Dia de advogado. É a minha profissão e a de tantos outros. Só que não há um advogado, há tantos e de tanta espécie.
Ao fim destes anos dei comigo advogado de barra, nos tribunais criminais.
Olhei ontem para a minha toga: está rota por estar velha, o pano já não aguenta acrescentos, nem as costuras resistem quando passajadas, já não consigo vesti-la com o casaco, porque os anos deformaram-me o corpo. É a minha toga, como o tribunal é a minha vida. Já que chegou até aqui, vai até ao fim. Tem sido a companhia da alegria e do desespero, dias de raiva, noites de angústia.
Há quem se gabe de não saber já por onde pára a sua toga, quem fale com desdém dos que andam pelos tribunais.
Quanto à minha toga, está na mala do carro, porque me tornei um caixeiro-viajante do Direito, dentro de um saco de lona, que um cliente me mandou, amigo e grato, cheio de ananazes, depois de nos termos conhecido nos Açores. Já não me lembro que caso era, ficou sim o sabor da amizade e dos ananazes.
A vida de um advogado é uma vida de esquecimento. Hoje comemorou-se o dia de nos tornarmos lembrados.
Apresentação
O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.
José António Barreiros
Ou à escuta ou à trolha
As escutas telefónicas é um daqueles temas chamados «fracturantes». A propósito delas tudo se discute, mas já ninguém se atreve a colocar em dúvida a sua necessidade, pelo menos entre nós. Até os próprios escutados já se conformaram com a ideia de que a escuta das suas conversas é uma inevitabilidade, uma espécie de imposto de segurança que se paga por retenção na fonte.
Eis por isso sem surpresa ver a questão aberta, e com vigor, no Brasil a propósito da mudança do regime legal que governa este meio chamado de obtenção da prova que, entre nós, por uma pirueta jurisprudencial, se convertou em prova em si mesma.
«Eu não vejo como investigar a criminalidade de hoje sem as interceptações telefônicas, bancárias e fiscais», disse, a propósito, Leonir Batisti, coordenador no Paraná dos Grupos de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), enquanto o ministro aposentado do STF, Sepúlveda Pertence acrescentou, lamentoso: «a interceptação deve ser o último recurso da investigação, mas tem sido instalada para iniciá-la».
Enfim, separados pelo Oceano Atlântico, discute-se lá o que se discute cá, o Brasil 409 mil interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, por todo o país, em 2007, materializadas pelas cinco operadoras de telefonia.
Agora caricata é esta proclamação, posta na boca de João Kopytowski, do Tribunal de Justiça do Paraná: «Esse meio de investigação tem a vantagem de substituir o confronto físico. Graças às escutas, fazem-se operações sem mortes, sem feridos».
Ora cá estão os dois métodos eficazes de fazer investigação criminal, como dizem os meus amigos betinhos, à séria: com mortos e feridos ou através da escuta telefónica.
É caso para dizer «allô, allô, é do 112, perdão da central de escutas? Importa-se se mandar uma ambulância, perdão, um carro patrulha? É que estamos cercados pela polícia de investigação criminal».
Portugal Diário
O Patologia Social foi objecto de uma menção amável por parte do jornal on line «Portugal Diário», como um dos «blogs que nós lemos».
Ficámos embaraçados, pela consciência do que somos.
Primeiro, porque há tantos blogs jurídicos de constante actualização, verdadeiro serviço público à comunidade jurídica, e que muito devemos os que procuramos informação tempestiva e que mereciam eles que não nós essa referência.
Segundo, porque há do ponto de vista opinativo, blogs atentos, que não perdem a oportunidade para comentarem temas de actualidade, alguns certeiros.
Claro que a escrita jurídica na blogoesfera coloca três problemas.
Primeiro, o poder basear-se em informações não confirmadas e à vezes logo desmentidas e ficar assim sujeita à lei da precariedade que é a causa directa da perda de autoridade.
Segundo, o ser muitas vezes cópia de material já difundido em outros locais, num efeito de espelho que em sempre traz reais vantagens, e se pode tornar cansativo.
Por fim, o faltar ainda a escrita serena, profunda, reflectida, pois o devir incessante dos acontecimentos, faz com que tudo pareça exigir notícia já e comentário na hora.
Ao Portugal Diário, muito obrigado. Após este intervalo, sempre é um sopro ânimo para continuarmos.
