Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Caótica tramitação

«Não obstante ter sido caótica a tramitação deste processo e de o recorrente ter sido prejudicado por esse facto, a sua pretensão de ser declarado nulo o despacho recorrido e, em consequência, todos os actos processuais subsequentes, designadamente, o julgamento já realizado é, pelo exposto, manifestamente improcedente», lê-se num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 19.09.07 [proferido no processo n.º 7216/07, da 3ª Secção, relator Carlos Almeida].

Nele decidiu-se que, mau grado o caos, «I – A notificação ao lesado da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil em processo penal e das formalidades a observar, realizada quando já se encontrava encerrado o inquérito e depois de terem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 77º do Código de Processo Penal para essa dedução, não determina, só por si, a anulação de qualquer acto processual praticado. II – Essa irregularidade apenas legitima a dedução do pedido civil em separado [alínea i) do n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo Penal]».

O que não se diz é que ao ter de formular o pedido cível em separado, o prejudicado lesado, vai ter se suportar mais despesas com advogado, pagar custas, etc., sem ter tido culpa alguma na caótica tramitação. E esperar mais uns anos pela decisão, claro.

Decisão sumária em recurso: suspensão provisória

Eis a primeira decisão sumária que leio, proferida em sede de recurso, ao abrigo do novo CPP.

O MP propôs s suspensão provisória do processo; o juiz, não se pronunciando sobre o requerido, ordenou diligências de prova, tendo em vista decidir sobre o pretendido. A Relação de Lisboa por decisão sumária do relator, proferida em 20.09.07, considerou o despacho judicial irrecorrível [processo n.º 7293/07 5ª Secção, relator José Adriano].

Eis o sumário da decisão, citado da base da PGDL:

«I. Interpôs o Ministério Público recurso do despacho que, não se tendo pronunciado sobre a proposta de suspensão provisória do processo que fora por si formulada, ordenou diligências que considerou necessárias, em vista de ulterior tomada de decisão de concordância ou de discordância com tal proposta. II. O despacho recorrido é assim meramente preparatório da decisão e, não tendo sido deferida nem indeferida a pretensão do Ministério Público, tal despacho é irrecorrível, o que conduz à rejeição liminar do recurso, nos termos do art.417º., nº.6 al.b) e 420º., nº.1 al.b), com referência ao art.414º., nº2 do C.P.P.».

Recordando dois anos de uniformização

Agora que estamos ante uma aplicação de legislação penal nova, aplicável a processos pendentes, será interessante recordar as vezes em que o STJ teve de fixar jurisprudência, para pôr termo à diversidade de entendimentos das instâncias.

No que diz respeito à infixidez jurisprudencial, as coisas chegaram a um ponto em que começou a grassar o entendimento segundo o qual, no linguajar comum, há sempre um acórdão para todas as ocasiões.

No ano de 2006, o STJ fixou jurisprudência neste sentido, como se vê com mais pormenor na sua base de dados, aqui:

* A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal.

* O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente.

* Nos termos dos n.ºs 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional.

*A Portaria n.º 248/2001, de 22 de Março, revogada pela Portaria n.º 1179/2002, de 29 de Agosto, não era uma lei temporária, pelo que, por via daquela revogação, os factos nela tipificados e ocorridos na sua vigência deixaram de ser punidos, por força do n.º 2 do artigo 2.º do Código Penal, ex vi o artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

* No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o recorrente, ao pedir a resolução do conflito (artigo 445.º, n.º 1), não tem de indicar o ‘sentido em que deve fixar-se jurisprudência’ (artigo 442.º, n.º 2).

* No domínio da versão originária do artigo 31.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 231/98, de 22 de Julho, o exercício da actividade de segurança privada em regime de autoprotecção sem a licença prevista no n.º 2 do artigo 21.º do mesmo diploma integrava o tipo contra-ordenacional descrito na primeira disposição citada.

*No crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º do Código Penal, o caluniado tem legitimidade para se constituir assistente no procedimento criminal instaurado contra o caluniador.

