Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A reserva, de caça

Uma pessoa vai a um julgamento. A imprensa relata o que acha que lá se passou. Se às vezes não é assim, outras vezes não é bem assim e muitas vezes não é sequer mesmo assim. Isto quando as audiências são públicas e há testemunhas que podem ler o jornal e compararem atónitas o lido com aquilo a que assistiram.
As causa dessa disfunção mediática são conhecidas: desatenção, impreparação, vontade de fazer notícia aquilo que muitas vezes é o lado menor do que foi julgado e coisas piores que são a alma e o motivo de certas «fontes».
Nasce daí a chamada «opinião pública».
A concorrência feroz nos media lança-os na caça ao escândalo, nivelando-os pelo sensacionalismo! Os partidos da governação já não se distinguem, a comunicação social já se confunde. Mesmo alguma imprensa económica, que deveria ser uma referência de rigor e distância, segue na onda.
Ora os blogs, e falo dos jurídicos, ganharam o hábito de copiar o que vem proclamado nos jormais, raramente os desanimados desmentidos, muitos menos os que saem encafuados desprezivelmente como cartas dos leitores. Os seus fiéis, que são juristas na sua esmagadora maioria, tomam como referência o «post», como se o ter afixado a notícia num tal sítio a torne mais credível.
Chega então a vez dos comentadores, quantos anónimos. A coberto dessa máscara, tomando como certezas o que leram, largam a opinar quase sempre agrestes, reprovadores, ásperos no adjectivo, impantes no julgar dos outros.
Seguem-se os que opinam sobre os que opinam. O tom sobe de ardor e a linguagem desce de nível. Chegam quase a vias de facto, num ridículo pugilato de cegos, sem nome, sem referência, luta de pseudónimos virtuais.
Passadas umas horas muda-se de asunto. Passou o jornal da manhã, veio a notícia on line da tarde, mais logo é o zapping na televisão: o matadouro prossegue, em busca de sangue fresco e de mais cadávares.
Uma pessoa vai a um julgamento e corre o risco de ver-se maltratada na praça pública pelo que fez e pelo que não fez, por uma caricatura de si.
Quando o processo ainda é secreto para os interessados e esburacado para certos meios, é o que se imagina.
Mandam as regras que, ante o que se diz nos media sobre processos pendentes se fique de bico calado. A mesma lei que impõe o dever de reserva aos profissionais forenses, abre as goelas aos que propalam, aos que especulam, aos que caluniam.
É um sistema magnífico este, apto a achincalhar impunemente.
Chama-se a liberdade de expressão e a publicidade das audiências e é isto um dos pilares da democracia. Magnífico sistema que a democracia inventou para rebentar de vez com a democracia!

Da precipitação ao precipício

Deve um director de polícia comentar um processo que está sob a alçada do MP? Deve o MP comentar processos que estão sob a alçada das polícias? Devem juízes, advogados, procuradores, polícias e paisanos comentarem os processos de uns e de outros, mesmo que sobre eles saibam nada?
Deve uma frase precipitada, a falar em precipitação, dar azo a tanta opinião precipitada? Andamos todos a reboque do individual sempre a pôr em causa o geral?
Aceita tanta gente ter minutos de tempo de antena para falar de coisas que têm anos de história e levam meses a mudar?
Não estamos a precipitarmo-nos pelo abismo da vulgaridade, com o país, divertido, a ver?
São perguntas, só perguntas, não estou em posição de afirmar.

Repetição e inovação

Num momento de um curso de formação organizado pela ASJP, permiti-me que, convocando a lição da vida, perguntar:
«Fale a experiência, na forma de uma pergunta: em quantos casos em que, tendo havido, por via da anulação, repetição do julgamento, não se obteve uma outra versão, quando não mesmo uma outra história diversa da que resultou do antecedente julgamento?

Exaspere-se a pergunta: quantas vezes cada repetição [e há casos de julgamentos repetidos três e quatro vezes] não se obteve de cada vez uma realidade, criando a séria convicção de que outras repetições dariam à Justiça a hipótese de encontrar uma nova fantasia de um real inatingível?

Do ponto de vista gnoseológico, o sistema de recursos deveria permitir, pois que reexaminando-se o julgado, uma melhor, mais rigorosa e mais exacta reconstituição do real, como se numa epistemologia genética, o conhecer se alcançasse pela reiteração da observação. Assim não é!»

À pai Adão

Estou a acabar de ler a «correspondência» trocada entre o Vergílio Ferreira e o Jorge de Sena, que a Imprensa Nacional editou em 1987 na sua «Biblioteca de Autores Portugueses».
Sena foi uma daquelas criaturas que tinha de si a mais extremosa opinião e que considerava, num registo que em si já era amável «a humanidade vil, hipócrita, porca e canalha»; o Vergílio Ferreira, que também se não tinha em má conta, embora se angustiasse com a tragédia dessa sua grandeza, lá lhe ia respondendo, dorido, em letra miudinha e escrita minuciosa.
Vem isto aqui, neste blog jurídico que deveria tratar de desumanidades, por causa de um instante de uma carta sua, escrita, a partir da sua casa na Avenida dos Estados Unidos da América, estando Sena na própria América e já naturalizado americano. Comentavam a extinção da Sociedade Portuguesa de Autores, ocorrida nesse ano de 1965: «Voltámos à justiça bíblica que condenou a Humanidade só porque Adão gostava de fruta».
Aqui fica, como tema para a meditação dominical de Vossas Excelências.

O que eu disse

Esta noite em Évora disse isto:

«Meus Colegas. O Presidente do Conselho Superior tem o dever de reserva. Ele não integra os órgãos executivos da Ordem, ele não é um contra-poder, ele não é um Bastonário sombra. Há, porém, uma matéria à qual não nos esquivamos, dentro da nossa casa, ter uma palavra a dizer. Segundo a imprensa, o Bastonário tornou público que: «Existe em Portugal uma criminalidade muito importante, do mais nocivo para o Estado e para a sociedade, e que andam por aí impunemente alguns a exibir os benefícios e os lucros dessa criminalidade e não há mecanismos de lhes tocar. Alguns até ostensivamente ocupam cargos relevantes no Estado Português» E o Bastonário acrescentou, segundo a mesma imprensa: «Há pessoas com cargos de relevo no Estado português que cometem crimes impunemente» e que em breve poderá avançar com casos concretos.
Ante isso, o Procurador-Geral da República, por considerar graves as afirmações, ordenou a instauração de um inquérito criminal. Sobre isso pronunciou-se já o Primeiro-Ministro.
Não cabe ao Presidente do Conselho Superior comentar estas afirmações do Bastonário, nem o momento ou o modo escolhido para as proferir, ou o resultado das mesmas. Ao Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados compete zelar pelo cumprimento da legislação respeitante à Ordem dos Advogados; entre essa está o Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo o qual são atribuições da Ordem dos Advogados «defender o Estado de Direito».
Ora o Estado de Direito é incompatível com a existência de pessoas com cargos de relevo no Estado português que cometam crimes impunemente.
Ao Bastonário que proferiu a afirmação caberá cumprir os seus deveres em face do afirmado. Que as instituições funcionem. O nosso silêncio será um contributo para isso».

Não tenho nada mais a dizer. A partir daqui, cada um que conclua.

As prioridades prioritárias

Primeiro foi a Assembleia da República a ter aprovado a Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, a «lei quadro da política criminal». Depois foi, para valer para o biénio 2007-2009, a mesma Assembleia a aprovar a Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto, a qual definiu «os objectivos, prioridades e orientações de política criminal». Finalmente, é o PGR, através da Circular n.º 1/08, a emitir «Directivas e Instruções Genéricas em matéria de execução da Lei sobre Política Criminal».

Segundo essa circular, passa a ser dada «prioridade absoluta» aos «processos com arguidos detidos e ao processos relativos a crimes cujo prazo de prescrição se mostre próximo do seu fim»; passa a ser concedida «especial prioridade» à investigação de processos referentes a um catálogo de crimes, que já foi divulgado na imprensa. Ora lendo isto tudo, assaltam-nos as seguintes dúvidas:

1ª Fala-se em prioridade absoluta em relação a processos «com arguidos detidos», mas é de crer que o PGR haveria de querer reportar-se aos processos com arguidos detidos e presos preventivamente. Pergunto: não haverá lapso?

2ª Lendo o artigo 4º da Lei n.º 51/2007 vê-se que nele se enuncia um catálogo amplo de «crimes de investigação prioritária» [o qual engloba homicídios, os furtos, as falsificações, o branqueamento de capitais, o contrabando e um enorme acervo de outros ilícitos]; mas vendo a circular do PGR nota-se que nela apenas se prevê como «de investigação prioritária» um enunciado absolutamente reduzido de entre a vasta lista parlamentar. Pergunto: por directiva da PGR deixou de ser prioritário aquilo que a AR disse que o era? Ou estarei a ler mal?

3ª A Lei de Bases falou em «prioridades» [«nas acções de prevenção, na investigação e no procedimento»] e em «regime de prioridades» [plural a evidenciar que poderia haver várias -]; a Lei bienal n.º 51/2007 veio, no seu artigo 4º, reiterar a noção de investigação prioritária; a Directiva do PGR, inovatoriamente, veio distinguir como vimos a «prioridade aboluta» e a «especial prioridade». Pergunto: com que fundamento legal?

4ª Como a Lei bienal citada definiu, no seu artigo 9º em que consistia a «investigação prioritária», pois que a Lei de Bases mas não dissera pela positiva em que consistia e, pelo contrário, pela negativa ajudou à confusão conceitual, ao refererir que «o regime de prioridades não prejudica o reconhecimento de carácter urgente a processos, nos termos legalmente previstos» [o que mostra que pode ser urgente mas não prioritário, e permite pensar que sendo prioritário pode não ser urgente...]. Pergunto: ante esta dupla modalidade de prioridades definida pela circular do PGR, ´como definir cada uma?

Está visto: em matéria de prioridades [da política criminal], é prioritário uma pessoa esclarecer-se. Peço, pois, ajuda.

A instrução a caminho da morte

Um incauto requer a abertura de instrução, por ver na lei que é uma fase destinada a fazer comprovar, através de um juiz, a decisão do Ministério Público em tê-lo acusado.
Se esse juiz rejeitar todas as diligências de prova que o incauto tiver requerido, este não pode recorrer. Se o referido juiz, no final da instrução, aceitar tal e qual a acusação do Ministério Público, o incauto não pode recorrer. Se o incauto tiver suscitado nulidades, irregularidades, seja o que for sejam as chamadas questões prévias, e o juiz indeferir tudo quando o pronunciar, também não pode recorrer.
O incauto é o arguido, a quem a Constituição garante pomposamente todas as garantias de defesa.
Eis o produto final da última reforma feita ao Código de Processo Penal, sob a bandeira do que se diz chamar o Estado de Direito Democrático.
Sob a Ditadura do que então se proclamava como o Estado Novo a instrução contraditória morreu de morte natural; esta, a de um regime político que já nem sei o que seja, que já nem contraditória se chama, vai a caminho do mesmo, connosco todos a colaborarmos no enterro.

Segurem-se!

Segundo se no site do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público: «No final do mês entrará em vigor a Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro (Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas).O diploma mencionado prevê a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, gozando o Estado do direito de regresso contra os Magistrados quando estes tenham agido com dolo ou culpa grave. Por forma a acautelar a situação patrimonial dos sócios em eventuais acções de regresso, o SMMP subscreveu já há algum tempo um protocolo com a Caixa Geral de Depósitos em que se associou um seguro de responsabilidade civil profissional de 50.000 Euros a um cartão de crédito personalizado com o símbolo do Sindicato. De modo a usufruírem desta vantagem os sócios deverão subscrever o cartão de crédito».
Eis o MP a jogar pelo seguro. Um desses dias as acusações penais terminarão com a assinatura do magistrado que as subscreve - em vez do gatafunho ilegível que por vezes ali surge a dar-lhes o benefício do anonimato - e a indicação do valor da apólice do seu subscritor.

Taxa de justiça: o pagamento e a prova

O Tribunal da Relação deLisboa, por acórdão de 19 de Dezembro de 2007 [proferido no processo n.º processo 9388/07, da 3ª Secção, relator Varges Gomes] definiu em matéria de tempestividade do pagamento da taxa de justiça devida pelo requerimento de abertura de instrução que: «I – Nos termos do n.º 1 do art. 80.º do Código das Custas Judiciais, a taxa de justiça, que seja condição de abertura da instrução, de constituição de assistente ou de seguimento de recurso, tem de ser autoliquidada e o documento comprovativo do seu pagamento junto ao processo no momento da apresentação do respectivo requerimento na secretaria; II – Essa autoliquidação e junção do comprovativo do pagamento só pode ter lugar nos 10 dias subsequentes, nos termos do último segmento do citado preceito, nos casos em que qualquer dos referidos requerimentos seja formulado em acta; III – No entanto, deve entender-se que satisfaz ainda os requisitos enunciados em I, não sendo por isso de sancionar com o acréscimo de taxa de justiça cominado no n.º 2 do citado preceito, um requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente se este, tendo embora procedido à autoliquidação daquela taxa em momento anterior à sua apresentação, só veio a juntar posteriormente o documento comprovativo desse pagamento. IV – É que a circunstância de a respectiva prova não ter acompanhado o requerimento em causa não pode ter a mesma consequência que resultaria do facto de aquela autoliquidação só ter sido feita posteriormente à formulação do requerimento».
É a distinção entre o ter pago e o ter provado que se pagou a iluminar este entendimento.

Directiva do PGR sobre a política criminal

O PGR emitiu «Directivas e instruções genéricas, tendo em vista a prossecução dos objectivos, prioridades e orientações de política criminal definidos pela Lei 51/2007, de 31 de Agosto, para o biénio 2007/2009». Estão aqui.
As orientações cobrem (i) crimes de investigação prioritária (ii) orientações sobre a pequena criminalidade (iii) orientações gerais sobre a execução da política criminal (iv) e órgãos de polícia criminal.
Dirigem-se ao Ministério Público, mas «vinculam também os órgãos de polícia criminal nos termos do art. 9º, nº 2, da Lei nº 51/2007, de 31 de Agosto, e do artigo 11º da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio».