Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Mostrar mensagens com a etiqueta Recurso. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Recurso. Mostrar todas as mensagens

Constitucionalidade: absolvição e condenação em pena suspensa


O Plenário da 2ª Secção do Tribunal Constitucional  no seu acórdão n.º 524/2021 de 13.07.2021 [proferido no processo processo 140/2017, relatora Maria de Fátima Mata Mouros, com um voto de vencido, texto integral aqui] decidiu «não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condenem os arguidos em pena de prisão não superior a cinco anos, suspensa na sua execução.»

Conferência no STJ: 21 de Novembro

A Conferência Direitos Fundamentais no Processo Penal, que tem lugar a 21 de novembro, quinta-feira, na Academia das Ciências de Lisboa, insere-se no âmbito dos Colóquios do Supremo Tribunal de Justiça, e com inscrições abertas até 14 de novembro através de email coloquio.penal@stj.pt.

A parte da manhã será dedicada à Valoração da Prova e Fundamentação da Sentença e a parte da tarde divide-se em duas sessões, A relevância do comportamento do arguido e a problemática da colaboração premiada e o Direito da União Europeia: as implicações do princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais.

Constitucionalidade e geometria variável

É interessante ver o Tribunal Constitucional decidir através de fórmulas como «Não julga inconstitucional a interpretação extraída dos artigos 1.º, n.º 2, e 17.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, que aprova o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na sua versão anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, no sentido de que apenas se admite [... etc] isto quando reiteradas vezes os recorrentes viram os seus recursos liminarmente rechaçados porque, segundo o mesmo Tribunal, estavam a colocar-lhe questões sobre a constitucionalidade da interpretação de normas jurídicas quando o Tribunal apenas poderia conhecer da constitucionalidade das próprias normas na sua dimensão normativa concreta.
Se não há duas medidas nesta apertada geometria complexa pelo qual o recurso se torna um jogo de equilíbrio de planos que nunca coincidem, não sei o que pense. 
+
O aresto citado, a título de exemplo, está aqui.

Notícias à semana!


-» Acórdão do STJ/recurso cível em matéria de suspeição de juiz
: o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.12.2016 [relator Olindo Geraldes, texto integral aqui] decidiu que « - A decisão do incidente de suspeição de juiz, suscitado na Relação, não é passível de recurso. II - Tal não ofende qualquer princípio de ordem constitucional. III - Também não viola os arts. 6.º e 13.º da CEDH, quanto ao direito a um processo equitativo e recurso efetivo. IV - Inexistindo decisão com a natureza de acórdão, não é possível o recurso da decisão do presidente da Relação, que, decidindo o incidente de suspeição, condenou o requerente como litigante de má fé.»

Fundamentando o decidido considerou o aresto: «O incidente de suspeição de juiz, suscitado designadamente na Relação, é decidido pelo seu presidente, não sendo essa decisão passível de recurso, conforme decorre, de forma expressa, do disposto no art. 123.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC). Por outro lado, em tal decisão, no caso de improcedência, apreciar-se-á também se o requerente do incidente de suspeição “procedeu de má fé”, nos termos constantes da parte final do n.º 3 do art. 123.º do CPC. Os termos da responsabilidade por má fé encontram-se, genericamente, plasmados no art. 542.º, n.º s 1 e 2, do CPC. A decisão do presidente da Relação sobre o incidente de suspeição de juiz, incluindo o segmento da condenação por má fé, não admite recurso, por disposição especial da lei, nomeadamente do n.º 3 do art. 123.º do CPC. Esta norma legal, com efeito, estipula, textualmente, que o “presidente decide sem recurso”. Trata-se, com efeito, de uma exceção ao regime geral estabelecido no art. 629.º do CPC (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, 1.º, 1999, pág. 235).»

-» Acórdão do TRE/evasão de recluso/competência para decretar contumácia: o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora [que sobre todas as outras tem um ritmo de produção jurisprudencial mais intenso, a fazer fé no publicado pela dgsi] de 06.01.2017 [relator Fernando Ribeiro Cardoso, texto integral aqui] sentenciou no seguinte sentido: «O instituto da contumácia é aplicável aos casos em que o condenado se exima ao cumprimento da pena de prisão subsidiária, ausentando-se para parte incerta, cabendo ao TEP a sua declaração, de harmonia com o previsto no artigo 97.º, n.º2, do CEPMPL.»

Dispõe o preceito legal citado:

«1 - O director do estabelecimento prisional comunica de imediato a evasão ou ausência não autorizada do recluso às forças e serviços de segurança, ao director-geral dos Serviços Prisionais, ao tribunal à ordem do qual cumpre medida privativa de liberdade e ao tribunal de execução das penas, comunicando igualmente a captura.
«2 - Ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335.º, 336.º e 337.º do Código de Processo Penal, relativos à declaração de contumácia, com as modificações seguintes:
a) Os editais e anúncios contêm, em lugar da indicação do crime e das disposições legais que o punem, a indicação da sentença condenatória e da pena ou medida de segurança a executar;
b) O despacho de declaração da contumácia e o decretamento do arresto são da competência do tribunal de execução das penas.
«3 - Quando considerar que a evasão ou a ausência do recluso pode criar perigo para o ofendido, o tribunal competente informa-o da ocorrência, reportando-o igualmente à entidade policial da área da residência do ofendido.
«4 - Qualquer autoridade judiciária ou agente de serviço ou força de segurança tem o dever de capturar e conduzir a estabelecimento prisional qualquer recluso evadido ou que se encontre fora do estabelecimento sem autorização.»


-» Acórdão do TRP/constituição como assistente/caso julgado/advogado em causa própria: o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.12.2016 [relatora Élia São Pedro, texto integral aqui], decidiu que: «I – O despacho que admite (ou não) a constituição do ofendido como assistente só faz caso julgado formal relativamente às questões concretamente apreciadas. II – Se tal despacho não apreciou, em concreto, a questão de saber se o ofendido (advogado) estava ou não representado nos autos por mandatário judicial, tendo-se limitado a remeter para o disposto no art. 68.º, n.º 1, do CPP, forçoso é concluir que não existe caso julgado formal relativamente à possibilidade de o ofendido se poder autorrepresentar para efeitos de constituição de assistente [matéria sobre a qual se debruçou o Ac. STJ n.º 15/2016 (fixação de Jurisprudência)].»

O primeiro tópico integra jurisprudência pacífica. Quanto ao segundo é, que conheça, o primeiro aresto a fazer uso do estatuído no citado Acórdão de fixação de jurisprudência.

-» Mercado de explosivos e munições: o Decreto-Lei n.º [ver aqui estabelece requisitos na colocação no mercado de explosivos e munições e transpõe a Diretiva n.º 2014/28/UE [ver aqui]

Mau grado a sua extensão [incluindo mapas anexos] e complexidade o diploma, inaceitavelmente, decreta [artigo 62º] a sua entrada em vigor no dia seguinte à respectiva publicação. Revoga: a) Os artigos 1.º a 5.º do Decreto-Lei n.º 265/94, de 25 de outubro; b) O Decreto-Lei n.º 265/2009, de 29 de setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 33/2013, de 27 de fevereiro; c) O Decreto-Lei n.º 33/2013, de 27 de fevereiro.o.



RPCC, ano 22, n.º 2 - 2ª parte


Prosseguindo, para terminar, o inventário do último número da Revista Portuguesa de Ciência Criminal...

-» Um dos artigos de fundo da revista é o estudo de José Manuel Damião da Cunha, professora associado da Escola de Direito da Universidade Católica do Porto dedicado ao estudo dos recursos em processo penal. Trata-se, segundo resumo do autor, de «uma análise crítica do sistema vigente» nesta matéria, instituído em 2007, e visa mostrar o que considera serem «algumas disfunções» do sistema e o facto de que «o estatuto de arguido não está devidamente assegurado em recurso», enfim que «as novas questões processuais não encontram formas fidedignas de controlo em recurso». Dada a extensão dos problemas abordados será inviável detalhar aqui o seu interessante e decisivo conteúdo.

-» Segue-se o estudo da autoria de Sérgio Salomão Shecaira intitulado Reflexões sobre a Política das Drogas, reprodução de uma conferência que o autor submeteu ao XVI Congresso Internacional de Defesa Social e na qual advoga polemicamente em matéria de estupefacientes «uma mudança radical da estratégia proibicionista», em favor de «uma proposta de intervenção mediadora», que preveja a «possibilidade do uso recreativo das drogas», «deixar o controlo produtivo para o próprio Estado» e a referida intervenção mediadora.

-» Enfim, a publicação conclui com uma anotação de Inês Horta Pinto, mestre em Ciências Criminais, ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 20/2012, de 12 de Janeiro o qual julgou inconstitucional, por violação do artigo 20º, n.º 1 e 30º, n.º 5 da CRP o artigo 200º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, quando interpretada no sentido de não ser impugnável a decisão administrativa de manutenção do recluso em regime de segurança. A anotação conclui no sentido de perspectivar uma tendência para a extensão do caminho de protecção jurisdicional da posição jurídica do recluso. A questão surgira porque, ante a conjugação dos artigos 200º e 114º, n.º 1 do referido Código o tribunal recorrido decidira, em interpretação literal da lei, no sentido de que as decisões recorríveis eram apenas «as decisões que aplicam aos reclusos as medidas disciplinares mais graves», precisamente as previstas neste último preceito.


