Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




O que eu disse

Esta noite em Évora disse isto:

«Meus Colegas. O Presidente do Conselho Superior tem o dever de reserva. Ele não integra os órgãos executivos da Ordem, ele não é um contra-poder, ele não é um Bastonário sombra. Há, porém, uma matéria à qual não nos esquivamos, dentro da nossa casa, ter uma palavra a dizer. Segundo a imprensa, o Bastonário tornou público que: «Existe em Portugal uma criminalidade muito importante, do mais nocivo para o Estado e para a sociedade, e que andam por aí impunemente alguns a exibir os benefícios e os lucros dessa criminalidade e não há mecanismos de lhes tocar. Alguns até ostensivamente ocupam cargos relevantes no Estado Português» E o Bastonário acrescentou, segundo a mesma imprensa: «Há pessoas com cargos de relevo no Estado português que cometem crimes impunemente» e que em breve poderá avançar com casos concretos.
Ante isso, o Procurador-Geral da República, por considerar graves as afirmações, ordenou a instauração de um inquérito criminal. Sobre isso pronunciou-se já o Primeiro-Ministro.
Não cabe ao Presidente do Conselho Superior comentar estas afirmações do Bastonário, nem o momento ou o modo escolhido para as proferir, ou o resultado das mesmas. Ao Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados compete zelar pelo cumprimento da legislação respeitante à Ordem dos Advogados; entre essa está o Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo o qual são atribuições da Ordem dos Advogados «defender o Estado de Direito».
Ora o Estado de Direito é incompatível com a existência de pessoas com cargos de relevo no Estado português que cometam crimes impunemente.
Ao Bastonário que proferiu a afirmação caberá cumprir os seus deveres em face do afirmado. Que as instituições funcionem. O nosso silêncio será um contributo para isso».

Não tenho nada mais a dizer. A partir daqui, cada um que conclua.

As prioridades prioritárias

Primeiro foi a Assembleia da República a ter aprovado a Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, a «lei quadro da política criminal». Depois foi, para valer para o biénio 2007-2009, a mesma Assembleia a aprovar a Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto, a qual definiu «os objectivos, prioridades e orientações de política criminal». Finalmente, é o PGR, através da Circular n.º 1/08, a emitir «Directivas e Instruções Genéricas em matéria de execução da Lei sobre Política Criminal».

Segundo essa circular, passa a ser dada «prioridade absoluta» aos «processos com arguidos detidos e ao processos relativos a crimes cujo prazo de prescrição se mostre próximo do seu fim»; passa a ser concedida «especial prioridade» à investigação de processos referentes a um catálogo de crimes, que já foi divulgado na imprensa. Ora lendo isto tudo, assaltam-nos as seguintes dúvidas:

1ª Fala-se em prioridade absoluta em relação a processos «com arguidos detidos», mas é de crer que o PGR haveria de querer reportar-se aos processos com arguidos detidos e presos preventivamente. Pergunto: não haverá lapso?

2ª Lendo o artigo 4º da Lei n.º 51/2007 vê-se que nele se enuncia um catálogo amplo de «crimes de investigação prioritária» [o qual engloba homicídios, os furtos, as falsificações, o branqueamento de capitais, o contrabando e um enorme acervo de outros ilícitos]; mas vendo a circular do PGR nota-se que nela apenas se prevê como «de investigação prioritária» um enunciado absolutamente reduzido de entre a vasta lista parlamentar. Pergunto: por directiva da PGR deixou de ser prioritário aquilo que a AR disse que o era? Ou estarei a ler mal?

3ª A Lei de Bases falou em «prioridades» [«nas acções de prevenção, na investigação e no procedimento»] e em «regime de prioridades» [plural a evidenciar que poderia haver várias -]; a Lei bienal n.º 51/2007 veio, no seu artigo 4º, reiterar a noção de investigação prioritária; a Directiva do PGR, inovatoriamente, veio distinguir como vimos a «prioridade aboluta» e a «especial prioridade». Pergunto: com que fundamento legal?

4ª Como a Lei bienal citada definiu, no seu artigo 9º em que consistia a «investigação prioritária», pois que a Lei de Bases mas não dissera pela positiva em que consistia e, pelo contrário, pela negativa ajudou à confusão conceitual, ao refererir que «o regime de prioridades não prejudica o reconhecimento de carácter urgente a processos, nos termos legalmente previstos» [o que mostra que pode ser urgente mas não prioritário, e permite pensar que sendo prioritário pode não ser urgente...]. Pergunto: ante esta dupla modalidade de prioridades definida pela circular do PGR, ´como definir cada uma?

