Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Júlio de Castro Caldas


Faço minhas as palavras do Bastonário e do Conselho Geral na declaração pública sobre a triste notícia que é a morte do Bastonário Júlio de Castro Caldas. Tive a honra de proferir as palavras de homenagem quando lhe foi atribuída, a 19 de Maio deste ano, a medalha de ouro da Ordem dos Advogados. Perdeu-se um grande advogado, perdi um amigo. 

Morreu o nosso Bastonário Júlio de Castro Caldas. Foi Presidente da Ordem entre 1993 e 1998, em dois mandatos sucessivos, depois de ter desempenhado funções no Conselho Distrital de Lisboa (entre 1979 e 1980) e no Conselho Geral (entre 1987 e 1989).
Advogado toda a vida, recorda-se nele a dedicação esforçada à profissão, a gentileza para com os colegas, uma bonomia tranquila que não o impediu de defender de modo vibrante os interesses da classe quando os sentiu em perigo.
Militante de um partido, tendo desempenhado funções na política, chegando a Vice-Presidente do grupo parlamentar do mesmo, nunca colocou a Ordem ao serviço da política nem permitiu que esta interferisse nos destinos da advocacia. É nisso exemplo de honradez cívica.
Quando do IV Congresso dos Advogados, realizado sob a sua égide, no Funchal, em Maio de 1995, afirmou um paradigma de «criteriosa identificação e definição dos conceitos de interferência de poderes do Estado», nomeadamente pelo «respeito pela função intermediadora e interventora do patrocínio forense de parte, como forma de controle e fiscalização da legalidade».
Júlio de Castro Caldas protagonizou, em antecipada preocupação, temas que se viriam a revelar, afinal, actuais face aos critérios da contemporaneidade.
Se no segundo mandato elegeu como tema prioritário as reformas do processo penal e do processo civil, foi para que se concretizasse uma cooperação de esforços entre os advogados, os magistrados judiciais e o Ministério Público, tendo os advogados direito a reclamar esse espírito «já que somos quem representa em primeira linha os cidadãos e a sua individualidade face ao Estado, e bem sabemos que o fulgor das democracias se mede pelo rigor e pela eficácia dos seus sistemas judiciários».
Se elegeu o tema da relação entre a comunicação social e a justiça, foi ante o efeito pernicioso já sentido dos prejuízos causados à justiça pelos benefícios económicos decorrentes da luta concorrencial pelas audiências. Palavras suas: «o processo judicial na comunicação social é nos dias de hoje um fenómeno totalitário, destruidor de direitos individuais constitucionalmente garantidos».
Se no Dia Nacional do Advogado, em 1993, se ocupou da investigação criminal foi para clamar por uma «subordinação funcional real de toda a investigação criminal, qualquer que seja a forma que se dê a tal investigação, a Magistrados do Ministério Público que sejam verdadeiros Juízes de Instrução, que por dever institucional tenham a obrigação de fazer prevalecer a lei geral e abstracta, num domínio tão sensível para os direitos individuais dos cidadãos».
Com ele, e como afirmaria mais tarde: «durante os meus dois mandatos, não havia legislação que não tivesse a consulta obrigatória da Comissão de Legislação, que emitia os seus pareceres a tempo e horas e devo dizer que, usualmente, esses pareceres eram ouvidos e tomados em consideração».
A Ordem teve então participação activa e consequente em comissões governamentais de reforma legislativa a nível do processo penal e civil, processos falenciais, custas judiciais, contencioso administrativo, direito comercial, e acesso ao direito, relativamente ao qual a Ordem apresentou um projecto de lei, tomando igualmente a iniciativa legislativa no que se refere à responsabilidade civil dos advogados e respectivo seguro.
Entre os combates que travou esteve o que pôs em causa a projectada alteração da legislação sobre o arrendamento para profissões liberais e em defesa das compensações aos hemofílicos contaminados com o vírus HIV. Parte significativa do seu primeiro mandato foi ocupado com o tema da revisão do Estatuto da Ordem dos Advogados, que viria a ser modificado em 1994.
Respeitado a nível nacional, era-o também a nível internacional, tendo sido eleito, em 1998, presidente da Fédération des Barreaux d’Europe. A Ordem participava então de modo actuante em um dos Comités Permanentes da CCBE, na Conferência dos Presidentes das Ordens dos Advogados da Europa, no Congresso da UIA em que Portugal assegurou uma das vice-presidências, bem como contacto regular com as congéneres europeias e principais organizações internacionais, a UIA, a IBA, a AIJA e a UIBA, bem como com as ordens dos países lusófonos.
À sua iniciativa se deve a revitalização da Comissão dos Direitos do Homem.
No plano das realidades práticas, actualizado e prospectivando o futuro, ocorreu no seu mandato a criação do portal virtual da Ordem e bem assim o Centro de Documentação Jurídica, instrumentos hoje ao serviço usual de todos os advogados. Ao Conselho Geral por ele presidido se deve, em articulação com a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, a criação de um Fundo Especial de Segurança Social e a implementação de novos sistemas de subvenção e subsídio de invalidez.
Morreu, pois, um grande advogado e um notável Bastonário. Não morre, porém, a alma da toga, a independência, a coragem e o exemplo moral.