Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A ilusão e os ilusionistas

Fiz parte do grupo que travou a quixotesca batalha final para tentar impedir o desalojamento do Tribunal da Boa-Hora e a ocupação do lugar por um hotel de charme, como se noticiou aqui. Fiz parte dos que nos últimos dias de presença naquele edifício daquele tribunal se uniram num evento cultural que marcou uma nostálgica cerimónia do adeus.
Leio esta noite na imprensa [por exemplo aqui] a notícia segundo a qual «a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, garantiu hoje que "tudo" fará para recuperar para a Justiça o Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) e o Tribunal da Boa-Hora, que foram vendidos». O Tribunal foi, afinal, vendido. A ideia que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, nos transmitiu então de que algo poderia ser feito era puro ilusionismo político. Era ministro da Justiça Alberto Bernardes Costa. Como os factos o demonstraram [ler aqui]
Ante as notícias as questões tornam-se inevitáveis: quem vendeu afinal a Boa-Hora? A quem? Por que preço? Qual o papel que o projecto Frente Ribeirinha teve a ver com o negócio? Se a ideia era instalar um hotel que não se instalou? Qual o ponto de situação do projecto, se projecto há? Quanto se ganhou e quanto se perdeu com a mudança do tribunal? Porque não se instalaram ali equipamentos judiciários, pagando o Ministério o que paga pelo que os tribunais e outros serviços dispõem? Porque não se tornam públicos os dados, os lucros, as perdas, os benefícios, os beneficiários?
Para os eventos que simbolizaram o fim da Boa-Hora atrevi-me a escrever uma peça de teatro que foi graciosamente representada por dois actores da Barraca, o Jorge Sequerra e o José Neto. Publiquei-a aqui. Visto tudo à distância, a ingenuidade do gesto parece grotesca. O negocismo esse triunfou. Caído o pano da encenação, apagadas as luzes, termina o mundo da ilusão.
Mas mais: basta ler aqui na folha oficial [Decreto-Lei n.º 110/2011] de 25 de Novembro [há um mês!] para se perceber que a Câmara recuperou a Boa-Hora! Cito em linguagem clara: «A CML passa a ser responsável pela renovação e modernização da frente ribeirinha da Baixa Pombalina. Como compensação, irá receber o edifício do Tribunal da Boa Hora e cerca de 3.583 milhões de euros resultantes de um contrato entre a Frente Tejo e a ENATUR – Empresa Nacional de Turismo para concessão do edifício do MAI».
Sendo isto assim, como é possível então que a ministra da Justiça venha dizer que «tudo fará» para o recuperar de quem o recuperou?

Natal e não Xmas!

Os que andam actualmente seduzidos com o modelo americano de Justiça talvez devessem saber uma coisa: somos uma Nação una com oito séculos de história. Com o que isso implica de tradições, modo de ser, identidade. A América é uma Federação recente, que só adoptou o Natal como feriado nacional em 1870, quer dizer, ontem. Para mais detalhes, é só clicar aqui. Bom dia de Natal a todos, com sonhos, bolo-rei, rabanadas e aletria.

Actualizações e omissões

Procuro actualizar regularmente este blog. Este começo de manhã foi a parte onde estão as ligações para a Cooperação Internacional. Quanto a blogs jurídicos nomeadamente os que se referem à área jurídico-criminal  julgo não cometer omissões, mesmo em relações àqueles que descaradamente fazem de conta que este meu espaço não existe. Eles lá sabem porquê. Alguns silêncios são uma honra. Adiante. Como já pedi em tempos, a haver falhas de referência agradeço que mo façam saber. Ignorâncias deliberadas aqui não há.

Inconstitucionalidade nas justificações notariais

Não são muito frequentemente as decisões jurisprudenciais que decretam inconstitucionalidades. Acaba de ser decretada uma pela Relação de Lisboa no âmbito da legislação notarial. Historiando:o actual Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de Agosto, continua a prever e regular as justificações notariais (artigo 89.º e ss.), dizendo no seu artigo 97.º que «os outorgantes são advertidos de que incorrem nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações perante oficial público se, dolosamente e em prejuízo de outrem, prestarem ou confirmarem declarações falsas, devendo a advertência constar da escritura». Ora o Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 07.12.11 [relator Carlos Almeida] decretou a sua inconstitucionalidade material e orgânica. [Texto integral aqui]. Citando o respectivo sumário:

«1– O artigo 97.º do Código do Notariado descreve um tipo incriminador autónomo que se pode analisar da seguinte forma:
No que respeita ao tipo objectivo:

-» Delimita o círculo de agentes exigindo que eles sejam os outorgantes da escritura de justificação, o que compreende os declarantes e as testemunhas;
-» Descreve as possíveis acções típicas dos agentes, que podem consistir em prestar ou confirmar declarações falsas;
-» Delimita as circunstâncias da acção, que deve ter lugar após prévia advertência da susceptibilidade de responsabilidade criminal do agente;
No que respeita ao tipo subjectivo:
-» Exige que a acção seja dolosa, admitindo qualquer modalidade de dolo;
-» Prevê a existência de um elemento subjectivo especial, que consiste na consciência de que as declarações causam prejuízo a outrem.
II – Porém, o artigo 97.º do Código do Notariado não pode ser aplicado pelos tribunais porque é orgânica e materialmente inconstitucional por violar dois dos corolários do princípio da legalidade: o «nullum crimen, nulla poena sine lege scripta» e o «nullum crimen, nulla poena sine lege certa».
III – É organicamente inconstitucional porque, tendo sido aprovado pelo Governo no uso das suas competências próprias, consubstancia uma alteração de uma anterior norma incriminadora que integrava o Código do Notariado de 1965, que o actual visou substituir.
IV – É materialmente inconstitucional porque não contém, de uma forma minimamente precisa, a indicação da sanção que corresponde ao comportamento tipificado».

Citius is watching you

Talvez nem todos tenham reparado. Através do CITIUS consegue-se saber quem está a ser executado civilmente, aqui, quem está a ser julgado onde, aqui, quem está insolvente, aqui, o que está para venda após penhora, aqui, as sociedades que intentaram mais de 200 acções ou execuções, aqui. Entre a transparência e o Big Brother, a questão está em aberto.

O tira-teimas

O Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, João Palma, em artigo citado aqui, no blog Cum Grano Salis, insurgiu-se contra a impossibilidade de confronto em audiência entre o que as testemunhas ali dizem e o que está nos autos de inquérito. Porque isso exige acordo dos sujeitos processuais, explica, e o mesmo raramente se alcança.
A frase parte de um pressuposto que, sem que o autor do mesmo se aperceba, demonstra a hipocrisia global do sistema sob o qual vivemos: o de que o juiz se apercebe da contradição porque afinal terá lido o depoimento prestado em inquérito [necessariamente à socapa] e só não pode é usá-lo. 
A ser tudo isto assim para toda a gente [e não é porque há juízes que se recusam a deixarem-se impressionar pelos autos de inquérito e fazem triunfar a oralidade, como aliás manda a lei] o sistema é pérfido: o juiz apercebe-se que a testemunha está a mentir ou mentiu antes e fica no ar a dúvida sem que ela se possa esclarecer pelo confronto entre o dito antes e o dito agora.
Por mim, que estive na comissão legislativa de onde saiu o Código de Processo Penal de 1987, convenci-me na altura de que os autos de inquérito eram para uso do MP e nele se ficavam, para legitimar a sua acusação ou o arquivamento; a haver instrução, o juiz desta fase podia ler os depoimentos testemunhais e formular o seu juízo na decisão instrutória, levando-os em conta. Mas a fase de julgamento era aquela muralha intransponível ante a qual tais autos não passariam, pois só se avaliraia o dito em audiência. 
Julgamento plenamente oral, totalmente contraditório, absolutamente público, parecia-me ser a regra em três pontos que garantia o processo justo. Autos de prova testemunhal em inquérito valeriam o que valeriam as notas dos advogados quando reuniram provas para a audiência, elementos de trabalho, instrumentais.
Claro que com o uso sorrateiro dos autos de inquérito e suas perversões tudo se alterou. Então é tempo de rever o sistema.
Sabe-se que a grande dúvida quanto a tais autos é que, sendo na sua maioria policiais, prestam-se a que a testemunha [e o arguido, afinal] possa alegar o «não foi isso que eu disse». 
A ser assim, é simples: passa a gravar-se o que foi dito nas esquadras ou nos gabinetes dos Procuradores e tudo passa a ser usado em julgamento, o antes e o depois. 
Em caso de contradição explicará a testemunha qual a memória mais fresca para não ficar a dúvida de qual o interesse mais apetecível. Carrega-se num botão a é o tira-teimas.
E acabamos de vez com o reino do faz de conta.

