Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Violência de género


Teve lugar na Ordem dos Advogados um encontro, promovido pela sua Comissão para a Igualdade de Género e Violência Doméstica, dedicado ao tema Violência de Género. A Comissão é presidida pela Advogada Isabel Cunha Gil e constituída pelas advogadas Leonor Chastre e Cláudia Amorim e pelo professor Henrique Salinas.

Tive intervenção no painel atinente à necessidade de alterar o sistema legal, e fi-lo não com um texto escrito mas com uma improvisação oral baseada em notas de orientação. Centrei-me na tutela penal, não sem mencionar que uma efectiva delimitação de uma área eficaz de protecção não se reconduz a tal espécie de defesa.

Aqui fica [para a eventualidade de interessar] um apontamento sucinto do que disse.

reduzir [em termos de violência de género] o tema ao binário homem/mulher é, ante a situação contemporânea, redutor [haja em vistas casos, que se disseminam de violência sobre seres humanos a qual decorre unicamente da exposição pública pelos mesmos do que entendem ser a sua identidade sexual e o modo de a exteriorizar, o que desencadeia nos agressores estados psicológicos de repúdio e de violência];

este alargamento que no presente momento histórico e em Portugal é a questão do feminino que é a prevalente, evidenciando os números que a violência de género vitimiza de modo significativo as mulheres [e por decorrência as crianças, no caso de se exercer no domínio da relação de casamento ou união de facto ou no quadro da parentalidade];

para o rigor dos conceitos importa distinguir face às categorizações hoje adquiridas (i) sexo, que é biológico e original (ii) orientação sexual [hetero homo, bi, assexual ou pansexual] (iii) género [categoria atinente à identidade sexual sentida pelo próprio, situação por essência mutável];

no que se refere à violência, importa relevar as seguintes situações (i) física (ii) psicológica/emocional (iii) sexual (iv) reprodutiva [imposição de uma escolha quanto à existência de filhos] (iv) parental [relativa ao exercício da parentalidade] (v) verbal (vi) por representação [nomeadamente nos media e publicidade] (vii) económica [restrição à capacidade de produção e ganho ou à percepção dos proventos respectivos];

quanto aos territórios em que se exerce a mesma poderá ser (i) no quadro do casamento ou de uma união de facto (ii) no namoro (iii) doméstica em geral [em situações de partilha de espaço habitacional] (iv) laboral [no quadro do exercício profissional] 

a nível legislativo substantivo é discutível (i) se importa modificar os tipos legais de protecção de modo a alargar a tutela a estas situações ou (ii) se será mais adequada a formulação de um corpo normativo estruturado e coerente que a todas se refira, clausulando as especificidades que houver que relevar;

ainda a nível legislativo substantivo importa considerar quais os valores que carecem de protecção legal e integram assim a noção de bem jurídico relevante, nomeadamente (i) a vida e integridade física (ii) a integridade moral (iii) a liberdade de autodeterminação (iv) a dignidade da pessoa humana (v) a coesão social (vi) o património;

finalmente a nível legislativo processual, importa editar normas respeitantes (i) à prova [modo de recolha, protecção da prova] (ii) aos meios de intervenção processual [estatuto de assistente da vítima ou de associações representativas credenciadas] (iii) ao acesso à justiça (iv) às medidas coactivas e de monitorização (v) ao ressarcimento e reintegração da vítima (vi) à prevenção efectiva da reincidência.

Comissão Europeia & Estado de Direito

[Segundo comunicado oficial hoje difundido] a Comissão Europeia lança um processo de reflexão sobre o Estado de direito na União Europeia a fim de definir eventuais medidas futuras.

Eis a notícia:

«A comunicação hoje apresentada faz o balanço dos instrumentos disponíveis para fiscalizar, avaliar e proteger o Estado de direito na União. Analisa igualmente a experiência dos últimos anos, a fim de aprofundar o debate europeu sobre a forma de reforçar o Estado de direito. A experiência já adquirida, em particular, aponta para a necessidade de uma melhor promoção do Estado de direito, da prevenção atempada de riscos de violação e de formular uma resposta eficaz aos problemas que possam ocorrer neste domínio na União.

O primeiro vice-presidente da Comissão, Frans Timmermans, declarou: «A capacidade da União para defender o Estado de direito é essencial, agora mais do que nunca. Em primeiro lugar porque se trata de uma questão de valores fundamentais, uma questão de saber “quem somos”. Em segundo lugar, porque o funcionamento da UE no seu conjunto depende do Estado de direito em todos os Estados-Membros. Chegou o momento de refletir em conjunto com todas as instituições, os Estados-Membros, as diferentes autoridades e as partes interessadas sobre a forma de defender e reforçar o Estado de direito na União.»

Nos últimos anos, o Estado de direito na Europa tem sido sujeito a uma pressão cada vez maior. Os debates mantidos na União, assim como a nível internacional e da sociedade civil, demonstram que existem preocupações concretas comuns. Tornou-se evidente que é preciso envidar mais esforços para defender, reforçar e fazer respeitar o Estado de direito em toda a União. Com base nos debates em curso e na experiência já adquirida, a comunicação hoje publicada visa dar início a esse processo, estabelecendo pistas de reflexão para a ação futura.

Vias possíveis para o futuro

A defesa, o reforço e o respeito do Estado de direito na União são da responsabilidade comum das instituições da UE e de todos os Estados-Membros. A Comissão já utilizou uma vasta gama de instrumentos para fiscalizar, avaliar e responder às preocupações relativas ao Estado de direito nos Estados-Membros, incluindo o enquadramento do Estado de direito da UE, o procedimento previsto no artigo 7.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia, os processos de infração, bem como o Semestre Europeu, o Painel de Avaliação da Justiça na UE ou o Mecanismo de Cooperação e de Verificação. Com base na experiência já adquirida com estes instrumentos, a Comissão definiu hoje três pilares suscetíveis de contribuir para uma aplicação mais efetiva do Estado de direito na União:

· Melhor promoção: as normas do Estado de direito e a jurisprudência neste domínio nem sempre são suficientemente divulgadas a nível nacional. Para resolver este problema, devem ser envidados esforços no sentido de promover melhor as normas do Estado de direito e a jurisprudência a nível nacional. Poderão ser alcançados resultados mediante atividades de comunicação destinadas ao público, abordagens comuns da UE que ajudem a reforçar uma cultura do Estado de direito em todas as instituições e profissões, o empenho contínuo do Conselho da Europa e a participação da sociedade civil a nível regional e local.

· Prevenção atempada: Embora a responsabilidade primordial de garantir o respeito pelo Estado de direito a nível nacional incumba aos Estados-Membros, a UE pode prestar um apoio importante para reforçar a resiliência dos principais sistemas e instituições. A cooperação e o diálogo permanentes poderão contribuir para uma maior compreensão da situação e da evolução do Estado de direito nos Estados-Membros e para resolver rapidamente eventuais problemas que ocorram neste domínio.

· Resposta adaptada: A heterogeneidade dos problemas em matéria de Estado de direito requer uma diversidade de respostas eficazes. A Comissão continuará a assegurar a correta aplicação da legislação da UE através de processos de infração. Também pode ser adequado adotar abordagens diferentes em áreas específicas, como sucede com a proposta da Comissão relativa à proteção dos interesses financeiros da UE. Além disso, o atual enquadramento do Estado de direito poderá ser aperfeiçoado, contemplando a informação atempada e o apoio do Parlamento Europeu e do Conselho, bem como um calendário claro para a duração dos diálogos.

Próximas etapas

A Comissão convida agora o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu e o Conselho, bem como os Estados-Membros e as partes interessadas, incluindo as redes judiciárias e a sociedade civil, a refletirem sobre as questões suscitadas na comunicação e a contribuírem com ideias concretas para reforçar futuramente os instrumentos existentes em matéria de Estado de direito.

