Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Quaestio Facti

Cito do texto de apresentação desta revista internacional sobre o raciocínio probatório, que acaba de anunciar o seu número inaugural e que pode ser lida on line aqui. Viva, pois!

«Quaestio Facti es una revista dedicada al tratamiento de los problemas que plantea el razonamiento probatorio en la aplicación del derecho, lo que incluye, claro está, el proceso judicial, pero también muchos procesos administrativos. Se trata de una revista en las fronteras de muchas disciplinas y ámbitos: entre el derecho procesal, la epistemología jurídica, el derecho internacional de los derechos humanos, las distintas ciencias de aplicación forense, así como entre los ámbitos culturales de civil y common law. No se trata, sin embargo, de una revista sobre derecho probatorio, de uno u otro país. Los trabajos que publicamos abordan, en cambio, problemas generales del razonamiento probatorio, que van más allá de las cuestiones interpretativas o jurisprudenciales de una concreta legislación nacional.»

iter criminis: longa vida!

Com o maior gosto saúdo a chegada do novo blog iter criminis. Do elenco dos seus colaboradores consta: Ana Rosa Pais, Miguel João Costa, Nuno Brandão, Sónia Fidalgo e Susana Aires de Sousa. Pode ser consultado aqui.

Dum Romae consulitur, Saguntum expugnatur

Momentos de reflexão chegam a cada momento. Esta manhã de Páscoa encontrei-me com o que é mais do que um exemplo, um modo de ser.
Estamos em plena crise sanitária mundial, Itália foi dos países da Europa aquele que foi mais tragicamente atingido.
E, no entanto, a maturidade cultural desse país mostra-se sobretudo em momentos como este.
Saiu, precisamente agora, o primeiro fascículo trimestral de uma nova publicação dedicada à crítica da jurisprudência criminal. Dir-se-ia: inevitavelmente, fruto da inércia do passado. Direi: não, pelo contrário, surgiu mas também como forma de afirmação ante o futuro.
A revista, que pode ser encontrada on line aqui, não está apenas actualizadíssima - sim o superlativo faz aqui todo sentido - face aos acontecimentos de saúde pública, como faz o seu enfoque sempre na perspectiva do seu enquadramento jurídico, dando sentido, lógica, coerência, ao que acrescenta ao decidido pelos tribunais.
É o tema da autoresponsabilização e da responsabilização culposa ou dolosa de terceiro a orientar o comentário à legislação de confinamento e de punição da difusão epidémica, a responsabilidade de entidades colectivas quanto ao risco pandémico, como é o caso dos operadores sanitários e das entidades empregadoras, tudo ao lado de reflexões ponderadas e fundamentadas sobre tantos outros temas do Direito contemporâneo.
Sobre os escombros da tragédia, tudo morre mas o pensamento resiste. Cada um no seu posto, enfrenta o caos e a barbárie fazendo apelo ao melhor de si. Ecco, la Primavera!
A frase que dá título a esta publicação «Dum Romae consulitur, Saguntum expugnatur» copio-a de um dos seus textos, a clamar pela urgência de uma solução a nível prisional: enquanto Roma discute Sagunto é assaltada. Disse-o Tito Lívio. 

Leitura de uma tarde: o conceito de bem jurídico

Dois capítulos lidos esta tarde, breves, do seu último livro de uma extensa bibliografia, ambos sobre o conceito, agora tornado problemático, do bem jurídico [páginas 85-888 e 235-244].

Problemático porque sob o assalto contemporâneo da reformulação do pensamento político autoritário, mas não só.

É facto, como assinala Paulo Ferreira da Cunha, actualmente Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que esses «novos amigos» de um Estado totalitário ou autoritário, «estarão naturalmente interessados em que este paradigma seja manipulado, desfigurado» [página 235]. E há que relevar, como não indiferente argumento desta perspectiva não liberal que «os bens jurídicos passam a restringir-se a uma perspectiva garantística, suspeita até para alguns (numa linha de leitura muito conservadora da realidade) de mais garantidora dos direitos dos arguidos que das vítimas».

Mas é também problema a principal dúvida que pessoalmente se me suscita ante este conceito, o saber em que medida ele não será instrumento de um apriori normativo em favor de uma extensão ou retracção da vontade de criminalizar ou descriminalizar, de valor, modo, pois, e não substância.

É que, entendido na sua função operacional, o conceito de bem jurídico mandata o legislador para determinar a punição que salvaguarde a tutela daqueles bens constitucionais que, no caso, se ache carecerem de defesa - e não terem, numa lógica de subsidiaridade - outra defesa possível salvo a criminal, mas fica-se sem resposta quando nos defrontamos ante problemas - como, em lógica de argumento pelo excesso no livro se suscitam - do tipo da hipótese de descriminalização, por exemplo, já não do consumo, mas do próprio tráfico de estupefacientes. E a isso regresso já.

É que, por outro lado, numa perspectiva que no texto lido se não expõe - mas creio ser determinante para o argumento - há o argumento adicional de que se trataria, assim, no que este conceito respeita, da tradução de um Direito Penal de Professores, pois seriam estes a ditar, pela construção da noção concreta de bem jurídico e assim do âmbito de extensão da mesma e sobretudo da enunciação dos bens concretos e sua catalogação quem, em primeira instância, determinariam os limites da tipicidade abstracta e sobretudo o critério prático da sua aplicação. 

Diz-se Direito Penal de professores como pode [deva talvez] dizer-se Direito Penal da Jurisprudência e nisso o livro fornece exuberante exemplo de infixidez da noção de bem jurídico, ao citar um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2018 [processo n.º 5/16.0GAAMT.S1] ante o qual - e precisamente no que à punição do tráfico de estupefacientes respeita - se entendeu que poderia estar em causa, e legitimar a sua repressão, não só a saúde pública, mas também «o desenvolvimento são, seguro e livre dos cidadãos e da sociedade face aos perigos representados pelo consumo e tráfico de droga, atentatória da dignidade humana, mas também a saúde pública da população, a estabilidade económica, financeira, cultural e política da sociedade e e a segurança e soberania do Estado»,

em suma, tanto e tanto, que, de súbito somos surpreendidos que tantos e tão relevantes bens jurídicos, num instante descriminalizador, ainda que hipotético quanto ao tráfico - já não quanto ao consumo - de estupefacientes passem ao rol das desnecessidades criminalizadoras.

A partir deste exemplo, a leitura torna-se interessante tema de reflexão. E assim:

-» escreve Paulo Ferreira da Cunha [página 238] que «não é obrigatório que [...] se esteja a mascarar uma opção penal moralista ou retributivista sob a capa de consideração de outro bem penal para além daquela perspectiva objectiva, utilitarista ou positivista», mas assim afirmar é admitir, em lógica e raciocínio, que a possibilidade do contrário não seja de excluir;

-» adianta que a categoria se encontra em processo de revisão e crítica, mas, tal é convocado por um lado numa lógica expansionista, ante a «complexificação da sociedade e portanto, também, da criminalização» [página 236], mas simultaneamente, em caminho reducionista, consigna que «no quadro de necessidade de protecção de um bem jurídico pode haver excepções» [página 237], e assim, «o bem jurídico não pode funcionar como um trunfo em mãos erradas».

Ora é precisamente este o ponto nuclear do que retiro desta tarde de leitura: o subjectivismo que, pelos vistos, é inerente ao conceito, a ductibilidade a que presta consoante quem o formule ou aplique, afinal, a insegurança que trás quando não o arbítrio, tudo longe da ideia que terá presidido à sua formulação.

Mais: ao ter-se formulado um caminho que, visando «um Direito Penal virado para os resultados» [página 85], decorrente de um Direito Penal em «neutralidade moral» [ibidem], pergunto se não se terá aberto a porta ao cinismo de uma garantia que nada garante, tudo permite e assim a posteriori legitima. Pergunto com dureza pois serão duros os efeitos de qualquer resposta que se dê, restando, como sempre, saber para quem.


