Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A unidade de missão: o vai-vem espacial

De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.o 138/2005 foi criada uma «unidade de missão para a reforma penal». O texto do diploma é do seguinte teor:
«O Programa do XVII Governo Constitucional prevê um vasto conjunto de reformas no sistema de justiça penal, em que se inclui a definição da política criminal, a reforma dos instrumentos de investigação criminal, do processo penal, do direito penal substantivo, do sistema prisional e do sistema de reinserção social. Tais reformas implicam várias iniciativas legislativas que se encontram programadas e em cuja preparação deve ser assegurado um grau elevado de coerência e eficácia, tendo o Governo assumido compromissos em relação ao calendário a cumprir neste domínio.
Destacam-se, entre as iniciativas a adoptar, a revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal, o enquadramento da definição e da execução da política criminal, a lei quadro da reforma do sistema prisional e respectivos diplomas complementares e o regime das bases de dados para fins de investigação criminal, que requerem a conjugação de múltiplos contributos, provenientes de diferentes instituições, designadamente universitárias.
Para viabilizar este programa, entende o Governo criar, na dependência directa do Ministro da Justiça, uma estrutura de missão para a reforma penal.
Assim:
Ao abrigo do artigo 28.o da Lei n.o 4/2004, de 15 de Janeiro, e nos termos da alínea g) do artigo 199.o da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1—Constituir uma estrutura de missão denominada unidade de missão para a reforma penal
, adiante designada por UMRP, que tem como objectivo a concepção, o apoio e a coordenação do desenvolvimento dos projectos de reforma da legislação penal.

2—Definir que a UMRP é composta por:
a) Um coordenador;
b) Um conselho integrado por um representante
de cada um dos seguintes serviços e organismos:
i) Um representante da Polícia Judiciária;
ii) Um representante do Centro de Estudos
Judiciários;
iii) Umrepresentante da Direcção-Geral dos
Serviços Prisionais;
iv) Um representante do Instituto de Reinserção
Social;
v) Um representante do Instituto Nacional
de Medicina Legal;
vi) Um representante do Gabinete de Política
Legislativa e Planeamento;
vii) Um representante do Gabinete para as
Relações Internacionais Europeias e de
Cooperação;
viii) Um membro do Gabinete do Ministro
da Justiça.
3—Nomear como coordenador da UMRP o mestre
Rui Carlos Pereira.
4—Estabelecer que, sempre que entenda necessário ou conveniente, o coordenador da UMRP pode propor ao Ministro da Justiça que sejam convidados a participar em reuniões do conselho a que se refere a alínea b)
do n.o 2 representantes do Conselho Superior de Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, bem como professores universitários de áreas científicas consideradas relevantes
para a reforma penal.
5—Atribuir ao coordenador da UMRP o estatuto e gabinete equivalentes aos de subsecretário de Estado, sendo a respectiva remuneração definida por despacho conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças e da
Justiça.
6—Determinar que a participação na UMRP dos elementos do conselho se insere no âmbito das funções que exercem, não auferindo remuneração adicional.
7—Estabelecer que a UMRP tem a duração de dois anos e funciona nas instalações e com o apoio administrativo e logístico da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça.
8—Determinar que os encargos orçamentais decorrentes do funcionamento da UMRP são suportados pelo orçamento da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça.
9—Determinar que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação.
Presidência do Conselho de Ministros, 29 de Julho
de 2005.—Pelo Primeiro-Ministro, António Luís Santos
Costa, Ministro de Estado e da Administração Interna»
.
O termo usado para designar a nóvel entidade tem o seu quê de evangélico, mas não será por isso que nenhum mal virá ao mundo da reforma penal. Os socialistas adoram estes novo-riquismos terminológicos e os que gostam de não parecer incultos também.
Mas ante a leitura do texto em si, permitam-se os seguintes comentários:
(i) porquê a distinção discriminatória, nele assumida, entre os membros que integram a «unidade de missão» por direito próprio e aqueles que podem vir a ser convidados? Será que se pensa que haverá membros de primeira classe e de segunda e que a reforma tem mais a ver com os primeiros do que com os segundos?
(2) porquê circunscrever o elenco dos que ali se sentam por direito próprio a representantes de organismos dependentes do Ministério da Justiça? Será que se pensa que a reforma penal, com tudo o que ela implica de liberdade de opinião e de iniciativa, se faz com o concurso respeitoso e obediente de funcionários, por mais respeito que eu tenha pelos que têm como ingrata missão sujeitarem-se a ministros?
(3) porquê não se definiram quais as balizas concretas da reforma, sendo que o preâmbulo do diploma praticamente refere todo o Direito Penal, augurando-se que a comissão [perdão, a unidade de missão] possa ir de A a Z, sem que saiba por onde ou para onde?
Eis, para já. Aguardemos confiadamente, após este lançamento. Não se sabe se a nave segue para Marte repressivo se para Saturno ressocializador, nem qual a sua missão. Mas a reforma continua! O próximo ministro também haverá de querer a sua. A propósito, ironia do destino: a resolução sobre a reforma essencial na área do Ministério da Justiça vem assinada pelo ministro da Administração Interna, «posing as» Primeiro-Ministro. É preciso ter azar!

Prazo de recurso para o TC: arguido ausente

Segundo o Acórdão n.º 312/2005 do Tribunal Constitucoinal [publicado no DR, II, de 08.08.05], a propósito da tempestividade de um recurso para si interposto decidiu o seguinte, como consta do sumário: «Interpreta as normas do n.º 1 do artigo 411.º e do n.º 5 do artigo 333.º do Código de Processo Penal no sentido de que o prazo para a interposição de recurso da decisão condenatória do arguido ausente se conta a partir da notificação pessoal e não a partir do depósito na secretaria, independentemente dos motivos que determinaram tal ausência e se os mesmos são, ou não, justificáveis».
Um comentário se nos oferece fazer: cabe a um Tribunal interpretar normas, ou decidir em função delas?

Portugal arguido por omissão de legislar europeisticamente

Cono noticia o site do Gabinete de Documentação e Direito Comparado: «A Comissão [Europeia] decidiu lançar processos por infracção contra treze Estados membros por não transposição, para o Direito nacional de uma ou várias das oito directivas relativas ao mercado interno.Os países que não cumpriram os prazos de transposição são a Bélgica, a República Checa, a Estónia, a Grécia, a Itália, a Letónia, o Luxemburgo, os Países Baixos, Portugal, a Eslováquia, a Espanha, a Suécia e o Reino Unido.Os casos ascendem a 25 e abrangem directivas sobre supervisão complementar de conglomerados financeiros, saneamento e liquidação das instituições de crédito, actividade das instituições de moeda electrónica, regras contabilísticas, liquidação de serviços de seguros, seguros de vida, serviços postais e serviços de acesso condicional. Estes pedidos assumem a forma de "pareceres fundamentados", o que corresponde à segunda fase do processo por infracção, nos termos do artigo 226º do Tratado CE. Caso não receba uma resposta satisfatória no prazo de dois meses, a Comissão poderá apresentar o caso ao Tribunal de Justiça.Portugal está envolvido nesta questão de não transposição ao nível da supervisão complementar de conglomerados financeiros e ao nível do saneamento e da liquidação das instituições de crédito.No plano da supervisão complementar de conglomerados financeiros, Portugal, bem como a Bélgica, a Grécia, o Luxemburgo, os Países Baixos, a Suécia, a República Checa e a Letónia, não transpôs, até Agosto de 2004, a Directiva 2002/87/CE. Os conglomerados financeiros são grupos financeiros intersectoriais com actividades nos sectores dos serviços bancários/de investimento e dos seguros. Esta Directiva estabelece medidas específicas no que diz respeito à supervisão prudencial destes grupos financeiros com o objectivo de garantir a respectiva solidez financeira e solvência A correcta transposição desta Directiva por todos os Estados membros permitirá estimular o mercado financeiro e aumentar a concorrência, o que beneficiará os consumidores, depositantes e investidores da União Europeia. Esta Directiva constituía uma medida prioritária do Plano de Acção para os Serviços Financeiros.No plano do saneamento e liquidação das instituições de crédito, além de Portugal, estão na situação de não transposição, a Grécia, a Suécia e a República Checa.A Comissão Europeia decidiu enviar pareceres fundamentados à Grécia, Portugal, Suécia e República Checa, por não transposição da Directiva 2001/24/CE.A Directiva estabelece que, em caso de dificuldade de uma instituição de crédito, com sucursais em diferentes Estados membros, o processo de liquidação está sujeito a um único processo de falência, instaurado no Estado-membro da sede da instituição de crédito (Estado de origem) e é regido por uma única lei de falência, a do Estado de origem. Enquanto a Directiva não for transposta por todos os Estados membros, existe um risco de conflito de jurisdições e não é garantida a igualdade de tratamento dos credores nos diferentes Estados membros».

Tarde mas antes de nunca

Às vezes é onde menos se espera que as coisas se encontram. O Verão amolece os rigores jurídicos, acalorando-lhes a frieza. Por causa de um princípio jurídico essencial, que é o direito à preguiça, andava arredio daqui. Hoje o grilo da minha consciência ralhou comigo. Minado no meu ser dolente, refugiei-me a ler o livro do Mário Cabral, porque tinham já ralhado comigo, agora por deixar as iniciativas inacabadas. Curiosamente foi lá, na página quarenta e três, que percebi que a justiça não é o que é justo para todos, mas sim o que é ajustado para cada um. Levei tempo a aprender, mas lá entrou! Como diria o grilo do Pinóquio que, sabe-se lá porque ciência oculta, falava alemão: Gesundheit!