Está visto: em matéria de prioridades [da política criminal], é prioritário uma pessoa esclarecer-se. Peço, pois, ajuda.

A instrução a caminho da morte

Um incauto requer a abertura de instrução, por ver na lei que é uma fase destinada a fazer comprovar, através de um juiz, a decisão do Ministério Público em tê-lo acusado.
Se esse juiz rejeitar todas as diligências de prova que o incauto tiver requerido, este não pode recorrer. Se o referido juiz, no final da instrução, aceitar tal e qual a acusação do Ministério Público, o incauto não pode recorrer. Se o incauto tiver suscitado nulidades, irregularidades, seja o que for sejam as chamadas questões prévias, e o juiz indeferir tudo quando o pronunciar, também não pode recorrer.
O incauto é o arguido, a quem a Constituição garante pomposamente todas as garantias de defesa.
Eis o produto final da última reforma feita ao Código de Processo Penal, sob a bandeira do que se diz chamar o Estado de Direito Democrático.
Sob a Ditadura do que então se proclamava como o Estado Novo a instrução contraditória morreu de morte natural; esta, a de um regime político que já nem sei o que seja, que já nem contraditória se chama, vai a caminho do mesmo, connosco todos a colaborarmos no enterro.

Segurem-se!

Segundo se no site do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público: «No final do mês entrará em vigor a Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro (Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas).O diploma mencionado prevê a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, gozando o Estado do direito de regresso contra os Magistrados quando estes tenham agido com dolo ou culpa grave. Por forma a acautelar a situação patrimonial dos sócios em eventuais acções de regresso, o SMMP subscreveu já há algum tempo um protocolo com a Caixa Geral de Depósitos em que se associou um seguro de responsabilidade civil profissional de 50.000 Euros a um cartão de crédito personalizado com o símbolo do Sindicato. De modo a usufruírem desta vantagem os sócios deverão subscrever o cartão de crédito».
Eis o MP a jogar pelo seguro. Um desses dias as acusações penais terminarão com a assinatura do magistrado que as subscreve - em vez do gatafunho ilegível que por vezes ali surge a dar-lhes o benefício do anonimato - e a indicação do valor da apólice do seu subscritor.

Taxa de justiça: o pagamento e a prova

O Tribunal da Relação deLisboa, por acórdão de 19 de Dezembro de 2007 [proferido no processo n.º processo 9388/07, da 3ª Secção, relator Varges Gomes] definiu em matéria de tempestividade do pagamento da taxa de justiça devida pelo requerimento de abertura de instrução que: «I – Nos termos do n.º 1 do art. 80.º do Código das Custas Judiciais, a taxa de justiça, que seja condição de abertura da instrução, de constituição de assistente ou de seguimento de recurso, tem de ser autoliquidada e o documento comprovativo do seu pagamento junto ao processo no momento da apresentação do respectivo requerimento na secretaria; II – Essa autoliquidação e junção do comprovativo do pagamento só pode ter lugar nos 10 dias subsequentes, nos termos do último segmento do citado preceito, nos casos em que qualquer dos referidos requerimentos seja formulado em acta; III – No entanto, deve entender-se que satisfaz ainda os requisitos enunciados em I, não sendo por isso de sancionar com o acréscimo de taxa de justiça cominado no n.º 2 do citado preceito, um requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente se este, tendo embora procedido à autoliquidação daquela taxa em momento anterior à sua apresentação, só veio a juntar posteriormente o documento comprovativo desse pagamento. IV – É que a circunstância de a respectiva prova não ter acompanhado o requerimento em causa não pode ter a mesma consequência que resultaria do facto de aquela autoliquidação só ter sido feita posteriormente à formulação do requerimento».
É a distinção entre o ter pago e o ter provado que se pagou a iluminar este entendimento.