On Human Bondage
Na introdução que escreveu em 1987 para o livro de Ian Fleming, «Casino Royale», que estou a estudar por causa de um livro que devo concluir em breve, Anthony Burgess compara James Bond a Sherlock Holmes, para concluir pela imortalidade do primeiro. Talvez para justificar esta asserção refere que «Holmes é uma espécie de decadente dado a uma lógica rigorosa ao serviço da lei, o que é contradição bastante». Penso que nesta curta frase está tudo dito sobre o que eu ando a fazer, na companhia dos outros, o resto da semana. Só que hoje é sábado e, como numa espécie de «bondage», estou amarrado às desventuras do 007, de que o cinema fez um imbecil
Lado a lado
A propósito de uma nova tradução de «O Homem Sem Qualidades» de Robert Musil, lembrei-me que, no livro, julgado pelos seus crimes, Moosbruger observa que «perante a Justiça, todos os acontecimentos que se haviam sucedido uns aos outros tão naturalmente, encontravam-se absurdamente colocados lado a lado e ele fazia os maiores esforços para dar a esta justaposição um sentido que não cedesse em nada à dignidade dos seus ilustres adversários». Os juízes condenaram-no à morte por ter morto. O julgamento foi «o combate da sombra contra a parede».
Indulgentes
Para legitimar a remissão dos pecados dos mortos, mediante indulgências pagas pelos vivos, a Cúria romana inventou uma saída jurídica: o Papa era o detentor do património acumulado pelo sacrifício de Cristo e de todos os Santos mártires, de que podia dispôr, concedendo assim, num sinalagmático do ut des, perdões espirituais em troca de dinheiro tangível.
Perdoava-se, em suma, a pena, mantendo-se a culpa.
Na sua tese 40ª sobre a questão das indulgências, pregada à porta da Igreja de Wittenberg, em 31 de Outubro de 1517, Martinho Lutero proclamou: «a verdadeira contricção procura e ama as penas».
Se não existisse Direito o homem tinha de o inventar para transformar o interesse em valor, a imoralidade em virtude.
Uma tertúlia amigável
A Associação Forense das Caldas da Rainha organiza umas tertúlias culturais num café local. Fala-se de tudo um pouco, em ambiente amigável. Estão lá as várias profissões jurídicas, em sereno e amistoso convívio. Deram-me a honra e com ela o enorme prazer de ter ido falar do que tenho escrito. Haverá mais tertúlias e oxalá muitas outras florescessem. Primeiro, por tratar-se de cultura. Depois, por ser um modo de convivermos todos os que andamos pelos corredores da Justiça. Nas grandes cidades há quem nem se fale, uns por estarem zangados de antanho, outros por acharem que conversar é perder tempo necessário para despachar processos, uns poucos porque temem que, assim, dizendo um olá ao burro do seu semelhante humano, possam perder a sua independência e isenção. É um mundo de múmias.
Reserva, contenção e adaptação
Estes dias de intervalo deram para pensar num aspecto que tem estado latente nesta escrita.
Permitam-me os que lerem que partilhe a reflexão.
5. O Patologia Social vai ter, por isso, que se adaptar. Há mais mundos!
Permitam-me os que lerem que partilhe a reflexão.
1. Este blog, todos os meus blogs, são assinados: dou o nome e a cara. A princípio achava que isso era algo de que me tivesse que orgulhar, hoje verifico que é apenas um modo de ser. Tudo o que disser de bem, de mal, de conseguido ou de ridículo, tem autor conhecido. Nada tenho contra os blogs anónimos ou com pseudónimo: acho apenas que se atacarem pessoas, e não ideias, deviam pôr a assinatura em baixo. É uma obrigação de cidadania!
2. Não usei e estarei atento para não usar este blog ao serviço de qualquer caso em que tenha de intervir ou em que esteja a intervir ou mesmo em que haja intervindo como advogado. O que houver para dizer sobre os meus processos, di-lo-ei «em papel selado» e se tiver de esclarecer a opinião pública, com os limites conhecidos, digo na comunicação social.
3. Desde há alguns meses desempenho o cargo de Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados. Obriguei-me por isso a um acrescido dever de reserva, para que não haja confusão entre o que diz o José António Barreiros e o que diz o titular do dito cargo. Ademais não quero que qualquer opinião minha seja comparada com a dos órgãos executivos da Ordem e surja, de um eventual contraste, especulação e polémica.
4. Claro que sei que, neste país tão vocal e tão interjectivo, esta sucessiva auto-limitação chega a parecer caricata. Os tempo que correm são para o atrevimento verbal, para a ousadia vocabular, para o arrojo opinativo. Só que eu sou este. Estou numa profissão e aceitei um cargo cujo perfil interpreto deste modo. Não calculam quanto me custa, a vontade de vir a terreiro e dizer exactamente o que penso às vezes é grande. Mas há que saber calar por causa daquilo que sou e represento.