A História repete-se sempre duas vezes

Estava assim no artigo 196º da Constituição de 1822: «Todos os magistrados e oficiais de justiça serão responsáveis pelos abusos de poder, e pelos erros que cometerem no exercício dos seus empregos. Qualquer cidadão, ainda que não seja nisso particularmente interessado, poderá acusá-los por suborno peita ou conluio; se for interessado, poderá acusá-los de qualquer prevaricação a que na lei esteja imposta alguma pena, conquanto que esta prevaricação não consista em infringir lei relativa à ordem do processo».
Ficou assim no artigo 391º da Reforma Judiciária de 1836: «nenhum juiz ou magistrado do Ministério Público, poderá ser condenado por perdas e danos, senão nos casos seguintes: 1º nos crimes de peculato, peita, concussão ou suborno: 2º nos casos de dolo: 3º quando a Lei expresamente o fizer responsável por perdas e danos, por alguma comissão ou omisão: 4º quando houver denegação de justiça».
A História repete-se sempre duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como comédia!

Os juízes e a despesa que dão...

Permitam-me algumas notas de espanto quanto aos termos da polémica sobre facto de o Governo pretender legislar sobre a responsabilidade civil dos juízes para além dos limites apertados que estão hoje ainda consignados no artigo 5º, n.º 3 do EMJ, onde se diz que «salvo nos casos em que a falta constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efectivada mediante acção de regresso do Estado contra o respectivo magistrado, com fundamento em dolo ou culpa grave». O que se conhece quanto a tal matéria é [ridículo!] o que vem nos jornais. Com esse limite, permitam-me três notas. Primeira, o vir a iniciativa divulgada na imprensa assim: «o Governo pretende que o Estado alargue as indemnizações às vítimas de erros judiciais e que os juízes, em casos graves, sejam chamados a comparticipar essa despesa» [sic, DN], como se fosse uma mera questão de intendência financeira o que estivesse em causa. Segunda, haver quem, do lado dos críticos, trate sindicalmente o problema em causa como se estivéssemos a falar da responsabilidade dos «funcionários», e como se o facto de se tratar de «magistrados» não conferisse ao tema a indispensabilidade de um tratamento especial. Terceira, a circunstância de ninguém relevar porque é afinal tão fácil ao poder político agendar todo um corpo de medidas contra os magistrados e lograr sempre a simpatia popular para tudo isso: ontem as férias, hoje a responsabilidade, e ainda haverá quem peça mais! Qualquer dia teremos um PGR não magistrado, se não por unanimidade, pelo menos por aclamação. Viva!
P.S. A propósito de responsabailidade civil de quem decide: quantos ministros já foram directamente responsabilizados pelos actos praticados no exercício das funções e, a atentar no que se lê na imprensa e se ouve no Parlamento, é tudo um cortejo de horrores?

Sem rei nem lei!

De repente vou aos «blogs» jurídicos habituais e não está lá ninguém! Terão ido todos de férias, com medo que sejam as últimas? É a anomia total, paraíso terreste almejado pela anarquia. E cá resto eu, mais algumas honrosas excepções, volteando, amarrados à nora. Até o jovem «Dislexias» encerrou a loja! O último que sair, é favor apagar a luz!

Advogado Barreiros oferece-se para juiz. Dá referências

Era eu um miúdo a dar os primeiro passos na advocacia em Sintra. Tinha deixado crescer a barba para parecer um senhor respeitável, numa comarca em que todos os colegas eram uns sorumbáticos senhores de meia idade para cima. Por causa de um ministro que tinha criado à pressa os juizes de instrução criminal, e por efeito dos juízes que não existiam durante as férias para preencher as vagas respectivas de tal inovadora função, encontrou-se uma saída: nomeiam-se licenciados em Direito! E eis-me então, jovem causídico de província, travestido em senhor doutor juiz! Acho que nem eles gostaram, nem eu. Quem ficou a ganhar foi um assaltante de vivendas que por ter sido apanhado num pseudo flagrante delito mandei soltar, para grande raiva da Guarda, por reputar ilegal a detenção. Calculo que o larápio se tenha reformado entretanto! Ele e os que geraram aquele sistema que fez de mim juiz por uma semana! Ridículo, em suma! Ridículo quer dizer o facto de quarenta anos depois, ainda sem me poder reformar, correr o risco de voltar a ser juiz, por mais uma vez. Mas desta vez aviso: só quero ser juiz em férias no Algarve!

Notificação de articulados pelo e ao MP

O parecer n.º 131/2001 PGR (2.ª série), de 12 de Julho de 2002, relator João Manuel da Silva Miguel conclui que: «1.ª Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 229.º-A do Código de Processo Civil, nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260.º-A. 2.ª As normas referidas na conclusão anterior não são aplicáveis ao Ministério Público. 3.ª As mesmas normas também não são aplicáveis aos mandatários judiciais quando o Ministério Público com eles intervenha no mesmo processo, excepto, quanto àqueles, nas relações entre si, relativamente a actos em que o Ministério Público não deva ter intervenção. In Diário da República. – S.2 n.140 (22 Julho 2005), p.10 662- 10 671».

Aperfeiçoamento do RAI: constitucionalidade

O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 389/2005, de 14 de Julho de 2005 [2.ª Secção, Processo n.º 310/2005 , relatora Maria Fernanda Palma, decidiu «não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 287º e 283º do Código de Processo Penal, segundo a qual não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelos assistentes, que não contenha uma descrição dos factos imputados ao arguido, negando, consequentemente, provimento ao recurso e confirmando o acórdão recorrido. (...)».