Crimes ambientais

Com a publicação da Lei n.º 56/2011, de 15 de Novembro, que entrou em vigor no passado dia 15, procedeu-se à alteração dos crimes de protecção da floresta, da natureza e da poluição, previstos e punidos no Código Penal, alargando-se o âmbito da sua aplicação. Além disso, sob a epígrafe “Atividades perigosas para o ambiente” criou-se um novo tipo de crime de protecção do ambiente, relativo à transferência de resíduos e ao empobrecimento da camada de ozono. 
Isabel Rocha, sumaria aqui a novidade para a Porto Editora, a qual já havíamos mencionado criticamente aqui.

Fofuras...

«Na sequência de notícias que foram veiculadas na comunicação social relativamente a um Snr. Juiz sancionado disciplinarmente e que se teria dirigido ou referido a uma parte de um processo como "fofinha", o Conselho Superior da Magistratura informa que» (...) [em comunicado de 15.12.11, publicado na página de abertura do seu site, aqui]:

«1- As referências jocosas e descontextualizadas que. foram sendo transmitidas pela generalidade da comunicação social, mesmo após, pelo menos, um jornal diário ter expressamente referido que a "fofinha" em questão era uma sociedade comercial, são de repudiar.

2- Com efeito, a referência, pelo Exmo. Juiz, que foi relatada na decisão disciplinar em causa tinha como destinatário uma sociedade comercial cuja firma integra a palavra "Fofinha" (Fofinha - Fios e Tecidos, Lda.) e não uma pessoa singular.

3- Os factos apreciados disciplinarmente pelo CSM não incluem qualquer comportamento menos urbano por parte do Exmo. Sr. Juiz no que respeita ao tratamento dirigido aos cidadãos utentes da Justiça.
4- Não se pode deixar de lamentar a forma como algumas referências foram feitas em órgãos de comunicação social e, porque descontextualizadas, ao invés de informarem o público sobre o sucedido, antes permitiram que se criasse uma imagem dos factos que nada tem a ver com a realidade».

Os corneiteiros

O atrevimento do comentário público sobre processos pendentes continua. «Pelo conhecimento que tenho das peças do processo» escrevia descaradamente há dias um cavalheiro que tem coluna cativa nos jornais e em tudo quanto é comunicação para além de funções de relevo que nem sei como lhe deixam tempo para tanto.
O espanto não é a falta de pudor e a vigarice intelectual. O espanto é ninguém perguntar que peças é que o senhor conheceu e que ninguém conhece e como é que o conseguiu por meios lícitos, isto sabendo que só ilicitamente o poderá ter alcançado. 
Mas mais: o cavalheiro não só bolsa conhecimento como vaticina desfecho, antecipando resultado.
Poderia ser um qualquer. Não. É daqueles que têm direito a corneta na chamada "opinião pública".
Que fazer? Nada, evidentemente.
Primeiro, porque a nível dos responsáveis ninguém quer fazer o que seja, como está visto.
Segundo, porque este género de vigarice intelectual tem tanto valor como as previsões "astrológicas" de meia-tijela que inundam os espíritos fracos e volúveis de fácil convencimento e que mesmo quando falham todos os dias são diariamente lidas.
O problema, sério, grave, escandaloso, é haver pessoas que, sem sentirem quanto se rebaixam e desconsideram alinham no mesmo tique, ainda que com menos cornetim, mesmo que seja só com um pífaro à medida da sua importância.
Resta saber uma única coisa: se tais criaturas têm o condão de convencerem advogados, polícias, procuradores ou juízes, gerando decisões "a jeito". No dia em que responder sim a esta pergunta ou desisto da profissão ou passo à alternativa de lhes ir à corneta.