicção de que os sentimentos na justiça penal, tal como a razão, se tornaram erráticos, dependendo de quem, o mundo do provável a juntar-se ao da surpresa.
Cada dia em que o medo cresce por causa dos crimes de terror, o coração endurece face a todos os demais, a liberdade tornou-se provisória e fragmentária.
O indulto do Natal era uma dessas sobrevivências do agraciamento; hoje tornou-se rotina protocolar.
A todos, um Natal em paz, se não com o mundo pelo menos com as vossas consciências.

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Fonte da imagem: Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa, citado numa reportagem da Rádio Renascença, aqui.