Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Sim ao suspender, não ao pronunciar?

Só a dialéctica sustenta que uma coisa é ela própria e a sua contrária. E da sofística talvez decorra a mesma conclusão. Talvez por isso o Tribunal da Relação de Lisboa tenha tido necessidade de definir, por Acórdão de 30.11.11 [relator Carlos de Almeida] que «tendo o juiz de instrução concordado com a decisão do Ministério Público de suspender provisoriamente o processo, não pode depois, se o processo vier a prosseguir, proferir um despacho de não pronúncia por não existirem indícios suficientes». [texto integral aqui]. O inverso seria o aracnídeo raciocínio a aprisionar a mosca da razão.

Itália: prisão domiciliária

Em Novembro de 2010 a Itália aprovou uma lei segundo a qual «quando la pena detentiva da eseguire non è superiore a dodici mesi, il pubblico ministero, sospende l’esecuzione dell’ordine di carcerazione e trasmette gli atti al magistrato di sorveglianza * affinchè disponga che la pena venga eseguita presso il domicilio» [ver aqui]. 
Por Decreto de 22 de Dezembro, os 12 meses passaram para 18 [ver aqui].
Note-se que: «La detenzione presso il domicilio non é applicabile ai soggetti condannati per delitti gravi (terrorismo, mafia, traffico di stupefacenti, omicidio, violenza sessuale di gruppo), ai delinquenti abituali, professionali o per tendenza, ai detenuti che sono sottoposti al regime di sorveglianza particolare, e nei casi di concreta possibilità che il condannato possa darsi alla fuga ovvero sussistono specifiche e motivate ragioni per ritenere che il condannato possa commettere altri delitti ovvero quando non sussista l'idoneità e l'effettività del domicilio anche in funzione delle esigenze di tutela delle persone offese dal reato **».
 
* equivalente ao nosso juiz de execução de penas ** reato =crime

A ilusão e os ilusionistas

Fiz parte do grupo que travou a quixotesca batalha final para tentar impedir o desalojamento do Tribunal da Boa-Hora e a ocupação do lugar por um hotel de charme, como se noticiou aqui. Fiz parte dos que nos últimos dias de presença naquele edifício daquele tribunal se uniram num evento cultural que marcou uma nostálgica cerimónia do adeus.
Leio esta noite na imprensa [por exemplo aqui] a notícia segundo a qual «a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, garantiu hoje que "tudo" fará para recuperar para a Justiça o Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) e o Tribunal da Boa-Hora, que foram vendidos». O Tribunal foi, afinal, vendido. A ideia que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, nos transmitiu então de que algo poderia ser feito era puro ilusionismo político. Era ministro da Justiça Alberto Bernardes Costa. Como os factos o demonstraram [ler aqui]
Ante as notícias as questões tornam-se inevitáveis: quem vendeu afinal a Boa-Hora? A quem? Por que preço? Qual o papel que o projecto Frente Ribeirinha teve a ver com o negócio? Se a ideia era instalar um hotel que não se instalou? Qual o ponto de situação do projecto, se projecto há? Quanto se ganhou e quanto se perdeu com a mudança do tribunal? Porque não se instalaram ali equipamentos judiciários, pagando o Ministério o que paga pelo que os tribunais e outros serviços dispõem? Porque não se tornam públicos os dados, os lucros, as perdas, os benefícios, os beneficiários?
Para os eventos que simbolizaram o fim da Boa-Hora atrevi-me a escrever uma peça de teatro que foi graciosamente representada por dois actores da Barraca, o Jorge Sequerra e o José Neto. Publiquei-a aqui. Visto tudo à distância, a ingenuidade do gesto parece grotesca. O negocismo esse triunfou. Caído o pano da encenação, apagadas as luzes, termina o mundo da ilusão.
Mas mais: basta ler aqui na folha oficial [Decreto-Lei n.º 110/2011] de 25 de Novembro [há um mês!] para se perceber que a Câmara recuperou a Boa-Hora! Cito em linguagem clara: «A CML passa a ser responsável pela renovação e modernização da frente ribeirinha da Baixa Pombalina. Como compensação, irá receber o edifício do Tribunal da Boa Hora e cerca de 3.583 milhões de euros resultantes de um contrato entre a Frente Tejo e a ENATUR – Empresa Nacional de Turismo para concessão do edifício do MAI».
Sendo isto assim, como é possível então que a ministra da Justiça venha dizer que «tudo fará» para o recuperar de quem o recuperou?

Natal e não Xmas!

Os que andam actualmente seduzidos com o modelo americano de Justiça talvez devessem saber uma coisa: somos uma Nação una com oito séculos de história. Com o que isso implica de tradições, modo de ser, identidade. A América é uma Federação recente, que só adoptou o Natal como feriado nacional em 1870, quer dizer, ontem. Para mais detalhes, é só clicar aqui. Bom dia de Natal a todos, com sonhos, bolo-rei, rabanadas e aletria.

Actualizações e omissões

Procuro actualizar regularmente este blog. Este começo de manhã foi a parte onde estão as ligações para a Cooperação Internacional. Quanto a blogs jurídicos nomeadamente os que se referem à área jurídico-criminal  julgo não cometer omissões, mesmo em relações àqueles que descaradamente fazem de conta que este meu espaço não existe. Eles lá sabem porquê. Alguns silêncios são uma honra. Adiante. Como já pedi em tempos, a haver falhas de referência agradeço que mo façam saber. Ignorâncias deliberadas aqui não há.