Os dois Barbosa de Magalhães e a sua Gazeta

Esgravato mais uma folhas para uma biografia de há muito prometida e esboçada, em primeiro ensaio, para um livro sobre Figuras do Judiciário [séculos XIX e XX] sobre José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, filho de José Maria Barbosa de Magalhães, dois notáveis jurisconsultos aveirenses, e encontro-me ante duas realidades: a mais completa confusão entre ambos, assumindo-se como sendo de um a biografia que é do outro, isto em espaços onde a asneira é livre, como a Wikipedia, que tantos, por preguiça tomam como referência única, mas até em locais respeitáveis, como a do espólio depositado na Biblioteca Nacional. 
Hoje o acaso das pesquisas, esse interminável fio de Ariana, conduziu-me até uma folha solta da Gazeta da Relação de Lisboa, a publicação que começou por ser de dois escrivães e que, adquirida por Barbosa de Magalhães, pai, seria nas mãos do filho arma de arremesso contra o regime do Estado Novo até que, apertada, por causa de um artigo sobre a Concordata com a Santa Sé, pela Censura, encerrou para não se submeter ao Exame Prévio.

RPCC: acaba de sair

Mais um número da Revista Portuguesa de Ciência Criminal, o n.º 3 do 29º ano, correspondente a Setembro-Dezembro de 2019. Secretário da publicação: Nuno Brandão [Doutor em Direito, professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, para mais informação curricular ver aqui].

Editada pela Gestlegal [ver aqui], com o apoio do IDPEE [ver aqui] a presente contém quatro artigos de fundo:

-» Wagner Marteleto Filho [doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e promotor de justiça no Estado de Minas Gerais, sobre o autor ver mais aqui], O problema do erro de tipo permissivo: entre o princípio da responsabilidade e o princípio epistémico;

-» José M. Damião da Cunha [doutorado pela Universidade Católica e professor associado na mesma, sobre o autor ver mais aqui], Sobre o recurso de apelação em processo penal (alguns pontos suscetíveis de crítica e de reforma necessária);

-» Fábio Gulpilhares [mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e juiz de Direito], Providência de habeas corpus e recurso ordinário de medida de coação: o caso da prisão preventiva [condensação da sua tese de mestrado submetida a júri em 2016];

-» Avelino Augusto de Sá [psicólogo, professor associado da Universidade de São Paulo, falecido] , Criminologia clínica de inclusão social e as medidas de segurança.

No campo da jurisprudência crítica, Miguel João Costa [assistente convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e assessor dos juízes do Tribunal Constitucional] aborda o tema dos limites à extradição fora da União Europeia.

E, a findar, Pedro Caeiro edita as suas Observações sobre a projectada reforma do regime dos crimes sexuais e do crime de violência doméstica.

Proibida proibida mas intelligence policial?

Há um tema consistente em saber se a prova obtida de modo ilícito pode ser licitamente usada. Para isso, a meu ver, há uma definição clara, proibitiva, consagrada no artigo 126º do Código de Processo Penal; há outro tema que é saber se a mesma prova pode ser utilizada como intelligence na investigação policial, ou seja, não como prova no sentido técnico-jurídico do termo, válida para uso processual, sim como meio orientador da actividade da investigação criminal.
Vejo que há muita discussão em torno da primeira asserção, nenhuma no que à segunda respeita: e esta é a que carece uma resposta clara do sistema jurídico, mormente em termos de futuro.
Que a validação da possibilidade está na ordem do dia já se pressentia ao ler este excerto da autoria do Conselheiro Santos Cabral, publicado neste ebook aqui, do CEJ, na sequência do que aquele magistrado tem escrito e decidido sobre o relevo da prova indirecta: «Em crimes complexos, como é o caso da criminalidade económica, um dos instrumentos mais poderosos susceptível de ser utilizado pela investigação criminal é a denominada intelligence. A mesma assume uma natureza essencial numa área em que é cada vez mais evidente que a investigação do caminho do dinheiro “sujo” é a forma mais eficaz para localizar determinados tipos de delinquência e, também, que a privação dos produtos da actividade criminosa constitui uma importante eficácia dissuasora.»
Para começar talvez, a partir de um âmbito conhecido, o que se passa, por exemplo, no domínio da Interpol, ver aqui.
Quando se bebe chá há quem note as folhas amarrotadas que se acumulam no fundo e que são elas a infusão...