Recurso da pronúncia: A incomodidade e a regressão


É o reconhecimento da verdade. «A incomodidade de alguns senhores advogados e dos arguidos», como reconhece o Presidente da Relação de Guimarães neste seu despacho [texto integral aqui] e, já agora, o facto de o Código de Processo Penal da Ditadura Nacional saída do 28 de Maio de 1926, que instaurou o Estado Novo, saído das mãos de Beleza dos Santos [na foto], permitir o recurso da pronúncia em dois graus de jurisdição, ou seja, para a Relação e desta para o Supremo Tribunal de Justiça, e o Código de Processo Penal do Estado dito de Direito Democrático proibir totalmente o recurso, em clara regressão de direitos por causa da celeridade!

«Bem se compreendendo a incomodidade de alguns Senhores Advogados e mais ainda dos arguidos, pelo inusual espartilho que o Legislador processual penal português corajosamente consagrou com a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283º, ou do nº 4 do artigo 285º, consagrada no nº 1 do artigo 310º, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 48/2007, de 29.08, vigente desde 15.09.2007, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento, o que a torna uma norma atípica no nosso ordenamento jurídico, onde não imperam as exigências de simplicidade, eficiência, eficácia, cognoscibilidade e muito menos celeridade.
Conhecedor da controvérsia jurídica suscitada na sequência do Acórdão 6/2000 do STJ, veio o legislador, agora sem margem para tergiversações e aquando da Revisão do CPP, consagrar aquela solução que muito tem contribuído para evitar o arrastamento que antes se verificava até um processo penal chegar ao julgamento.»

A teoria do dominó


Não há dúvida que o Direito Processual Penal é o domínio por excelência dos alçapões, dos meios pelos quais as rejeições dos actos encontram o seu campo de legitimação por excelência. Se não vejamos um exemplo.
«Defende a Exma.Procuradora-Geral Adjunta que a arguida Mónica interpôs recurso no 21.º dia após o depósito do acórdão, discordando da forma como o tribunal valorou a prova produzida, mas sem indicar as provas concretas que pretende reapreciadas e que impunham uma decisão diversa da recorrida, pelo que apenas dispunha do prazo de 20 dias para recorrer.», considerou-se num recurso.
Ou seja, para impugnar a matéria de facto em processo penal o recorrente tem 30 dias e não apenas 20 que é o prazo para recorrer da matéria de Direito; só que, se o recurso sobre a matéria de facto vier mal desenhado, não é conhecido - o que é razoável - mas fica logo prejudicado o recurso da matéria de Direito! Não é admirável esta teoria do dominó, segundo a qual, caindo uma peça caem todas?.
Felizmente a Relação de Guimarães no seu Acórdão de 19.09.12 [proferido no processo 15/11.3PBBRG.G1, relatora Maria Luisa Arantes, texto integral aqui] entendeu que: «Nos termos do art. 411.º n.º1 al.b) do C.P.Penal, o prazo de recurso é de 20 dias, contando-se a partir do depósito da sentença na secretaria.
O prazo é elevado para 30 dias “se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada” – n.º4 do citado art.411.º do C.P.Penal.
Concluímos, assim, que em processo penal o prazo geral de recurso é de 20 dias, sendo alargado para 30 dias se o recorrente impugnar a matéria de facto com base em meio de prova gravado em audiência. Aliás, este alargamento do prazo de recurso, em nossa opinião, justifica-se pela necessidade de audição da prova gravada, o que acarreta dispêndio de tempo.
Embora para a reapreciação da prova gravada pelo tribunal ad quem seja necessário que o recorrente dê cumprimento às exigências do art.412.º n.º3 e 4 do C.P.Penal, para efeitos de apreciação da tempestividade do recurso, não tem fundamento rejeitá-lo por não ter sido cumprido integralmente o referido art.412.º n.º3 e 4. O que releva, para efeitos de tempestividade do recurso, é o fim visado pelo recorrente: impugnação da matéria de facto fundada na reapreciação da prova gravada.
Exigir o devido e integral cumprimento do art.412.º n.º3 e 4 do C.P.Penal, para se apreciar se o recurso foi interposto em tempo, é confundir a tempestividade do recurso com a admissibilidade da apreciação do seu mérito.
No caso em apreço, analisando as conclusões do recurso, que delimitam o seu objeto, verifica-se que a recorrente impugna a sua comparticipação nos factos delituosos, invocando para tanto a prova produzida decorrente das suas declarações e do depoimento do ofendido em audiência de julgamento, que transcreve parcialmente, ou seja, a recorrente ao impugnar a matéria de facto pretende a reapreciação da prova gravada. Questão diferente é saber se cumpriu integralmente o disposto no art.412.º n.º 3 e 4 do C.P.Penal, mas tal questão tem de ser equacionada em termos de apreciação de mérito do recurso.Tendo o acórdão sido depositado em 15/12/2011 e o recurso interposto em 18/1/2012, ou seja, no 21º dia após o depósito daquele, concluímos que o recurso foi interposto tempestivamente, de harmonia com o disposto no art. 411.º n.º4 do C.P.Penal»