Com base neste processo de reflexão e nos debates em curso, a Comissão tenciona apresentar as suas próprias conclusões e propostas em junho de 2019.

Contexto

O Estado de direito é um dos valores comuns em que a União Europeia assenta, tendo sido adotado por todos os Estados-Membros e consagrado no artigo 2.º do Tratado da União Europeia. É igualmente essencial para o funcionamento da UE no seu conjunto, por exemplo no que diz respeito ao mercado interno, à cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos, e para garantir que os juízes nacionais, que também são «juízes da UE», podem exercer o seu papel para fazer cumprir o direito da UE e interagir adequadamente com o Tribunal de Justiça da UE no âmbito de pedidos de decisão a título prejudicial. Por força dos Tratados, incumbe à Comissão Europeia, juntamente com as outras instituições e os Estados‑Membros, garantir o Estado de direito enquanto valor fundamental da União e assegurar o respeito da legislação, dos valores e dos princípios da UE.

A Comissão dispõe de uma vasta gama de instrumentos para fiscalizar, avaliar e responder adequadamente aos problemas em matéria de Estado de direito nos Estados-Membros, incluindo, os processos de infração, o Semestre Europeu, o Painel de Avaliação da Justiça na UE ou o Mecanismo de Cooperação e de Verificação. Em 11 de março de 2014, a Comissão Europeia adotou um novo quadro normativo para enfrentar as ameaças sistémicas ao Estado de direito em qualquer dos Estados-Membros da UE. Esse quadro criou um instrumento que permite à Comissão iniciar um diálogo com o Estado-Membro em causa, a fim de prevenir o agravamento de ameaças sistémicas ao Estado de direito. O instrumento mais emblemático, ainda que excecional, para defender o Estado de direito é o procedimento previsto no artigo 7.º do TUE, que permite à UE agir em caso de violação grave do Estado de direito num Estado-Membro. Até à data, esse procedimento só foi desencadeado em dois casos concretos: em dezembro de 2017, no caso da Polónia (pela Comissão) e em setembro de 2018, no caso da Hungria (pelo Parlamento Europeu).»

Brasil: réditos da delação premiada

Cito do portal da Procuradoria-Geral do Brasil, citando declarações da Procuradora-Geral Raquel Dodge [texto integral aqui]:

«A maior parte (70,8%) dos investigados que firmaram acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR), e que foram homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é empresário. Os políticos, por outro lado, representam apenas 2,3% do total. Juntos, os 216 colaboradores se comprometeram a pagar cerca de R$ 1,3 bilhão em multas extrapenais (R$ 1.284.292.753,67). Os dados foram extraídos do Sistema de Monitoramento de Colaborações (Simco), desenvolvido pela PGR. A ferramenta, que já está em operação, permitirá o acompanhamento integral dos acordos, além de fornecer alertas aos investigadores em relação a providências que devem ser tomadas em cada procedimento. O principal propósito é garantir a efetividade das colaborações com o cumprimento integral das cláusulas do acordo tanto as de natureza patrimonial quanto as referentes às chamadas penas corporais (de prisão).»

[...]

«Desde a homologação do primeiro acordo pelo STF, em 2014, foram recuperados aproximadamente R$ 1 bilhão: R$ 741.942.085,27 em multas e R$ 243.130.743,81 em perdimentos. Deste total, pouco mais de R$ 300 milhões (R$ 305.454.629,17) já foram destinados, ou seja, retornaram aos órgãos públicos lesados conforme decisão do relator do acordo. A diferença dos valores segue depositada em conta judicial na Caixa Econômica Federal e, segundo explicou a secretária da Função Penal Originária no STF, Raquel Branquinho, o objetivo é agilizar a destinação dos valores com as devidas correções. “A partir do conhecimento rápido de que um pagamento foi feito pelo colaborador, podemos providenciar o repasse no menor tempo possível garantindo o cumprimento da colaboração”, completou Raquel Dodge.
Ainda em relação aos dados patrimoniais das colaborações, o sistema aponta que, neste momento, as parcelas de multas vencidas e ainda não pagas pelos colaboradores representam 7,3%. A PGR está cobrando R$ 94.580.883,92 de 25 inadimplentes. Já os compromissos que ainda não venceram ultrapassa R$ 450 milhões (R$ 450.757.285,13). Em relação ao perdimento, a previsão é que devem ser devolvidos aos cofres públicos nacionais R$ 193.953.485,08, além de 1 milhão de libras e US$ 125.662.967,70.»

Pagar, publicar, propagandear!

Houve tempos em que se solicitavam artigos jurídicos e estava fora de questão serem pagos. Houve tempos em que publicar um artigo jurídico era honra e acto de coragem intelectual, expondo-se o autor à severidade dos seus leitores.
Hoje esse mundo não morreu, mas há um outro, florescente, a gerar negócio, com banca montada no mundo editorial internacional.
Há aí hoje um tempo em que se paga para publicar um artigo jurídico. Há hoje um tempo em que, ao publicar-se um artigo jurídico que se pagou, se abre a porta para vir à praça pública proclamar ser o seu autor.
Fica com isso a ideia de que o escrevente é de tal modo prestigiado entre os seus pares que teve a honra de ter coluna aberta naquele periódico, ideia difusa porque, neste mundo torrencial de informação, imensos  acreditam em quase nada e quase todos desconfiam de que o dourado esconda latão. E tudo se dissolve na indiferença.
Recebo inúmeros emails a anunciar-me como eleito para que escreva em publicações internacionais com aura e cara de muito prestígio. Anunciam que serei lido entre a elite dos que contam e, sobretudo, aumentarei os meus ganhos financeiros com a profissão ao ser lido e tido. E dizem mesmo qual é o preço, com ou sem fotografia, incluindo ou não o meu currículo. 
É tudo um mundo do faz de conta. A ânsia concorrencial abre a porta ao negócio. Há os que têm o minuto de glória da newsletter que anuncia o feito, para gáudio próprio e ferro na concorrência que, para não ficar no pelotão, faz o mesmo, fingindo que acredita.

Branqueamento de capitais: dia negro para a lista negra

O facto passou despercebido: a rejeição unânime pelos ministros da Justiça e do Interior da União Europeia do que seria a nova lista negra de países não cooperantes em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, a qual vinha proposta pela Comissão Europeia. 
Mais do que a rejeição, significativos são dois factos: a acusação apontada à Comissão de não ter sido transparente no processo e a fissura que parece existir quanto a esta matéria num momento particularmente sensível do processo. Ver a notícia oficial aqui.
Numa declaração pública, o Conselho justifica a sua decisão argumentando que «não pode apoiar a atual proposta, que não teve por base um processo transparente e resiliente que incentive ativamente os países afetados a tomar medidas decisivas e que respeite simultaneamente o seu direito a serem ouvidos». [ver o texto integral aqui]
A actual lista abrange 16 jurisdições, a proposta visava chegar ao número de 23 [ver o seu texto aqui], o que passava pela inclusão da Arábia Saudita, o Panamá, e quatro territórios norte-americanos [Samoa, USA Virgin Islands, Puerto Rico e Guam], para além do Afganistão, Bahamas, Coreia do Norte, Etiópia, Ghana, Irão, Iraque, Líbia, Bigéria, Paquistão, Sri Lanka, Síria, Trinidad e Tobago, Tunísia e Iémen.
A Comissão terá agora de propor um novo projeto de lista de países terceiros de risco elevado para dar resposta às preocupações dos Estados-Membros.

Direito Penal e a prova dos nove: o exemplo americano

A ideia de que o Direito Penal obedece a critérios de lógica e de aritmética é uma das funestas ilusões dos que saem das Faculdades de Direito e entram na vida prática. É tanto menos assim desde a entrada em vigor do Código Penal de 1982, com o espectro diversificado no âmbito da dosimetria penal abstracta e com a ampla possibilidade de atenuação especial e de penas alternativas, o que tem levado à disseminação das penas suspensas, ou seja ao fosso entre as penas previstas na lei e as efectivamente decretadas e entre estas e as efectivamente sofridas.
Num tempo em que grassa uma hipnótica fixação nas soluções oriundas do Direito norte-americano, um facto relevante ocorreu esta semana no âmbito da proporcionalidade das penas.
Existem, como se sabe, no Direito Criminal Federal norte-americano as denominadas Guidelines, que são critérios orientadores para a aplicação de penas, após o veredicto sobre a culpa. Podem ser consultadas aqui. São balizas dentro das quais o julgador deverá agir ao sentenciar. Este ano está em aberto a possibilidade da sua revisão [ver aqui]. Criam a ilusão de ordem, organização, racionalidade, método, proporcionalidade e igualdade.
Há inclusivamente já um portal que oferece uma estimativa de cálculo da pena expectável [ver aqui], Um espaço de reflexão e de sistematização de dados sobre as mesmas pode ser encontrada aqui.
A polémica surgiu, porém, depois de um juiz federal [United States District Court in Alexandria, Va.] ter condenado Paul Manafort [director de campanha do actual Presidente] a 47 meses de prisão por oito crimes que fraude fiscal e bancária, quando, de acordo com a referidas Guidelines ao caso caberia uma pena entre 19 a 24 anos de prisão, tal como vinha proposto pela acusação pública [ver aqui], na sequência da acusação contra ele deduzida [ver aqui].
Segundo o juiz, seguir as referidas Guidelines resultaria numa condenação excessiva.
Conclusão: nem toda a aritmética resiste à prova dos nove.

Troika Laundromat

Está na ordem do dia, a nível internacional, a discussão sobre a vantagem de se configurar um sistema europeu centralizado no combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
A questão surgiu ante um relatório, oriundo OCCRP [The Organized Crime and Corruption Report, link aqui] sobre o alegado envolvimento de bancos europeus num esquema de branqueamento referido com a Troika Laundromat, citado e ampliado depois por agências de notícias prestigiadas como a Bloomberg ou a Reuters e disseminadas por artigos na restante imprensa.
Segundo um ponto de vista, tal contaminação decorreria da ausência de policiamento centralizado europeu na matéria, o qual está actualmente confiado às autoridades e à legislação de cada um dos vinte e oito países que integram a União Europeia e que, com ritmos diferenciados, vão efectuando a transposição das Directivas Europeias. Em alguns casos com atraso, como o ilustrou o caso do Luxemburgo.
Complementarmente, uma política no sentido de agravar ainda mas a penalização dos bancos encontrados em contravenção das regras, cada vez mais apertadas, em matéria de branqueamento de capitais começa a ganhar corpo, desconsiderando o argumento de que fragilidade do sistema bancário mundial poderia ser agravada pelo incremento exponencial de multas que, sobretudo determinadas pelas autoridades norte-americanas, têm sido a ser aplicadas.
Novos tempos se adivinham na matéria.

Luxemburgo: branqueamento de capitais


Entrou em vigor a 1 de Março no Luxemburgo a Lei de 13 de Janeiro [aprovada a 13 de Janeiro e regulamentada a 15 de Fevereiro, ver a versão oficial da lei aqui e do regulamento aqui], que procede à transposição da 4ª Directiva europeia em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Aguarda-se a aprovação de um normativo que regule o registo central de beneficiários efectivos [actualmente ainda em projecto, n.º 7216B, ver aqui].
O Luxemburgo era, na Europa, um dos países mais criticados ante a circunstância do seu atraso na adequação às normas europeias na matéria.