A toca do coelho

Período crítico, este, a muitos níveis e a gerar uma tensão psicológica latente.
Para os que não estavam habituados a trabalhar no confinamento das suas residência, a adaptação; para aqueles que não as têm adaptadas a funcionar simultâneamente como local doméstico e de trabalho, adaptação mais difícil ainda, perda de produtividade, stress, dificuldades emocionais de relacionamento.
Para quantos não têm a sua vida profissional digitalizada ou têm de se relacionar com entidades que não o estão, limitação decorrente de ter de gerir o acesso aos suportes tradicionais da documentação.
Como se isto não fosse já preocupante, há as perspectivas realistas sobre o futuro, nomeadamente para os que têm rendimentos obtidos ou por trabalharem para o sector privado ou por conta própria. 
A retracção da actividade económica projecta-se a nível financeiro: há encargos que, mesmo adiados, geram responsabilidades na hora de os pagar, há proventos que seguramente só virão muito depois de se chegar ao momento em que se tornam indispensáveis.
Do lado positivo, haverá seguramente uma cultura a interiorizar para aqueles que estão para isso disponíveis ou têm a liberdade de poder organizar o modo como se materializa a prestação do seu trabalho: a adstrição a horário fixo e a local determinado mostrou ser valor relativo que as circunstâncias demonstraram poder transformar-se numa flexibilidade dos vectores de tempo e espaço.
Também pode gerar-se essa positividade aproveitando melhor o tempo agora não despendido em deslocações, fracção que é devorada pelo dispêndio com os encargos domésticos para aqueles que não os tinham, ou com a distracção inerente à domesticidade.
No meu caso por via dos deveres inerentes à profissão a noite e o dia têm-se confundido. Nota-se pelas ausências aqui; o que não se nota é o défice entre o que gostaria de ter feito e o que acabo por ter de fazer. Todos os dias o relógio parece girar mais depressa, em cada dia a dimensão mais estreita.
Corre-se, sim, muito, num espaço cada vez mais confinado e mais fundo, rumo ao indefinido: é a metáfora da toca do coelho no país de Alice.

PGR: Directiva n.º 2/20: SARS/COV-2 e COVID-19 & MP

Eis o teor da Directiva anteontem emitida pela PGR sobre o tema da "Atuação Funcional do Ministério Público no Período de Vigência da Situação Excecional de Prevenção, Contenção, Mitigação e Tratamento da Infeção Epidemiológica por SARS - COV-2 e da Doença COVID-19 e Estado de Emergência":

«Considerando, 

Que a Organização Mundial de Saúde qualificou, no passado dia 11 de março de 2020, a emergência de saúde pública ocasionada pelo agente Coronavírus (SARS-Cov-2 e COVID19) como uma pandemia internacional; 

Que, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, foi decretado o estado de emergência pelo Decreto do Presidente da República nº 14-A/2020, de 18 de março, e Resolução da Assembleia da República nº 15-A/2020, de 18 de março; 

As medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 constantes da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março, que, igualmente, ratificou os efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, dela fazendo parte integrante; 

O conteúdo do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, que procede à execução da declaração do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março;

O Despacho 2836-A/2020, de 2.3.2020, dos Gabinetes das Ministras da Modernização do Estado e da Administração Pública, do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Saúde, o Despacho conjunto n.º 3301-C/2020, de 15-3-2020, e o Ofício-Circular n.º 05/2020, de 17-3-2020 (DGAJ/DSAJ); 

As orientações da Direção Geral da Saúde (DGS), em especial as Orientações 6/2020, de 26-2-2020, relativa aos Procedimentos de prevenção, controlo e vigilância em empresas, e 11/2020, de 17-3-2020, relativa a medidas de prevenção da transmissão em estabelecimentos de atendimento ao público; 

Os Planos de Contingência adotados pela Procuradoria-Geral da República e pelas Procuradorias-Gerais Regionais; 

A Deliberação do Conselho Superior da Magistratura divulgada através da Divulgação n.º 81/2020, de 20-3-2020, e ainda a Comunicação dirigida aos Magistrados judiciais, publicada através da Divulgação n.º 83/2020, de 25-03-2020; 

Os Despachos da Procuradora-Geral da República de 20-03-2020 e 23-03-2020, sobre o funcionamento da Procuradoria-Geral da República e de constituição do Gabinete de acompanhamento e gestão do estado de emergência, e a sua composição, respetivamente, e 

A Deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 27-03-2020, a qual tem por objeto a fixação de orientações para a realização presencial de diligências e julgamentos urgentes por parte dos Magistrados do Ministério Público, 

Face ao evoluir da situação, de modo a garantir o cumprimento das atribuições e competências constitucionais e legais do Ministério Público e a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, importa adotar para o período em que vigorar a situação de exceção, medidas excecionais em consonância com o contexto também excecional, e de acordo com as regras constantes dos diplomas legais citados, em especial a Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março, a Constituição da República e as leis de processo. 

Tudo em nome da manutenção do regular funcionamento do Estado de Direito Democrático e no justo equilíbrio do direito à saúde de todos, sem exceção, sendo indiscutível que ao Ministério Público estão atribuídas competências únicas a cujo exercício, salvaguardando a preservação da segurança comunitária, deverá continuar a corresponder, assegurando com responsabilidade e eficácia a relevante missão que lhe está constitucional e legalmente cometida, como peça fundamental integrante do órgão de soberania Tribunais, em prol da confiança que os cidadãos e a comunidade em si depositam. 

Assim, ao abrigo do disposto na alínea b), do artigo 19.º, da Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto, que aprovou o Estatuto do Ministério Público, durante o período de tempo em que se verificar a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS - CoV-2 e da doença COVID-19 (artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março), adotam-se as seguintes diretrizes de atuação funcional a serem seguidas pelos/as Magistrados/as e Agentes do Ministério Público: 

1. Durante o período a que se refere o artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aos atos a praticar no âmbito dos processos e procedimentos a correr termos nos tribunais a que se refere o citado preceito, incluindo no Ministério Público, aplica-se o regime das férias judiciais. 

2. Por isso, durante o referido período, sem prejuízo do disposto nos números seguintes e na Deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 27-03-2020, serão tramitados e praticados atos processuais em todos os processos que, por imposição legal ou por determinação da autoridade judiciária competente, nos casos em que a lei o permite (vg. artigos 103º., nº.2, alíneas c) e g) do Código de Processo Penal1), revistam natureza urgente, ou quando estejam em causa direitos fundamentais, o que abrange a prática dos atos próprios dos Magistrados do Ministério Público e o seu cumprimento. 

3. Porém, os atos processuais nos processos urgentes (urgência decorrente da lei ou de despacho do Magistrado titular) serão praticados através de meios de comunicação à distância, se tal for tecnicamente viável. 

3.1. Nos casos em que tal se mostrar legal e operacionalmente possível, proceder-se-á à entrega eletrónica das peças processuais, sem prejuízo do que seja entendido, de modo minimamente fundamentado, pelo Magistrado, em face das circunstâncias concretas e das condições de segurança verificadas, e do que se estabelece na Deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 27-03-2020 quanto à realização presencial de atos e diligências. 

3.2. Não existindo nenhuma dessas possibilidades (realização presencial ou à distância), os respetivos prazos suspendem-se. 

3.3. Os suportes físicos e demais expediente necessário à tramitação de qualquer processo urgente, que não seja possível remeter por meios eletrónicos, poderá ser entregue fisicamente desde que respeitadas as recomendações emitidas pelas autoridades de saúde na sua entrega e manuseamento. 

4. Quando não se mostre viável a tramitação de processo de natureza urgente através da utilização de sistema de “acesso remoto”, designadamente porque o processo não está integralmente digitalizado ou por esse acesso não ser tecnicamente viável, o despacho deverá ser assegurado por Magistrado que, de acordo com a organização do serviço que venha a ser definida pela estrutura hierárquica, se encontre em funções presencialmente no tribunal. 

5. O restante serviço a cargo dos Magistrados do Ministério Público, apesar de suspenso quanto ao decurso dos prazos processuais, poderá, sempre que tal se mostre possível e adequado, v.g. face ao volume de serviço e aos concretos processos em causa e, mormente para recuperação de pendências, ser assegurado, através de meios de comunicação à distância, designadamente através de acesso remoto às aplicações informáticas de tramitação dos processos (via VPN), teleconferência ou videochamada. 

6. Considerando o exercício do direito fundamental do Acesso à Justiça, nas suas diversas dimensões, os incidentes de aceleração processual devem ser remetidos à PGR, via SIMP, através do imediato superior hierárquico, e apenas instruídos com o respetivo requerimento. 

6.1. Sempre que a consulta do inquérito for possível através de acesso remoto ou sistema VPN, deverá igualmente ser remetido, juntamente com o requerimento, um relatório sucinto enquadrador dos elementos essenciais que habilitem à decisão. 

7. Sem prejuízo do determinado na Deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 27-03-2020, os Magistrados do Ministério Público decidirão casuisticamente a submissão ou não dos arguidos a julgamento em processo sumário, a realização do seu interrogatório não judicial ou a sua submissão a interrogatório judicial para aplicação das medidas de coação que na circunstância se imponham, ponderando as condições de segurança sanitárias disponíveis no Tribunal, a salvaguarda do interesse público associado à declaração do estado de emergência, a necessidade de proteção das vítimas e de imediata realização da justiça e, bem assim, a suscetibilidade de aplicação imediata de medidas de coação. 

7.1. A estrutura hierárquica de nível imediatamente superior será informada das decisões proferidas no quadro aludido no ponto que antecede. 

8. A atividade pericial solicitada aos Gabinetes Médico-Legais (GML), que não diga respeito a autópsias médico-legais (estas também com as condicionantes determinadas pelo INMLCF e a articulação necessária com os GML), exames sexuais e perícias em contexto de ofensas à integridade física, maus-tratos e violência doméstica em que esteja em risco a preservação e aquisição de prova, apenas deverá ser determinada mediante prévia articulação com o GML respetivo. 

9. Deverão ser privilegiados os meios de comunicação à distância, na articulação a realizar, muito em particular com os órgãos de polícia criminal e outras entidades de apoio e coadjuvação, bem como com as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens. 

10. Os Magistrados do Ministério Público deverão continuar a garantir uma articulação próxima com os OPC e com as CPCJ, considerando a eventual necessidade de orientação na readaptação de diligências a realizar ou já em curso que careçam de intervenção, face às limitações impostas durante o período a que se refere o artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.

11. Sem prejuízo do enunciado no número anterior, os Magistrados deverão reportar, via hierárquica, à Procuradoria-Geral da República os constrangimentos que se verifiquem em concreto na articulação com os OPC ou as CPCJ. 

12. Especial atenção deverá igualmente ser conferida à necessidade de manter uma estreita articulação comunicacional com as estruturas da Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica, em pleno funcionamento, e cujos contactos atualizados podem ser obtidos no portal da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) (https://www.cig.gov.pt/). 

13. Os Magistrados do Ministério Público que não disponham de acesso remoto aos processos para poderem praticar atos processuais à distância deverão contactar as equipas de proximidade do IGFEJ para obterem a credenciação necessária para o efeito. 

14. Os Magistrados do Ministério Público coordenadores e Diretores de Departamentos deverão articular com as equipas locais de apoio informático a promoção e disponibilização dos meios tecnológicos necessários para cumprimento da presente diretiva, nomeadamente os meios que permitem o trabalho remoto com recurso às TIC. 

15. Na impossibilidade de desenvolver localmente as soluções tecnológicas referidas no ponto anterior, deverão os Magistrados do Ministério Público coordenadores e Diretores de Departamento representar a situação diretamente, com conhecimento aos respetivos Procuradores-Gerais Regionais, ao Departamento de Tecnologias e Sistemas de Informação da Procuradoria-Geral da República (DTSI), via SIMP, o qual deverá, se necessário em articulação com o IGFEJ, promover as soluções tecnológicas adequadas. 

16. Os Magistrados do Ministério Público devem abster-se de comparecer no respetivo local de trabalho, privilegiando o teletrabalho e restringindo a sua deslocação a situações pontuais e imprescindíveis, mormente nos casos em que devam praticar atos processuais presencialmente nas situações objeto da Deliberação do Conselho Superior do Ministério Publico de 27-03-2020, de acordo com os termos e organização a definir pelos Magistrados do Ministério Público hierarquicamente competentes para o efeito. 

17. Os planos de turno já concretizados para o período de contingência são acionados quando não seja possível assegurar a regra relativa às substituições legais. 

18. O serviço de turno instituído para as férias judiciais da Páscoa será cumprido de acordo com os planos de turno já concretizados para o período de contingência. 

19. Os Magistrados que marcaram férias pessoais para o período de férias judiciais da Páscoa poderão, se assim o desejarem, dá-las sem efeito, através de comunicação endereçada, consoante os casos, aos Magistrados do Ministério Público Coordenadores de Comarca, ao Procurador-Geral Regional ou ao Procurador-Geral da República, no prazo de 72 horas após a entrada em vigor da presente Diretiva. 

20. Em caso de dúvida interpretativa, de concretização ou constrangimento funcional, deve a mesma ser reportada superiormente, via Procuradoria-Geral Regional, ao Gabinete de acompanhamento e gestão do estado de emergência da Procuradoria-Geral da República, no qual se encontram representados os Magistrados coordenadores dos diversos Departamentos e Gabinetes da Procuradoria-Geral da República. 

21. A presente diretiva não prejudica os Planos de Contingência adotados pelas Procuradorias-Gerais Regionais, em tudo o que não contendam, devendo proceder-se à sua adequação nos casos em que se mostre necessário. 

22. Na aplicação das determinações constantes da presente diretiva ter-se-á em consideração a disponibilidade dos Senhores Oficiais de Justiça afetos ao Ministério Público, de acordo com as orientações emanadas pelos seus órgãos de gestão, assegurando que, no cumprimento dos despachos e diligências, é possível cumprir as regras sanitárias emanadas pelas autoridades de saúde. 

23. Os Magistrados do Ministério Público devem fazer uso do respetivo cartão profissional, atributivo de livre-trânsito, em todas as suas deslocações efetuadas no exercício das suas funções profissionais ou por causa delas. 


A presente diretiva entra em vigor na data da sua publicação no SIMP e no Portal do Ministério Público e cessa os seus efeitos na data em que produzir efeitos o Decreto-Lei que declare o termo da situação excecional. 


Publique-se no SIMP e no Portal do Ministério Público. 

Comunique-se: 

- A S. Excelência a Ministra da Justiça;

- Ao Presidente do Conselho Superior da Magistratura;

- À Diretora-Geral da Direção Geral de Administração da Justiça;

- Ao Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais;

- À Secretária Geral do Sistema de Segurança Interna;

- Ao Diretor Nacional da Polícia Judiciária;

- Ao Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana;

- Ao Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública;

- Ao Comandante-Geral da Polícia Marítima;

- À Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;

- Ao Inspetor-Geral da ASAE;

- Ao Bastonário da Ordem dos Advogados;

- Ao Presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses;

- À Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens.»

COVID-19 & Serviços Prisionais

Pela sua relevância, cita-se na íntegra o comunicado oficial sobre o tema da relevância da pandemia COVID-19 no sistema prisional:

«Saúde nos prisionais: investimento, responsabilidade e solidariedade

Nos tempos difíceis que atravessamos é fundamental contar com a responsabilidade social de todos, com vista ao reforço da cooperação, solidariedade e transparência.