Aperfeiçoar sim, mas só as conclusões

«A motivação do recurso é insusceptível de aperfeiçoamento. Assim, a motivação deficiente, insuficiente para identificar o objecto do recurso, há-de ser equiparada à falta de motivação e produzir o mesmo efeito que esta: a rejeição do recurso Relação de Évora de 7 de Fevereiro de 2012 [relator Sénio Alves, texto integral aqui].
Isto porque, segundo o mesmo aresto, «da leitura conjugada dos nºs 3 e 4 do artº 417º do CPP é forçoso concluir: a) o convite ao aperfeiçoamento restringe-se às conclusões e só pode abarcar matéria já contida no texto da motivação; b) nem as conclusões “devem manter-se aquém ou exceder as questões que ficaram afloradas no corpo da motivação, nem devem ser tão ou mais abrangentes que a própria motivação em si” – Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., 511 [no mesmo sentido, cfr. o Ac. RC de 9/7/2008 (rel. Luís Ramos), www.dgsi.pt.: “(…) até por força do disposto no nº 4 do artº 417º (…) há que concluir que o não constar das motivações stricto sensu, não pode constar das conclusões”]».

Prova gravada prazo alargado

Diz a lei [artigo 411º, n.º 4 do CPP] que há um prazo alargado [30 dias] para recorrer se o recurso tiver por objecto a reapreciação da «prova gravada». Ora há que ter em mente que a jurisprudência já definiu que tal significa que o prazo assim estendido abranja os casos em que o recorrente pretende impugnar a matéria de facto, mas apenas aquele em que o pretende fazer através do cotejo do que ficou registado nos suportes onde a prova oralmente produzida em audiência é consignada.
Eis este elucidativo excerto do Acórdão da Relação de Lisboa de 31.01.12 [relator Carlos Gominho, texto integral aqui] «em face do tempo entretanto decorrido e as indicações jurisprudenciais emitidas pelas Relações, era pressuposto encontrar-se já uma maior sedimentação no cumprimento dos aspectos formais decorrentes do art. 412.º e dos ónus aí contemplados, maxime, na hipótese da irresignação apresentada versar matéria de facto.
É que, com efeito, o prazo de 30 dias referido no n.º 4 daquele art. 411.º, destina-se apenas aos recursos que tiverem “por objecto a reapreciação da prova gravada” e não quando nos mesmos se pretenda discutir a matéria de facto [sublinhado meu].
Tais conceitos não são totalmente coincidentes. A reapreciação da prova é uma via adjectiva que se abre na decorrência da impugnação de facto operada com observância do respectivo ritualismo legal, que por sua vez é uma das formas de legitimar a sua modificação, nos termos do art. 431.º
O escopo essencial para que aponta aquele art. 412.º, tem em vista, como é sabido, tornar facilmente apreensível às partes e ao tribunal ad quem, o que o recorrente entende estar mal julgado e as razões pelas quais considera que assim aconteceu. [...]
Pergunta-se então: deverá daí concluir-se que o arguido não pretendeu reapreciar a prova gravada?
Julgamos que não.
Como é sabido mantemos uma posição de alguma abertura nesta matéria, posto que se aceite que tal benevolência possa não ser a melhor forma de ajudar à estabilização do cumprimento daquelas mesmas exigências, observação tanto mais pertinente, quando, como no caso presente, até houve convite ao aperfeiçoamento.
Em função da centralidade do direito ao recurso no nosso sistema adjectivo, entendemos no entanto ser de conceder mais algum tempo para a interiorização do funcionamento daquele mecanismo, sancionando apenas com a rejeição as situações em que manifestamente tal actividade recursória esconde a simples intenção de beneficiar indevidamente de um alongamento de prazo e daquelas outras, em que minimamente não se foi capaz de cumprir o essencial da processualização das razões porque se discorda do julgamento de facto».

