A partir de hoje, 18 de Abril, este blog termina, continuando na forma de site, o qual pode ser consultado aqui a partir de amanhã.
Muito obrigado a quantos me têm acompanhado. Qualquer sugestão é, como sempre, bem recebida.
Ilícitos económico-financeiros
A partir de hoje, 18 de Abril, este blog termina, continuando na forma de site, o qual pode ser consultado aqui a partir de amanhã.
Muito obrigado a quantos me têm acompanhado. Qualquer sugestão é, como sempre, bem recebida.
Incumbi-me do tema do ilícito contraordenacional, categoria em nome do qual se aplicam sanções punitivas de uma severidade que, tantas vezes, o Direito Criminal não atinge, isto apesar de aquele ter sido criado na forma de ilícito de "mera" ordenação social.
Durante o debate veio a tema a medida em que o legislador, ao qualificar como contraordenação o que assim evita denominar como crime, e ao relegar o respectivo conhecimento para um procedimento administrativo sem controlo judicial que respeite os princípios gerais que o Direito Penal e o Direito do Processo Penal garantiriam, ao fiar-se em que - e a expressão proveio há anos de um Conselheiro do Tribunal Constitucional - tudo está sujeito de um «controlo de constitucionalidade de baixa intensidade», tem assim nas mãos um sistema expedito e rentável que perpetuará sem o modificar. Os tribunais toleraram-no e servirem-no até aqui sem dúvida de consciência, tem uma medida suplementar de legitimação do esquema.
Mais: o Executivo que com tal beneficia em matéria regulatória, manterá, também porque aqui útil, um sistema normativo confuso, estruturado em normas de dupla remissão, uma delas para o processo das transgressões e contravenções - as quais era suposto terem sido banidas em 1979, mas que se mantêm, bem sabendo e não podendo ignorar quanta violência legal se comete através de tal expediente de cobrança reditícia.
O resto é o cortejo de ignomínias legalizadas que conhecemos: processo judicial em que o advogado é dispensável, discricionariedade judicial quanto à prova admissível, ameaça da "reformatio in pejus" para desencorajar quem deseje recorrer, recurso para a segunda instância sem que seja viável pôr em causa a matéria de facto, e tanto mais.
Sugeri uma lei quadro, que desse regulação e regulamentação efectiva ao corpo de questões substantivas e processuais que as exigem, e impedisse que, no âmbito sectorial, se violassem os seus princípios basilares, como até aqui tem sucedido, sempre na lógica do odiosa amplianda.
Dizem-me que os tempos não estão de molde a uma tal iniciativa. E eu que, vivi os anos de chumbo de um regime autoritário, cuja fisionomia pressinto regressar, acobertado no panfletário populismo justicialista, suponho que nada fazer é permitir que, por sobre o silêncio dos inertes, tudo seja feito.
A estranheza provirá de quem tiver do positivismo uma visão redutora, de pura vertente sociológica, e não o oriundo de um espírito complexo como o de quem o escreveu, como excelentemente o reconstituiu António Braz Teixeira, outro notável filósofo do Direito [ver aqui], ao acompanhar-lhe os passos, logo os primordiais neste seu ensaio, escrito quando ainda estudante do curso de Direito, em que se doutoraria com uma tese sobre História do Direito, curso que lhe abriria as portas à profissão de advogado, que exerceu no Porto e em Lisboa.
É um estudo assente na simbólica do Direito, esse «momento sentimental e poético que primitivamente teve o direito que hoje encontramos lógico, arrasoador, abstracta».
Eclético nas bases do seu pensamento, formado pelo estudo de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Giambattista Vico e Augusto Comte, o penúltimo exaltado com júbilo e entusiasmo, um «profeta, não das trevas religiosas, mas do esplendor da ideia da luz», o positivismo de que fará bandeira, dá as bases de sustentação filosófica ao republicanismo, ideário de que seria militante desde o tempo da Monarquia, seria eleito deputado às Cortes, sem ter chegado a tomar posse, Presidente do Governo saído do 5 de Outubro e Presidente da República, ainda que transitório.
Joaquim Teófilo Fernandes Braga, não se esgotaria, porém, no universo jurídico, tendo leccionado o Curso Superior de Letras, em 1872, depois de lhe ter sido negado o acesso à Faculdade de Direito em que se formara, incluindo a disciplina da Filosofia.
Dedicando, numa vida de clausura, os últimos anos de vida ao estudo e à escrita, faleceria sozinho, como passara a viver, no seu gabinete de trabalho, um Homem e assim o viu Joaquim de Carvalho, «cuja única fraqueza parece ter sido a de se deixar morrer».