5. O Patologia Social vai ter, por isso, que se adaptar. Há mais mundos!
A pendenga no Cubatão
«A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi condenada pela Justiça Federal a pagar R$ 50 mil a um juiz trabalhista de Cubatão, por danos morais. Ele foi incluído na "lista de inimigos" da entidade em 2007, por iniciativa de um advogado que se sentiu ofendido em ação julgada pelo magistrado. Este foi mais um episódio da briga intermitente entre juízes e promotores e a OAB. Esta fase das escaramuças foi inaugurada quando o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho, classificou como "fascistas" os expedientes que a OAB vem utilizando para criticar juízes e promotores que desrespeitam as prerrogativas profissionais da categoria», informa o jornal Estado de São Paulo na sua edição deste sábado, dia 8, que continua, fazendo o ponto de situação: «A pendenga entre as corporações jurídicas começou há alguns anos quando alguns dirigentes de seccionais da OAB ameaçaram negar o registro profissional a magistrados e promotores depois que deixassem seus cargos públicos, o que os impediria de advogar. E "esquentou" quando as seccionais de São Paulo e do Rio de Janeiro passaram a divulgar "listas negras" de desafetos pela internet. Na época, sites jornalísticos especializados no setor forense, como o Consultor Jurídico, classificaram a elaboração das listas como "campanha de caça" da OAB aos seus inimigos. Com 180 nomes, a primeira lista divulgada pela OAB paulista incluiu, além de integrantes do Ministério Público e do Judiciário, delegados de polícia, serventuários judiciais, parlamentares, gerentes de banco e até jornalistas. Muitos magistrados foram incluídos nas "listas negras" por se recusarem a receber advogados fora das audiências. Alguns delegados e promotores foram acusados de invadir escritórios de advocacia. Serventuários judiciais foram incluídos por não terem acolhido reivindicações feitas por advogados. E os jornalistas, por terem, no exercício da liberdade de opinião assegurada pela Constituição, criticado a OAB em reportagens. A entidade alega que ela é "uma trincheira de resistência" a condutas autoritárias e que os profissionais por ela "listados" teriam, de algum modo, "dificultado o exercício da advocacia". Em resposta, associações de juízes e promotores afirmam que o verdadeiro objetivo da corporação seria retaliar quem não cede a pressões de seus integrantes. Elas acusam os advogados de utilizar as "listas negras" com o objetivo de intimidar servidores dos poderes públicos - e até funcionários de empresas privadas - que têm regras e procedimentos para cumprir e não podem acolher reivindicações absurdas. As mais recorrentes seriam o atendimento fora de expediente e a reivindicação de salas, elevadores e estacionamentos privativos.
Ora, segundo o conceituado periódico «foi numa dessas trocas de acusações que o procurador Rodrigo Pinho acusou a OAB de recorrer a "métodos fascistas e macarthistas" e classificou a elaboração e a divulgação das "listas negras" como iniciativa "ignominiosa" e "excrescência incompatível com o regime democrático"».
Viva o Portelinha!
Indisposto com o Direito e das leis desconfiado, exausto de processos e no mais pouco repousado, foi com júbilo que, ao acordar vi, enviada por mão amiga, esta notícia do jornal brasileiro A Tarde.
Segundo este peródico, «os pais do menino João Victor Portellinha entrarão com um pedido de liminar na Justiça de Goiás para tentar assegurar a freqüência dele, que tem 8 anos, no curso de direito na Universidade Paulista (Unip) de Goiânia. Victor, que, atualmente, cursa a 4ª série do ensino fundamental, foi aprovado no vestibular há três dias, quando também pagou a taxa de matrícula. Mas foi barrado hoje na porta da faculdade».
Uma pessoa lê uma coisa destas e conclui que já não há Justiça neste mundo nem sequer em Goiás, e compreende, com generosidade de alma, a reacção agastada do Portelinha: «Como não posso ficar chateado?», terá perguntado o menino à mãe, segundo apurou o jornal: «Eu fui barrado no primeiro dia de aula...», reagiu».
Reagiu e bem! Muito bem. É que o Portelinha, segundo uma nota oficial da Unip, foi aprovado no exame vestibular na condição de treineiro e acrescenta a mesma fonte, em nota oficial «ele revelou boa capacidade de expressão e manejo eficiente da língua».
Ora aí bate o ponto: destro de língua, não pode o nininho ser jurista encartado, porquê?
Barra-se assim um «treineiro», discriminando-o pela idade, só por causa da idade?
O sonho do Portelinha é ser Juiz Federal. Pois que seja! Já vi coisas piores com mais idade, abra-se espaço para a juventude. Eu cá, voto no Portelinha, é o começo de uma nova era ou o apressar o fim desta, tanto faz.
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