Irrecorribilidade da pronúncia e caso julgado

«O acórdão do TC referido pelo arguido - n.º 387/2008, de 22 de julho de 2008 – segundo o qual os juízos formulados no despacho de pronúncia são provisórios e devem ser reavaliados em julgamento, respeita a uma época em que certa jurisprudência interpretava a lei no sentido de considerar o despacho de pronúncia incindível e, portanto, irrecorrível na parte em que conhece das questões prévias e incidentais, nomeadamente, das nulidades, no caso de concluir pela pronúncia do arguido pelos factos constantes da acusação do M.º P.º. (...) No caso dos autos, porém, não foi essa a orientação que veio a ser seguida, pois, entretanto, o STJ, pelo Acórdão de 19 de janeiro de 2000 ("Assento n.º 6/2000", no Diário da República, I Série-A, n.º 6, de 7 de março de 2000), havia fixado jurisprudência nos seguintes termos: "A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais” e por Acórdão n. ° 7/2004, de 21 de outubro de 2004 (Diário da República, I Série-A, n. ° 282, de 2 de dezembro de2004), fixou a seguinte jurisprudência: "Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público."(...) A interpretação que aqui fazemos, de que o trânsito em julgado do acórdão da relação que julgou um recurso sobre questões incidentais do despacho de pronúncia, relativas à proibição de provas, impede um novo conhecimento das mesmas no processo, não padece de qualquer inconstitucionalidade, pois, como bem explicou o acórdão recorrido, o Tribunal Constitucional tem sempre afirmado a validade desta conceção do caso julgado formal (veja-se, entre todos, o Ac. do TC 86/2004, de 04/02/2004)».
Eis o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 20.01.12 [relator Santos Carvalho, texto integral aqui, sublinhado nosso, jab]
Ora ante o carácter totalmente irrecorrível de decisão instrutória que seja obediente à acusação do Ministério Público, em que nem as questões prévias se adimite recurso, que dizer nesta mesma lógica?

Prazo de recurso da não pronúncia

A questão podia colocar-se em abstracto mas o Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Janeiro de 2012 [relator Neto de Moura, texto integral aqui] decidiu que « expressão “prova gravada”, constante do nº4, do art.411, do Código de Processo Penal, refere-se a prova oralmente produzida em audiência de julgamento» pelo que «o prazo alargado de recurso (30 dias), previsto naquele preceito legal, não é aplicável ao recurso interposto do despacho de não pronúncia, pois neste não existe uma decisão sobre matéria de facto, mas sobre indícios, não tendo o recurso por objecto a reapreciação da prova gravada».
Sustentando o decidido consignou-se no aresto: «Em anotação ao artigo 411.º do seu “Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1265, Vinício Ribeiro diz, textualmente: “Note-se, igualmente, que a questão do prazo de recurso em que se visa a reapreciação da prova gravada sempre se pôs apenas em relação à sentença (…) e não ao recurso de outros despachos (v.g. despacho de não pronúncia; aliás se bem repararmos, só com a revisão de 2007 é que foi alterada a redacção do artigo 296.º, que possibilitou que as diligências de prova da instrução fossem gravadas; antes eram apenas reduzidas a auto, logo a questão nem se poderia colocar”)».

Recurso penal quanto aos factos

Vai ser uma questão eterna: o que é um recurso penal em matéria de facto? Quais os poderes do tribunal de recurso para alterar o que o tribunal recorrido considerou provado?
A Relação do Porto, em Acórdão de 20.12.11 [relator Melo Lima, texto integral aqui] considerou: «Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie, no juízo alcançado, algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque a resposta dada pela 1ª instância tem suporte no art. 127° do CPP e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se».

Concludente este excerto: «Insistindo, embora, perguntar-se-á: proferida uma decisão em 1ª instância, fundamentada na livre convicção do julgador e assente na imediação e na oralidade, poderá a mesma ser objecto de censura no Tribunal de recurso?
Por certo que sim.
Previne-o a lei penal adjectiva: quer quando obriga o recorrente que “… impugne a decisão proferida sobre matéria de facto” a especificar: b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (Artigo 412º/3 CPP), quer, depois, quando previne expressamente a modificabilidade da decisão recorrida (Artigo 431º CPP)
Dizer, então: se o recurso às provas indicadas evidenciar que, ex.g., o Tribunal decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido - ou deverem ter subsistido - dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum, obviamente a decisão de facto proferida no tribunal recorrido tem de ser alterada.
Dizer, ainda: se é verdade, como é frequente ler em jurisprudência publicitada, que o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal "a quo" tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si, não será menos verdade que, se ao Tribunal de Recurso for dado concluir no sentido da irrazoabilidade ou da desconformidade da convicção firmada com as regras do saber e da experiência comuns, não poderá o mesmo tribunal de recurso deixar de ter por verificada uma incorrecta apreciação e valoração das provas (erros de julgamento) e, por aí, de proceder à correcção na exacta medida do que resultar do filtro da documentação».
 
É uma questão eterna: o que é um recurso penal em matéria de facto? De facto...

Assistente: legitimidade para recorrer

É uma figura estranha a de assistente em processo penal. Concebido como auxiliar, colaborador do Ministério Público, tem, porém, franjas largas de autonomia, algumas problemáticas como a possibilidade de recorrer quanto à medida da pena e nomeadamente quando o Ministério Público não recorre. Foi por efeito da interpretação extensiva da mesma que algumas omissões do MP acabaram por encontrar saída pela sujeição dos casos ao poder judicial.

Leio no Acórdão de 20.12.11 do Tribunal da Relação de Coimbra [processo n.º 305/08.2GBPBL.C1, relatora Alice Santos, publicado, aqui] o princípio da legitimidade para recorrerem, citando um aresto do STJ que não consegui localizar.