Nos últimos dias, temos assistido a uma divulgação de informação sobre os serviços prisionais por vezes contraditória, nem sempre válida e rigorosa, e claramente geradora de alarme social.

A população reclusa, para acautelar a saúde de toda a comunidade prisional, tem estado privada de visitas e contatos com o exterior, pelo que mais dificilmente pode aceder a informação credível.

Deste modo, mais uma vez publicamos as medidas mais importantes até agora tomadas com o objetivo de proteger todos os profissionais dos serviços prisionais e a população reclusa:

1. Está aprovado e divulgado pelo sistema prisional, desde dia 17 de fevereiro, o Plano de Contingência para o Covid-19 (na altura referente à fase de contenção). Face ao evoluir da situação este Plano de Contingência tem vindo a ser regularmente atualizado.

2. Na segunda-feira, 30 de março, foram recebidas 22 mil máscaras, das quais 13 900 foram distribuídas por todo o país (exceto regiões autónomas que receberão nos próximos dias).

3. O stock de máscaras e outros materiais de prevenção de contágio irão ser renovados à medida das necessidades.

4. Igualmente, na segunda-feira, 30 de março, foi emitida uma ordem do Diretor-Geral aos serviços, reforçando que as máscaras devem ser usadas por todos os colaboradores – é-lhes dada uma máscara sempre que iniciam as funções diárias.

5. Neste momento há quatro infetados com Covid-19: Uma auxiliar e um guarda prisional (resultados recebidos hoje) do Hospital Prisional S. João de Deus e um guarda do EP Porto/Custóias (todos em isolamento domiciliário segundo indicação da saúde pública). Uma detida que entrou da liberdade já infetada em isolamento no Hospital Prisional.

6. Graças ao protocolo estabelecido entre a Saúde e a Justiça, desde 2018, a população reclusa passou a ter acesso dedicado a cuidados de saúde, nomeadamente: prescrição eletrónica de medicamentos; consultas da especialidade por teleconferência e disponibilidade de consultas e cuidados médicos nos estabelecimentos prisionais; vacinação contra a gripe e pneumonia; tratamento de doenças infeciosas como a hepatite e HIV (cerca de 1500 reclusos); entre outros investimentos consideráveis.

7. Toda a população reclusa passou a ser diagnosticada e acompanhada por médicos especialistas, otimizando-se assim o tempo de reclusão como uma oportunidade de tratamento dos que o necessitam, com ganhos em saúde para o próprio, para o sistema e para a comunidade.

8. O sistema prisional não tem parado de investir em matéria de saúde:

2017 - 5,2 milhões de euros;

2018 - 9,9 milhões de euros;

Até 31.10.2019 - cerca de 10 milhões de euros.

9. Tem sido posta em prática, desde 2015, uma estratégia racional para pôr termo à sobrelotação das prisões em Portugal. Em dezembro de 2015 havia 14 074 reclusos para 12 591 lugares (sobrelotação de 111,8 por cento).

Em dezembro de 2019 existiam 12 934 reclusos para 12 634 lugares (taxa de ocupação de 97,6 por cento).

10. O investimento na saúde nos estabelecimentos prisionais tem vindo a ser reconhecido pelas instâncias internacionais competentes. Por exemplo a World Health Organization (WHO):

«”Portugal is at the international forefront of access to health in prisons”, stated Carina Ferreira-Borges, Programme Manager of the Prisons and Health Programme at the WHO European Office for Prevention and Control of Noncommunicable Diseases, who attended the ceremony on 16 July [2018] where the newly proposed model of work was signed by hospitals and prisons, in the presence of the ministers of health and justice.

The Portuguese health system recognizes prisons as an opportunity for public health, as the period of imprisonment can also be used to treat infectious diseases in individuals who would otherwise experience limited access or interrupted treatment cycles, due to situations such as extreme poverty and social vulnerability» Ver aqui: