Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




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Constitucionalidade e geometria variável

É interessante ver o Tribunal Constitucional decidir através de fórmulas como «Não julga inconstitucional a interpretação extraída dos artigos 1.º, n.º 2, e 17.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, que aprova o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na sua versão anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, no sentido de que apenas se admite [... etc] isto quando reiteradas vezes os recorrentes viram os seus recursos liminarmente rechaçados porque, segundo o mesmo Tribunal, estavam a colocar-lhe questões sobre a constitucionalidade da interpretação de normas jurídicas quando o Tribunal apenas poderia conhecer da constitucionalidade das próprias normas na sua dimensão normativa concreta.
Se não há duas medidas nesta apertada geometria complexa pelo qual o recurso se torna um jogo de equilíbrio de planos que nunca coincidem, não sei o que pense. 
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O aresto citado, a título de exemplo, está aqui.

Revista Julgar: 34º número


Está publicado o n.º 34 da revista Julgar, órgão da Associação Sindical dos Juízes Portugueses. O anúncio está aqui no portal da Associação. Os que, não sendo assinantes, estejam interessados na respectiva compra podem adquiri-la aqui. Nela publica-se o texto da ninha intervenção que já mereceu esta minha declaração de interesses aqui, o que não impediu que um determinado órgão de comunicação social, referindo-se ao evento e sem distinguir, amalgamasse as diversas ideias nele defendidas como se uma só se tratasse e ao serviço de uma determinada estratégia concertada. Sem comentários porque, por uma questão editorial, não comento neste espaço, temas que estejam no espaço mediático, com o devido respeito pelo mesmo, quando é devido.

Voltando à revista, permito-me citar o editorial que resume bem o respectivo conteúdo.



«A Revista ultrapassa, neste número 34, os onze anos completos de vida. “Vida” em mais do que um sentido, porque não lhe tem bastado a sobrevivência, só encontrando sentido como espaço vivo de discussão jurídica, aberto e plural. Como, recentemente, se ouviu (na conferência organizada pela Revista, em 24 de novembro de 2017, na Casa do Juiz, sobre Direito da Insolvência), “a curiosidade jurídica não tem horizonte final e alimenta-se perpetuamente. Todos (…) temos uma vontade de aperfeiçoamento. A Revista JULGAR não é uma peça especial na complexa engrenagem pessoal e institucional que responde a esta necessidade. É apenas mais uma. Mas, como qualquer outro projeto semelhante, existe porque acreditamos que também ela pode contribuir com a sua parcela de luz”.

Alimentando esta ideia, propõem-se temas de grande interesse prático no caderno JULGAR, orientados para a sua dimensão de instrumento de trabalho. Mariana Coimbra Piçarra analisa o direito de retenção do promitente-comprador, um dos temas que maior discussão têm suscitado, na sequência da interpretação fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (STJ) n.º 4/2014. Ana Carolina Cardoso trata da mediação como um meio alternativo para a resolução dos litígios, deixando o seu olhar crítico sobre o papel ativo do juiz na tentativa de conciliação e apresentando um conjunto de propostas que visam proporcionar maior celeridade processual, designadamente a introdução da mediação no seio dos tribunais. Sofia Marques e Fernando Vieira trazem-nos um olhar médico sobre o sistema de interdição e de inabilitação, incluindo as suas limitações como resposta a uma situação de incapacidade, referindo os principais problemas do atual regime jurídico português nesta matéria e apontando, para futuro, o caminho da alternativa menos restritiva e da criação de novas medidas.

Publicam‑se, no caderno DEBATER, algumas das intervenções da conferência internacional “Tribunais Constitucionais: entre o Político e o Jurídico”, organizada no passado dia 30 de junho de 2017 pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses e pela MEDEL – Magistrats Européens pour la Démocratie et les Libertés, com a colaboração da Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa e da ANESC – Academic Network on European Social Charter and Social Rights.

A especial natureza e papel dos tribunais constitucionais – órgãos a quem cabe apreciar atos políticos de acordo com critérios estritamente jurídicos – coloca‑os na linha da frente do combate pela independência do Poder Judicial. Muitas vezes olhados pelos demais tribunais como órgãos “politizados” (pela forma como os seus juízes são escolhidos) e pelo poder político como “força de bloqueio” sem legitimidade democrática (atenta a não eleição dos seus juízes), é especialmente nos momentos de crise que a independência dos tribunais constitucionais se revela essencial e mais é posta à prova.

No passado recente, em Portugal, esteve o Tribunal Constitucional na linha de mira quando foi chamado a pronunciar-se sobre as medidas de austeridade aprovadas pelo governo em cumprimento do programa de auxílio financeiro da chamada Troika e também aí foi alvo de críticas de todos os quadrantes: de um lado, aqueles que reclamavam uma maior intervenção e defesa intransigente do texto da Constituição; de outro, os que exigiam mais neutralidade e a ponderação de critérios de oportunidade e conjunturais na apreciação das medidas de austeridade económica. A intervenção do Tribunal Constitucional nesse período é analisada no texto do Mestre Pedro Coutinho (o qual, numa exceção à regra editorial desta revista, se opta por publicar também na sua versão original inglesa, por ter sido a língua na qual originalmente foi escrito, uma vez que se destinava aos participantes estrangeiros da conferência), que faz uma resenha dos principais acórdãos proferidos durante o período da austeridade económico‑financeira.

Os Professores Doutores Joaquim Sousa Ribeiro (que exerceu funções de Presidente do Tribunal Constitucional precisamente durante o período de austeridade) e Catarina Santos Botelho analisam seguidamente qual o lugar de um tribunal constitucional numa sociedade democrática e o papel que nela deve desempenhar, analisando e tentando traçar os limites da sua atuação no confronto dos demais tribunais e também dos restantes poderes do Estado, bem como as garantias que devem estar consagradas para a sua efetiva independência.

Antonio Narváez Rodríguez, juiz do Tribunal Constitucional de Espanha, procura depois definir com precisão, partindo da experiência daquele Tribunal Constitucional e da realidade espanhola, a natureza dos tribunais constitucionais – se órgãos judiciais ou políticos. É precisamente esta – a natureza dos tribunais constitucionais – a questão sobre a qual se debruça Guilherme Fonseca, apontando o seu papel central no funcionamento institucional do Estado e traçando o desígnio fundamental da jurisdição constitucional.

Como nos recorda a Professora Catarina Botelho no seu texto, vivemos numa época em que os textos constitucionais se tornaram crescentemente politizados, criando “expectativas constitucionais”, o que levou, nas palavras de Michel Rosenfeld, “a constitucionalizar o político e a politizar a Constituição”. Ora, numa altura em que se assiste a uma deriva autoritária e antidemocrática em alguns países do leste europeu que fazem parte da União Europeia – fenómeno até há bem pouco tempo inimaginável – e que tem passado precisamente pela tentativa de controlo dos tribunais constitucionais pelo poder político, é fulcral fazer o debate sobre as garantias de independência destes órgãos que estão no vértice da separação de poderes.

No caderno DIVULGAR, abrem-se as portas a um assunto da maior importância e atualidade do direito processual penal: o da natureza dos prazos de duração da fase de inquérito.

No n.º 32 da Revista, Cláudia Cruz Santos trouxe-nos um artigo intitulado “O controlo judicial da violação dos prazos de duração máxima do inquérito”, marcando uma posição muito clara a esse respeito. O debate é anterior, posterior e mais amplo do que aquela edição, claro está, tendo lugar em outras arenas. Em 19 de outubro de 2017, realizou-se, em Coimbra, uma conferência organizada pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados sobre a mesma matéria. Para além da autora já referida, participaram outros oradores de referência do direito processual penal, incluindo Germano Marques da Silva, José António Barreiros e Paulo Dá Mesquita, que enriqueceram o debate com diferentes percursos argumentativos e pontos de vista. Com grande generosidade, estes autores também aceitaram partilhar com a Revista o seu pensamento, permitindo um continuum enriquecedor entre os números 32 e 34, em tema de prazos de inquérito.»

Notícias ao Domingo!




-» Acórdão do TRL/medidas de coacção: o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.11.2016 [relator Cid Geraldo, texto integral aqui] constatou que: «Apesar de o despacho recorrido estar ferido de absoluta falta de fundamento, pois o relatório pedido não trouxe ao processo nenhuma circunstância atenuativa que permitisse a dita alteração, mas apenas a verificação de condições que possibilitavam a aplicação da OPHVE, (o que é bem diferente), a verdade é que, face ao tempo decorrido e ao facto de ter entretanto havido um posterior reexame obrigatório das medidas coactivas por força do art° 213° do cód. proc° penal, não faz sentido determinar a aplicação da medida de prisão preventiva ao arguido, sem pelo menos se verificarem ou serem trazidos aos autos principais elementos que o justifiquem», pelo que decidiu que «I - A decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação. II - A substituição de uma medida de coação por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação».

-» Acórdão do TRL/mandato forense em processo de contra-ordenação: o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2016 [relatora Maria do Carmo Ferreira, texto integral aqui] sentenciou que: «I- Resulta do disposto nos artigos 53-1, 59-2, 67-2 e 68-1 do RGCOC, que não é obrigatória a constituição de Advogado para a interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação, pelo que a subscrição do respectivo articulado por advogado sem procuração, deveria ser notificada aos requerentes para esclarecimento do acto. II- Sendo a ratificação a declaração de vontade pela qual alguém faz seu, ou chama a si, o acto jurídico realizado por outrem em seu nome, mas sem poderes de representação ( artº 268º Código Civil), e ainda que se entenda que a junção da procuração sana a falta do mandato, tal instrumento, simples, não valida o processado que entretanto se desenvolveu e que necessita de ratificação, dado que nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário não está incluído o de ratificação, mas apenas o de substabelecer o mandato.»

-» Acórdão do TRC/"ónus de prova" penal: o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.11.2016 [relatora Maria Pilar Oliveira, texto integral aqui] determinou que: «I - Quer a prova requerida em julgamento, quer a prova a produzir na fase de julgamento e requerida na contestação, não podem colidir com o interesse da realização da justiça penal, justificando-se em ambos os casos a aplicação do disposto no artigo 340.º do CPP, sendo decisivo para tal conclusão o teor dos artigos 283.º, n.º 3, alínea f) e 315.º, n.º 3, do CPP. II - A tese da irrestrita possibilidade de apresentação de meios de prova a produzir na fase de julgamento consentiria a realização de diligências inúteis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, podendo conduzir, no limite, à própria frustração da justiça penal. III - Estando as provas requeridas na contestação (com excepção da testemunhal e por declarações de peritos ou consultores técnicos) sujeitas a controle judicial, nos termos do artigo 340.º do CPPP, impende sobre o requerente o ónus de alegar e demonstrar em concreto a sua necessidade para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. IV - A correcção da decisão recorrida, que indeferiu a produção daquela prova, apenas pode ser avaliada com os elementos que o tribunal a quo tinha para decidir e não com os novos argumentos, não utilizados na contestação, que o arguido-recorrente aduziu em sede de recurso.  - Perante o disposto no artigo 524.º do CPP, é aplicável no âmbito do processo penal a norma inscrita no n.º 8 do artigo 7.º do RCP; consequentemente, os procedimentos ou incidentes anómalos, definidos no último dos dois referidos preceitos legais, são tributados, autonomamente, dentro dos parâmetros quantitativos fixados na tabela II anexa ao DL n.º 34/2008, de 26-02, na redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13-02.»

Para a fundamentação da sua doutrina considera o aresto: «Nos termos do artigo 18º, nº 2 da Constituição a equação está sempre na necessidade de harmonização entre direitos liberdades e garantias e outros interesses constitucionalmente protegidos, admitindo-se as restrições necessárias de uns para salvaguardar outros. Esta filosofia deve determinar tanto as soluções legislativas como a sua interpretação (cfr. Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda – Rui Medeiros, Tomo I, em anotação ao citado preceito).
O processo penal inicia-se com a notícia de um crime, seguindo-se a fase de inquérito destinada a investigar os factos e a sua autoria com o fim de fixar o objecto de futuro julgamento ou de, na impossibilidade de reunir indícios do crime noticiado ou do seu autor, proceder ao respectivo arquivamento. Fase, que em função do seu específico fim, é dominada pelo princípio da oficialidade sendo o contraditório limitado (cfr. artigo 32º, nº 5 da CRP) extensível apenas a determinados actos nos termos previstos no Código de Processo Penal.
Note-se que o Ministério Público que dirige esta fase do processo está sempre subordinado ao princípio da legalidade, sendo sua obrigação ordenar o arquivamento do processo na falta de indícios; de prova que sustente uma acusação. E estando a acusação posteriormente sujeita a controle que resultará pelo menos da realização do julgamento não se vislumbra o seu interesse na indicação de meios de prova que não tenham por objecto os factos acusados e que não tenham idoneidade para a sustentar.
É essencial ao exercício da acção penal a liberdade de indicação dos meios de prova que a sustentam, sendo certo que se trata de uma liberdade adstrita ao princípio da legalidade que deve impedir não só a indicação de meios de prova não legalmente admissíveis como de meios de prova inócuos. Mas o que está essencialmente em causa na acusação é a indicação de meios de prova já produzidos no decurso do inquérito (embora a prova oral deva ser (re)produzida em julgamento) e que sustentam a decisão de deduzir acusação, sendo certo que, além desses, pode o Ministério Público requerer a produção de outros, conforme se estipula no artigo 283º, nº 3, alínea f) do Código de Processo Penal.
Mas se a acusação não colher manifestamente apoio nos meios de prova indicados, tem desde logo o arguido a possibilidade de o demonstrar através de requerimento de instrução e conduzir desse modo ao arquivamento do processo.
Também na instrução os meios de prova que o arguido pretenda produzir estão sujeitos a apreciação judicial no sentido da sua utilidade para a decisão, devendo ser produzidos apenas aqueles que forem úteis; relevantes para a decisão instrutória de pronúncia ou não pronúncia (cfr. artigo 291º, nº 1 do Código de Processo Penal).
O que justifica que apenas devam ser produzidos os meios de prova relevantes para a boa decisão da causa é a necessidade do eficaz exercício da acção penal que podia ser seriamente comprometido com a irrestrita admissão de todos os meios de prova indicados, ainda que completamente inúteis e até com objectivo de entorpecer o processo.
A pedra de toque da distinção está, como resulta do exposto, em que os meios de prova que sustentam a acusação foram previamente produzidos e não têm aptidão para entorpecer a celeridade processual, enquanto os meios de prova a produzir na fase de julgamento podem ter essa potencialidade, importando, portanto, produzir apenas os que efectivamente sejam necessários para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Ora, desde já adiantamos uma conclusão.
Na indicação de meios de prova inúteis para a boa decisão da causa não se pode encontrar o verdadeiro exercício do direito de defesa e este será sempre perfeitamente acautelado com solução legal que admita a produção dos meios de prova relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, sem que isso represente qualquer compressão inadmissível à luz da constituição. Antes será solução que se impõe pela necessidade de compatibilização do direito de defesa e do efetivo exercício da acção penal.
Quanto a meios de prova a produzir, nos quais se incluem quer os indicados pelo Ministério Público, nos termos do citado preceito, quer os indicados pelo arguido na contestação o tratamento é absolutamente idêntico, tendo em consideração que a prova oral indicada pelo Ministério Público será novamente produzida em julgamento.
Quanto a meios de prova a indicar na contestação dispõe o artigo 315º, nº 1 do Código de Processo Penal que esta é acompanhada do rol de testemunhas e o nº 2 do preceito que juntamente com o rol de testemunhas o arguido indica os peritos e os consultores técnicos que devem ser notificados para a audiência.
Ou seja, relativamente a prova oral a posição do Ministério Público e do arguido é exactamente a mesma, só não o será relativamente a prova de outra natureza, ou seja, a prova já produzida nas fases processuais anteriores ao julgamento e que se encontram adquiridas sem necessidade de repetição no julgamento (exemplo da prova pericial apenas susceptível de esclarecimentos orais pelos peritos e consultores técnicos).
No mais, quer a prova que o Ministério Público requeira, quer a prova que o arguido requeira para ser produzida na fase de julgamento está sujeita ao disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal.
Sendo certo que a mencionada disposição legal se encontra inserida nas disposições da audiência de julgamento, não deixa de ser aplicável a toda a prova que pela primeira vez vai ser produzida e que não se encontra subtraída expressamente a esse regime.
A tese da irrestrita possibilidade de apresentação de meios de prova a produzir na fase de julgamento e que consentiria, portanto, a realização de diligências inúteis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, poderia conduzir no limite à própria frustração da justiça penal.
E se tanto a prova requerida em julgamento, como aquela a produzir na fase de julgamento e requerida na contestação não podem colidir com o interesse da realização da justiça penal, tanto se justifica a aplicação do disposto no artigo 340º a uma como a outra, sendo decisivo para tal conclusão o teor já salientado dos artigos 283º, nº 3, alínea f) e 315º, nº 3 do Código de Processo Penal.
Nos termos do artigo 340º do Código de Processo Penal devem ser indeferidos, entre o mais, os requerimentos de prova que não se afigure necessária à descoberta da verdade e boa decisão da causa (nº 1) provas ou meios de prova legalmente inadmissíveis (nº 3) e as provas ou meios de prova que notoriamente são irrelevantes ou supérfluos, inadequados, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou que tenham finalidade meramente dilatória.
Como não se pode vislumbrar o exercício efectivo do direito de defesa em provas não necessárias à descoberta da verdade, cremos ser manifesto que o preceito citado na interpretação pugnada não atenta contra o disposto no artigo 32º da CRP, nomeadamente o disposto no seu nº 1 quando consagra que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa.
Aliás, o nº 2 do mesmo artigo estipula que o arguido deve ser julgado no mais curto prazo compatível com o exercício do direito de defesa, numa clara manifestação constitucional de que não se pode vislumbrar o exercício do direito de defesa no requerimento de provas não necessárias à descoberta da verdade e que tenham como única virtualidade retardar o julgamento.  
Também contesta o arguido os fundamentos para o indeferimento das diligências de prova que requereu, entendendo que todas eram úteis.
Certamente por lapso refere na motivação a “perícia a deferir à unidade de telecomunicações e informática da P.J.” que foi objecto de deferimento (cfr. ponto 3 do despacho recorrido) a “perícia a deferir ao LPC” em relação à qual foi proferido despacho no sentido de indagar da possibilidade da sua realização (cfr. ponto 6 do despacho recorrido) a solicitação de carta manuscrita pelo arguido que foi deferida (cfr. ponto 9 do despacho recorrido) solicitação do histórico de pesquisas efectuadas entre 11 e 15.11.2014 dos computadores apreendidos que foi deferida (cfr. ponto 10 do despacho recorrido) informação sobre consulta marcada no dia dos factos que foi deferida (confrontar ponto 14 do despacho recorrido).
Começamos por salientar que estando as provas requeridas na contestação (com excepção da testemunhal e por declarações de peritos ou consultores técnicos) sujeita a controle judicial nos termos do artigo 340º do Código de Processo Penal, impende sobre o requerente o ónus de alegar e demonstrar em concreto que as provas requeridas são necessárias à descoberta da verdade e boa decisão da causa, o que o recorrente na realidade omitiu completamente em alguns casos.
E a correcção da decisão recorrida apenas pode ser avaliada com os elementos que o Tribunal a quo tinha para decidir e não com os novos argumentos, não utilizados na contestação, que em recurso (exclusivamente na motivação) o recorrente vem aduzir no sentido da utilidade dos meios de prova que requereu e foram indeferidos.

-» CMVM/estatística de processos de contra-ordenação: segundo informa o site da CMVM [ver aqui]: «No terceiro trimestre de 2016, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) proferiu decisão em 12 processos de contraordenação, dos quais quatro relativos à atividade dos organismos de investimento coletivo, três por violação de deveres de informação ao mercado, três por violação dos deveres de intermediação financeira e dois referentes à violação de deveres de negociação em mercado. Das decisões tomadas entre julho e setembro, nove respeitam a contraordenações muito graves e três a contraordenações graves, tendo sido aplicadas coimas, no total de 847.500 euros, e três admoestações. No mesmo período foram instaurados seis processos de contraordenação, dos quais quatro referentes à atividade dos organismos de investimento coletivo e dois relativos à violação dos deveres de intermediação financeira. No terceiro trimestre, encontravam-se pendentes de decisão nos tribunais 10 processos. No final de setembro estavam em curso na Comissão 104 processos de contraordenação. Destes, 30 respeitam a violações de deveres de intermediação financeira, 25 são referentes à atividade dos organismos de investimento coletivo, 22 respeitam a violações de deveres de informação, 22 por violação de deveres de negociação em mercado e cinco referentes à atuação dos auditores.»

-» Banco de Portugal/biblioteca: situada na Rua R. Francisco Ribeiro, 2, com horário entre as 9 e as 16 (entrada até às 15 horas), a Biblioteca do Banco de Portugal divulgou a newsletter trimestral da sua actividade e actualizações. Pode ler-se aqui.

-» Responsabilidade civil das entidades reguladoras: matéria pouco estudada, consta do estudo de Edmilson Wagner dos Santos Conde, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o qual analisa a questão com particular incidência sobre o Banco de Portugal. Citando o resumo: «É no domínio da supervisão que se colocam os principais problemas relacionados com falhas de controlo da actuação bancária. Assim, o presente trabalho tem como objectivo analisar a possibilidade de se responsabilizar civilmente o Banco de Portugal, os titulares dos seus órgãos ou, até, em última análise, o Estado quando através de acções ou omissões, o Banco de Portugal provoque danos a terceiros.». O texto, divulgado pela revista @pública, pode ler-se, na íntegra, aqui.

Consta do sumário:
1. Introdução; Delimitação do problema: o Banco de Portugal no contexto do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas e o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, 2. Excurso comparatístico: a responsabilidade civil das autoridades supervisoras na Europa a) Exclusão total da Responsabilidade Civil à Autoridade Supervisora b) Aplicação restritiva da Responsabilidade Civil à Autoridade Supervisora c) Admissibilidade de aplicação da Responsabilidade Civil à Autoridade Supervisora, 3. A aplicabilidade do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas e do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ao Banco de Portugal , 4. O âmbito dos beneficiários de uma indemnização resultante de actuação lesiva do Banco de Portugal , 5. Conclusões

-» Sentenças de interpretação do Tribunal Constitucional: Bernardo de Castro, da Escola de Direito da Universidade do Minho resume assim o seu estudo dobre a matéria, publicado no último número da revista @pública e cujo texto integral pode ser lido aqui; «As sentenças de interpretação conforme à Constituição traduzem-se naquelas decisões interpretativas em que o Tribunal Constitucional, pese embora o facto de não considerar a disposição como inconstitucional, pré-determina e impõe um sentido diferente, mais conforme à Constituição. Apesar de o número de sentenças de interpretação conforme ter sido relativamente escasso na jurisprudência do Tribunal Constitucional, a análise deste tipo de decisões não é irrelevante, sob um ponto de vista teórico, uma vez que são susceptíveis de originar conflitos de competência com as outras jurisdições. Com efeito, alguma doutrina tem-se mostrado reticente principalmente no que respeita à possibilidade de o Tribunal Constitucional impor às demais jurisdições uma determinada interpretação conforme à Constituição, ao abrigo do arigo. 80.o, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional argumentando no sentido da inconstitucionalidade deste preceito, por colocar em causa o princípio da independência dos tribunais, ínsito do artigo 203.o da Constituição.»

Consta do sumário: 
1. Breves considerações sobre a interpretação conforme à Constituição; 1.1. Interpretação conforme à Constituição e Justiça Constitucional; 1.1.1. Amplitude do princípio da interpretação conforme ao nível dos actores; 1.1.2. Considerações sobre a natureza do princípio da interpretação conforme. 2. As sentenças de interpretação conforme como tipo intermédio de decisão; 2.1. O surgimento dos tipos intermédios de decisão; 3. As sentenças interpretativas. Considerações Gerais; 3.1. Características e fundamento; 3.2. Subtipos de sentenças interpretativas: sentenças interpretativas de provimento e de rejeição. As sentenças de interpretação conforme. 3.3. Efeitos das sentenças de interpretação conforme nos processos de fiscalização sucessiva abstracta e concreta; 4. As sentenças de interpretação conforme na jurisprudência constitucional portuguesa: breve roteiro; 5. Sentenças de interpretação conforme e relações entre o Tribunal Constitucional e as jurisdições ordinárias; 5.1. A interpretação conforme como (mero) precedente persuasivo na fiscalização sucessiva abstracta; 5.2. A problemática das sentenças de interpretação conforme e o diritto vivente; 5.3. Da constitucionalidade do artigo 80.o, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional; 6. Síntese Conclusiva.

-» Leituras/Vários/Dicionário-Crime, Justiça e Sociedade: obra com coordenação de Rui Alexandre Maia, Laura M. Munes, Sónia Caridade, Ana Isabel Sani, Rui Estrada, Crstiano Nogueira, Hélder Fernandes e Lígia Afonso, o livro reúne contributo de mais de uma centena de colaboradores. Aborda, em breves mas fundamentados verbetes, conceitos do mundo da teoria e do Direito Criminal em sentido amplo. 
A orientação do trabalho poder-se-ia capta-se nesta pergunta: «Como entender o crime fora de um sistema normativo, que é também cultural, ou desapegado do todo social, fora do enquadramento sistémico que é, afinal de contas, na complexidade que s lhe pode atribuir, produto de um jogo de forças que, por homeostasia, conduz a respostas, pelo menos em expectativa, em função do accionar ou do priorizar de n estímulos?». Mas o perfil imediatamente utilizável do que na obra se publica vai para além desta formulação teorética que é, por isso mesmo, meramente referencial.

Crónica do bom e do mau

Sobre o Tribunal Constitucional podem dizer-se muitas coisas, incluindo no que se refere à respectiva subsistência. 
Pode notar-se em que medida, seguindo os tiques do antigo STA, se especializou numa geometria jurisprudencial de círculos nunca coincidentes em que a dimensão normativa da norma tida por aplicada não coincide com a dimensão normativa da norma suscitada como desconforme com a Lei Fundamental ou em que a lei de cuja inconstitucionalidade se trata nunca foi aplicada no caso nos termos em que se suscitam ou aplicada sequer, ou em que a dimensão prevenida não é nem a aplicada nem a delineada no recurso, enfim tudo quanto, a juntar aos critérios formais serviu de base à rejeição liminar e à improcedência dos recursos que lhe são colocados também em legítima defesa face ao encurtamento do segundo grau de jurisdição.
O que não pode é, em nome de uma lógica interesseira, ser o bom Tribunal quando profere decisões convenientes e o mau Tribunal quando profere decisões que não convêm.
A propósito dos cortes nos subsídios foi-lhe colocada a questão. Legitimaram-no, assim, considerando-o apto a decidir, nessa iniciativa todos mesmo os que propugnam pela sua extinção.
O Tribunal decidiu agora, desagradando a todos: considerou a norma inconstitucional - e aí os hurras! - mas não este ano - e aí os morras! - e abriu a porta a que o Governo para defender a igualdade - que o tribunal considerou estar em causa - ameace os privados de lhes cortar também os subsídios - e ai os fora!, fora!, dos ameaaçados ante os parcialmente beneficiados.
Ora as questões de princípio não são assuntos de interesse. O relativismo moral só diminui a argumentação.
O Tribunal comportou-se politicamente  quando, em matéria de inconstitucionalidade, decidiu na base do sim, excepto, mas também.Agora estão todos contra ele: os impetrantes e os terceiros afectados. E estão estes contra aqueles.
É a unanimidade pela negativa. 
Um dia o Supremo Tribunal de Justiça, que conviveu, legitimando-as, com normas cuja gritante desconformidade com a Lei Suprema do País é hoje mais do que patente, e cuja inutilização faz parte do património da nossa cultura jurídica, terá os poderes que cabem ao Palácio de Ratton. Este é o propósito estratégico. Penso que não terei de demonstrar a primeira afirmação nem de explicar a minha contristada convicção quanto à segunda.

Acórdãos do TC em e-book

Já se encontra disponível o 81º volume dos Acórdãos do Tribunal Constitucional - o segundo de 2011 - em formato e-book. O pedido de assinatura anual pode ser feito directamente a partir do registo gratuito disponível no ícone Tribunal Constitucional/Acórdãos/e-books da página do respectivo sítio ou para o e-mail: bibliotecaebook@tribconstitucional.pt
Para além de se manter a integralidade da informação e tratamento que constava da versão anterior, encontram-se agora disponíveis as funcionalidades que uma versão digital como esta permite, nomeadamente folhear virtualmente a publicação, fazer pesquisa por palavras, criar marcadores virtuais, escrever notas pessoais e sublinhar virtualmente.

A ficção e a interpretação

Acreditem! Não é nenhuma obsessão em relação ao Tribunal Constitucional. É talvez eu não parar de abrir a boca, não de bocejo, mas de espanto.
Um pouco de história ajuda. Daquela história que é feita com a nossa pele, tisnada, tostada e azorragueada.
Houve tempos em que vi o Tribunal Constitucional exprimir-se, até para declarar a inconstitucionalidade de normas legais, através de uma fórmula do género: «o artigo X do diploma legal Y , quando interpretado e aplicado no sentido Z é inconstitucional por violação do artigo W da Constituição».
Depois, quando o TC passou a ser assolado por inúmeros recursos, daqueles desesperados a quem o legislador, numa das constantes reformas do Código de Processo Penal, retirou a regra do duplo grau de jurisdição, passou a rejeitar liminarmente recursos em que o recorrente usava precisamente essa fórmula, citando o modo como a norma tinha sido interpretada [e aplicada] com base no argumento segundo o qual o Tribunal Constitucional não sindicava interpretações de normas mas sim e apenas a sua conformidade constitucional.
Isto, apesar de ser essa a fórmula que usava, como disse, e de ser a que se consagrava num vade mecum formulário de um dos seus magistrados, Guilherme da Fonseca.
Daí, que para escapar à guilhotina liminar da rejeição do recurso, alguns causídicos passaram a usar a fórmula «o artigo X do diploma Y quando prevê Z é inconstitucional (...)», evitando a palavra aziaga, porque mortal, «interpretação». Claro que com esta fórmula os recursos não eram rejeitados in limine mas na sua esmagadora maioria eram declarados improcedentes a seguir.
Ora vejam qual não é a minha nocturna surpresa ao ler isto: que pelo seu Acórdão n.º 498/2011, de 26 de Outubro [texto integral aqui], o Tribunal Constitucional decidiu: «Interpretar a norma extraída do artigo 456.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, em termos de a parte só poder ser condenada como litigante de má fé, depois de previamente ser ouvida, a fim de se defender da imputação de má fé; Em consequência, conceder provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido, no segmento decisório atinente à condenação por litigância de má fé, ser reformado por forma a que aquela norma seja aplicada no indicado sentido interpretativo».
Felizmente um homem vive o tempo suficiente para ver o que era deixar de ser e voltar a ser. É uma dialéctica interessante, o mundo ser uma coisa e o seu contrário. Sobretudo quando se fala na segurança jurídica, que é uma daquelas ficções que se aprende nesta novela chamada Direito.

O TC (re) partido pelos partidos?

Li, citado aqui pelo In Verbis, o artigo do Advogado Castanheira de Barros, de que retiro este excerto: «Um estudo elaborado por dois investigadores portugueses e uma italiana, editado pela Faculdade de Direito da Universidade de Ilinóis (EUA), analisou 270 decisões do Tribunal Constitucional de Portugal relativas à fiscalização preventiva da constitucionalidade entre 1983 e 2007, tendo concluído que tais decisões são influenciadas pela “filiação partidária” dos juízes e pela presença do seu partido no Governo». 
O estudo já tinha citado aqui, no Blog de Informação. Foi exumado a propósito da decisão do TC sobre remuneração de magistrado. 
A ser exacto, porém, o estudo prova mais do que se pretende com ele provar. Muito mais. Estará em causa mais do que a remuneração dos magistrados, sim uma factura séria num dos pilares do edifício da Justiça.

A constitucionalidade nos "comuns"

Escreveu a Conselheira Fernanda Palma do Tribunal Constitucional, como vejo citado aqui: «Antes de 1974, só há memória de uma decisão (do juiz Ricardo da Velha) ter recusado a aplicação de uma norma julgada inconstitucional, por contrariar a inviolabilidade do domicílio». A pergunta - agora que há quem reivindique para os tribunais "comuns" a competência exclusiva para a fiscalização concreta da inconstitucionalidade - é outra: e depois de 1974? Quantas decisões houve?

O TC: uma questão de extintores

Não sou constitucionalista. Com esta prevenção atrevo-me a exprimir uma opinião sobre a questão, que está na ordem do dia, a da extinção ou não do Tribunal Constitucional, como se lê aqui neste blog amigo.
Acho que o problema pode fazer sentido, como matéria premente, no que se refere à fiscalização concreta. Já não quanto à abstracta e à preventiva. Ali é que se pode suscitar o caso de se perguntar se não deveria confiar-se essa questão da constitucionalidade à jurisdição comum.
Porque pensam assim tantos que eu tenho escutado?
Primeiro, por uma desconfiança congénita quanto à electividade dos juízes que integram o Palácio de Ratton, na lógica de que da eleição política deriva sujeição partidária, onde dependência, o que é a antinomia da ideia de juiz. A ser assim, que se extraia o mesmo efeito quanto aos membros politicamente eleitos e nomeados que integram os órgãos de cúpula das magistraturas, os respectivos Conselhos Superiores.
Segundo, pelo facto de a jurisprudência emitida pelo Tribunal Constitucional, pelo que se contradiz, pelas vezes em que surge insólita, pelas especulações a que se presta quanto a servir este interesse ou aquela força, indiciar que não de Tribunal se tratará, mas de instância de conveniências legitimadoras de um apriori que o Direito serve, secundarizado. A ser assim, que se escrutine com o mesmo critério a jurisprudência da jurisdição comum em ordem a saber se esta se move imaculada no limbo incensado das categorias jurídicas puras, não alumiado pelo mundo das realidades interessantes do mundo das ideologias, da política, jurisprudência dos interesses, em suma, pensada na sacristia das convicções pessoais antes da paramentarização para a solenização do ritual forense.
Enfim, porque poderá ser uma onerosa inutilidade, esta de atribuir a um outro Tribunal aquilo que caberia, afinal, no dever funcional de todos os tribunais. A ser assim, que se examine como têm os tribunais comuns tratado as questões de (in) constitucionalidade que se lhes colocaram.
Querem a minha verdade sofrida, feita de chagas e edemas do dia a dia na luta pelo Direito? Assim tivessem os tribunais comuns mostrado sensibilidade à Constituição, assim não tivessem convivido anos a fio com verdadeiras tropelias aos direitos fundamentais, apoando-as de legais, legítimas, desejáveis e conformes à Lei Fundamental, e não teríamos que dar graças por haver um Tribunal que até uma certa altura ainda foi a forma de evitar lesões à cidadania que ocorreriam a não haver apelo quanto à mentalidade de quantos sentiam servir a justiça despachando processos, as arguições de invalidade um abuso dilatório, os recursos uma chicana, a exigência de acatamento da forma um pretexto para emperrar a Justiça.
Claro que hoje, tornado jangada dos aflitos a quem um destes legisladores subtraiu o duplo grau de jurisdição, o Tribunal Constitucional, tal como o STA do antigamente, aprendeu a defender-se. A esmagadora maioria dos recursos morrem logo na decisão sumária por razões formais e por formalidades cada vez mais exigentes. Uma delas é aquela geometria fantástica, que nem o Pitágoras ou o Euclides demonstrariam, a de que a dimensão normativa suscitada no recurso quase nunca é coincidente com a dimensão normativa aplicada na decisão recorrida. Jogo de círculos nunca coincidentes, o recurso de fiscalização concreta para o TC tornou-se um verdadeiro jogo de azar: quase nunca se tem sorte.
Extinguir o Tribunal Constitucional? Que interessa? Neste incêndio de ideias que grassa pelo País, em que a palavra de ordem é extinguir organismos públicos, extinguir sim a necessidade de ter de ir para Tribunal para que a Constituição se cumpra nos próprios Tribunais.

O Acórdão do TC sobre remunerações

Confesso que não posso deixar de exprimir o que penso. Tenho visto os comentários de alguns magistrados ante a decisão do Tribunal Constitucional que viabilizou o diploma pelo qual o Governo reduziu a sua remuneração. 
A decisão padecerá da maior crítica. Não quero pronunciar-me sobre ela. Pode considerar-se que foi proferida com prevalência de critérios jurídicos duvidosos. Agora o que me fere a sensibilidade é ver magistrados que a comentam na praça pública do modo agreste como o fazem, pondo em causa a essência do órgão que a proferiu e afinal a honorabilidade dos seus critérios.
Poderá dizer-se que quando o fazem não estão a agir como juízes, sim como cidadãos.
Mas é um mau exemplo. Um dia uma decisão que profiram virá ser comentada na praça pública nos mesmos termos. Como já aconteceu, como aliás tem sucedido. E ouvirem dizer que deram prevalência a critérios políticos sobre jurídicos, a que agiram por causa do medo e com receio de serem prejudicados nas suas carreiras. E outras infâmias.
Não quero dar lições de moral. Vou só contar uma história.
Há muitos anos fui discutir ao Tribunal Constitucional o facto de um certo diploma legal [o Decreto-Lei n.º 28/84] estar ferido de inconstitucionalidade orgânica, pois que, tendo sido legislado ao abrigo de uma autorização legislativa dada ao Governo pela Assembleia da República, aquele, não só não tinha logrado publicá-lo na folha oficial dentro do prazo de vigência da autorização para legislar, como não tinha conseguido, dentro desse mesmo prazo, obter duas - duas, repito - condições que a Constituição considera requisitos sem os quais nenhuma lei existe: a promulgação do Presidente da República e a referenda do primeiro-Ministro.
Sabem como é que o Tribunal Constitucional decidiu? Através da extraordinária doutrina segundo a qual quer a promulgação, quer a referenda, não fazem parte do processo legislativo, são actos puramente políticos e que, portanto, bastava o Governo ter aprovado o diploma em Conselho de Ministros dentro do prazo para tudo estar conforme a Lei Fundamental. Fantástico não é?
Um polícia, com o qual me cruzei na escadaria da PJ, perguntou-me então se era eu o tal advogado que tinha posto em causa a constitucionalidade do dito 28/84. Ao ouvir-me confirmar, replicou «não me diga que estava à espera de ganhar! É que se ganhasse lá ia "ao ar" o decreto que permite perseguir todos os crimes económicos, ora!».
Calei-me. Não vi ninguém gritar contra este critério político que salvou o diploma legal. Pelo contrário todos os magistrados o aplicam como se nada fosse.
Percebo que este decreto lhes afecta directamente a remuneração, como sacrifica todos os que trabalham para outrem.
Optaram por esperar que fosse aquele Tribunal discutir o assunto. Nisso conferiram-lhe legitimidade. Agora que a decisão é aquela, desfavorável, reagem de um modo e com uma linguagem que seguramente não seria a mesma se tivessem ganho.
Moderação, pois, reserva e sobretudo exemplo!
Está em causa a nobreza da Justiça, a dignidade do Estado. Os magistrados ainda são o pouco que resta.