«(...) o Ac.do STJ nº 5/2011 de 11 de Março veio de alguma forma dar resposta a esta questão. Como é referido no acórdão cit. “os assistentes, no processo penal, são configurados como «colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei», nos termos do n.º 1 do artigo 69.º do Código de Processo Penal. Como se vê, previne desde logo esta norma, ao ressalvar excepções, que nem sempre os assistentes subordinam a sua actuação no processo à actividade do Ministério Público, a significar que, na prática de determinados actos processuais, detêm poderes autónomos, poderes esses que, permitindo–lhes «co-determinar, dentro de certos limites e circunstâncias, a decisão final do processo», sustentam o seu estatuto de sujeitos processuais (cf. Figueiredo Dias, Sobre os Sujeitos Processuais no Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Processo Penal, 1988, p. 11).
Um desses poderes dos assistentes, e que importa aqui analisar por se lhe referir a divergência a dirimir, é o previsto na alínea c) do n.º 2 daquele preceito: o de «interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito».
Mas, mesmo nos casos em que actua autonomamente, o assistente é sempre um colaborador do Ministério Público, no sentido de que, com a sua actuação, contribui para uma melhor realização dos interesses cometidos ao Ministério Público, a quem, em conformidade com o disposto no artigo 53.º, n.º 1, do código citado, compete, no processo penal, «colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito». Valem neste ponto as palavras de Damião da Cunha: «O conceito de colaboração e de subordinação não significa obviamente que a intervenção do assistente não possa entrar em directo conflito com as decisões do MP. O que se pretende dizer é, isso sim, que o interesse que o assistente eventualmente corporize (que tem de ser um interesse particular, autónomo) tem que estar subordinado ao interesse público, pelo que a actuação do assistente, fundada no interesse particular, só assume relevância (processual) na medida em que contribua para uma melhor realização da administração da justiça (ou, no caso concreto, um melhor exercício da ‘acção penal’). O que significa, pois, que colaboração e subordinação se referem aos ‘interesses’ em jogo» (RPCC, 1998, p. 638).
É a esta luz que deve definir -se o alcance do poder do assistente de interpor recurso das decisões que o «afectem», previsto no artigo 69.º, n.º 2, alínea c), que se identifica com a legitimidade para recorrer das decisões «contra ele proferidas», conferida pelo artigo 401.º, n.º 1, alínea b).
O assistente, sendo imediata ou mediatamente atingido com o crime, adquire esse estatuto em função de um interesse próprio, individual ou colectivo. Porém, a sua intervenção no processo penal, sendo embora legitimada pela ofensa a esse interesse, que pretende afirmar, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, cabendo -lhe, em função da ofensa a esse interesse próprio, o direito de submeter à apreciação do tribunal os seus pontos de vista sobre a justeza da decisão, substituindo o Ministério Público, se entender que não tomou a posição processual mais adequada, ou complementando a sua actividade, com o que, por isso, se não desvirtua o carácter público do processo penal.
O assistente só tem legitimidade para recorrer das decisões contra ele proferidas, mas dessas decisões pode sempre recorrer, haja ou não recurso do Ministério Público.
A circunstância de haver ou não recurso do Ministério Público não aumenta nem diminui as possibilidades de recurso do assistente. A única exigência feita pela lei ao assistente para poder recorrer de uma decisão é que esta seja proferida contra ele. Não há que procurar outras a coberto do chamado interesse em agir, a que alude o n.º 2 do artigo 401.º
De facto, sendo a legitimidade, no processo civil, a posição de uma parte em relação ao objecto do processo, justificando que possa ocupar-se em juízo da matéria de que trata esse processo (cf. Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, Faculdade de Direito de Lisboa, Lições, 1973 -1974, p. 151), em processo penal, a legitimidade do assistente para recorrer significa que ele só pode interpor
recurso de decisões relativas aos crimes pelos quais se constituiu assistente (cf. Damião da Cunha, ob. cit., p. 646).
Já o interesse em agir do assistente, em sede de recurso, remete para a necessidade que ele tem de lançar mão desse meio para reagir contra uma decisão que comporte para si uma desvantagem, que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, a significar que ele só pode recorrer de uma decisão com esse alcance, de acordo com Figueiredo Dias, que conclui, citando Roxin: «Aquele a quem a decisão não inflige uma desvantagem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na sua correcção, não lhe assistindo, por isso, qualquer possibilidade de recurso» (RLJ, ano 128, p. 348).
Sendo assim, deve concluir -se que o texto da alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º já abrange o interesse em agir, ao exigir, para além da qualidade de assistente, que a decisão seja proferida contra ele, ou seja, que lhe cause prejuízo ou frustre uma expectativa ou interesse legítimos. O assistente tem interesse em pugnar pela modificação de uma decisão que não seja favorável às suas expectativas. Parece ser este o pensamento do mesmo autor, quando afirma, referindo–se ao artigo 401.º: «ao demarcar nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 a legitimidade dos sujeitos e participantes processuais para além do Ministério Público, aquele preceito legal deixa já no essencial consignado o sentido e alcance do respectivo interesse em agir» (ob. cit., p. 349).
Deste modo, repete -se, para o assistente poder recorrer, não há que fazer -lhe outras exigências para além das que o artigo 401.º, n.º 1, alínea b), comporta: que a decisão seja relativa a um crime pelo qual se constituiu assistente (legitimidade) e seja contra ele proferida (interesse em agir)”.
No caso vertente há que ponderar se o assistente desacompanhado do Mº Pº, pode recorrer da decisão final pedindo a agravação da pena.
Ora, o assistente em relação aos crimes em que é ofendido tem direito de recorrer, mesmo que o Mº Pº o não faça, pedindo a agravação da pena aplicada, por ainda assim estar a colaborar na administração da justiça submetendo a decisão a exame por um tribunal superior, por a mesma não realizar o direito, na sua perspectiva.
“Damião da Cunha pronuncia -se sobre esta matéria nos seguintes termos: «o assistente apenas pode recorrer de decisões em que activamente tenha participado e em que tenha formulado uma qualquer ‘pretensão’, não tendo essa ‘pretensão’ merecido acolhimento na decisão — ou seja, a decisão foi proferida contra as expectativas do assistente». E de modo algum identifica a formulação dessa «pretensão» com a dedução de acusação, pois, referindo-se à possibilidade de o assistente interpor recurso dirigido à questão da medida da pena, fá-la depender da formulação de uma pretensão sobre essa matéria durante a audiência de julgamento, designadamente nas exposições introdutórias ou nas alegações finais (ob. cit., pp. 646 e 647). (Ac. cit.)
Desde que o assistente se tenha por afectado pela decisão penal por ela não corresponder, segundo o seu juízo de valor, à justiça do caso concreto, em que ele, como ofendido, é interessado directo, então também não pode colocar-se em dúvida o seu “interesse em agir” o seu “interesse processual”, a sua necessidade do processo ou do recurso, pois que a sua pretensão só pode ser resolvida através do processo penal, no caso, através do recurso, tendo este por objecto um interesse material na reapreciação da decisão que, segundo ele, não fez aplicação ajustada do direito ao caso submetido a julgamento” (WC* STJ 9/4/97 CJ II, 172).
Tem, pois, a assistente legitimidade para recorrer da pena aplicada ao arguido».

