Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Constitucionalidade e geometria variável

É interessante ver o Tribunal Constitucional decidir através de fórmulas como «Não julga inconstitucional a interpretação extraída dos artigos 1.º, n.º 2, e 17.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, que aprova o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na sua versão anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, no sentido de que apenas se admite [... etc] isto quando reiteradas vezes os recorrentes viram os seus recursos liminarmente rechaçados porque, segundo o mesmo Tribunal, estavam a colocar-lhe questões sobre a constitucionalidade da interpretação de normas jurídicas quando o Tribunal apenas poderia conhecer da constitucionalidade das próprias normas na sua dimensão normativa concreta.
Se não há duas medidas nesta apertada geometria complexa pelo qual o recurso se torna um jogo de equilíbrio de planos que nunca coincidem, não sei o que pense. 
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O aresto citado, a título de exemplo, está aqui.

Bom Ano!

De algum modo na Justiça todos damos o nosso contributo. Precisamos uns dos outros, pelo que ninguém se deve considerar auto-suficiente. Assim não se insista na lógica adversarial, na culpabilização do outro, na desvalorização do que não seja eu, espírito de casta.
A Justiça é horizonte, que se tenta transpor para cada caso, que deve informar quanto se legisla, tudo o que se decide. Assim se tenha a inteligência de aceitar que muitas vezes se erra, mas que errar não seja inevitabilidade que legitime e inconsciência moral, o desinteresse profissional, o preconceito ideológico, o revanchismo social.
Sem compreender a História não se entende como se chegou aqui, nem como poderá vir a configurar-se o futuro que nos espera. Assim se tenha da História uma noção crítica e pedagógica, e não a de mera erudição ou microscópica monografia que do conjunto faça perder a perspectiva.
Sem ter uma ideia cosmopolita do que seja a Justiça dos outros não conseguiremos relativizar os nossos problemas nem achar pistas para a sua solução. Assim se não tenha do Direito Comparado a noção de que serve para perfilar soluções que nos são estrangeiras ou listas de autores como se a melhor ideia fosse a numericamente mais numerosa em apoiantes.
Enfim, aqui estamos em novo dia de trabalho, se bem que, na nebulosa que é a visão do nosso quotidiano, fique a ideia de que a noção de dia útil corresponde, e ainda bem, à de todos os dias, e neles haja que encontrar sempre a hora do lazer e do descanso, sem o que a profissão é burocracia entediante e desumanizadora. 
Bom Ano a todos. Numa diminuta medida está nas nossas mãos. Contribuamos, pois!


P. S. A imagem sou eu aos 25 advogados. Advogada então já há alguns anos e estudava enfim Direito para tentar que outros o estudassem, na Faculdade de Direito em Lisboa. Muito do que mudou não alterou. Felizmente.

OE & CPP

O ano encerra com o Diário da República a publicar o Orçamento de Estado e nele, mantendo uma péssima tradição, a de publicar normas escondidas sobre ramos de Direito que dificilmente se podem considerar terem relevo orçamental directo, no caso duas ao Código de Processo Penal. São assim alterados os artigo 113º e 186º do referido diploma, no primeiro o n.º 13 e no segundo os seus números 3 e 4, os quais ficam assim redigido:

Artigo 113º

«13 - A notificação edital é feita mediante a afixação de um edital na porta da última residência do notificando e outro nos lugares para o efeito destinados pela respetiva junta de freguesia, seguida da publicação de anúncio na área de serviços digitais dos tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt.».

Esta nova redacção entra em vigor a 1 de Fevereiro de 2019.

A redacção anterior era a seguinte:

«13 - A notificação edital é feita mediante a afixação de um edital na porta do tribunal, outro na porta da última residência do arguido e outro nos lugares para o efeito destinados pela respectiva junta de freguesia. Sempre que tal for conveniente, é ordenada a publicação de anúncios em dois números seguidos de um dos jornais de maior circulação na localidade da última residência do arguido ou de maior circulação nacional.»

Suprime-se assim a colocação do edital na porta do tribunal, amplia-se o âmbito subjectivo da notificação a todos os notificandos e não apenas ao arguido, bem como a publicação em uma dos jornais de maior circulação.

Artigo 186º

«3 - As pessoas a quem devam ser restituídos os objetos são notificadas para procederem ao seu levantamento no prazo máximo de 60 dias, findo o qual, se não o fizerem, os objetos se consideram perdidos a favor do Estado.

«4 - Se se revelar comprovadamente impossível determinar a identidade ou o paradeiro das pessoas referidas no número anterior, procede-se, mediante despacho fundamentado do juiz, à notificação edital, sendo, nesse caso, de 90 dias o prazo máximo para levantamento dos objetos.»

A redacção anterior era esta:

«3 - As pessoas a quem devam ser restituídos os objectos são notificadas para procederem ao seu levantamento no prazo máximo de 90 dias, findo o qual passam a suportar os custos resultantes do seu depósito. 
«4 - Se as pessoas referidas no número anterior não procederem ao levantamento no prazo de um ano a contar da notificação referida no número anterior, os objectos consideram-se perdidos a favor do Estado.»

A modificação vai no sentido de 1/ admitir a notificação edital para o caso de ser comprovadamente impossível determinar a identidade ou o paradeiro das pessoas a quem devem os bens em causa ser restituídos 2/ estabelecer um regime pelo qual é decretada a perda dos objectos a favor do Estado após um prazo mais curto [sessenta dias] decorrido sobre a notificação para o levantamento, suprimindo o prazo actual de noventa dias.

Manifesto

Quando a escrita jurídica se libertar do aluvião de citações em pé de página e a escorrer no próprio texto, quando cada parágrafo, e até cada linha, vierem enxutos com o pensamento em si de quem escreve e não com a enxurrada torrencial de outros autores - tantos de outros momentos, outras perspectivas, outras oportunidades - como se, em incerteza, quem escreve precisasse, obsessivo,de companhia;
Quando reminiscências, vazias já de substância, provindas de um Direito Canónico que teve grandiosidade e sentido mas é de então, e palavras como dogmática puderem, enfim, encontrar substituição, e com isso tudo o que nelas ressoa de profissão inquestionável de fé, tudo estranho a um Direito que se quer interrogação de quem é capaz de pecar;
Quando cada obra pensada puder servir ao menos uma exigência do seu tempo e não os caprichos particulares de uma prova académica, e puder ser livremente, enfim, o que a individualidade do seu autor queira que ela seja e a escreva;
Quando do Direito houver a percepção de que ele é a luta pelo Direito, crise permanente de antagonismos, ânsia de homens imperfeitos, nisso incluídos os que se julgam definitivos julgadores;
Quando o Direito se libertar da vaidade de querer ser Ciência e se recriar como Arte, que o é, ao serviço do Justo, que é o Belo possível no Bem;
Quando o humano puder ser, no Direito, de novo, definitivamente, a medida de todas as leis, o critério de todas as decisões, o fundamento de todo o raciocínio;
Quando a massificação do Mal der trégua a que a lei da guilhotina seja eficácia na ânsia da sua erradicação e a gabar-se de generosidade;
Quando no Direito a Cultura deixar de ser feérica erudição mas, visto o mundo fora dos livros e sentida a lição da Natureza, a civilidade do relativo e a expectativa do possível;
Quando do Direito houver, em suma, a essência de um decálogo e não a multidão enciclopédica de regulamentos, europeus que sejam, precários por isso;
Quando cada um abandonar o projecto individual de ser caso de sucesso de entre os burocratas da repressão;
Quando, enfim, autores como eu, se livrarem da carroça do modo miúdo de cumprir, esgotados, a profissão e puderem, regressando ao estudo, a começar pelo das coisas básicas - e por elas se ousa a revisão - escrever, enfim, livros que não sejam divulgação e mera opinião e possam ser o que o intelecto alcançou e a sensibilidade apreendeu.

Quando tudo isto não for apenas exclamação de revolta ante uma vida por cumprir, mas programa e método para futuro, talvez eu possa encontrar paz para um juízo menos severo ao que tentei fazer. Até lá, haverá, sim, que rasgar e começar de novo. 

"A Luta pelo Direito é a Poesia do Carácter". Rudolph von Ihering disse-o, em 1872, na cidade de Viena.

Banco de Portugal: Aviso sobre branqueamento de capitais

Foi publicado o Aviso do Banco de Portugal n.º 2/2018, o qual, na sequência do determinado pela Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto e na Lei n.º 97/2017, de 23 de Agosto estabelece os aspectos necessários a assegurar o cumprimento dos deveres preventivos do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, no âmbito da actividade das entidades financeiras sujeitas à supervisão do Banco de Portugal. Texto integral, aqui. O normativo entra em vigor sessenta dias após a sua publicação, a qual ocorreu a 26 de Setembro.


Do preâmbulo, destacamos:

«A pertinência do presente Aviso decorre, assim, em primeira linha, da necessidade de dar cumprimento aos múltiplos mandatos dirigidos ao Banco de Portugal pelos diplomas a que se fez referência. Em razão, porém, das profundas alterações introduzidas pelo referido quadro legal e, bem assim, da sua sobreposição, em vários planos, com os vários diplomas regulamentares vigentes, impõe-se uma revisão das normas regulamentares aplicáveis nesta matéria, com particular destaque para o Aviso do Banco de Portugal n.º 5/2013, de 18 de dezembro, o qual será revogado com a aprovação do presente Aviso. Complementarmente, e em concretização do n.º 3 do artigo 154.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, o Banco de Portugal considera oportuno fazer aprovar um conjunto de normas destinadas a regulamentar os artigos 7.º, 8.º, 11.º e 12.º do Regulamento (UE) 2015/847, nas quais se incorporam as Orientações Conjuntas emitidas pelas Autoridades Europeias de Supervisão em conformidade com o artigo 25.º do Regulamento (UE) 2015/847.

«Adicionalmente, pelo presente Aviso pretende-se, ainda, contribuir para a simplificação do quadro regulamentar aplicável nesta matéria, pela sistematização num único Aviso, de matérias que atualmente se encontram dispersas por diferentes instrumentos regulamentares. Assim, e por um lado, procede-se, pelo presente Aviso, à unificação num mesmo reporte - o "Relatório de Prevenção do Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo" - da informação até aqui era transmitida ao Banco de Portugal por intermédio de dois reportes obrigatórios distintos: o Relatório de Prevenção do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo ("RPB") e do Questionário de Auto-Avaliação ("QAA"), regulados pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 9/2012 e pela Instrução n.º 46/2012, respetivamente. Em consequência deste novo regime, estes diplomas regulamentares serão revogados pela entrada em vigor do presente Aviso.

«Por outro lado, regulamentam-se, ainda, pelo presente Aviso os requisitos de admissibilidade do recurso à videoconferência e à identificação por prestadores qualificados de serviços de confiança, enquanto meios ou procedimentos alternativos de comprovação dos elementos identificativos que ofereçam graus de segurança idênticos aos exemplificados nas subalíneas i) e ii) da alínea c) do n.º 4 do artigo 25.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto. Incorpora-se, por esta via, o regime contido na Instrução n.º 9/2017, a qual será, por essa razão, revogada com a aprovação do presente Aviso.

«Por último, em concretização do disposto no artigo 67.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, consagra-se no presente Aviso um regime próprio aplicável ao Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo, em ordem a responder às suas especificidades.»

A singularidade do plural

Doravante não mais citarei um acórdão com menção ao nome do relator. 
Trata-se, no que aos acórdãos respeita, de acto colegial, convénio de vontades, que se supõem convergentes . 
Quando não há essa convergência, tem lugar o voto de vencido, individualizado e assinado.
A menção destacada ao relator inculca a ideia de que, naquele acto, um decidiu e os outros aderem, é o triunfo do individual sobre o plural.
Por lei, o que das mãos do relator sai é um projecto; se foi modificado ou não, quando da discussão, e se discussão chegou sequer a haver ou mera audição de resumo e assinatura, eis o que a mesma lei exige fique em sigilo.
Já basta o legislador ter tornado o que seria um colectivo de três em dois, porquanto o presidente só intervém havendo empate; agora a isso juntar o facto de ser possível dizer-se que, quando polémico, se assinou sem ler ou que a narrativa da decisão a outro pertence, isso não: será, numa aritmética degradante, tornar três em dois e dois em um, passarem os acórdãos a não se distinguirem de sentenças uninominais.
A solenidade de uma sentença, o prestígio da Justiça, exigem que, sendo secreta a deliberação e público o deliberado, aquele texto seja, sem discrepância, no decidido e na fundamentação, uma só voz.
De outro modo, como já chegou a ser escrito num muro contíguo ao Tribunal da Boa Hora, um destes dias, «sentença é uma opinião!»

Concorrência: o que é um cartel

A Autoridade da Concorrência [site aqui] difundiu um podcast de divulgação quanto ao que seja um cartel e o programa de clemência. A ouvir aqui.

CEJ: catálogo on line

Imparável, a actividade editorial do CEJ. Acaba de ser publicado, o catálogo das publicações que podem ser acedidas on line e gratuitamente. Verdadeiro serviço público para todos os juristas. Há que tornar pública uma palavra de gratidão. A consultar aqui.

Regime Jurídico da Auditoria: alterações em projecto

Conforme se informa no seu site [ver aqui] a a CMVM decidiu submeter a consulta pública um anteprojeto sobre o regime jurídico da auditoria, abrangendo alterações: - Ao Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (EOROC), aprovado pela Lei n.º 140/2015 de 7 de setembro; - À Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro (na sua redação atual); - Ao Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria (RJSA), aprovado pela Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro (na sua redação atual). O anteprojeto foi preparado pela CMVM, cabendo ao Governo e à Assembleia da República a responsabilidade última pelas decisões legislativas neste domínio. Sem prejuízo, a CMVM reconhece a importância de este tema contar com uma discussão alargada e participada, razão pela qual promove a presente consulta pública, ao abrigo do disposto nos arts. 11.º e 12.º do Código do Procedimento Administrativo.
O documento de consulta está aqui e o anteprojecto aqui.

Vagabundagem...

Começou a tornar-se indiferente haver férias ou não haver, pelo menos para aqueles que estão sujeitos a prazos que correm sempre, a prazos que nunca se sabe quando se interrompem nem como se contam, a prazos que liquidam direitos alheios, prazos que se interpõem entre a Justiça e a sua garantia, prazos cuja natureza varia em função de critérios de lógica inconsistente.
Tempos terá havido em que era possível compatibilizar a vida pessoal com a profissional, em que sobejava temo para a cultura, o convívio, o lazer, ou até para coisa nenhuma.
Hoje é privilégio dos que têm quem trabalhe por eles. Algo que seja para além da profissão tem de ser subtraído ao descanso. Tornámo-nos mendigos de tempo, ladrões de sono, noctívagos em busca de liberdade.
Acho que hoje terá começado o ano judicial.
Talvez a solução pudesse ser anular a diferença entre dias úteis e não úteis, e não sentir remorsos por uma nesga de vadiagem em dia de semana. Entre o dia e a noite, e e assim dar largas àquele nosso lado mau, estar contente por não fazer nada enquanto os outros trabalham.
Mas como as obrigações anulam os entusiasmos, o resultado é essa anulação ser a favor do que tem de ser feito e não do que gostaríamos de ter feito.
Bom, não querendo que este texto inaugural entre na lógica da lamúria, estes intervalos oficiais trazem ideias e planos. Com o tempo aprendi a guardá-los para mim, para evitar que se note quando não cumpro.
Num mundo de auto-promoção e de gestão por objectivos os começos de ano são tempo de vaidosa promessa, os fins de ano tempo da glória pelos resultados. Quem estiver fora deste carril é melhor que se cale. E eis o que vou fazer agora. O próximo texto vai ser sobre as questões que dão razão a este blog. Até lá um pouco de vagabundagem literária, ilusão de que não estou carregado de responsabilidades.