No ano de 2007, a uniformização jurisprudencial, conforme se vê aqui, levou às seguintes decisões:

* Integra o conceito de «prejuízo patrimonial» a que se reporta o n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, o não recebimento, para si ou para terceiro, pelo portador do cheque, aquando da sua apresentação a pagamento, do montante devido, correspondente à obrigação subjacente relativamente à qual o cheque constituía meio de pagamento.

* Na vigência do artigo 50.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal.

Medite-se e imagine-se o que aí vem. Note-se que estes actos de uniformização ocorreram na maioria dos casos mais de seis e sete anos depois das leis estarem a vigorar, no meio das maiores diversidades de entendimentos nas várias instâncias. Quanta contradição decisória, quantos prejuízos para os cidadãos, quanto atentado à segurança jurídica, pilar fundamental do Estado de Direito.

O Apocalipse Processual Penal

O novo Código de Processo Penal tem normas que são mais favoráveis do que as do seu antecedente, mas tem outras normas que são mais gravosas do que aquele que substituiu.
Ora o novo CPP aplica-se aos processos pendentes, pois o legislador assim o determinou, deliberada e conscientemente.
Ora diz o artigo 5º do Código em causa, como dizia o anterior, que:

1 — A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
2 — A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.


Quer isto dizer que vai haver arguidos num processo que vão querer a aplicação da vei velha, outros a lei nova. Vai haver em relação a certos actos processuais situações em que a lei velha era melhor, para logo em relação a outros ser pior. Vai haver juízes que em relação a certas situações vão decidir num sentido, outros noutro. Vai haver toda a gente a reclamar, a arguir nulidades, a recorrer.
Vai sair daqui a maior confusão, o maior caos, que alguma vez se imaginou, agora sim a paralização total da Justiça, o descrédito.
Quando o Código saiu a Dra. Mata-Mouros e o Dr. Rui Pereira polemizarem quanto a saber se o que ia sair da Unidade de Missão era uma reforma ou uma revisão. Agora está esclarecido: é a subversão!

4ª feira, 26, na RTP-2

Esta tarde perguntei ao Secretário de Estado da Justiça, Dr. Conde Rodrigues, por que razão o governo não explicava o motivo pelo qual, à última hora, introduzira, nas leis que alteraram os Códigos Penal e de Processo Penal, normas que surpreenderam o país, pois não constavam do Projecto da Unidade de Missão presidida pelo hoje ministro Dr. Rui Pereira, nem das propostas que chegaram ao Parlamento. Uma dessas normas tem a ver com a repressão aos jornalistas que divulguem, de forma não autorizada, escutas telefónicas. Lançada a pergunta, fiquei sem resposta.
Aqui há segredo! Mas há mais.
Tudo se passou na gravação do programa Clube de Jornalistas, que será transmitido amanhã, 4ª feira, dia 26 de Setembro, na RTP 2, com início depois das 23h30.

Justiça apainelada

O Vexata Quaestio, de leitura obrigatória, dedica hoje algum do seu espaço, sob o tema «Justiça e arte», a um painel cerâmico, que está numa sala de Audiências do Palácio de Justiça de Setúbal, obra de Eduardo Neri, realizada em 1993.
O trabalho é bonito. A beleza é, porém, enganadora. É que, ao olhar para a sala de julgamento, assim lindamente retratada, lembrei-me de coisas feias: do ar condicionado que encrava constantemente, tornando o local uma fornalha, do sistema de gravação que passa a vida a avariar, pondo em risco a prova documentada e a eficácia dos processos, dos advogados aos tropeções quando os processos são maiores e ninguém cabe na sala, e quando para alguém se levantar e ir consultar um documento tem de entrar no empurra-empurra, no com licença-desculpe, ai o meu pé, dos funcionários que não chegam, no trabalhar-se em condições de quase milagre.
Se isto vai mal, não é à falta de decoradores. Como diz um provérbio popular, por cima são tudo rendas, por baixo nem fraldas há.