Chegou-me este livro e as suas páginas densas transportam para um refúgio de ideias a que a mediocridade da realidade não faz ofensa. Talvez seja esse o benefício de o tentar ler.
a) Sétima alteração à Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, alterada pela Lei n.º 19/2008, de 21 de abril, pelos Decretos-Leis n.os Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro, e Decreto-Lei n.º 242/2012, de 7 de novembro, e pelas Leis n.os Lei n.º 60/2013, de 23 de agosto, Lei n.º 55/2015, de 23 de junho, e Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira;
b) Alteração ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro;
c) Primeira alteração ao Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado em anexo à Lei n.º 140/2015, de 7 de setembro;
d) Alteração à Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro, que aprova o Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria;
e) Alteração ao Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria, aprovado em anexo à Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro;
f) Quinta alteração à Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, alterada pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de setembro, pela Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro e pelo Decreto-Lei n.º 56/2021, de 30 de junho;
g) Alteração ao Código do Registo Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de dezembro;
h) Alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro;
i) Quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 222/99, de 22 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.os Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de outubro, Decreto-Lei n.º 162/2009, de 20 de julho, e Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de setembro, que cria e regula o funcionamento do Sistema de Indemnização aos Investidores;
j) Alteração ao Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro;
k) Alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
l) Segunda alteração aos estatutos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 5/2015, de 8 de janeiro, alterado pela Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro;
m) Designação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários como autoridade competente, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento (UE) 2017/1129 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017.
Para além disso, a citada lei procede às seguintes revogações:
a) O n.º 5 do artigo 14.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro;
b) A alínea a) do n.º 1 do artigo 31.º, os artigos 43.º, 44.º e 51.º, o n.º 1 do artigo 52.º, os n.os 4 a 6 do artigo 54.º, o n.º 1 do artigo 59.º, o artigo 63.º, os n.os 1, 3 a 5 e 8 a 11 do artigo 77.º, os artigos 79.º e 80.º, os artigos 113.º e 114.º, os n.os 7 a 10 do artigo 118.º, o n.º 4 do artigo 119.º, o n.º 7 do artigo 159.º, o artigo 184.º, o artigo 187.º e o n.º 2 do artigo 190.º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pela Lei n.º 140/2015, de 7 de setembro;
c) As alíneas c) a g) e l) do artigo 3.º, o n.º 6 do artigo 4.º, o n.º 4 do artigo 6.º, os artigos 23.º e 24, o n.º 9 do artigo 25.º, os artigos 32.º a 35.º, o n.º 4 do artigo 41.º, a alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º, as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 45.º, o artigo 47.º e o n.º 4 do artigo 49.º do Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria, aprovado em anexo à Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro;
d) O n.º 7 do artigo 490.º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro;
e) O n.º 3 do artigo 72.º do Código do Registo Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de dezembro;
f) O n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 222/99, de 22 de junho;
g) O artigo 13.º, o artigo 14.º, o n.º 2 do artigo 16.º, o n.º 2 do artigo 16.º-B, o artigo 16.º-C, o n.º 3 do artigo 21.º, o artigo 21.º-B, o artigo 21.º-C, os artigos 27.º a 29.º-E, o n.º 6 do artigo 51.º, os n.os 2 e 3 do artigo 109.º, o artigo 110.º, o artigo 110.º-B, o artigo 111.º, os n.os 3 e 4 do artigo 112.º, o artigo 113.º, as alíneas h) e o) do n.º 1 do artigo 115.º, os n.os 2, 9 e 10 do artigo 118.º, o n.º 2 do artigo 119.º, o n.º 1 do artigo 124.º, o n.º 2 do artigo 127.º, os artigos 134.º a 143.º, os artigos 145.º a 148.º, as alíneas e) e g) do n.º 1 do artigo 149.º, as alíneas a), f), l) e n) do artigo 155.º, o artigo 159.º, os n.os 2, 3 e 4 do artigo 163.º-A, os artigos 164.º a 167.º, o artigo 172.º, o n.º 3 do artigo 173.º, o n.º 2 do artigo 176.º, o artigo 183.º-A, o artigo 184.º, os n.os 4, 5, 6 do artigo 185.º, os n.os 3, 4 e 5 do artigo 185.º-B, os n.os 3 e 4 do artigo 197.º-A, o n.º 4 do 201.º-A, os n.os 2 e 3 do artigo 205.º-A, os n.º 4 do artigo 209.º, os n.os 2 e 4 do artigo 215.º-A, o artigo 236.º, o artigo 237.º-A, o n.º 2 do artigo 238.º, os artigos 243.º a 248.º-B, os artigos 249.º a 251.º-E, o n.º 6 e do artigo 257.º-B, os n.os 2, 3 e 6 do artigo 257.º-C, o n.º 15 do artigo 257.º-E, a alínea d) do n.º 1 do artigo 300.º, o n.º 6 do artigo 301.º, o artigo 302.º, o n.º 1 do artigo 303.º, a alínea f) do n.º 1 do artigo 321.º-A, o n.º 8 do artigo 323.º, o n.º 2 do artigo 337.º, o artigo 349.º, a alínea c) do n.º 1 do artigo 352.º, a alínea d) do n.º 1 do artigo 353.º, o artigo 357.º, o n.º 4 do artigo 365.º, o n.º 4 do artigo 369.º, n.os 2 e 3 do artigo 377.º-C, o n.º 5 do artigo 389.º, o artigo 390.º e a alínea d) do n.º 1, a alínea d) do n.º 2, a alínea a) do n.º 3, as alíneas a) e f) do n.º 4 e o n.º 5 do artigo 393.º, a subsecção II da secção V do capítulo I do título III, a secção II do capítulo II do título III e as secções III e III-A do capítulo II do título IV do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro;
h) O artigo 204.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
i) A alínea e) do artigo 7.º, o n.º 3 do artigo 10.º, a alínea j) do n.º 1 do artigo 23.º, a alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º e o n.º 4 do artigo 40.º dos estatutos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 5/2015, de 8 de janeiro.
a) A epígrafe do capítulo IV do título I passa a ter a seguinte redação: «Emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação»;
b) É aditada a secção II-A ao capítulo IV do título I, com a epígrafe «Direito de voto em emitentes de ações admitidas à negociação», que integra o artigo 21.º-D;
c) É aditada a secção II-B ao capítulo IV do título I, com a epígrafe «Identificação dos acionistas, transmissão de informações e facilitação do exercício dos direitos dos acionistas», que integra os artigos 21.º-E a 21.º-H;
d) A secção III do capítulo IV do título I, passa a integrar os artigos 21.º-I a 26.º;
e) A secção III-A do capítulo IV do título I passa a integrar os artigos 26.º-A a 26.º-G;
f) É aditada a secção III-B ao capítulo IV do título I, com a epígrafe «Transparência dos intermediários financeiros que prestam o serviço de gestão de carteiras por conta de outrem, dos investidores institucionais e dos consultores em matéria de votação», que integra os artigos 26.º-H a 26.º-L;
g) A secção IV do capítulo IV do título I, passa a ter epígrafe «Informação relativa a instrumentos financeiros admitidos à negociação» e a integrar os artigos 29.º-F a 29.º-R;
h) É aditada a secção V ao capítulo IV do título I, com epígrafe «Transações com partes relacionadas», que integra os artigos 29.º-S a 29.º-V;
i) O capítulo II do título III passa a ter a epígrafe «Ofertas de valores mobiliários ao público» e a integrar os artigos 156.º a 172.º;
j) O capítulo I do título IV passa a integrar os artigos 197.º-A a 201.º-C;
k) É aditada a secção III-B ao capítulo II do título IV, com a epígrafe «Exclusão voluntária da negociação de ações em mercado regulamentado e em sistema de negociação multilateral», que integra os artigos 251.º-F a 251.º-H.
Artigo 18.º
Alterações sistemáticas ao Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas
A epígrafe do título VI do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas passa a ter a seguinte redação: «Revisores oficiais de contas da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu».
Quem quiser ficar ao corrente do que se modificou só por um trabalho de tesoura e cola, ou, partindo daquilo que foi a proposta de lei inicial[a 94/XIV-2], a respectiva nota técnica, os pareceres sobre ela emitidos [tudo aqui] e verificar, uma a uma, as alterações subsequentes. Com ironia, dá para dizer que talvez consiga fazê-lo antes de a mesma entrar em vigor.
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Imagem: Mordillo: puzzle impossible
Tem por isso interesse o decidido pelo Acórdão da Relação de Évora de 16.12.2021 [proferido no processo 483/21.5T8FAR-A.E1, relator Rui Machado e Moura, texto integral aqui], quando estatui que:
«O artigo 71.º do C.P.P. impõe que o pedido de indemnização cível fundado na prática de um crime seja deduzido no processo penal (princípio da adesão) e o artigo 72.º do mesmo Código prevê excepções a este princípio, nomeadamente as respeitantes a situações em que a demora do processo penal põe em crise o interesse do lesado num rápido ressarcimento (alínea a).