P. S. Vem assim no texto. Trata-se de manifesto lapso de escrita, pois querer-se-à dizer Cfr. ou algo afim.

A taluda

Há situações em que é impossível as pessoas não verem no que escrevo referência a um caso concreto. Mas o propósito que me leva a escrever não é esse. Escrevo porque estou perdido. Só falta estar de cabeça perdida. 
Sou advogado, por vezes de defesa outras do lado das vítimas. Aprendi ao longo de um vida que se conseguem sempre piores resultados quando se está do lado das vítimas. E não é por causa do modo como os arguidos se defendem, sim, como já disse aqui, pelo modo como o sistema legal as trata, nomeadamente em matéria daquilo que parece ser o único remédio que está habilitado a dar às coisas: as indemnizações, magríssimas quase sempre, incobráveis tantas vezes, devoradas pelo que se gastou em custas e advogados.
Mas não é isso que me leva a escrever esta manhã, sim o cada vez mais encontrar menos um critério, uma regra, uma lógica que eu compreenda e consiga explicar aos que me procuram na minha profissão. Em tantas facetas isso se me coloca, quantas a fazer-me sentir um vendedor de cautelas de uma lotaria em que até pode sair a "sorte grande" como o bilhete em branco, esperando-se quase sempre, ao menos, a "terminação".
Penso esta manhã naquele momento agónico em que, esgotadas as vias de recuso, incluindo para o Tribunal Constitucional, há que dizer ao interessado que a pena é para cumprir, que a sentença transitou, enfim, que espere que a polícia o venha buscar se não quiser apresentar-se voluntariamente.
Confesso que a partir de hoje, já na segunda-feira, não sei mais o que dizer. Conto ouvir como pergunta um «mas não haverá mais um recurso possível?» e se a resposta for um «não», terei de confessar qualquer coisa como um «não que eu saiba», «não que eu tenha aprendido», «não que eu tenha coragem», «não que eu tenha lata», «não porque eu sou uma besta», «sim, talvez, porque não?», «sim, é caso para se ver...», «tentar não custa e até pode ser...», «seguramente, pois, claro que terá de ser», «Então não somos todos filhos de Deus e há horas do Diabo!...», «esteja certo que tou nessa, porque isto às vezes até está numa de dar», «bora nisso,, que isto no estado em que isto tudo anda era o que faltava que me armasse eu em finuras», para rematarmos, em alegre confraternização e foguetório, num «tá feito, és um gajo com sorte, e olha que eles foram uns tipos porreirinhos, tinhas razão, vai uma fresquinha para celebrarmos que nos saiu a taluda»...

