Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Meteorologia jurídica

Há alturas em que, tentando actualizar este meu local, passeio-me pelos blogs alheios, na busca de notícias ou temas novos de que eu não tenha dado conta. Tenho, porém, verificado que ultimamente anda tudo muito na mesma: não há grandes temas nem grandes novidades. Mesmo os alguns «sites» que albergam jurisprudência vão envelhecendo. Parece que o ânimo começa a arrefecer. Deve ser a chegada do Inverno. Há umas semanas o ambiente na Justiça estava escaldante. Agora estamos assim. São as alterações climatéricas que geram as grandes tempestadas. Cuidado, pois.

Sine die

Cumprimentos amistosos ao novo blog, o «sine die».O nome traz más recordações, oxalá não traga mau agoiro. Felicidades, pois, e muitas!

O anónimo caluniador

No meu post «hoje há palhaços» denunciei o facto de haver sido dado prioritariamente à imprensa na quarta-feira o texto de um acórdão de que os advogados só tomaram conhecimento, por notificação, na sexta-feira. E tornei claro em nota posterior que não ia nisso uma crítica à imprensa, mas sim a quem entendeu desconsiderar os advogados, ao agir da forma referida. Ora um daqueles comentadores anónimos que de quando em vez resolvem embirrar comigo veio, a este propósito, escrever assim: «Este bloggista é mesmo inventor. Consta que foi você que passou os textos para fora. E consta junto de fontes bem informadas.». Claro que quem assim comenta nem notou que eu escrevi no mencionado post, o que pode aliás ser comprovado, que estando num julgamento a essa hora em que o acórdão foi divulgado, e ainda sem o acórdão, que só teria dois dias depois, vi jornalistas a trabalharem sobre ele. Enfim! A única preocupação do anónimo comentador pelos vistos não é o enfrentar o problema e tomar sobre ele posição, mas sim emporcalhar e difamar, cobardemente pois que escondido sob a capa do anonimato. Quem ele é e ao serviço de que ideia anda, percebe-se lendo outros comentários que, igualmente anónimo, como um a propósito do que eu escrevi sobre o ministro da Justiça: «Você tem mesmo um grande complexo de inferioridade em relação ao homem... hehehe. Coisas dos fracos». Bem, lá teremos que ter paciência. Agora quem tem mandaretes destes, talvez não fosse mau dispensá-los. É que longe de serem eficazes, tornam-se ridículos.

Um belo sarilho

Que belo sarilho arranjou quem teve a ideia de distribuir pressurosamente o célebre acórdão pelos jornalistas antes de o dar a conhecer aos advogados! É que, com a pressa do passar à frente da concorrência e noticiar primeiro, houve gorda confusão e diz-se nos jornais que os juízes disseram no acórdão o que afinal foram advogados a dizer nas suas argumentações. Resultado, como dizia o outro: um completo «possidemónio», tudo zangado e de cara amarrotada! A graça foi que houve logo comentadores do alheio e analistas do ignorado que, embandeirando em arco, vieram à estacada, a dizer coisas esbracejantes e vituperantes sobre o que juízes teriam dito, mas não disseram. Isto vai brilhante, não vai?

Hoje há palhaços!

Ontem, a meio da tarde, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu um recurso em que eu sou advogado. Ontem também, a meio da tarde, alguns jornalistas que acompanham esse processo que corre no Tribunal Criminal de Lisboa, no Monsanto, já tinham cópia integral do dito acórdão. Ontem ainda, ao sair desse julgamento, passei pelo ridículo de ver os da imprensa perguntarem-me o que tinham lido sobre esse acórdão, de que eu sabia absolutamente nada. Ontem ainda, à noite, ao ligar a televisão, vi um jornalista que, com o texto do acórdão na mão, fazia um serviço de reportagem, em pleno Largo do Município, dizendo coisas sobre o conteúdo do mesmo. Passou a noite, mudámos de dia. Hoje de manhã telefonei para o Tribunal a perguntar se podia ir levantar em mão uma cópia do acórdão que toda a imprensa já citava entre aspas. Hoje à tarde no Tribunal da Relação disseram-me que não me podiam dar cópia do acórdão porque afinal mo tinham mandado pelo correio para o escritório. E acrescentaram que, recebendo-o amanhã, isso era muito bom para mim porque tinha os três dias do correio para efeitos de notificação. Tão contente fiquei por ser tão bom o que me estava a acontecer que vim aqui exprimir a minha alegria, a minha profunda alegria. Como advogado sinto-me como um palhaço.Talvez seja de tanto rir. Sem mais comentários. Um dia isto acaba mal.
P. S. [escrito já hoje, dia 11, ainda as oito não chegaram] Acabo de saber que a comunicação social, talvez condoída da nossa triste sorte, nos facultou não uma mas sim duas cópias do acórdão. Obrigado, malta dos jornais! Muito obrigado mesmo! Desde os tempos em que eu escrevia na «República» e no «Comércio do Funchal», com todos os bons e maus momentos, eu sei porque gosto de vocês!

O metediço

O Ministro que a Justiça agora tem resolveu meter-se com a Polícia Judiciária. Primeiro foi com os magistrados e funcionários, depois com os advogados, hoje é com os polícias. Falta pouco para ele se meter com ele mesmo e demitir-se. É só ter paciência e aguardar um pouco.

Negros delitos

O Aquilino Ribeiro que foi bombista na juventude, foi, por isso «engavetado» e presente ao «juiz Veiga», um polícia togado, a fingir de juiz, de quem traçou um retrato inedelével no seu livro de memórias, «Um escritor confessa-se». Ora, como eu já escrevi em outro local, hoje comprei por acaso um livro do Aquilino, que ele dedica, no intróito, ao advogado Heliodoro Caldeira. Fazendo-lhe o elogio, diz deste defensor de «causas inauditas» que tinha a preocupação «em não desamparar os justiçáveis». Por isso lhe ofereceu o livro, a este seu «patrono em negros delitos».

Colóquio Michel Foucault - Lei, Segurança e Disciplina

O Instituto Franco-Português associa-se ao Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, CFCUL, ao Centro de História e Filosofia da Ciência e da Tecnologia, FCT/UNL e ao Centro de Comunicação e Linguagens, FCSH/UNL na organização de um Ciclo em torno de Michel Foucault que decorrerá durante os meses de Novembro e Dezembro nas suas instalações, à Av.Luís Bívar, 91, em Lisboa, e que assinala os trinta anos sobre a publicação do livro Vigiar e Punir.
Um ciclo de cinema e vídeo de 7 de Novembro a 14 de Dezembro sob o tema “Le Monde est un grand asile” (1º filme dia 7 de Novembro 2005 às 19h00: Alphaville, de Jean-Luc Godard), um Colóquio internacional subordinado ao tema Michel Foucault, Lei, Segurança e Disciplina. Trinta anos depois de Vigiar e Punir que decorrerá dias 23, 24 e 25 de Novembro, uma Exposição sobre o filósofo e as suas actividades no seio do Grupo de Informação sobre as Prisões, um concerto do Mecanosphère (grupo liderado por Adolfo Luxúria canibal e Benjamin Brejon) e instalações vídeo.Ver mais aqui.

Mau mas baratinho

As declarações do Ministro da Justiça sobre o apoio judiciário resumem-se a este lamentável raciocínio: já que [diz ele] o serviço é mau, não há que fazê-lo ser melhor, importa sim é pagá-lo pior. O mais que sobeja a esta confessada demissão é retórica adjacente. E na parte retórica vai um discurso de desprezo arrogante por tudo quanto é Justiça: começou pelos juízes, procuradores e funcionários. Agora vai a sua própria classe.

Difamação e denúncia caluniosa: concurso aparente

Tendo como relator Carlos Almeida, o Acórdão da Relação de Lisboa de 26.10.05 [proferido no processo 3730/05 3ª Secção] sentenciou que «entre a denúncia caluniosa e a difamação existe uma mera relação de concurso aparente». O aresto louva-se na doutrina de Costa Andrade, que cita expresamente. Segundo tal acórdão, «(...) é indiscutível que o bem jurídico que se pretende tutelar com a incriminação da difamação é a honra e que ele tem natureza claramente pessoal. Esta linearidade não existe na caracterização do bem jurídico que se pretende tutelar com a incriminação da denúncia caluniosa».

Exame crítico das provas e processo equitativo

O Acórdão da Relação de Lisboa de 27.10.05 [Proc. 4955/05 da 9ª Secção, relator Carlos Benido] determinou que «(...) II- A exigência legal do exame crítico das provas foi aditada ao n. 2 do citado artº 374º CPP pela Lei nº 59/98, de 25/8. O exame é a observação e análise das provas; e a sua crítica traduz o juízo de censura que sobre elas se exerce. Então, o exame crítico constitui a operação conducente à opção de um meio probatório em detrimento de outro. III- A motivação da sentença torna-se, portanto, o meio para um controle extraprocessual, geral, difuso e democrático sobre a justiça da decisão. IV- Acresce que a necessidade de motivar as decisões judiciais é uma das exigências do processo equitativo, um dos Direitos do Homem, consagrados no artº 6º, n. 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem». Um entendimento de aplaudir, ao situar a motivação não como uma burocracia, mas sim como uma garantia.

RAI do assistente: aperfeiçoamento

Segundo o Acórdão do STJ n.º 7/2005, publicado hoje, fica fixada jurisprudência no sentido de não haver lugar «a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, nº 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido». A matéria era polémica e já a havíamos abordado aqui. Mantém-se o problema consistente em saber se há lugar a aperfeiçoamento se as imperfeições do RAI forem de diversa natureza.

O direito à preguiça

Eu prometo, escrevendo a verde, organizar-me e voltar aqui, actualizando este blog. Ao tê-lo criado não é que tenha contraído a obrigação de o servir, mas também não era suposto que o votasse a este abandono. A verdade é, porém, esta: ao chegar ao fim do dia, apetece tudo menos pensar no Direito. Será sintoma de saúde mental, esta vagabundagem do espírito e se assim for, congratulo-me pela preguiça. Amanhã se puder, ponho isto em ordem: prometo!

A lei da ignorância

Vêem os professores de Direito, supostos mestres, e dividem-se quanto ao sentido de uma norma jurídica, na aparência clara. Chegam a seguir os tribunais e lavram jurisprudência oposta sobre a mesma norma. Ora o sistema jurídico são milhões de normas, assim com biliões de entendimentos possíveis. Uma coisa é clara na arquitectura deste sistema de loucos: o cidadão é obrigado a conhecer a lei e não pode escusar-se por não a conhecer. Mas qual lei de entre as triliões de variantes dos biliões de entendimentos dos milhões de artigos?

Um dia que se aproxima

A vida de um advogado é feita de dias em que se chega à noite pelo menos com um estado de espírito: o desejo de não se ver pela frente sequer uma linha que tenha a ver com o Direito. Num advogado de barra junta-se-lhe o esgotamento. Na área criminal, a situação ronda a exaustão. Aqueles para quem um processo são papéis e as pessoas sujeitos processuais, não entendem o que é a osmose sentimental entre quem é julgado ou quem é vítima e o advogado que os representa. E, no entanto, não podendo evitar o contágio dos sentimentos, o advogado tem de se manter distante o suficiente e frio quanto baste para poder fazer o seu trabalho, convertendo um problema num caso e lutando pela solução que tenha por melhor. Vem tudo isto a propósito de eu ter vindo pouco aqui. Os leitores que me visitam e que notam a iregularidade que me desculpem. Vou tentar organizar-me melhor por dentro, já que a vida não se consegue organizar por fora. Não prometo, pois não quero falhar. Vou tentar fazer um esforço, é só isso. E a propósito, isto não tem a ver com este ou aquele outro processo em que eu esteja agora envolvido. Tem a ver com tudo! Com todos os dias da minha vida, sobretudo aquela vivência anónima e sem história, como a de toda aquela gente de cujas angústias e incertezas nunca se escreverá uma linha nem ninguém se preocupará. Fim da lamúria, mais um dia que se aproxima!

Resposta a um «anónimo»

Escrevi aqui a lamentar que o projecto da Lei-Quadro sobre a matéria penal oriundo da Unidade de Missão, estivesse a ser divulgada por alguns quando era suposto ser conhecida por todos. Um anónimo, daqueles muitos corajosos que não ousam dar a cara, aproveitou para comentar assim: «Oh barreiros tás convencido qués autordade no assunto, mas agora os gajos não te passaram cartão. Compreendo que tejas sentido. É a vida, pá, não podes ir a todas!». Lamento a grosseria. Escrevi aquele meu «post» não por causa de eu não ter sido informado sobre o projecto, pois nem tinha que o ser, mas por causa da comunidade de juristas, que acho que o deveriam ter sido. No mais, em matéria de autoridade só tenho uma: assino o que escrevo. Nada mais. Não tenho cargo, nem lugar, nem ambição, nem sou candidato a coisa alguma.

Gato Preto, Gato Branco

«(...) partindo do clima de instabilidade que se instalou no mundo judiciário, pretende-se dar início a um WiP (Work in Progress) que conduza à elaboração de minutas de requerimentos e articulados administrativos e judiciais, destinados a fazer valer os direitos de todos quantos trabalham nos Tribunais, em especial magistrados». Não sei se entendi bem. É o Gato Preto, um novo blog, que pode ser encontrado aqui. Isso eu sei. No mais, vamos aguardar para ver de que «requerimentos e articulados administrativos» se trata. Pela amostra, calculo. Wip, pois! Wip! Wip!

Alves dos Reis

Ao ter lido num jornal que «uma nota original da burla cometida por Alves dos Reis em 1925 vai ser leiloada no próximo dia 27, num Hotel em Lisboa e tem como base de licitação 6500 euros», recordei-me de três coisas. Primeiro, que o dinheiro falso que Alves dos Reis mandou fazer era verdadeiro, pois que impresso pela Waterloo & Sons., onde a República mandava imprimir a sua depreciada moeda, e logo aqui, eis o embaraço dos acusadores. Segundo, que o objectivo de Alves dos Reis não era, impresso o dinheiro fazê-lo seu, mas sim comprar o Banco de Portugal, na altura adquirível, e assim ocultar o feito, e aqui então a genialidade do crime. Enfim, com a injecção monetária que aquele dinheiro permitiu em Angola, os daquela colónia primeiro e o país depois, na ânsia da riqueza, queriam vinte falsários para os governar e, enfim, eia, a tragédia de Portugal.

A Lei quadro só para alguns

Já vi que há quem saiba que a «unidade de missão» gerou uma «lei quadro» e já li que há quem tenha tido acesso ao seu texto e já a comente. Permitam-me a propósito um comentário, na forma de três perguntas: não é anómalo que uma tal situação esteja a acontecer? Não é lamentável que se esteja a divulgar para alguns o que é suposto ser conhecido por todos? Não é sintomático que os que estão fora do segredo estejam calados que nem ratos? Eu por mim digo já: espero, paciente, a minha vez. Acho é que isto já mostra muita coisa. Muita coisa pouco edificante, digo eu.

A tropa de elite

Houve quem abrisse o jornal e lesse: «Magistrados de elite e polícias de elite». A conversa perecebe-se! É a vanguarda do proletariado, em versão «bon chic bon genre» o típico aburguesamento dos quarenta. Felizmente eu serei o eterno pedestre do Direito. Quando vier esta tropa de elite, talvez me reforme, de vez!

Encenação para apanhar!

Há frases pouco felizes. Veja-se este sumário de um recente Acórdão da Relação de Lisboa de 21.09.05: «A entrega de dinheiro efectuada pelo ofendido, quando é fruto de uma encenação montada no âmbito de uma investigação policial para “apanhar” o arguido em flagrante, não corresponde a uma verdadeira lesão do bem jurídico protegido na norma incriminadora». Em causa estava o crime de extorsão. Mas esta de «encenação para apanhar o arguido em flagrante», diz tudo, numa frase só sobre certas práticas.

Juízes no segredo dos deuses

Deixem-me perguntar: o que pensar sobre nomearem-se juízes para o SIS?. Do ponto de vista do poder político, não há nada de melhor: um juiz serve de cobertura de legalidade, à sua volta, à conta de busca de informações, pode fazer-se pela vida. Agora do ponto de vista da magistratura, faz sentido aceitar tal promiscuidade? Digam-me que não tenho razão nenhuma! Digam-me ao menos que o problema que coloco nem sequer tem qualquer interesse, porque, afinal, no SIS, ninguém esta no segredo dos deuses, o que se faz são simples recortes de jornais!

O meu monte

Eis um novo blog, de um juiz, que pode ser lido aqui. Eu, que também por aqui erro desde há pouco, animo-me com os que chegam. Bem vindo, pois.

Esta república a prazo

O «Diário do Governo» do dia 6 de Outubro, o n.º 1, publicava a «Proclamação» da República. O «Diário do Governo» do dia 8 de Outubro, o n.º 3, publicava um Decreto do dia anterior pelo qual se prorrogavam «por 10 dias ou três audiências os prazos judiciais de qualquer natureza, os quais, estando a correr nos dias 4 a 7 do mês corrente, deviam ou devam findar desde 4 a 13 do mesmo corrente mês». Lembrei-me hoje disto, por ser dia 5 de Outubro, dia feriado e eu, pedestre do Direito, estar a trabalhar com os prazos a correr. Já nem digo que haja uma Revolução! Porque com essa ou sem ela, os prazos não páram. Nem a tiro, só por Decreto!

Viver para contá-la

Contaram-ma e não resisto a reproduzi-la: ao receber do advogado telegrama «referência nosso processo justiça triunfou», o cliente respondeu ao advogado, pela mesma via urgentemente telegráfica numa só palavra que tudo dizia «recorra».

A continuidade e a inversão.

«Inverte-se o permitido e o proibido. Mas a ignorância, essa, é sempre a mesma»: a reflexão de uma jovem que por mero acaso é também uma jovem jurista. A ler em http://aidadedaspedras.blogspot.com/.

João Antunes Varela

Uma das coisas que me dá verdadeiramente a dimensão do que é a sufocação do trabalho é o ter-me apercebido só agora de que faleceu o professor Antunes Varela, é ter telefonado hoje a um colega e sabê-lo internado há dezoito dias num hospital. É como se vivesse na clausura de um interior, como se só ao ouvir um estrondo me desse conta que parte da rua havia ruído e com ela tudo em redor. Entristeceu-me saber do professor Varela. Organizei há pouco tempo, para o Boletim da Ordem dos Advogados, um número especial de homenagem à sua pessoa. Chamei a mim o redigir-lhe a biografia. O destino encarregou-se de mostrar que era a biografia de uma vida já vivida. Cruzávamo-nos, por vezes, no supermercado, onde modestamente tratava das suas compras. Agora acabou. Morreu um grande homem; ser um excelente jurista era apenas parte dessa grandeza.

A justa luta do povo judiciário

Eu não gostaria de, como advogado que sou, pronunciar-me sobre as reivindicações dos magistrados. Mas, como cidadão, não posso sofismar que há um debate em aberto sobre poderem ou deverem os magistrados fazer greve. Haverá nisso uma questão jurídica, a de saber se a Constituição e a lei, quando admitem o direito à greve o não farão apenas como defesa dos empregados por conta de outrém. A mim interessa-me mais esta vertente política do problema: durante anos os activistas do Ministério Público primeiro e da judicatura depois, ou porque oriundos da esquerda, ou porque a ela interesseiramente rendidos, propagaram uma ideologia de proletarização dos magistrados, fazendo-os sentir-se como se operários do Direito fossem, um contra-poder, ao serviço do povo, contra os seus exploradores. Construiu-se assim o sindicalismo judiciário, à conta de repugnância de considerar a magistratura um corpo separado, da vergonha de considerar os magistrados uma classe de senhores. Eis agora o efeito, a greve como mimetismo cultural, em momento de reivindicação. Claro que há nisso que a greve exprime, uma degradação estatutária que beneficia, no poder político, os que ganham com o apoucamento das magistraturas. E claro que há nisto tudo uma notável contradição: é que, como dizem os mesmos que conduziram a este encurralamento da profissão, a justiça hoje é uma justiça de classe, privilegiando o rico em detrimento do pobre. Bonito serviço, não é? Recordo o Lénine, quando dizia que a burguesia é que inventa a corda na qual se acaba por enforcar. É assim quando os filhos de família se armam em operários: ai dos ingénuos úteis que acreditam!

A semente do Diabo

Uma irónica para adoçar a manhã: na «Vanity Fair» pergunta-se como é que Roman Polansky, fugido em França da justiça americana, processou uma revista americana num tribunal inglês! Ainda falamos nós aqui dos que fogem à justiça! Que falta de cosmopolitismo!

Querer sem poder

O «Diário de Notícias» diz que há um estudo de uma professora chamada Mariana França Gouveia com propostas sobre a justiça cível. Algumas, de tal modo inesperadas, são de abanar. O «blog» Dislexias manifesta mesmo o seu espanto quanto ao conteúdo de tais ideias. O meu espanto é outro. É que se trate ainda de um simples estudo e que o que anda noticiado é que o Ministério da Justiça já o «quer». É assim que se lê no bem informado jornal da Avenida da Liberdade. Em suma, alguém sonha, Bernardes Costa quer, a obra nasce. Assim anda o Ministério da Justiça, em regime de querer fácil. Oxalá possa.
P. S. E não venham com a conversa que isto é dizer mal por dizer mal e que eu tenho tudo o que o Ministério da Justiça faz debaixo de mira. Neste caso o problema é outro: é querer saber o que é que o Ministério quer, se é que quer!