O PGR e a PJ à mercê de um SISI

«Para anular o atributo de competência reservada da PJ, entregando a investigação a outro OPC, basta que o PGR - depois de ouvir, obrigatoriamente, o secretário-geral do SISI - considere não existir uma especial complexidade do crime em questão, refere o artigo 8.º. Também ao secretário-geral, segundo o mesmo articulado, é reconhecido o poder de, por sua própria iniciativa, solicitar ao PGR que a investigação de um crime de competência reservada da PJ seja entregue a outro OPC, com base nos mesmos pressupostos».
O SISI, diga-se, é o Secretário-Geral do Sistema Integrado de Segurança Interna, personagem nomeado pelo primeiro-ministro ou seja pelo poder executivo. No campo das siglas, sempre se podia encontrar outra melhor, co'a breca!
Tudo isto, segundo o DN «é o que resulta da proposta de Lei da Organização da Investigação Criminal (LOIC) que o Governo está a preparar para levar à Assembleia da República (AR)».
A ânsia de encontrar um critério que passe por lógico, para justificar o mando autoritário é tal, que se chega ao ponto de descaradamente se tornarem os conceitos jurídicos meros pretextos verbais, noções vazias, palavras ao serviço dos interesses da política, legislando em pouco tempo uma coisa e a sua contrária.
De facto enquanto que o novo CPP considera que o conceito de especial complexidade possa aplicar-se a realidades que, de especial complexidade só têm o nome, e isto para justificar a prisão preventiva e outras agressões, agora para se poder tirar poderes à PJ o que era especialmente complexo pode passar a especialmente simples.
A conveniência dos que mandam precisa só, atrevida, de usar o arbítrio e a habilidade contra a submissão, conformista, dos complacentes e permissivos, os que sabem servir.
P. S. Ante o alarme público da notícia, o MAI veio esclarecer que o que há sobre este assunto são «esboços elaborados por um grupo de trabalho que englobou representantes da PSP, GNR, PJ, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e vários juristas, mas que não foi ainda apreciado pelos ministros da Administração Interna e da Justiça». Registamos o que pensam os esboçadores que por aí andam.

Irrecorribilidade da pronúncia

«De harmonia com o artº 310º, n. 1 do CPP não há lugar a recurso da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos narrados na acusação do MPº ou do assistente. Este regime legal, aferido dentro do quadro 'das garantias de defesa' (artº 32º, n. 1 CRP) já mereceu tratamento pelo Tribunal Constitucional, concluindo-se não violar a Constituição (V.gr. Ac. nº 610/96, de 17 de Abril, in BMJ 456, 158; nº 79/05, de 6 de Abril, in DR 2ª série; nº 30/2001, de 23 de Março, in DR 2ª série)», diz o Acórdão da Relação de Lisboa de 13.09.07 [proferido no 6983/07 9ª Secção, relatora Filomena Clemente Lima].

Agora com o novo Código fica pior. Eis a nova redacção para o n.º do artigo 310º do CPP: «A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento».

Não é já só o triunfo do juiz seguidista face ao MP, o qual vê a sua decisão blindada pela irrecorribilidade! Não é já só o apelo ao conformismo judicial ante aos «diktats» acusatórios do MP, é nem as nulidades do inquério arguidas na instrução poderem merecer recurso. Serão decididas sem apelo nem agravo. Será que o Tribunal Constitucional continuará a achar que tudo isto é permitido pela Lei Fundamental?

Alguns advogados que tão contentes estão com este novo CPP que se previnam.

Audição impessoal do preso

Diz o artigo 495º, n.º 2 do CP, a propósito da falta de cumprimento das condições de suspensão, que: «o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia».
Estabeleceu o Acórdão da Relação de Lisboa de 13.09.07 [proferido no processo n.º 6839/07, da 9ª Secção, relator Fernando Estrela]: «a audição a que alude o art. 495.º n.º 2 do C.P.P. não é uma audição pessoal, consistindo na possibiildade do arguido se pronunciar sobre todas as questões que pessoalmente o afectem».
Então se o condenado é ouvido na presença do técnico, não sendo uma audição pessoal, é-o como? Venha o Acórdão que há coisas que não consigo perceber.

Prevenindo o argumento sobre o número de preventivos

Fazendo-se eco de números recolhidos pelo King's College, o Vexata Quaestio dá conta da proporção de presos preventivos por habitantes e pergunta com pertinência: «...afinal estaremos assim tão mal?». Poder ler-se aqui.
Interessante será chamar também à colação o tempo de duração da prisão preventiva, comparando-nos também com outros países. Discutir com números à frente, sempre é outra coisa.