«A faculdade atribuída ao lesado de deduzir pedido cível em separado quando o processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses após a notícia do crime, prevista no citado artigo 72.º n.º 1, alínea a), do C.P.P., não opera se o lesado não usou essa faculdade oportunamente, conformando-se com a demora, não deduzindo pedido cível após a acusação e só intentando a presente acção cível em separado decorridos que foram cerca de 20 meses depois da referida acusação.»
E interesse tem também esta vertente do decidido quanto conclui: «a ação de indemnização ora proposta no tribunal civil infringe as regras de competência em razão da matéria, constituindo uma excepção dilatória, oportunamente invocada pelo R., e, como tal, implicará a abstenção do conhecimento do pedido formulado pelo A. e a respectiva absolvição do R. da instância – cfr. artigos 96.º, alínea a), 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil.»
Supõe-se uma resposta e que convença. Essa a questão.
Rudolph von Jhering [Caspar Rudolph Ritter von Jhering, 1818-1892] já tinha escrito as obras pelas quais ganhou nomeada no mundo jurídico, desde as relativas ao Direito Romano, bem como "A Luta pelo Direito" e "A Finalidade no Direito" quando em 1884 publicou esta bem humorada colectânea a que chamou "Scherz und Ernst in der Jurisprudenz" e que em uma tradução livre se poderia chamar Piada e Seriedade na Jurisprudência ou, como resultou na versão da terceira edição, em castelhano, na qual o estou a ler, um facsimile publicado em 1938 pela Editorial Revista de Derecho Privado, com tradução de Román Piaza, reimpresso pela Maxtor, "Jurisprudencia en Broma y en Serio".
Para um autor que só pode ser encarado com respeito, o tom irónico e amiúde trocista com que escreve tem de ser, porém, ensinamento, desde logo o tom epistolar que torna método coloquial de pensar juridicamente, em modo conversacional.
O livro compõe-se de várias partes, a abrir um conjunto de seis cartas que escreveu, primeiro sem indicação de autoria e foram publicadas entre 1861 e 1866 na "Deutsche Gerichtszeitung", origináriamente denominada "Preussiche Gerichtszeitung", revista para juízes que, mau grado isso, acabariam por ser destinatários de parte das reflexões críticas ali alinhadas.
O mote central das cartas é porém o combate ao construtivismo universitário, aquela forma tipicamente alemã de formular soluções abstractas através de conceitos e movimentar dentro deles o pensamento jurídico desconsiderando a relevância prática da conclusão. Há nisso, até pelo tom, algo de nietzscheano, descontada a exaltação do filósofo de "Assim Falava Zaratrusta".
O território da narrativa é o domínio romanista, os temas decorrentes dos preceitos do "Corpus Iuris Civilis" e das "Pandectas", seja, pois, o Direito Civil, áreas que foram a do seu estudo e do seu ensino na Alemanha, Áustria e Suíça.
Compilação de outros escritos com o mesmo tom, o livro contém também as quatro "Charlas de un Romanista", inicialmente publicadas em 1880 na "Juristische Blätter" e, enfim, o mais jocoso de todos, o texto ficcional "No Céu dos Conceitos Jurídicos", viagem de um morto ao mundo onde se encontram os eleitos pelo seu trabalho no domínio da teoria pura do Direito, de onde o iniciado pode ser expulso assim lance a pergunta fatal "para que serve?", passeio por entre os mais esquisitos e absurdos maquinismos, como a prensa dialéctico-hidráulica para interpretações legais.
Passo interessante o da segunda carta, aquele em que, a sério ou a brincar - quem o sabe ante uma obra assim - Jhering refere o excerto do Direito que teria significado, paradoxalmente, ponto de viragem na sua vida, afinal não uma corrente filosófica ou um tratado de hermenêutica jurídica, mas sim o discretíssimo brocardo «nemo pro parte testatus pro parte intestatus decedere potest", a máxima legal jurídica segundo a qual não o Direito Romano não permitia a coexistência da sucessão testamentária com a sucessão a que hoje chamamos legítima.
Gera perplexidade que um simples preceito, perdido na floresta densa que o "Digesto" romano compilou, tenha tal capacidade de revolucionar o que já o autor já vivera. Compreende-se, porém, ao entender em que medida aquela frase sintetiza toda a filosofia jurídica romana em torno do Direito das Sucessões e afinal, uma concepção filosófica da vida, pela qual «a família e o direito do indivíduo apresentam a posição de forças inimigas, cada uma das quais trata de subjugar a outra, e cuja unificação e pacificação só se alcança pelo abatimento de uma delas».
Enfim, assim abro o ano.
Há, olhando com atenção a sua fotografia um semblante trocista, que a finura dos lábios parece querer conter. E, de facto, ante algum deste mundo jurídico, tal como ele tornou, amiúde opaco, autocentrado, pomposo de forma e inconsequente de resultado, talvez o riso seja tão útil quanto a seriedade.
A propósito de uma figura jurídica, a da "obrigação correal", em que o crédito não se pode extinguir em relação a um dos credores ou devedores, mas apenas globalmente, escreve Jhering na sua primeira carta:
«Entre elas e as chamadas obrigações solidárias deve existir uma diferença tão importante como entre um animal bípede e um quadrúpude. Pergunte-se, porém, aos nosso zoólogos juristas em que se traduz na prática aquela diferença quando se trata de atrelar um arado ao bípede ou ao quadrúpede e creio que a maior parte deles nos deixarão sem resposta e desculpar-se-ão dizendo que a Zoologia nada tem a ver com arados». Dito.
Ontem recebi a tristíssima notícia do falecimento do meu Bastonário, António Osório de Castro, o poeta António Osório.
Ao longo do empenhamento que fui tendo na vida e obra da nossa Ordem dos Advogados, foi-me dado conhecê-lo, com aquele acanhamento de embaraçada admiração que coloco na relação com os outros.
Hoje, dia triste, as memórias surgem. Entre elas, a mais longínqua, a jubilosa ocasião em que me foi possível fazer, sob a sua presidência, a primeira ligação de um computador digital e por um primitivo modem acústico e rede analógica, a uma base de dados jurídicos, o CREDOC, em Bruxelas, facto de tal modo insólito que, ante a sala repleta e incrédula, como que se avizinhava, em surpresa, ao primeiro passo do Homem na Lua. O que hoje se tornou banal era então futurologia, e é de poetas antevê-lo por entre o nevoeiro dos prosaicos descrentes.
E depois a última, os passeios aqui tão perto, acompanhado pela sua filha Gabriela, em que, tomando Sol pelos jardins da Gulbenkian, já indeciso o passo e confusas as lembranças, mantinha o porte e a galhardia que lhe davam a nunca perdida aura de senhoria e elegância.
Pelo meio os livros que teve a amabilidade de autografar e os que fui juntando, requintado o verbo, cuidadosa a tipografia.
Num blog que dedico às coisas da Literatura, vistas com os olhos das minhas incertas leituras, escrevi a 3 de Outubro de 2012 isto que aqui deixo como homenagem dorida à sua figura, apontamento sobre umas breves memórias que nos deixou:No caso estava em causa a viabilidade de extradição de um cidadão brasileiro para o Brasil. Os temas de Direito que se suscitavam eram, por um lado, a questão processual de ter ocorrido omissão de pronúncia, por outro o princípio de confiança no Estado requerente, sendo a regra da confiança a que baliza as relações de reciprocidade que vigoram no campo da cooperação judiciária internacional.
E neste particular, o acórdão sufraga este critério de abdicação valorativa estando em causa um país da CPLP, , que, ressalvado o respeito devido, me permito considerar discutível. É o que decorre do passo seguinte: «o STJ não pode arvorar-se em tutor da qualidade do respeito pelos Direitos de países que Portugal reconhece como parceiros (nomeadamente na CPLP) e a que velhos laços, sempre renovados, dão o epíteto de irmãos.»
Cita-se na íntegra:
«I - O thema decidendum no presente recurso é a apreciação da matéria de direito do acórdão recorrido, proferido pelo tribunal da Relação do Porto, que deferiu a extradição do recorrente para a República Federativa do Brasil, aí acusado por crimes de “estelionato”.
II - Numa linha, o recorrente, a finalizar as suas Conclusões, requereu audiência. Não cumpriu, assim, o determinado pelo art. 411.º, n.º 5 do CPP. O recorrente foi já ouvido (em 29-07- 2021), e vastamente tendo explicitado os seus pontos de vista, que se encontram, ex abundantia, esclarecidos. De qualquer forma, não cumpriu os requisitos legais, não havendo especificado os pontos da motivação do recurso que desejaria ver debatidos.
III - Alega omissão de pronúncia (máx. XXIII, XXIV e XXV das Conclusões). Porém, a invocação de omissão de pronúncia não pode ser genérica, mas, ao invés, deve ser muito específica. cf., v.g., acórdão deste STJ, de 27-10-2010, proferido no Proc.º n.º 70/07.0JBLSB.L1.S1: “VII - (…) Na impugnação da matéria fáctica não basta mera referência ou indicação genérica dos pontos de facto e das provas dissonantes, mas deve especificar-se os concretos pontos de facto e as concretas provas que impõem decisão diversa.” Está bastante sedimentada a jurisprudência sobre alegadas e não verificadas omissões de pronúncia. Cf. Acs. STJ de 07-04-2016, Proc. 6500/07.4TBBRG.G2.S3, de 31- 05-2016, de 15-02-2017, Proc. 3254/13.9TBVCT.G1.S1, de 22-01-2019, Proc. 432/15.0T8PTM.E1.S1; de 10-02-2020, Proc. nº 35/18.7GBVVC. E1.S1; de 14-05-2020, Proc. n.º 498/18.0YRLSB.S1. Sumários de Acórdãos das Secções Criminais 6 Número 287 – Setembro de 2021.
IV - Em suma, só há omissão de pronúncia quando o tribunal deixou de se pronunciar sobre questões essenciais sobre que se deveria ter pronunciado (e não é uma tautologia), mandando até o princípio da economia processual e o de minimis… que se não perca nas florestas de enganos, ou nas selvas obscuras de algumas profusas e tautológicas ou derivativas argumentações, verdadeiros caminhos de floresta, que, por vezes, nem levam onde julgam conduzir (Holzwege) – sendas perdidas. Não avaliando aqui o caso concreto, a verdade é que as questões essenciais (ainda que, eventualmente, em certos casos, em termos hábeis ou de forma implícita em alguns elementos do iter) foram todas respondidas.
V - O fulcro das alegações do recorrente, que não deixa de chamar de forma impressiva a atenção dos julgadores, mormente pela dramaticidade do horizonte que convoca (no limite prefigurando, prevendo, temendo, o seu próprio assassinato – o que corresponde a uma grave espada de Dâmocles) é, afinal de contas, uma nova questionação da matéria de facto. E não relevam significativamente, na argumentação, os factos por que se encontra acusado no Brasil (configurando crimes de estelionato – entre nós, burla), mas o espetro de futuras vinganças, retaliações, ou afins, que o recorrente associa a uma sua atividade civicamente legítima, eventualmente com contornos também políticos e ideológicos, que latamente se poderia integrar no âmbito de uma sua alegada denúncia de “corrupção”.
VI - Porém, o STJ não pode arvorar-se em tutor da qualidade do respeito pelos Direitos de países que Portugal reconhece como parceiros (nomeadamente na CPLP) e a que velhos laços, sempre renovados, dão o epíteto de irmãos. Sobretudo se as ameaças de desrespeito concreto dos mesmos direitos são apenas conjeturais e potenciais. A questão (tal argumentário, mutatis mutandis) não é nova, nem sequer perante este STJ. V. Ac. STJ de 16-05-2019, citado aliás pelo acórdão recorrido.
VII - Conforme o n.º 1 do art. 3.º da Convenção de extradição entre os Estados-Membros da CPLP, apenas não haverá lugar a extradição nos casos aí mencionados. Nenhum deles se verifica aqui.
VIII - E é liminarmente relevante a impossibilidade de conhecimento da matéria de facto, de novo posta em causa, sob o manto da omissão de pronúncia, que, porém, não ocorreu. Cf. art. 434.º do CPP.
IX - A decisão de extradição é feita com o escrupuloso respeito por cuidados quanto à ordem jurídica que requer a extradição. Evidentemente, fala-se no plano da Constituição formal e da ordem jurídica formal. Não seria curial agir de outra forma, seguindo uma narrativa de conjetura e alarme. Extraditar o recorrente pretende dar-lhe oportunidade de pleitear a sua inocência perante tribunais, ou de, se for o caso, pagar a sua dívida à sociedade. Não é levá-lo ao mundo da corrupção e do assassínio, mas colocá-lo na esfera da Justiça que, certamente, para mais sabendo dos seus receios (e do escândalo que seria se porventura viesse a ter razão), não deixará de devidamente o proteger.
X - Além de que, como é sabido, tendo o Brasil, tal como Portugal, subscrito a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, está aquele país obrigado a respeitar a regra da especialidade, segundo o qual uma vez entregue o requerido este não poderá ser perseguido, detido, julgado ou sujeito a qualquer outra restrição da liberdade por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivou a sua extradição – art. 14.°, n.° 1 da Convenção e art. 16.° da Lei 144/99.
XI - Assim, a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, Lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, aplica-se, segundo o art. 1.º, n.º 1, al. a) à extradição. E o art. 3.º indica hierarquia normativa. Assim sendo, o normativo que se aplica, neste caso, antes de mais, é a respetiva Convenção da CPLP (Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que teve o seu início de vigência Sumários de Acórdãos das Secções Criminais 7 Número 287 – Setembro de 2021 relativamente a Portugal em 01-03-2010, e fora aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15/09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, de 15/09. E só na sua insuficiência se aplicará o diploma em causa, e subsidiariamente as normas do CPP.
XII - Portanto, a invocação de outros diplomas só pode ter um efeito muito subsidiário, eventualmente como fontes hermenêuticas inspiradoras (fontes mediatas). E sobretudo não parece de forma alguma proceder uma invocação contraditória com o julgado e a ele alternativa, nomeadamente da CRP, da CEDH, etc., contra a Convenção da CPLP.
XIII - Deve presumir-se que o tribunal da Relação ponderou atenta e gravemente o que se encontra em jogo. E não teria agido de ânimo tão leve que se viesse no futuro a ter de conformar com um possível resultado trágico da sua decisão (que viesse a dar, ainda que parcialmente, apenas razão ao cenário pintado pelo recorrente), ao não ter qualquer dúvida na sua decisão. Não ficou, pois, persuadido, dos factos alegados nem dos argumentos apresentados, e no seu juízo não demonstrou qualquer vacilação ou vício que nos permitisse sem temeridade alterar a sua decisão.
XIV - Porquanto, não se pode olvidar que a intervenção do STJ é, por norma, parcimoniosa e prudente, sobretudo de verificação da justeza das operações judicatórias das instâncias. Tal é muito óbvio na verificação da proporcionalidade das penas, mas não deixa de ser um pano de fundo e timbre de uma forma de intervenção (cf., de entre inúmeros, Ac. STJ de 2010-09- 23, proferido no Proc.º n.º 10/08.0GAMGL.C1.S1).
XV - A justiça não pode claudicar no seu exercício diuturno e normal, nem recuar com medo de que eventuais ou conjeturais injustiças (“a coragem é uma virtude democrática”, relembra Wolfram Eilenberger), em situação patológica, a possam vir a atacar ou aos que julga e assim também protege. Mesmo que possa haver situações residuais e eventuais derivas na vigência das respetivas ordens jurídicas, os Estados, para mais ligados por tratados internacionais de cooperação, têm a obrigação de honrar os seus compromissos (como sublinha enfaticamente Monique Chemillier-Gendreau), e, no caso da cooperação judiciária, jamais podem ser os tribunais a furtar-se a isso. Obviamente que sempre no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mesmo dos cidadãos arguidos, ou acusados ou condenados, naturalmente. Defendendo o direito e os direitos. Com confiança na justiça.
XVI - Tudo considerado, pois, reitera-se que não houve qualquer omissão de pronúncia, nem poderá ser reapreciada a matéria de facto (a matéria de facto provada e não provada não permite subscrever a narrativa do recorrente), dado não se verificar nenhum dos vícios considerados no art. 410.º, n.º 2, do CPP.
XVII - Acresce não se vislumbra existir em qualquer ordenamento jurídico alternativo aos considerados, com correta aplicação ao caso, base que sustente a pretensão concreta de não extradição (nem ao nível internacional, nem europeu, nem interno, nomeadamente constitucional). Mas ao cumprir-se o direito convencional que obriga do Estado Português (e o Brasileiro), em nada se contraria quaisquer daqueles ordenamentos. E obviamente não foi apenas o direito convencional o aplicado ao longo do Processo, foi também a Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, o CPP, direito nacional e aplicado conforme a referida hierarquia normativa vigente.
XVIII - Mantém-se, assim, o acórdão recorrido e a decisão de extradição.»
Como é possível que, ante a incerteza quanto a tratar-se inquestionavelmente de um ilícito criminal de perigo abstracto ou de dano, de resultado ou mera actividade, a exigir dolo específico em todas as suas modalidades ou bastar-se com dolo genérico, se tenha por segura a incriminação por branqueamento de capitais, por mais que ela se banalize, nomeadamente assim surja no circuito uma entidade offshore por mais que se tente passar a ideias que nem todas elas estão ao serviço de actos de recorte criminal?
A juntar a isto, vem o tema do dito "bem jurídico". Até pela sua colocação sistemática, verifica-se que estará em causa o bom funcionamento da justiça. A ler o n.º 1 do preceito em causa - o artigo 368º-A do Código Penal - e perguntamo-nos se o dito "bem jurídico" - essa conceito mutante quando deveria ser delimitador - não é, afinal, a possibilidade de encontrar legitimação para se decretar a perda das vantagens do crime.
E se a isso aditarmos que, em sede de prevenção de branqueamento, ressalta a ideia de que é a eficácia do sistema fiscal, a transparência do sistema financeiro, as regras do mercado, aquilo para o que existe tanta regulação de matriz europeia, e tão imprecisa ela é, então a demonstração do dito "bem jurídico" como circunscrito ao funcionamento da justiça, torna-se problemática.
