Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




A repartição do pão

Há presos que guardam o resto da comida que lhes cabe, para darem à família que os visita. Saber isto é de facto comovente, tanto quanto a miséria que está em volta.

Férias a acabar

O http://dis-lex-ias.blogspot.com/ regressou de férias e com isso, não sei porquê, a ideia de que agora voltou o tempo de trabalho. Já no liceu era assim: os vizinhos regressavam da praia, mais dia menos dia, começavam as aulas.

A coima em Coina

A Justiça às vezes anda a duzentos à hora; o que ela é mais lenta é na hora da execução. Não é uma questão de excesso de garantismo, é um problema de Direito Constitucional, o da interpretação da norma sobre a igualdade dos cidadãos perante a lei.

A vala comum

Se há coisas que os presos aprendem depressa é o Direito Judiciário e o da Execução de Penas. As prisões são uma universidade, o método pedagógico é o do trabalho em grupo. A avaliação é sentir na pele os efeitos de um mau aprendizado. Recordei-me disto ao lembrar-me de um anónimo preso que me explicava há anos que, se não fosse condenado com provas, poderia sê-lo «à convicção»: o que, para sua tristeza, ia dar no mesmo. O homem quando entrou na cela, espécie de vala comum da desgraça, e disse que estava inocente, riram-se-lhe todos na cara, à gargalhada: inocentes, estavam todos!

Não é por nada!

Só uma palavra e não falamos mais no assunto: eu neste «blog» não falo dos «meus» processos nem dos processos dos outros. Nem directamente, nem por insinuação. A ética impede-me. É claro que há gente que agora anda a esquadrinhar para ver se me apanha em falta, não importa em quê. Como na canção do José Afonso, no comboio descendente: «No comboio descendente vinha tudo à gargalhada; uns por verem rir os outros e outros sem ser por nada; no comboio descendente de Queluz à Cruz Quebrada...». Não sei se todos sabem, a letra é do Fernando Pessoa!

Ontem, hoje e amanhã

O «site» do Ministério da Justiça diz hoje dia 24 que «o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, José Conde Rodrigues, vai assistir amanhã, 18 de Agosto, pelas 17h00, ao fim da primeira fase das obras do futuro Palácio da Justiça de Famalicão». No caso, dá para dizer: «no news, good news». Quando menos fizerem, menos estragam. E já agora: http://www.anos60.com/portugal/cid.htm

Extradição de portugueses por Portugal

Como se sabe, o mandado de detenção europeu permite a extradição de cidadãos portugueses para o estrangeiro, nisso se quebrando a regra constitucional tradicional segundo a qual Portugal não extradita portugueses. Veja-se uma ilustração prática do conceito no «site» da Polícia Judiciária [posto ontem]: «A Polícia Judiciária, através da Directoria de Coimbra, tendo conhecimento da existência de mandados de captura internacional, emitidos pelas autoridades judiciárias francesas e inseridos no Sistema de Informação Schengen, contra dois cidadãos nacionais residentes na área desta Directoria, realizou diligências tendentes à sua localização e detenção para posterior extradição. Assim, no cumprimento de Mandados de Detenção Internacionais, foram detidos nos dias 17 e 18 do corrente: - Um cidadão de nacionalidade portuguesa, de 52 anos de idade, acusado em França pelo crime de violação de menores.- Um cidadão de nacionalidade portuguesa, de 55 anos de idade, acusado em França pelo crime de homicídio. Os detidos foram presentes no Tribunal de Relação de Coimbra, seguindo-se os termos processuais legais tendentes à sua extradição».

O restauro

Há no ciber-espaço, concretamente na galáxia jurídica, um blog jovem e cintilante que se chama «justiça restaurativa» [http://jusrespt.blogspot.com/]. Só que está de férias, o que é pena e tem actualização lenta, o que é ainda mais pena. Há que restaurar nele uma dinâmica de entusiasmo, sob pena de se transformar numa estrela cadente.