Inconstitucionalidade nas justificações notariais

Não são muito frequentemente as decisões jurisprudenciais que decretam inconstitucionalidades. Acaba de ser decretada uma pela Relação de Lisboa no âmbito da legislação notarial. Historiando:o actual Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de Agosto, continua a prever e regular as justificações notariais (artigo 89.º e ss.), dizendo no seu artigo 97.º que «os outorgantes são advertidos de que incorrem nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações perante oficial público se, dolosamente e em prejuízo de outrem, prestarem ou confirmarem declarações falsas, devendo a advertência constar da escritura». Ora o Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão de 07.12.11 [relator Carlos Almeida] decretou a sua inconstitucionalidade material e orgânica. [Texto integral aqui]. Citando o respectivo sumário:

«1– O artigo 97.º do Código do Notariado descreve um tipo incriminador autónomo que se pode analisar da seguinte forma:
No que respeita ao tipo objectivo:

-» Delimita o círculo de agentes exigindo que eles sejam os outorgantes da escritura de justificação, o que compreende os declarantes e as testemunhas;
-» Descreve as possíveis acções típicas dos agentes, que podem consistir em prestar ou confirmar declarações falsas;
-» Delimita as circunstâncias da acção, que deve ter lugar após prévia advertência da susceptibilidade de responsabilidade criminal do agente;
No que respeita ao tipo subjectivo:
-» Exige que a acção seja dolosa, admitindo qualquer modalidade de dolo;
-» Prevê a existência de um elemento subjectivo especial, que consiste na consciência de que as declarações causam prejuízo a outrem.
II – Porém, o artigo 97.º do Código do Notariado não pode ser aplicado pelos tribunais porque é orgânica e materialmente inconstitucional por violar dois dos corolários do princípio da legalidade: o «nullum crimen, nulla poena sine lege scripta» e o «nullum crimen, nulla poena sine lege certa».
III – É organicamente inconstitucional porque, tendo sido aprovado pelo Governo no uso das suas competências próprias, consubstancia uma alteração de uma anterior norma incriminadora que integrava o Código do Notariado de 1965, que o actual visou substituir.
IV – É materialmente inconstitucional porque não contém, de uma forma minimamente precisa, a indicação da sanção que corresponde ao comportamento tipificado».

Citius is watching you

Talvez nem todos tenham reparado. Através do CITIUS consegue-se saber quem está a ser executado civilmente, aqui, quem está a ser julgado onde, aqui, quem está insolvente, aqui, o que está para venda após penhora, aqui, as sociedades que intentaram mais de 200 acções ou execuções, aqui. Entre a transparência e o Big Brother, a questão está em aberto.

O tira-teimas

O Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, João Palma, em artigo citado aqui, no blog Cum Grano Salis, insurgiu-se contra a impossibilidade de confronto em audiência entre o que as testemunhas ali dizem e o que está nos autos de inquérito. Porque isso exige acordo dos sujeitos processuais, explica, e o mesmo raramente se alcança.
A frase parte de um pressuposto que, sem que o autor do mesmo se aperceba, demonstra a hipocrisia global do sistema sob o qual vivemos: o de que o juiz se apercebe da contradição porque afinal terá lido o depoimento prestado em inquérito [necessariamente à socapa] e só não pode é usá-lo. 
A ser tudo isto assim para toda a gente [e não é porque há juízes que se recusam a deixarem-se impressionar pelos autos de inquérito e fazem triunfar a oralidade, como aliás manda a lei] o sistema é pérfido: o juiz apercebe-se que a testemunha está a mentir ou mentiu antes e fica no ar a dúvida sem que ela se possa esclarecer pelo confronto entre o dito antes e o dito agora.
Por mim, que estive na comissão legislativa de onde saiu o Código de Processo Penal de 1987, convenci-me na altura de que os autos de inquérito eram para uso do MP e nele se ficavam, para legitimar a sua acusação ou o arquivamento; a haver instrução, o juiz desta fase podia ler os depoimentos testemunhais e formular o seu juízo na decisão instrutória, levando-os em conta. Mas a fase de julgamento era aquela muralha intransponível ante a qual tais autos não passariam, pois só se avaliraia o dito em audiência. 
Julgamento plenamente oral, totalmente contraditório, absolutamente público, parecia-me ser a regra em três pontos que garantia o processo justo. Autos de prova testemunhal em inquérito valeriam o que valeriam as notas dos advogados quando reuniram provas para a audiência, elementos de trabalho, instrumentais.
Claro que com o uso sorrateiro dos autos de inquérito e suas perversões tudo se alterou. Então é tempo de rever o sistema.
Sabe-se que a grande dúvida quanto a tais autos é que, sendo na sua maioria policiais, prestam-se a que a testemunha [e o arguido, afinal] possa alegar o «não foi isso que eu disse». 
A ser assim, é simples: passa a gravar-se o que foi dito nas esquadras ou nos gabinetes dos Procuradores e tudo passa a ser usado em julgamento, o antes e o depois. 
Em caso de contradição explicará a testemunha qual a memória mais fresca para não ficar a dúvida de qual o interesse mais apetecível. Carrega-se num botão a é o tira-teimas.
E acabamos de vez com o reino do faz de conta.

Crimes ambientais

Com a publicação da Lei n.º 56/2011, de 15 de Novembro, que entrou em vigor no passado dia 15, procedeu-se à alteração dos crimes de protecção da floresta, da natureza e da poluição, previstos e punidos no Código Penal, alargando-se o âmbito da sua aplicação. Além disso, sob a epígrafe “Atividades perigosas para o ambiente” criou-se um novo tipo de crime de protecção do ambiente, relativo à transferência de resíduos e ao empobrecimento da camada de ozono. 
Isabel Rocha, sumaria aqui a novidade para a Porto Editora, a qual já havíamos mencionado criticamente aqui.