Não terei, talvez, razão nas dúvidas, mas tenho motivos para as colocar. E assim sucedeu.
Consta do preâmbulo da referida iniciativa legislativa governamental o seguinte, a propósito do que o próprio Governo reconhece ser «imperfeito grau de aleatoriedade na distribuição de processos e, por via disso, de uma indesejável personalização da justiça, o que não beneficia a adequada perceção pública da objetividade da ação da justiça»:
Através deste forma processual, que se quis em 1982 como sucedâneo às contravenções, podem aplicar-se coimas que chegam aos milhões de euros, e sanções a empresas que podem levar ao seu encerramento, o que torna insólita tratar-se de um Direito de "mera" ordenação social. Através deste tipo de Direito, cuja natureza ainda é controversa entre os doutores, o legislador permite-se descriminalizar zonas da vida que por esta forma pune com uma severidade de que o Direito Criminal não seria capaz.
Mas, no entanto, na fase administrativa do procedimento respectivo, joga-se o essencial quanto à aquisição da prova, já que a experiência demonstra em que medida o probatoriamente adquirido pela autoridade administrativa, sobretudo sendo autoridades de supervisão e regulação em áreas especializadas, se impõe na fase judicial, até por se tratar de matérias que, pelo seu tecnicismo escapam ao comum conhecimento dos juízes; mais, há lei a dar fundamento a que se recuse na fase judicial produção probatória que já haja sido obtida na fase administrativa, ainda que estando em causa o modo como a mesma foi ali captada ou a extensão do ali obtido.
Eis o que torna relevante o determinado pelo Acórdão da Relação de Évora de 21.09.2021 [proferido no processo n.º 259/20.7T8CCH.E1, relator Gomes de Sousa, co-subscritor António Condesso, texto integral aqui], quando nele se estatui:
Adoptei, desde há muito, como critério não intervir por duas razões: por poder considerar-se que aquilo que exprimisse em termos de ideias gerais no plano legal fossem, afinal, formas indirectas de estar a discutir o que em concreto estivesse a defender nesses processos e por admitir que, até por isso, não se tratasse de opinião credível, antes instrumental de um interesse.
Durante anos têm-se propiciado debates públicos sobre temas jurídicos que se suscitaram a propósito de processos em que não tive intervenção profissional como advogado. Aí, a recusa assentou na noção de que não conhecendo os processos, não me caberia, por respeito a mim, falar sobre o que ignoro, por respeito aos colegas não iria opinar sobre os processos em que tinham eles intervenção.
Em ambos os casos, não esteve ausente das minhas razões um preceito legal que é expresso no Estatuto da Ordem dos Advogados segundo o qual, enquanto advogados, estamos adstritos ao dever de reserva.
Quando desempenhei funções na Ordem dos Advogados questionei-me sobre se uma tal norma legal não se tinha tornado obsoleta, ante o que é torrencialmente vertido no espaço mediático, mesmo em detrimento do segredo de justiça, em detrimento das pessoas envolvidas nesses processos, gerando suspeita condenatória a que os advogados, pela passividade a que estavam adstritos ante aquela norma, não podem obstar sem entrar em contravenção com o que nele se diz. Até hoje não se pensou em alterá-lo.
Em nome de tudo isto foi-se apagando conscientemente a minha intervenção pública. Mesmo no espaço virtual que é o meu blog jurídico, o "Patologia Social", segui o mesmo critério e fi-lo constar do pórtico do mesmo.
Hoje, penso, está assente a ideia de que opinar sobre processos, ademais pendentes e ainda que de forma ínvia, é algo para o que não contribuo. Razão idêntica fez com que jamais tenha divulgado sucessos que tenho tido na profissão.
Digo isto, não como censura aos demais que surgem a fazer o que não faço, mas como declaração de princípio para justificar uma ausência. Sei que tudo isto é parte de um mundo que se tornou antiquado, mas prefiro assim. Sei que, num mundo de presenças, os ausentes parecem ter deixado de existir mas felizmente ainda há quem note a diferença.
Em tempos escrevi livros e artigos em que tentei exprimir, com distância, o que pensava sobre os temas jurídicos que nos mesmo se suscitavam.
Suponho que ainda possa voltar a escrevê-los, vencido o excesso de trabalho e o cansaço consequente que é hoje o meu mundo: o que me foi dado viver legitima-me a ter uma opinião, discutível seja, e a exprimi-la por essa forma, vencendo na minha consciência o equilíbrio entre o possível rigor e a necessária objectividade. Até lá, abstenho-me.
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A imagem é um quadro do pintor norte-americano Ben Will