Directiva do PGR sobre a política criminal

O PGR emitiu «Directivas e instruções genéricas, tendo em vista a prossecução dos objectivos, prioridades e orientações de política criminal definidos pela Lei 51/2007, de 31 de Agosto, para o biénio 2007/2009». Estão aqui.
As orientações cobrem (i) crimes de investigação prioritária (ii) orientações sobre a pequena criminalidade (iii) orientações gerais sobre a execução da política criminal (iv) e órgãos de polícia criminal.
Dirigem-se ao Ministério Público, mas «vinculam também os órgãos de polícia criminal nos termos do art. 9º, nº 2, da Lei nº 51/2007, de 31 de Agosto, e do artigo 11º da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio».

As profundas alterações

Quando o Governo anunciou o seu Código de Processo Penal, que depois passou a dizer ser o Código da Assembleia da República, por ter sido viabilizado por esta, figuras de relevo do Ministério Público vieram a capítulo a criticá-lo com veemência.
Parecia que depois dele era o dilúvio, o caos.
O Código, entretanto, entrou em vigor, impondo-se aos que trabalham na Justiça.
Constou, entretanto, que o Procurador-Geral da República iria propor modificações ao diploma. Os mais cépticos vaticinaram que o Governo nunca cederia.
Eis agora o que Fernando Pinto Monteiro trouxe ao ministro da Justiça como sugestões de alteração ao CPP.
Esperavam ainda alguns ingénuos que as sugestões de reforma estivessem, na sua extensão, à medida das críticas.
Lendo o que o PGR apresentou, e vendo que são estas, desiludam-se os esperançados. Ei-las:

-»Artigo 86º: «Ficam sempre sujeitos a segredo de justiça os inquéritos que tenham por objecto os crimes previstos pelas alíneas i) a m) do art. 1º, pelo art. 1º da Lei nº 36/94, de 29 de Setembro, e pelo art. 1º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, não podendo tal segredo ser levantado, em caso algum, antes do decurso do prazo previsto nos nºs 1 e 2 do art. 276º ou daquele que tiver sido fixado nos termos do nº 6 do art. 89º».
-» Artigo 87º: «Nas fases de inquérito e de instrução, a possibilidade de assistência de qualquer pessoa à realização de actos processuais, bem como a natureza e a extensão da possibilidade de reprodução desses actos pelos meios de comunicação social, fica dependente de decisão fundamentada da autoridade judiciária ou de polícia criminal responsável pela realização das diligências processuais, tendo, nomeadamente, em consideração a natureza destas e as circunstâncias em que forem efectuadas».
-»Artigo 89º, n.º 6: «Findos os prazos previstos no art. 276º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, quando estiver em causa a criminalidade a que se refere o nº 6 do art. 86º, pelo tempo objectivamente indispensável à conclusão da investigação».

Lê-se e nem se acredita que não há mais.Do texto onde estão as chamadas «propostas de alteração» consta:

«As questões relativas à interpretação e aplicação das disposições do Código de Processo Penal, decorrentes das profundas alterações introduzidas pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, foram amplamente debatidas com os Magistrados do Ministério Público mais directamente implicados nas fases do inquérito e da instrução do processo penal, em reuniões efectuadas nos dias 13 de Setembro e 15 de Novembro de 2007. Dessas reuniões e das comunicações que entretanto foram recebidas na Procuradoria-Geral da República sobre esta matéria, resultou a conclusão segura e unânime de que o âmbito de algumas das inovações introduzidas que especialmente no domínio da “publicidade do inquérito” e do “segredo de justiça”, não é compatível com as exigências de eficácia da investigação criminal, que ao Ministério Público compete dirigir».

Notável!Depois de reuniões, ante comunicações, as questões «amplamente debatidas» são estas, as do segredo de justiça e nenhumas outras?
Claro que perante quem com tão pouco se contenta, o Governo sabe como tratar do caso: «daqui a dois anos falamos». É como se dissesse ao PGR: «muito obrigado, pode deixar, escusava de se estar a maçar».

O reino da quantidade

Apreciar o trabalho processual segundo um critério quantitativo faz-se sentido em relação a amanuenses, não no que a juízes respeita. Pensar isso é fomentar a lógica do despachar processos como quem avia ao balcão uma fila de recalcitrantes, é imaginar que um juiz é o guichet das reclamações, o império do «seguinte» a nortear a sua rotina.
Mas também já agora - diga-se a verdade toda! - um sistema judiciário cujos inspectores andaram anos a fio a valorar magistrados olhando primacialmente para a «estatística» da sua produtividade, tem moral para gritar muito alto contra quem tira agora consequências daquilo que foi o seu pior modo de proceder? Ou antes de gritar para fora, deve, já agora, começar a gritar para dentro?

Ser advogado

Hoje ouvi num discurso, a findar, esta frase linda de significado: «e que os meus filhos possam orgulhar-se ao dizer: o meu pai é advogado». Está tudo dito, incluindo que o futuro é necessário.

Urgente, muito urgente identificação

O Ministro da Administração Interna homologou em 13 de Dezembro de 2007 o Parecer da PGR, votado na sessão do Conselho Consultivo de 3 de Fevereiro de 2005 [sim, 2005!], o qual vem, por isso, publicado no Diário da República de 11 de Janeiro de 2008.
Segundo o dito parecer: «acolhendo proposta da Inspecção -Geral da Administração Interna (1) e sugestão da Auditoria Jurídica do Ministério (2), dignou -se Vossa Excelência solicitar que «seja emitido, com carácter de urgência, parecer do Conselho Consultivo da PGR, sobre a questão de saber se a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, se encontra em vigor e, na afirmativa, sobre a sua articulação com o artigo 250.º do Código de Processo Penal (3)».
O ofício do Inspector -Geral da Administração Interna, foi emitido em 13 de Julho de 2004 [2004!], acompanhado de parecer de 12 de Novembro do Subinspector--Geral.
Ou seja uma matéria urgente para o Governo em Julho de 2004 foi objecto de parecer da PGR em Fevereiro de 2005 e homologada, enfim, pelo Ministro em Dezembro de 2007, para ser conhecida em Janeiro de 2008. Extraordinária celeridade, magnífico Direito, superlativa administração da Justiça!
Já agora a conclusão arqueologicamente interessante:

«1.ª — A Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, foi tacitamente revogada pelo artigo 250.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto;2.ª — A identificação por órgãos de polícia criminal — de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vi-gilância policial, sobre quem recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção — e, bem assim, a possibilidade de condução e permanência do identificando em posto policial obedecem ao disposto no artigo 250.º do Código de Processo Penal;3.ª — A obrigação de identificação perante autoridade competente é uma medida de polícia e a sua aplicação está subordinada aos pressupostos e limites que condicionam a actividade de polícia, com relevo para o princípio da proibição do excesso;4.ª — Em conformidade com este princípio, a permanência de suspeito em posto policial para efeito de identificação deve, nos termos da lei (artigo 250.º, n.º 6, do Código de Processo Penal), restringir -se ao «tempo estritamente indispensável à identificação, em caso algum superior a seis horas».

Recurso não assinado por defensor

Comprende-se que «o direito que assiste ao arguido de formular requerimentos, e embora admissíveis mesmo que não assinados pelo advogado do arguido, não abrange os actos que carecem da intervenção obrigatória do defensor, pois que, sendo de natureza técnico-jurídica, como o é a peça recursória, só por este podem ser praticados. Improcede, assim, a reclamação do despacho que, com tais fundamentos, não admitiu o recurso» Acórdão da Relação de Lisboa de 21.12.07, proferido no processo n.º 10034/07 , 9ª Secção, relator Filomena Clemente Lima]
Mas, independentemente de ser a solução legal, impressona que da lei decorra que «não pode ser admitido o recurso interposto pelo arguido, que só ele subscreveu, por ser um acto processualmente nulo (artº 119º, c) do CPP)», sobretudo naquilo em que tal orientação suponha que não há sequer a possibilidade legal de ordenar a notificação ao defensor - necessariamente designado - para que ele ratifique o acto - porventura desesperado - pratica pelo arguido.
Claro que há a necessidade de garantir a defesa técnica, para que os tribunais conheçam processos acompanhados por quem saiba ou deva saber o mínimo de Direito; mas claro também que ante uma ânsia de Justiça, muitas vezes reclamada por quem não encontrou acompanhamento suficiente no defensor que lhe coube - não sei se será o caso! - a rejeição do recurso tem um amargo sabor a denegação. Dura lex, talvez!

Causas da corrupção

A SEDES vai realizar uma conferência sobre as “Causas da corrrupção”, nas suas instalações, sitas na Rua Duque de Palmela, n. 2, 4º Dt., em Lisboa, no dia 24 de Janeiro de 2008 (Quinta-feira) às 21:30 horas.

A Conferência será proferida pelo Dr. Paulo Morgado, Presidente da Capgemini Portugal, autor de vários livros e artigos sobre o tema, destacando-se o mais recente livro “O Corrupto e o Diabo”. Seguir-se-á um debate moderado pelo Dr. Amílcar Theias, presidente do grupo de trabalho da SEDES “Cidadãos Contra a Corrupção”.

De novo o artigo 30º: a directiva do «particular cuidado»

Ante a polémica suscitada a propósito do artigo 30º do Código Penal, o PGR emitiu a seguinte directiva, a qual visa, no essencial, evitar o automatismo da aplicação da figura mitigadora da continuação criminoso a casos em que, mau grado a unidade de vítima, não estejam, em concreto reunidos os pressupostos que justifiquem a atenuação da responsabilidade penal. Eis o texto da louvável circular:
«1­ A eventual subsunção jurídica dos factos apurados à figura do crime continuado, prevista pelos n.º s 2 e 3 do art.º 30º do Código Penal, quando se verifique a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, dependerá sempre, nos termos da lei, da verificação de circunstâncias de facto que, em concreto, devam considerar­se como aptas a justificar um juízo de considerável diminuição da culpa do arguido;
«2­ Sendo assim, quando no inquérito se suscite a eventual verificação de uma situação de continuação criminosa, deverá proceder-­se ao rigoroso apuramento, em concreto, dos pressupostos de facto de que depende a imputação da prática de crime continuado, quer no que se refere à exigível “homogeneidade da actuação” do arguido quer no que respeita à existência de uma “mesma situação exterior”, susceptível de diminuir consideravelmente a respectiva culpa;
«3­ Subsequentemente, se tais pressupostos estiverem inequivocamente apurados, os factos integradores da “continuação criminosa” deverão ser rigorosamente descritos na acusação, não podendo esta limitar-­se à afirmação conclusiva da sua alegada verificação;
«4­ Caso não se revele possível, no momento do encerramento do inquérito, fundamentar, em factos concretos, a imputação da prática de crime continuado, nos termos atrás expostos, deverão os senhores Magistrados do Ministério Público abster­-se de invocar esta figura jurídica, no âmbito das acusações que vierem a ser deduzidas».
Do preâmbulo da dita directiva respiga-se o seguinte elucidativo trecho:
«(...) Ora, sem entrar aqui em elaborações doutrinais mais aprofundadas, no âmbito duma matéria que integra os próprios princípios estruturais do sistema punitivo, há que reconhecer que a mera possibilidade da atenuação da punição em casos que poderiam ser punidos de acordo com as regras do concurso de crimes, justificará um particular cuidado na avaliação e valoração das circunstâncias factuais cuja verificação, no caso concreto, poderá implicar a punição a título de crime continuado».
Valeu afinal a pena ter suscitado o problema! Mau grado quantos tentaram desvalorizar as críticas, afinal, havia mesmo problema... E de tal modo que o PGR circula à estrutura do Ministério Público para que tenham, nesta matéria, um «particular cuidado». Em nome das vítimas, bem haja por isso!

Indultos

Estarão lembrados de que o ano passado os indultos deram polémica, por causa de um erro na sua concessão. Este ano, seis indultos apenas foram publicados!
Sabe-se que o indulto é, na sua simbologia, um acto de graça magnânima, símbolo da Majestade. Na República a sua justificação já é mais complexa, intervenção do Supremo Magistrado na área reservada de todas as magistraturas.
Mas não é de justificação que se trata, sim de entender como se passou de tanto a tão pouco. Seguramente não haverá sido o medo de errar.

Mais claro não é possível

«O certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença (CIT) que ateste o período de incapacidade temporária para o trabalho para prestar assistência a descendentes dos beneficiários ou equiparados substitui o requerimento para atribuição do subsídio para assistência na doença a descendentes menores ou deficientes, previsto no artigo 19.º do Decreto -Lei n.º 154/88, de 29 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelos Decretos -Leis n.os 333/95, de 23 de Dezembro, 347/98, de 9 de Novembro, 77/2000, de 9 de Maio, e 77/2005, de 13 de Abril». O que, aliás, se compreende!

Especial complexidade

Há um problema jurídico consistente em saber qual o conteúdo material do conceito de especial complexidade.
Isto resulta do facto de o legislador ter previsto a figura como uma situação que fundamenta a elevação do prazo da prisão preventiva e, em muitos casos, parecer que a invocação da mesma surge como um mero expediente: processos há que, nunca tendo conhecido qualquer espécie de complexidade, de súbito a ganham, só porque o prazo de prisão preventiva se está a esgotar.
As coisas chegaram a um tal modo que o legislador foi obrigado a intervir, na última revisão do CPP, decretando que tal especial complexidade apenas pode ser decretada em primeira instância. Já alertei aqui que, perante uma tal norma, há quem a entenda - esvaziando-lhe o âmbito de garantia - que ela obriga apenas a que, burocraticamente, o processo que está na segunda instância baixe à primeira, para o efeito de ali ser proferido o despacho que permite, enfim, tornear o esgotamento do prazo de prisão.
Eis pois porque são úteis definições jurisprudenciais pelas quais se dê um conteúdo àquilo que corre o risco de se degradar a nível de um conceito vazio, de alcance meramente pretextual.
Eis o caso do Acórdão proferido no processo n.º 9412/07 de 9ª Secção do Tribunal da Relação se Lisboa, segundo o qual: ««1. A descrição da norma a que se refere o art. 215.º n.º 3 do CPP não apresenta a noção de 'especial complexidade' com um círculo de referências objectivamene marcadas. Apenas, a título de exemplo ( como é função de advérbio nomeadamente ), alude a circunstãncias susceptíveis de traduzir a especial complexidade do procedimento. (...) A noção está, pois, em larga medida referenciada a espaços indeterminados pressupondo uma integração densificada pela análise de todos os elementos do procedimento. 2. Resulta preenchida, se a matéria sujeita a julgamento é vasta e complexa, cabendo ao tribunal apreciar um enorme acervo probatório constituído, entre outros elementos, por dezoito testemunhas indicadas na acusação e por uma grande quantidade de documentos juntos aos autos».

Subida diferida

Acórdão n.º 476/2007, D.R. n.º 2, Série II de 2008-01-03 - Tribunal Constitucional - Não julga inconstitucional a interpretação do artigo 407.º, n.º 2, do Código de Processo Penal no sentido de que não deve subir imediatamente o recurso interposto da decisão, proferida em audiência de julgamento, que recusa declarar prescrito o procedimento criminal

Conselho Superior

No próximo dia 8, pelas 21:00, ocorrerá na Ordem dos Advogados, no Largo de São Domingos, em Lisboa, o acto de posse do Conselho Superior, para o qual fui eleito Presidente.
Não me sendo possível fazê-lo por outra forma, convido todos os que quiserem comparecer a assistir.
A Ordem dos Advogados não é uma mera organização sindical de advogados, é sim uma associação pública que participa no Estado de Direito, mesmo quando o Estado de Direito desconsidera a Ordem dos Advogados.
No mesmo momento será empossado o Bastonário e o Conselho Geral.

Recusa de juiz: decisão sem recurso

A ideia segundo a qual há decisões dos tribunais que, definindo matérias gravemente sensíveis, o fazem sem apelo nem agravo, não impressiona o Tribunal Constitucional: eis o que se passa quanto ao incidente da recusa de juiz.
Os juízes do Palácio de Ratton proclamaram uma vez mais, agora no seu Acórdão n.º 56/07, de 03.01.08 que não são «inconstitucionais as normas constantes dos artigos 399.º, 432.º e 433.º do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que não é admissível recurso da decisão do Tribunal da Relação proferida em incidente de recusa de juiz de 1.ª instância».
A recusa de um juiz é um acto relevante. Pode ter como fundamento, ao limite, uma suspeita sobre a idoneidade de quem julga, outras vezes é um mero colocar em causa, por razões objectivas, a sua impossibilidade de parecer imparcial. Seja como for é algo de grave, para o caso, para o juiz recusado, para a sociedade.
Permitir que um tribunal conheça tal melindrosa matéria e confirme o juiz ou o afaste sempre sem recurso, parece ferir a sensibilidade jurídica de um leigo. Para a Constituição, pelos vistos, é indiferente,e assim se elimina mais um recurso.
Ora que, todos sabemos, a maioria esmagadora das recusas de juiz são recusadas. Assim, trata-se de uma jurisprudência assente na tranquilidade de quem não tem que dar tutela constitucional ao afastamento de juízes, antes negá-la a quem pretende o seu afastamento.