AdC e controlo judicial

A Autoridade da Concorrência ao divulgar o relatório de actividades do ano transacto [ver aqui] fez saber em matéria de controlo judicial ter ocorrido um «acréscimo significativo de litigância no seguimento do reforço do enforcement, com taxa de sucesso de cerca de 95%, referentes principalmente a questões de natureza processual com impacto substantivo, que refletem consolidação de checks and balances de robustez jurídica desde uma fase inicial da investigação e ao longo de todo o processo da AdC. Estabilizaram-se entendimentos relativamente a buscas, apreensão e tratamento de prova, prova e processo digital, acesso ao processo, confidencialidades, desentranhamento, efeitos de recurso e direitos de defesa.»
Se a percentagem revela sucesso das decisões administrativas, importaria, para melhor análise, conhecer com mais detalhe a que situações a mesma se refere, nomeadamente qual a proporção das decisões de méritos sobre as estritamente processuais.
Um dos pontos em que há controvérsia jurídica no que ao ilícito contraordenacional respeita é precisamente o que se refere ao real conhecimento, pelo Tribunal da Regulação, da matéria de facto das questões jurídicas especializadas que se suscitam, isto para que não fique a ideia de que os factos adquiridos pelos reguladores ariscam-se a ser, em sede de impugnação, pela sua complexidade, intocados pelo Tribunal e as questões jurídicas, pelo seu tecnicismo, também.

A estética como critério de competência jurisdicional

Este blog tem andado indevidamente ao sabor dos intervalos que a profissão permite. Poderia ser fruto de uma equipa; não é, sou. Poderia eu ter a vida melhor organizada, repartindo o tempo entre os deveres e as apetências; não tenho, aqueles devoram o espaço destas. Poderia a minha má consciência gerar o efeito propulsor de vir aqui dar melhor imagem de mim; não gera, porque pago o preço do  mal que de mim possam pensar.
Enfim, uma única razão me leva a periodicamente fazer a jura de que serei regular, pontual, previsível: a ideia de que a vida pode ser ordenada e não é, por isso cruzo os dedos quando juro.
Além do mais, dou ao pouco tempo que sobra aquele mínimo horizonte sem o qual o confinamento torna o ser humano um robot; desdobro-me em várias vivências e assim iludo o que pode ser uma vida integralmente realizada.
Volto aqui, ainda em intervalo.
Razões de vida tornaram-me, ainda que por pouco tempo, próximo de Afonso Lopes Vieira. Foi advogado e sobretudo poeta.
Segundo um apontamento que li durante este fim de semana, da autoria de Alfredo Gândara, Vieira terá vestido a toga uma só vez ou se mais, não muitas mais. Desta feita para defender Hipólito Raposo quando este foi julgado no Tribunal Militar se Santa Clara, creio que pelo envolvimento na conspiração monárquica de 1919 e ali condenado a uma pena de prisão no Forte de São Julião da Barra. 

E, a propósito, faz hoje anos que Paiva Couceiro foi preso, ouvi esta tarde numa efeméride da Antena 2-Rádio. 
Defendendo, a 20 de Julho de 1920, aquele seu colega de profissão, ideólogo do movimento filosófico do Integralismo Lusitano, Afonso Lopes Vieira, ante o facto de o caso estar a ser ali julgado, no foro militar, usaria da ironia como argumento do discurso e, dirigindo-se ao presidente do tribunal, Encarnação Ribeiro, disse, a abrir as alegações orais: «Deixe-me V. Ex.ª dizer-lhe isto: eu e o meu constituinte temos gosto em que esta causa tenha sido trazida aqui... por um motivo estético, decorativo, pois este tribunal é muito mais artístico que o da Boa Hora».

De facto, o Palácio do Lavradio, onde a partir de 1875 se instalaria a justiça castrense, ladeando o Palácio de Sinel de Cordes, quando comparado com o convento da Boa Hora, que antes havia sido o Pátio das Comédias, suplanta-o sem discussão. Esteticamente, diga-se.