O Cântico Negro

É curioso com o os «blogs» jurídicos que eram originariamente informativos se estão a tornar opinativos e até polémicos. Há razões subjacentes a justificar a mudança de tom. Ante ambientes como os que estamos a viver, não há auto-contenção que resista. Tal como o Régio do Cântico Negro, «não sei por onde vou, sei que não vou por aí»!

O comunicado do PGR e o carro da água

Há um aspecto que me impressiona no comunicado do Procurador-Geral da República a desmentir uma notícia do jornal «Público» sobre os supostos dezasseis anos que a PGR teria [não] levado a proferir um parecer e é logo o o intróito onde se diz: «Dirijo-me a V. Exa. na qualidade de presidente do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, e indo ao encontro do deliberado por este órgão, na reunião que teve lugar ontem, dia 16 de Agosto». É que, lido o texto, ressalta que para desmentir uma notícia de jornal que a entidade visada tem por grosseiramente falsa, teve que se envolver o próprio Procurador-Geral e o Conselho Consultivo todo [no mês de Agosto!] em deliberação! Então isto não é dar a um artigo de jornal tais honras e pompas que logo o nobilitam quando a lógica deveria ser a contrária? É que, se ante uma prosa de jornal sai à rua o vértice do MP e o o colégio consultivo da PGR em acto de desagravo, se um dia o Terreiro do Paço ou Belém, ou as Cortes mesmo, com os galões de serem poder político, se sairem com alguma joellhada baixa no Palácio de Palmela, que farão os de lá? Só se, mutatis mutandis, forem como os da Associação Sindical da PSP, de toga vestida, para a Praça do Comércio, para levarem uma molha do carro da água da força de intervenção! Ainda querem que as excelências da imprensa não se sintam poder! É caso para dizer como o outro, que agora felizmente deixou de dizer: «Virgem Santíssima!»

A unidade de missão: o vai-vem espacial

De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.o 138/2005 foi criada uma «unidade de missão para a reforma penal». O texto do diploma é do seguinte teor:
«O Programa do XVII Governo Constitucional prevê um vasto conjunto de reformas no sistema de justiça penal, em que se inclui a definição da política criminal, a reforma dos instrumentos de investigação criminal, do processo penal, do direito penal substantivo, do sistema prisional e do sistema de reinserção social. Tais reformas implicam várias iniciativas legislativas que se encontram programadas e em cuja preparação deve ser assegurado um grau elevado de coerência e eficácia, tendo o Governo assumido compromissos em relação ao calendário a cumprir neste domínio.
Destacam-se, entre as iniciativas a adoptar, a revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal, o enquadramento da definição e da execução da política criminal, a lei quadro da reforma do sistema prisional e respectivos diplomas complementares e o regime das bases de dados para fins de investigação criminal, que requerem a conjugação de múltiplos contributos, provenientes de diferentes instituições, designadamente universitárias.
Para viabilizar este programa, entende o Governo criar, na dependência directa do Ministro da Justiça, uma estrutura de missão para a reforma penal.
Assim:
Ao abrigo do artigo 28.o da Lei n.o 4/2004, de 15 de Janeiro, e nos termos da alínea g) do artigo 199.o da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1—Constituir uma estrutura de missão denominada unidade de missão para a reforma penal
, adiante designada por UMRP, que tem como objectivo a concepção, o apoio e a coordenação do desenvolvimento dos projectos de reforma da legislação penal.

2—Definir que a UMRP é composta por:
a) Um coordenador;
b) Um conselho integrado por um representante
de cada um dos seguintes serviços e organismos:
i) Um representante da Polícia Judiciária;
ii) Um representante do Centro de Estudos
Judiciários;
iii) Umrepresentante da Direcção-Geral dos
Serviços Prisionais;
iv) Um representante do Instituto de Reinserção
Social;
v) Um representante do Instituto Nacional
de Medicina Legal;
vi) Um representante do Gabinete de Política
Legislativa e Planeamento;
vii) Um representante do Gabinete para as
Relações Internacionais Europeias e de
Cooperação;
viii) Um membro do Gabinete do Ministro
da Justiça.
3—Nomear como coordenador da UMRP o mestre
Rui Carlos Pereira.
4—Estabelecer que, sempre que entenda necessário ou conveniente, o coordenador da UMRP pode propor ao Ministro da Justiça que sejam convidados a participar em reuniões do conselho a que se refere a alínea b)
do n.o 2 representantes do Conselho Superior de Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, bem como professores universitários de áreas científicas consideradas relevantes
para a reforma penal.
5—Atribuir ao coordenador da UMRP o estatuto e gabinete equivalentes aos de subsecretário de Estado, sendo a respectiva remuneração definida por despacho conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças e da
Justiça.
6—Determinar que a participação na UMRP dos elementos do conselho se insere no âmbito das funções que exercem, não auferindo remuneração adicional.
7—Estabelecer que a UMRP tem a duração de dois anos e funciona nas instalações e com o apoio administrativo e logístico da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça.
8—Determinar que os encargos orçamentais decorrentes do funcionamento da UMRP são suportados pelo orçamento da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça.
9—Determinar que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação.
Presidência do Conselho de Ministros, 29 de Julho
de 2005.—Pelo Primeiro-Ministro, António Luís Santos
Costa, Ministro de Estado e da Administração Interna»
.
O termo usado para designar a nóvel entidade tem o seu quê de evangélico, mas não será por isso que nenhum mal virá ao mundo da reforma penal. Os socialistas adoram estes novo-riquismos terminológicos e os que gostam de não parecer incultos também.
Mas ante a leitura do texto em si, permitam-se os seguintes comentários:
(i) porquê a distinção discriminatória, nele assumida, entre os membros que integram a «unidade de missão» por direito próprio e aqueles que podem vir a ser convidados? Será que se pensa que haverá membros de primeira classe e de segunda e que a reforma tem mais a ver com os primeiros do que com os segundos?
(2) porquê circunscrever o elenco dos que ali se sentam por direito próprio a representantes de organismos dependentes do Ministério da Justiça? Será que se pensa que a reforma penal, com tudo o que ela implica de liberdade de opinião e de iniciativa, se faz com o concurso respeitoso e obediente de funcionários, por mais respeito que eu tenha pelos que têm como ingrata missão sujeitarem-se a ministros?
(3) porquê não se definiram quais as balizas concretas da reforma, sendo que o preâmbulo do diploma praticamente refere todo o Direito Penal, augurando-se que a comissão [perdão, a unidade de missão] possa ir de A a Z, sem que saiba por onde ou para onde?
Eis, para já. Aguardemos confiadamente, após este lançamento. Não se sabe se a nave segue para Marte repressivo se para Saturno ressocializador, nem qual a sua missão. Mas a reforma continua! O próximo ministro também haverá de querer a sua. A propósito, ironia do destino: a resolução sobre a reforma essencial na área do Ministério da Justiça vem assinada pelo ministro da Administração Interna, «posing as» Primeiro-Ministro. É preciso ter azar!

Prazo de recurso para o TC: arguido ausente

Segundo o Acórdão n.º 312/2005 do Tribunal Constitucoinal [publicado no DR, II, de 08.08.05], a propósito da tempestividade de um recurso para si interposto decidiu o seguinte, como consta do sumário: «Interpreta as normas do n.º 1 do artigo 411.º e do n.º 5 do artigo 333.º do Código de Processo Penal no sentido de que o prazo para a interposição de recurso da decisão condenatória do arguido ausente se conta a partir da notificação pessoal e não a partir do depósito na secretaria, independentemente dos motivos que determinaram tal ausência e se os mesmos são, ou não, justificáveis».
Um comentário se nos oferece fazer: cabe a um Tribunal interpretar normas, ou decidir em função delas?

Portugal arguido por omissão de legislar europeisticamente

Cono noticia o site do Gabinete de Documentação e Direito Comparado: «A Comissão [Europeia] decidiu lançar processos por infracção contra treze Estados membros por não transposição, para o Direito nacional de uma ou várias das oito directivas relativas ao mercado interno.Os países que não cumpriram os prazos de transposição são a Bélgica, a República Checa, a Estónia, a Grécia, a Itália, a Letónia, o Luxemburgo, os Países Baixos, Portugal, a Eslováquia, a Espanha, a Suécia e o Reino Unido.Os casos ascendem a 25 e abrangem directivas sobre supervisão complementar de conglomerados financeiros, saneamento e liquidação das instituições de crédito, actividade das instituições de moeda electrónica, regras contabilísticas, liquidação de serviços de seguros, seguros de vida, serviços postais e serviços de acesso condicional. Estes pedidos assumem a forma de "pareceres fundamentados", o que corresponde à segunda fase do processo por infracção, nos termos do artigo 226º do Tratado CE. Caso não receba uma resposta satisfatória no prazo de dois meses, a Comissão poderá apresentar o caso ao Tribunal de Justiça.Portugal está envolvido nesta questão de não transposição ao nível da supervisão complementar de conglomerados financeiros e ao nível do saneamento e da liquidação das instituições de crédito.No plano da supervisão complementar de conglomerados financeiros, Portugal, bem como a Bélgica, a Grécia, o Luxemburgo, os Países Baixos, a Suécia, a República Checa e a Letónia, não transpôs, até Agosto de 2004, a Directiva 2002/87/CE. Os conglomerados financeiros são grupos financeiros intersectoriais com actividades nos sectores dos serviços bancários/de investimento e dos seguros. Esta Directiva estabelece medidas específicas no que diz respeito à supervisão prudencial destes grupos financeiros com o objectivo de garantir a respectiva solidez financeira e solvência A correcta transposição desta Directiva por todos os Estados membros permitirá estimular o mercado financeiro e aumentar a concorrência, o que beneficiará os consumidores, depositantes e investidores da União Europeia. Esta Directiva constituía uma medida prioritária do Plano de Acção para os Serviços Financeiros.No plano do saneamento e liquidação das instituições de crédito, além de Portugal, estão na situação de não transposição, a Grécia, a Suécia e a República Checa.A Comissão Europeia decidiu enviar pareceres fundamentados à Grécia, Portugal, Suécia e República Checa, por não transposição da Directiva 2001/24/CE.A Directiva estabelece que, em caso de dificuldade de uma instituição de crédito, com sucursais em diferentes Estados membros, o processo de liquidação está sujeito a um único processo de falência, instaurado no Estado-membro da sede da instituição de crédito (Estado de origem) e é regido por uma única lei de falência, a do Estado de origem. Enquanto a Directiva não for transposta por todos os Estados membros, existe um risco de conflito de jurisdições e não é garantida a igualdade de tratamento dos credores nos diferentes Estados membros».

Tarde mas antes de nunca

Às vezes é onde menos se espera que as coisas se encontram. O Verão amolece os rigores jurídicos, acalorando-lhes a frieza. Por causa de um princípio jurídico essencial, que é o direito à preguiça, andava arredio daqui. Hoje o grilo da minha consciência ralhou comigo. Minado no meu ser dolente, refugiei-me a ler o livro do Mário Cabral, porque tinham já ralhado comigo, agora por deixar as iniciativas inacabadas. Curiosamente foi lá, na página quarenta e três, que percebi que a justiça não é o que é justo para todos, mas sim o que é ajustado para cada um. Levei tempo a aprender, mas lá entrou! Como diria o grilo do Pinóquio que, sabe-se lá porque ciência oculta, falava alemão: Gesundheit!

A História repete-se sempre duas vezes

Estava assim no artigo 196º da Constituição de 1822: «Todos os magistrados e oficiais de justiça serão responsáveis pelos abusos de poder, e pelos erros que cometerem no exercício dos seus empregos. Qualquer cidadão, ainda que não seja nisso particularmente interessado, poderá acusá-los por suborno peita ou conluio; se for interessado, poderá acusá-los de qualquer prevaricação a que na lei esteja imposta alguma pena, conquanto que esta prevaricação não consista em infringir lei relativa à ordem do processo».
Ficou assim no artigo 391º da Reforma Judiciária de 1836: «nenhum juiz ou magistrado do Ministério Público, poderá ser condenado por perdas e danos, senão nos casos seguintes: 1º nos crimes de peculato, peita, concussão ou suborno: 2º nos casos de dolo: 3º quando a Lei expresamente o fizer responsável por perdas e danos, por alguma comissão ou omisão: 4º quando houver denegação de justiça».
A História repete-se sempre duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como comédia!

Os juízes e a despesa que dão...

Permitam-me algumas notas de espanto quanto aos termos da polémica sobre facto de o Governo pretender legislar sobre a responsabilidade civil dos juízes para além dos limites apertados que estão hoje ainda consignados no artigo 5º, n.º 3 do EMJ, onde se diz que «salvo nos casos em que a falta constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efectivada mediante acção de regresso do Estado contra o respectivo magistrado, com fundamento em dolo ou culpa grave». O que se conhece quanto a tal matéria é [ridículo!] o que vem nos jornais. Com esse limite, permitam-me três notas. Primeira, o vir a iniciativa divulgada na imprensa assim: «o Governo pretende que o Estado alargue as indemnizações às vítimas de erros judiciais e que os juízes, em casos graves, sejam chamados a comparticipar essa despesa» [sic, DN], como se fosse uma mera questão de intendência financeira o que estivesse em causa. Segunda, haver quem, do lado dos críticos, trate sindicalmente o problema em causa como se estivéssemos a falar da responsabilidade dos «funcionários», e como se o facto de se tratar de «magistrados» não conferisse ao tema a indispensabilidade de um tratamento especial. Terceira, a circunstância de ninguém relevar porque é afinal tão fácil ao poder político agendar todo um corpo de medidas contra os magistrados e lograr sempre a simpatia popular para tudo isso: ontem as férias, hoje a responsabilidade, e ainda haverá quem peça mais! Qualquer dia teremos um PGR não magistrado, se não por unanimidade, pelo menos por aclamação. Viva!
P.S. A propósito de responsabailidade civil de quem decide: quantos ministros já foram directamente responsabilizados pelos actos praticados no exercício das funções e, a atentar no que se lê na imprensa e se ouve no Parlamento, é tudo um cortejo de horrores?

Sem rei nem lei!

De repente vou aos «blogs» jurídicos habituais e não está lá ninguém! Terão ido todos de férias, com medo que sejam as últimas? É a anomia total, paraíso terreste almejado pela anarquia. E cá resto eu, mais algumas honrosas excepções, volteando, amarrados à nora. Até o jovem «Dislexias» encerrou a loja! O último que sair, é favor apagar a luz!

Advogado Barreiros oferece-se para juiz. Dá referências

Era eu um miúdo a dar os primeiro passos na advocacia em Sintra. Tinha deixado crescer a barba para parecer um senhor respeitável, numa comarca em que todos os colegas eram uns sorumbáticos senhores de meia idade para cima. Por causa de um ministro que tinha criado à pressa os juizes de instrução criminal, e por efeito dos juízes que não existiam durante as férias para preencher as vagas respectivas de tal inovadora função, encontrou-se uma saída: nomeiam-se licenciados em Direito! E eis-me então, jovem causídico de província, travestido em senhor doutor juiz! Acho que nem eles gostaram, nem eu. Quem ficou a ganhar foi um assaltante de vivendas que por ter sido apanhado num pseudo flagrante delito mandei soltar, para grande raiva da Guarda, por reputar ilegal a detenção. Calculo que o larápio se tenha reformado entretanto! Ele e os que geraram aquele sistema que fez de mim juiz por uma semana! Ridículo, em suma! Ridículo quer dizer o facto de quarenta anos depois, ainda sem me poder reformar, correr o risco de voltar a ser juiz, por mais uma vez. Mas desta vez aviso: só quero ser juiz em férias no Algarve!

Notificação de articulados pelo e ao MP

O parecer n.º 131/2001 PGR (2.ª série), de 12 de Julho de 2002, relator João Manuel da Silva Miguel conclui que: «1.ª Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 229.º-A do Código de Processo Civil, nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260.º-A. 2.ª As normas referidas na conclusão anterior não são aplicáveis ao Ministério Público. 3.ª As mesmas normas também não são aplicáveis aos mandatários judiciais quando o Ministério Público com eles intervenha no mesmo processo, excepto, quanto àqueles, nas relações entre si, relativamente a actos em que o Ministério Público não deva ter intervenção. In Diário da República. – S.2 n.140 (22 Julho 2005), p.10 662- 10 671».

Aperfeiçoamento do RAI: constitucionalidade

O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 389/2005, de 14 de Julho de 2005 [2.ª Secção, Processo n.º 310/2005 , relatora Maria Fernanda Palma, decidiu «não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 287º e 283º do Código de Processo Penal, segundo a qual não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelos assistentes, que não contenha uma descrição dos factos imputados ao arguido, negando, consequentemente, provimento ao recurso e confirmando o acórdão recorrido. (...)».

Schengen: matrículas de automóveis

Regulamento CE/1160/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 2005 [aplicável a partir de 11-01-2006], que altera a Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns no que respeita ao acesso ao Sistema de Informação Schengen pelos serviços dos Estados-Membros competentes para a emissão de certificados de matrícula dos veículos [Jornal Oficial da União Europeia. – L191 (22 Julho 2005), p.18-21. http://europa.eu.int/eur-lex/lex]

* Directiva 1999/37/CE do Conselho, de 29 de Abril de 1999, relativa aos documentos de matrícula dos veículos (artigo 9.º - assistência mútua) [JOCE. – L138 (1 Junho 1999), p.57. Directiva com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 2003/127/CE da Comissão (JOCE. - L10, de 16.1.2004, p. 29)].

* Decisão 2004/919/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 2004, relativa à luta contra a criminalidade automóvel com repercussões transfronteiriças [JOUE. - L389 (30 Dez 2004), p. 28].

O Sistema de Informação Schengen (SIS), criado nos termos do título IV da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (Convenção de Schengen de 1990) e integrado no âmbito da União Europeia ao abrigo do protocolo anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, constitui uma rede electrónica entre os Estados-Membros [JOCE, L239 (22 Set 2000), p.19. Convenção com a última redacção que lhe foi dada pelo Regulamento CE/871/2004 do Conselho (JOUE. - L162, de 30.4.2004, p. 29)].

Foi-se! A martelo!

Deve ser do tórrido Verão. Mas alguém tem de o dizer!. Eu sei que serei suspeito ao vir aqui dizê-lo e por isso o digo com rigor milimétrico, pensando, palavra a palavra, no que digo: mas ninguém reparou que do currículo de Sexa, o ministro da Justiça que temos, que tão pormenorizado é, até a ponto de se enobrecer com a menção ao que a PIDE lhe fez, falta um pequeno grande pormenor, um momento da sua vida, um trajecto seu, uma função relevante?. E ninguém reparou que ninguém repara nisso ou todos fingem não reparar que não se repara em tal omissão? Diga-me que não, para ficarmos todos contentes. O próprio «Correio da Manhã», que recentemente o entrevistou, resume a biografia do entrevistado e igualmente omite este momento da sua vida. Fantástico! Num país destes, dá vontade de dizer: sabem que mais, vão passear! Além do mais, faz-vos bem, sempre apanham ar! Mas, enfim, lá temos que nos aturar uns aos outros e aprender a não reparar no que não tem reparação possível.
Ora vejam lá, o que vem no «site» do Ministério da Justiça, onde se publicam essas coisas curriculares: http://www.mj.gov.pt/front-end/mj/default.asp?c=00000001:00000001:00000001:00000001: [os zeros todos vêm lá, não sei porquê, mas o "link" é mesmo assim!]
«Dados Pessoais

Alberto Costa nasceu em Évora de Alcobaça, concelho de Alcobaça, distrito de Leiria (1947). É casado e pai de três filhos. Fez a escola primária e o liceu em Leiria, tendo sido aí distinguido com o Prémio Nacional.

Actividade Profissional e Académica

Licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde viria também a leccionar, e fez em Leiria o estágio de advocacia e o início da sua vida profissional.
Foi candidato a deputado pela Oposição Democrática pelo círculo de Leiria (1969), tendo então a sua candidatura sido impedida pela Pide. Em resultado da sua prisão pela polícia política e exclusão de todas as Universidades por decisão do governo da ditadura, a França veio a conceder-lhe o estatuto de refugiado político (1973/74).
É advogado desde 1974. Exerceu cargos na Ordem dos Advogados e em vários sectores da Administração em áreas ligadas à justiça e regeu disciplinas jurídicas na Universidade Clássica de Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa e ISPA, de cuja assembleia geral foi presidente.
Deputado à Assembleia da República desde 1991, foi Presidente da Comissão Parlamentar dos Assuntos Europeus, Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PS e membro da Assembleia Parlamentar do Atlântico Norte, em várias legislaturas.
Foi ministro da Administração Interna (1995/1997), tendo integrado o Conselho de Ministros de Justiça e Assuntos Internos da União Europeia em seis presidências.
Desempenhou as funções de administrador não-executivo da Petróleos de Portugal – Petrogal SA (1997-98).
Foi membro da Convenção Europeia que preparou a Constituição para a Europa em representação do Parlamento português (2002/2003) e também responsável pelo programa eleitoral do PS nas últimas europeias (2004).
Desempenhou missões públicas e profissionais e fez numerosas conferências em países da Europa, África, Ásia e América, tendo chefiado nalguns deles missões da União Europeia.
É autor de diversas publicações sobre temas jurídicos e políticos, nomeadamente “Tribunal Penal Internacional” e “Na Convenção Europeia”.
Colaborou nas revistas “O Tempo e o Modo”, “Vértice”, “Seara Nova”, Política Internacional”, “Revista Jurídica de Macau”,”Revue du Tiers Monde”, “Europa Novas Fronteiras”, em diversas obras colectivas e jornais.
No âmbito do Partido Socialista integra a Comissão Política Nacional, onde tem sido eleito desde 1988.»
Não falta nada? Uma função? Um cargo? Mais de um ano da sua vida? É caso para se dizer: a desmaterialização chegou ao ministério da Justiça: uma parte do currículo de Sexa. foi-se! A continuar assim, qualquer dia, foi-se todo, salvo se continuarem todos a não reparar!

Excesso de garantismo mediático

«Esperemos, entretanto, que nenhum dos magistrados prejudicados se lembre de se queixar às mais "altas instâncias" (RTP, SIC ou TVI...)», escreve-se no http://ciberjus.blogspot.com/ a propósito de um problema retributivo de magistrados em formação. Perdoe-se a ironia à ironia: mas será que o recurso sistemático a tais instâncias já começa a parecer também excesso de garantismo?

Uma grande

«Esta desmaterialização representa a concepção do sistema judicial como uma grande infra-estrutura cívica», considera Alberto Costa, em declarações ao jornal «Público». Ora aí está! Desta é que vou a provas à Faculdade de Direito, candidatar-me a doutor laureado com um tema que deixará o júri em pura catalepsia mental: «A verdade material num processo criminal desmaterializado, prolegómenos para uma infraestrutura cívica». Começo a estudar e é já nas férias! E ainda eu ironizava em tempos, inocente quanto a «infra-estruturas» no Direito, mas ante o esvaziamento completo da função de ministro da Justiça, dizendo que o Ministério bem poderia mudar de nome e passar a chamar-se «Ministério do Equipamento Judiciário e dos Monumentos Legislativos», pois edifica tribunais e mobila-os e encomenda códigos a comissões! Realmente, bem poderia ter sido mais moderado. Temos Pacheco, Duarte Pacheco!

Transferências bancárias e crime

Como noticia o http://santerna.blogspot.com/: a Sala de Imprensa da Comissão Europeia acaba de apresentar «uma proposta de reforço dos controles sobre as transferências bancária com o objectivo de cortar as fontes de financiamento de terroristas e outros criminosos. Com a aplicação do regulamento proposto, as transferências de dinheiro deverão ser obrigatoriamente acompanhadas de informações sobre a identidade de quem dá a ordem, em especial o seu nome a sua morada e o seu número de conta. Graças às medidas propostas, o acesso imediato das autoridades competente a estas informações será assegurada, o que contribuirá para facilitar a sua tarefa de detecção, investigação e persecução das actividades dos terroristas e outros criminosos, bem como a identificação dos seus activos financeiros. Esta proposta insere-se no quadro mais amplo do plano de acção da UE de luta contra o terrorismo».

O desmaterialismo dialéctico

Ainda por falar em desmaterialização, alguém se lembra que a letra da canção dos «Police», chamada «Material World» é:

«There is no political solution
To our troubled evolution
Have no faith in constitution
There is no bloody revolution
We are spirits in the material world
Are spirits in the material world
Are spirits in the material world
Are spirits in the material world»

Não é por nada! O pior ainda está para vir, no mundo material!

E não se poderá recuperá-lo?

Nem de propósito. Tinha eu escrito o «post» sobre a amnistia geral e o risco de um sistema de «desmaterialização» quando me chega por email um anúncio de uma empresa especialista em recuperação de dados, que rezava assim: «não há sistemas absolutamente seguros porque os mais sofisticados já falharam. O desastre informático pode bater-lhe à porta e vir a perder dados importantes. Se tal acontecer vai sentir o que é bom ter uma longa experiência do seu lado». Lembrei-me de lhes recomendar que contactem os tribunais superiores, pois com este ministro, em breve vão ter muitos clientes!

Corta!

Nem sei se alguém notou, mas férias é tema que eu não trato aqui. Mas porque, como na anedota, «é hoje, é hoje!» que o assunto sobe ao Parlamento, não resisto. É que, ou alguém se enganou nas contas ou o mesmo ministro que começou por ameaçar cortar um mês de férias aos tribunais agora já vai numa de cortar apenas uma semana! No meio disto tudo e do cortejo de absurdos que se lhe seguiu, lembrei-me da carta do Eça de Queirós ao Exmo. Senhor Pinto Coelho, digno director da Companhia das Águas de Lisboa e digno membro do Partido Legitimista, quando aquela lhe cortou o precioso líquido: «Eu não peço indemnização pela perda que estou sofrendo, eu não peço contas eu não peço explicações, eu chego a nem sequer pedir água! Não quero pôr a Companhia em dificuldades, não quero causar-lhe desgostos, nem prejuízos! Quero apenas esta pequena desafronta, bem simples e bem razoável perante o direito e a justiça distributiva: quero cortar uma coisa a V. Ex.ª ! Rogo-lhe, Exmo. Senhor, a especial fineza de me dizer imediatamente, peremptoriamente, sem evasivas, nem tergiversações, qual é a coisa que, no mais santo uso do meu pleno direito, eu posso cortar a V. Ex.ª».

Não é a Tass, é o tá-se

Ainda a propósito da desmaterialização, li isto num jornal: «A prioridade vai ser atribuída à digitalização dos recursos interpostos para os tribunais superiores. Com a aplicação desta medida, os juízes desembargadores passam a poder trabalhar em casa num computador, em vez de terem de transportar com eles os grossos volumes dos processos». Desculpem-me mas não consigo levar nada disto a sério! Li e lembrei-me do Raul Solnado: «está-se mêmo a vêr, num tá-se?».

A casa mortuária

«Nunca faças uma pergunta sem saber qual a resposta que te espera»! Esta uma máxima que devia ser ensinada a quem vai para a barra do tribunal. É que muitos dos contra-interrogatórios que por aí se vêem, pretensamente homicidas, são autenticamente suicidas. Alguns com morte lenta e agonia à vista!