Por causa dos gregos e seu cavalo...

Enfim descobri a analogia literária que explica o porquê da para mim inaceitável irrecorribilidade total da decisão instrutória em processo penal. 
Leio-a num acórdão da Relação do Porto de 09.11.11 [proferido no processo 148/00.1IDPRT-A.P1, relator António Gama, texto integral aqui]: «(...) é hoje indiscutível que a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação pública é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, nomeadamente a prescrição do procedimento criminal. Outro entendimento equivalia a recolher o cavalo de Tróia dentro da cidadela da celeridade processual, valor constitucional relevante em processo penal, quando o legislador tem tentado, a todo o custo, remover, nesta fase, os obstáculos a que o processo seja remetido imediatamente para julgamento, art.º 310º n.º1 do Código de Processo Penal».
Claro que no tempo do Estado Novo de Oliveira Salazar a pronúncia admitia recurso até ao STJ [artigo 377º do Código de Processo Penal de 1929], sendo que a recorribilidade só até à Relação foi uma "conquista" do PREC [artigo 21º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro] e sob a bandeira do Estado de Direito Democrático é como hoje se vê, de nada se pode recorrer, percebo agora eu por causa dos gregos e seu cavalo de Tróia.

O juiz sem recursos

Esta decisão aqui, promanada da Relação de Guimarães estatui que: «conforme jurisprudência uniformizada do STJ – Acórdão 16/2009 – "a discordância do Juiz de Instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo e para os efeitos do nº 1 do artigo 281º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso"».
Dado que não se pode recorrer das decisões do juiz de instrução que negar a produção de prova, nem da decisão pela qual ele decidir qual a ordem pela qual a produz e quando e se a produz, nem da decisão instrutória final que proferir [sendo obediente ao Ministério Público], na lógica do sistema ele tornou-se o juiz sem recursos e sem recurso. Ah! E só pode aplicar medidas coactivas iguais ou inferiores em severidade às que o Ministério Público queira.

Recursos penais: aviso à navegação!

Há coisas que ainda hoje têm capacidade de me surpreender. Que tenha sido necessário clarificar jurisprudencialmente [despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Desembargador Sousa Pinto, publicado aqui] que «a interpretação dos artºs 380º e 411º, nº1 do CPP, efectuada à luz da CRP, e os princípios da segurança jurídica e do efectivo direito ao recurso, impõe a conclusão que, no âmbito do processo penal, o prazo para a interposição do recurso se conta a partir da notificação da decisão que recaiu sobre o pedido de correcção (efectuado ao abrigo do estatuído no artº 380º do CPP)», mostra que existirá quem entenda que, pedida a correcção de uma sentença, e tendo sido esta desatendida, a consequência para o recorrente seria puni-lo com a preclusão do direito [constitucional, diga-se] ao recurso. 
Isto é, de facto, navegar na Justiça por um mar de baixios, em risco de naufrágio permanente...


P. S. O site de onde retiro esta informação lembra que «em sentido concordante com a decisão é citado o Ac. Tribunal Constitucional nº16/2010, de 12-01-2010, acessível aqui». Quer dizer que já teve de haver intervenção ao nível do próprio Tribunal Constitucional para salvar os recorrentes deste modo de lhes rejeitar os recursos.

Revisão no STJ por causa do TEDH?

Se isto, que retiro desta notícia aqui, é tecnicamente assim, temos uma revolução no conservador instituto da revisão, que o nosso STJ considera, recurso extraordinário e de extraordinário provimento. Cito:

«Nesse mesmo ano, o Supremo Tribunal de Justiça autorizou a revisão da sentença proferida e confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra com fundamento na sentença emitida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem».

Alguém me encontra o aresto do STJ?Antecipadamente grato.

Os insuportáveis recursos sem suporte

«Quando o recorrente pretende impugnar a prova, no âmbito do recurso que interpusera, finda a leitura do acórdão, requerendo, de imediato e com a devida diligência, cópia do respectivo registo fonográfico (conforme o artº 7º do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro), a contagem do prazo (30 dias) deve ser contado a partir da data da disponibilização das cópias da documentação do julgamento e não sobre o momento em que ocorreu o depósito da sentença» [Despacho de 09.09.11 do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 21/10.5PEALM-B.L1 9ª Secção].
E o que foi preciso batalhar para que se esteja a impor uma regra que pareceria, afinal, o bom senso em acção! É que havia quem entendesse que os advogados podiam recorrer sem ter com quê!