Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Quero o meu direito de volta!

Se eu estou sob o domínio de uma lei processual penal que me dá um direito e vem o legislador e, rasteirando-me, me amputa o direito, para que se cumpra o Direito há que fazer sobreviver a lei revogada, ultractivamente.
Aprende-se isto quando se estuda Direito Processual Penal. Vem logo nas primeiras folhas de qualquer Manual.
O país jurídico vai ter de conviver com isto à força, no meio dos escombros do que será a aplicação deste novo Código de Processo Penal aos processos pendentes.
Vai ser grande maravilha de se ver esta de saber qual a lei mais favorável, qual o Direito em vigor, o que vale e o que vai ser invalidado.
O Governo arranjou, enfim, o ariete legislativo que arromba os muros do próprio caso julgado judicial. Há advogados contentes sem saber a sorte que os espera.

Advogados: o horror dos prazos!

Lê-se na imprensa brasileira: «Com o argumento de que já sofreu com as conseqüências da perda de um prazo processual, que estava sob responsabilidade de seu advogado, e de ver amigos próximos e familiares passarem pelo mesmo problema, o deputado federal e pecuarista Ernandes Amorim (PTB-RO) propôs um projeto de lei. A idéia é punir com suspensão os profissionais que forem negligentes com o prazo processual. Ao propor a inclusão de um dispositivo no Estatuto dos Advogados, o deputado diz que “não existe uma punição exemplar para o mau profissional, que age com desídia, desleixo ou incúria, no trato de uma demanda judicial”. O projeto não ressalva a eventualidade de motivo justificado para a perda do prazo da parte do advogado, nem prevê modificações nas leis que tratam da observância de prazos por parte dos cartórios, de juízes ou do Ministério Público. Os advogados defendem que um novo dispositivo no Estatuto dos Advogados para prever a punição é desnecessário. Motivo: a lei e também o regimento interno da OAB prevêem sanção para os profissionais que desistem da ação sem motivo para tanto ou àqueles que realmente não tratam o processo com a merecida dedicação. “A OAB já tem entendido que a má defesa gera falta disciplinar”, afirmou o presidente do Conselho Federal da OAB, Cezar Britto. Além disso, constatada a ineficiência do advogado, a OAB pode submetê-lo a novo Exame de Ordem, conta Britto. Segundo ele, já houve casos de aplicação de novos exames, quando o advogado teve várias petições ineptas e o juiz chamou a atenção da entidade para o assunto. Mas o presidente da OAB nacional observa que “não há relação de consumo em que o advogado é obrigado a ganhar a causa. Até porque a aplicação do direito é tarefa do juiz, não do advogado.” Para o advogado Reginaldo Castro, que também já presidiu o Conselho Federal, a proposta é uma extravagância, além de desnecessária e ineficaz. Ele reconhece a responsabilidade do advogado, mas reafirma que os casos de desídia já estão previstos no Estatuto da profissão. Segundo Castro, o cliente que se sentir prejudicado pela perda de prazo pode processar o advogado e ser ressarcido pelas perdas e danos sofridos.
A juíza Maria Lúcia Pizzotti Mendes, coordenadora do setor de Conciliação do Fórum João Mendes, acha excelente a proposta. Segundo ela, a freqüência com que a perda de prazos acontece é tão alta que justifica uma medida como essa, que serviria para intimidar e educar o mau advogado. “São graves os atos de desídia, que prejudicam o direito da parte”, alerta. E ressalta que, por mais que o juiz veja que a falha do advogado, não tem como reverter a situação, porque iria contra a lei. “Temos muitos advogados e muitos não têm condições de advogar. Quando a pessoa é mal representada, acha que a culpa é do Judiciário”, observa».

CPP: mais sobre a coacção

Artigo 204.º

Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida: (...) c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.



Comentário: comparando com a formulação anterior [«perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa»] conclui-se que o legislador quis, através do advérbio «gravemente», tornar mais exigente este requisito. Mas como já vimos entender que ele se verifica quando certos arguidos presos protestam nos autos, através dos seus advogados, contra o facto de outros, seus comparticipantes, estarem em liberdade, verificamos que, na prática, ele pode continuar a aplicar-se com alguma latitude discricionária. Isto para não mencionar na geração deliberada da intranquilidade, através de campanhas de imprensa manipuladas através de violação de segredo de justiça e destinadas a diabolizar certos arguidos e tornando-os assim candidatos à prisão preventiva para satisfação das fabricadas expectativas punitivas da comunidade.
O paradoxal é que a aplicação do novo regime do CPP acabou por gerar, na psicologia colectiva, uma profunda intranquilidade, ante a notícia da libertação de casos em que a comunidade sentiu poder haver perigosidade à vista. Um CPP que só releva a grave intranquilidade, gerou-a como seu efeito!



Artigo 212º



«(...) 4 - A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, devendo estes ser ouvidos, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada. Se, porém, o juiz julgar o requerimento do arguido manifestamente infundado, condena-o ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC».



Comentário: a lei anterior previa uma norma de audiência do arguido e do MP assim formulada: «devendo estes, sempre que necessário, ser ouvidos». Aqui alterou-se para a fórmula já usada no artigo 194º, n.º 3, na expectativa de que isso alere a mentalidade ainda reinante em alguns magistrados e a audição se torne mais generalizada.

Como já vivi a situação de um ilustre desembargador que ouvia os detidos extraditandos directamente no estabelecimento prisional, nem se dignando mandar transportá-los ao tribunal, porque, no dizer explicativo do solícito senhor escrivão «assim já lá ficavam», não tenho excesso de esperanças nem grande reserva de ilusões. É só uma questão de se não fazer aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti!

Basta dar uma olhadela de relance pelos critérios jurisprudenciais em matéria de audição prévia quando da mutação de medidas coactivas para ver o sentir repressivo que por aí grassa.

Aliás a norma ameaçadora da condenação em UC's lá está para desencorajar os mais atrevidos e sobretudo os mais pobres.



Artigo 213.º



«1 - O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas: a) No prazo máximo de três meses a contar da data da sua aplicação ou do último reexame; e b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada.

2 - Na decisão a que se refere o número anterior, ou sempre que necessário, o juiz verifica os fundamentos da elevação dos prazos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.os 2, 3 e 5 do artigo 215.º e no n.º 3 do artigo 218.º

(...) 4 - A fim de fundamentar as decisões sobre a manutenção, substituição ou revogação da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, pode solicitar a elaboração de perícia sobre a personalidade e de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na sua realização.

5 - A decisão que mantenha a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação é susceptível de recurso nos termos gerais, mas não determina a inutilidade superveniente de recurso interposto de decisão prévia que haja aplicado ou mantido a medida em causa».



Comentário: em primeiro lugar torna-se claro [através da nova formulação dada paa o n.º 1 e 2] que o reexame se estende à medida de obrigação de permanência na habitação. Depois mantendo-se a regra da periodicidade do exame [trimestral], determina-se a obrigatoriedade de tal exame em certos momentos-chave do processo: «quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada».

Quanto à audição do arguido, garantia essencial do contrário e direito fundamental daquele [artigo 61º do CPP] manteve-se a fórmula da lei substituída: ela ocorre «sempre que necessário», ou seja, a talante de quem decide.

Finalmente e expressando que se legisla sob a inspiração de casos judiciais concretos que finalmente dão ênfase a problemas até aí desconsiderados, estatui-se que «a decisão que mantenha a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação é susceptível de recurso nos termos gerais, mas não determina a inutilidade superveniente de recurso interposto de decisão prévia que haja aplicado ou mantido a medida em causa». A primeira parte da norma quase seria desnecessária, ante a regra geral da recorribilidade prevista no artigo 399º do CPP, não fosse certa jurisprudência ávida de encontrar razões de tolher as vias de recurso, suspeitas por uma certa cultura, de serem «excessos de garantismos» e meios dilatórios e de chicana, empecilhos ao bom despacho processual. A segunda parte visou pôr termo ao sistema pelo qual a retenção ilegal dos recursos para além do prazo em que deveriam ser conhecidos abria a porta à possibilidade de os inutilizar: era a inércia como expediente de rejeição liminar!

Comentário ao novo CPP: ainda a liberdade (2)

Artigo 198º, n.º 2

«2 - A obrigação de apresentação periódica pode ser cumulada com qualquer outra medida de coacção, com a excepção da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva».

Comentário: concretiza a regra da cumulação que o artigo 205º consagrava quanto à caução. Que se tenha previsto a impossibilidade de cumular a apresentação periódica em posto policial com a obrigação de apresentação parte do pressuposto de que esta medida é controlada por vigilância electrónica, o que nem sempre resulta. Casos houve em que o arguido conseguiu libertar-se da pulseira que apôs num gato! Contaram-ma como verdadeira. E eu acredito na imaginação criadora!

Artigo 199.º

«1 - Se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a 2 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativamente, se disso for caso, com qualquer outra medida de coacção, a suspensão do exercício: a) De profissão, função ou actividade, públicas ou privadas; b) [Anterior alínea c).] sempre que a interdição do respectivo exercício possa vir a ser decretada como efeito do crime imputado.
«2 - Quando se referir a função pública, a profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública, ou ao exercício dos direitos previstos na alínea b) do número anterior, a suspensão é comunicada à autoridade administrativa, civil ou judiciária normalmente competente para decretar a suspensão ou a interdição respectivas».

Comentário: estende-se a possibilidade de suspensão a «função ou actividade» privada, enquanto que na formulação antecedente a possibilidade era circunscrita a «profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública».
Ora tratando-se de meio de obtenção de sustento, como compatibilizar o regime com as regras constitucionais?

Artigo 200º, ns.º 1 e 4

«1 - Se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativa ou separadamente, as obrigações de: a) ... b) ... c) ... d) Não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas ou não frequentar certos lugares ou certos meios; e) Não adquirir, não usar ou, no prazo que lhe for fixado, entregar armas ou outros objectos e utensílios que detiver, capazes de facilitar a prática de outro crime; f) Se sujeitar, mediante prévio consentimento, a tratamento de dependência de que padeça e haja favorecido a prática do crime, em instituição adequada».
(...)
«4 - A aplicação das medidas previstas neste artigo é cumulável com a da medida contida no artigo 198.º».

Comentário: reformulou-se no n.º 1 a alínea d) [eliminando a expressão «por qualquer meio» que ali constava, visando o contacto indirecto, por interposta pessoa, que assim fica desguarnecido] e aditam-se duas alíneas, a e) e a f). Quanto à primeira, imaginando que uma faca é um dos meios «capazes de facilitar a prática de outro crime», eis os arguidos proibidos de comer à mesa de garfo e faca? Ironia? Talvez! Mas poderia ter havido melhor redacção? Seguramente.
Quanto ao n.º 4 estipulou-se a cumulação possível desta regra com a medida de obrigação de apresentação periódica. De acordo.

Artigo 201º

«1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a obrigação de não se ausentar, ou de não se ausentar sem autorização, da habitação própria ou de outra em que de momento resida ou, nomeadamente, quando tal se justifique, em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.
2 - A obrigação de permanência na habitação é cumulável com a obrigação de não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas.
3 - Para fiscalização do cumprimento das obrigações referidas nos números anteriores podem ser utilizados meios técnicos de controlo à distância, nos termos previstos na lei».

Comentário: estende-se a obrigação de permanência [que é aliás uma variante da proibição de ausência] «nomeadamente, quando tal se justifique, em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde», o que é uma forma de internamento compulsivo ditado por outra forma. E por o ser tal regime pode gerar conflitos com normas em vigor sobre a legislação sobre a matéria.
O n.º 2 ao estabelecer que «a obrigação de permanência na habitação é cumulável com a obrigação de não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas», expressa uma regra de cumulação de umas medidas coactivas com outras em que, nesse aspecto, o Código inovou.

Artigo 202.º
«1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando: a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos; b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; ou (...)».

Comentário: é uma das inovações mais polémicas, mas já resultava, consensualmente [na aparência das coisas, descontando mesmo a maioria então silenciosa dos hoje críticos], do Congresso da Justiça.
A alínea b), quando articulada com a noção do que seja criminalidade violenta ou altamente organizada cobre muitos dos casos em que a prisão preventiva [devido à benigna dosimetria abstracta da pena] seria inaplicável.

Artigo 203º

«2 - O juiz pode impor a prisão preventiva nos termos do número anterior, quando o arguido não cumpra a obrigação de permanência na habitação, mesmo que ao crime caiba pena de prisão de máximo igual ou inferior a 5 e superior a 3 anos».

Comentário: clausulou-se a prisão preventiva/sanção para os casos em que, pela medida abstracta da pena ela não seria aplicável, havendo incumprimento de obrigação de permanência na habitação.

Comentando o novo CPP: a Santa Liberdade (1)

Artigo 193º, n.º 3

«3 - Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares».

Comentário: a formulação nova traduz um critério de favor à liberdade, louvável, mas que pode levar à mesma situação em que caíu a regra generosa prevista e mantida no n.º 2, segundo a qual «a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção».
É que esta excepcionalidade da prisão preventiva, que o legislador de 1987 clausulou, com ingénua expectativa, deu numa prática inversa da pretendida. Ora, visto o histórico, esta proclamação amável para com os arguidos, poderá ser mais uma ilusão, a juntar a outras, em que a jurisprudência real não acompanhará a reforma virtual.

Artigo 194º, n.º 2

«2 - Durante o inquérito, o juiz não pode aplicar medida de coacção ou de garantia patrimonial mais grave que a requerida pelo Ministério Público, sob pena de nulidade».

Comentário: ante a polémica jurisprudencial sobre se o juiz poderia aplicar medida coactiva ou de garantia patrimonial diversa ou mais grave do que a proposta pelo MP, o legislador limita-se a impedir o agravamento judicial, deixando em aberto a possibilidade de convolação para medida diversa daquela que lhe houver sido requerida.
Consagra-se a lógica do juiz de instrução como mero fiscal da legalidade formal em matérias atinentes com a liberdade, como se o estatuto de liberdade individual fosse algo cuja aferição concreta coubesse ao MP, pois que mero instrumento ao serviço da investigação. É a filosofia do ao MP é que cabe dizer se lhe «interessa» um arguido em liberdade ou preso, tão presente na mentalidade de alguns.
O sistema agora consagrado é, ademais, equívoco, pois, por exemplo, ante uma medida de tiplogia aberta como a prevista no artigo 200º [proibição de permanência, de ausência e de contactos] fica por resolver se o juiz pode decretar medida tipificada em alínea diversa daquela outra que o MP houver requerido. Conflitos de entendimento jurisprudencial à vista!

Artigo 194º, n.º 3

«3 - A aplicação referida no n.º 1 é precedida de audição do arguido, ressalvados os casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e pode ter lugar no acto de primeiro interrogatório judicial, aplicando-se sempre à audição o disposto no n.º 4 do artigo 141.º»

Comentário: ao sistema pelo qual a aplicação de uma medida de coacção é «precedida, sempre que possível e conveniente, de audição do arguido», segue-se um outro em que a regra é o contraditório, só excepcionado em casos de «impossibilidade devidamente fundamentada». Na aparência, excelente.
O problema grave da não audição prévia não surge, porém, a propósito a propósito da aplicação de uma medida, pois, em regra, esta é precedida de detenção com subsequente sujeição do detido ao primeiro interrogatório judicial.
A questão coloca-se quando se trata do reexame dos pressupostos da prisão preventiva [artigo 213º], em que se manteve o insuportável regime segundo o qual «sempre que necessário, o juiz ouve o Ministério Público e o arguido», porta aberta para a lesão à audiência.
Ou seja, estando o arguido privado da liberdade, tratando-se de controlar a legalidade do acto de mantutenção da prisão, o preso só é ouvido quando «necessário»!
O caricatural é que, dispensando-se ouvir o interessado numa matéria com este relevo, mantem-se uma regra geral de pura aparência liberal segundo a qual o arguido goza do direito de «ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoamente o afecte» [alínea b) do n.º 1 do artigo 61º do CPP]. Rever a manutenção da prisão só pode ser algo que não afecta o arguido pessoalmente, para que tudo isto tenha lógica!

Artigo 194º, ns.º 4 e 5

«4 - A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade: a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime; c) A qualificação jurídica dos factos imputados; d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º
«5 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior, não podem ser considerados para fundamentar a aplicação ao arguido de medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, quaisquer factos ou elementos do processo que lhe não tenham sido comunicados durante a audição a que se refere o n.º 3.

Comentário: é louvável este afã de fazer fundamentar a decisão sobre medidas coactivas e de garantia patrimonial e de taxar como nulidade a violação respectiva.
A alínea b) do n.º 4 parece pressupor uma regra que o legislador se esqueceu de enunciar - a de que a «descrição dos factos concretamente imputados» pressupõe uma referência aos «elementos do processo» que os indiciam.
Abre-se, assim, uma excepção a uma regra inexistente. E, se regra existisse, aliás, o conteúdo da excepção esvaziava o seu alcance, permitindo entorses ao dever de fundamentar que, enunciados que estão através de conceitos abertos [«puser gravemente em causa a investigação»] são essencialmente insindicáveis em recurso, dada a sua amplitude discricionária.
Além disso a alínea d) deveria ter sido unificada com a alínea a), até porque, a não o ter sido, legitima-se a ideia de que a excepção prevista na alínea b), já referida, aplica-se à situação tipificada na segunda e não na primeira, o que é ilógico.

Artigos 194º, n.º 6

6 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 4, o arguido e o seu defensor podem consultar os elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, durante o interrogatório judicial e no prazo previsto para a interposição de recurso.

Comentário: uma vez mais a excepção liquida a regra. O direito de acesso a auto pode ser negado de modo insindicável, pois que negável discricionariamente.
Além disso, a lei prevê que o acesso pelo arguido e seu defensor seja aos «elementos do pocesso determinantes da apliação da medida de coacção ou de garantia patrimonial» e como o legislador, como vimos, se esqueceu de prever uma regra pela qual o juiz deve mencionar quais os elementos do processo relevantes, fica-se sem saber de que acesso estamos a falar. Ao limite, pois que tudo é relevante para indiciar o crime, e é em função do tipo de crime que se decreta uma medida como as que estão em causa, o arguido e o seu defensor podem ter acesso a todo o processo. Duvido que o legislador tenha querido isso ou a jurisprudência aceite um tal desventramento dos autos em favor do investigado.

Vacatio e carneiros

O Governo está a conseguir fazer passar a mensagem de que o novo CPP traz coisas tão boas que tem de entrar em vigor depressa. O Bastonário Rogério Alves, dizendo embora que o hiato entre a publicação e a entrada em vigor devia ser maior, opina também assim pois «considera a reforma do Código do Processo Penal "muito positiva e inovadora" em matéria de direitos, liberdades e garantias». O Governo deve estar feliz com ele e ele contente com o Governo.
Só o Bastonário Pires de Lima, no seu estilo peculiar, introduz uma nota dissonante, ao considerar que «a atitude dos advogados é de um “carneirismo terrível”».
Vamos a ver se marram!

Procuradores fora de jogo

Entendo que haja procuradores mais aptos a investigar do que a sustentar um caso na barra do tribunal e vice-versa. Como os advogados é o mesmo.
Mas o que não entendo é que no Ministério Público, por sistema, quem investiga não vá dar a cara pelo trabalho que fez e com base no qual foi deduzida a acusação em julgamento e quem tem a tarefa de vestir no campo da audiência a camisola da acusação não a tenho redigido e seja a ela alheio.
Que o sistema seja eficaz, duvido muito! Que o sistema serve para um passa-culpas, entendo, quando as coisas saem mal à Procuradoria: o procurador em julgamento sempre pode dizer que o caso já vinha moribundo, e o procurador que escreveu a acusação pode dizer que foi o colega de julgamento quem o matou. Disse o que agora disse no último Congresso do MP.
Agora há uma variante num processo que tem todos os tiques de um processo especial: é o quem investiga já saber a priori que não vai ter de enfrentar o produto do investigado quando for sindicado em julgamento e sabê-lo por definição ao mais alto nível, contra a opinião da «hierarquia» que parece ter deixado de o ser Pelo menos é o que li hoje.
Ora ante tão alto colocar do problema, que se imputa a uma opção pessoal do próprio Procurador-Geral da República, será que não temos o direito de perguntar: porquê? Ou talvez: o que se passa? Então apita-se assim um off side e nem uma explicação capaz há?

Resolver e punir

A noção de que o «número de incendiários detidos não acompanha descida de fogos», como li hoje, devia iluminar o espírito dos legisladores. O sobrepunir é sempre um expediente fácil, demagógico e que serve para os políticos mostrarem à população que o problema está resolvido. No mais, basta uns rudimentos de saber criminológico, como os meus, para saber que não é por aumentar as penas que diminuem os crimes. Sobretudo porque o fosso entre as penas abstractas e as punições concretas aplicadas pelos tribunais é enorme. Ao excesso legislativo corresponde a temperança judicial. No mais, o país continua a arder.

O tal canal

Eu achava estranho o PGR fazer não declarações sobre não notícias e silenciar posições necessárias sobre coisas tão importantes como o súbito novo CPP, cuja entrada em vigor apanhou o país judiciário à traição, em indigna emboscada legislativa.
Agora vi que, ante a anunciada, propalada e inesperada saída do país de um casal sobre o qual se diz o que se diz, PJ inclusivé, o mesmo alto magistrado «soube pela televisão» do facto escandaloso.
Na próxima, o Palácio de Palmela quando o país esperar uma posição oficial e os magistrados no terreno uma orientação de serviço talvez venha de lá uma circular: «por razões de ordem técnica, o programa segue dentro de momentos».

A retroacção da lei melhor ante o caso julgado

O atento e cívico In Verbis, ante as alterações às leis penais sobre a eficácia da lei posterior mais benigna sobre o caso julgado veio abrir a polémica, com este comentário num post afixado em 6 de Setembro: «sabendo que "a lei processual penal é de aplicação imediata" (art.º 5.º, n.º 1 do CPP), basta qualquer alteração legislativa, qualquer que seja o fundamento, da moldura penal de um tipo de crime, para que uma decisão penal transitada em julgado carecer de objecto de revisão, por novo julgamento».
Pergunto-me outra coisa: ante a ausência de normas reguladoras da matéria do caso julgado em geral, ao contrário do que se passava no domínio do CPP de 1929, não havendo asssim preceitos legais que enquadrem um aspecto nevrálgico para a segurança jurídica e para a paz dos julgados, não integrará tal omissão uma forma de inconstitucionalidade?
E face a ela, que sentido faz, em termos de coerência constitucional, não tendo regulado, pela positiva, a substância ingente do tema, prever, em discurso fragmentário, a quebra da autoridade do caso julgado como decorrência do Direito Penal intertemporal?
Ou seja: quer-se mesmo a total defesa dos arguidos e a segurança jurídica, ou quer-se para já a fragilidade das sentenças judiciais e o reino da eterna incerteza?

Advogado: nem morto!

As questões jurídicas debatem-se normalmente a pretexto da sua ocorrência mediática, nunca pela sua essência abstracta. Daí que normalmente seja tudo muito acalorado, vago, às vezes a raiar o pugilato verbal. O legislador entra amiúde nesta feira de varapau argumentativo e altera as leis que a propósito regulam a questão controversa, para parecer atento e mostrar-se activo. Depois as coisas esquecem-se e voltamos à mesma.
Veio agora à tona de água o drama do justo impedimento, por causa de uma situação controvertida, cujos contornos só conheço pelos jornais.
De há muito que se sabe e se convive com duas coisas: primeiro, uma jurisprudência ultra-restritiva sobre o justo impedimento, segundo, uma lei para a qual a falta do advogado, ainda que moribundo, não é motivo de adiamento de nenhum acto processual.
Este sistema odioso, parte de um pressuposto: um critério mais permissivo quanto ao justo impedimento e uma lei que desse causa ao adiamento do acto processual por ausência legítima do advogado seriam a porta aberta ao abuso, ao desregramento, à chicana.
A lei que temos, a jurisprudência que se formou, a praxis com que convivemos são também o produto de uma advocacia que foi perdendo categoria e dignidade, uma advocacia que faz presumir que o mínimo de contemplação seria logo o aproveitanço abusador e o nada funcionar na Justiça que ela deveria servir.
Temos deputados advogados, tivemos ministros advogados, o essencial do sistema não mudou e só mudará no dia em que a classe no seu todo retomar elevação de maneiras, respeitabilidade e força de liderança para impor aquele mínimo de decência na gestão processual: a doença do juiz e do procurador que obstam ao julgamento deve ser a mesma que obrigue a adiar sendo o advogado por ela atingido. Aquele, juiz, procurador ou advogado que «meter atestado» a declarar doença falsa, que pague a sério a ousadia. Até lá seremos tratados como presuntivos falsários.
Ridículo, ofensivo, o advogado doente a ter de trabalhar, hipócrita um sistema em que o juiz compreensivo tem que se violentar a arranjar um motivo para que o acto processual não ocorra, respeitando a ausência do advogado que compreendeu ser justa na razão e verdadeira no motivo.
Num livro que escrevi sobre «Actos Processuais» e que não cheguei a publicar - pois entretanto largaram a alterar a lei - citei esta mimo: «é jurisprudência assente que a doença do mandatário, a acumulação ou azáfama profissional, a ausência do mesmo por via desta actividade ordenada pelo tribunal, não dilata os prazos estabelecidos na lei para a prática de determinados actos - cfr. acs. RL de 18.6.91- proc. 1638; Proc. 1442, ambos da 5ª Secção; acs. da RP de 14.5.65, JR 1965-454; do Supremo Tribunal de Justiça de 3.3.65, BMJ 328, proc. 31.673). O instituto do justo impedimento em processo penal tem uma malha muito apertada de hipóteses por forma que, bastante difícil é encontrar leque alargado de circunstâncias que o justifiquem. A morte do mandatário, na forma indicada, não é motivo de justo impedimento».
Não está tudo dito? Pela boca da Relação de Lisboa, em 1991.

O conveniente silêncio

Dizem que a frase pertence a Thomas Jefferson: a ter de escolher entre um país com Governo mas sem jornais e um país com jornais e sem Governo preferia esta última opção. É este o drama que se vive mesmo nos círculos da Justiça: a dependência dos jornais.
Vem isto a propósito de muitos posts e comentários que vejo em blogs jurídicos em que a fonte da informação é o facto tal como o jornal o noticia. Atrás da sua divulgação os próprios organismos responsáveis emitem opinião e assim nasce a polémica. Depois vem o desmentido e a correcção.
Não quer isto dizer que não haja fundamento em muitas notícias. Felizmente há jornais. A imprensa abusa menos do que os abusos que denuncia.
O que nem sempre há é rigor no modo de noticiar, sobretudo no que se refere à fonte da notícia.
O Correio da Manhã, por exemplo escreve que «as questões suscitadas pelas novas leis penais – que têm motivado muitas críticas por parte dos juízes e principalmente dos procuradores», e acrescenta que «estão a ser estudadas por diversos grupos do Ministério Público», aditando ainda que «apesar da polémica que já levou alguns magistrados a sugerirem a intervenção do procurador-geral da República ou do Presidente da República». O respeitabilíssimo bog Defensor Oficioso divulga a notícia, onde a li.
Mas, pensando por um instante no que se lê: quais são as «muitas críticas»? Quem são os «juízes» e os «procuradores»? Quem são os «diversos grupos»? Quem são os «alguns magistrados»?.
Lendo, não se sabe. Sabe-se apenas, segundo o mesmo jornal, que, ante as «muitas» «dos» e as dos «diversos grupos» e de «alguns magistrados», Pinto Monteiro, «não se pronuncia sobre o assunto, de momento».
Ou seja, uma não notícia e uma não declaração sobre um não assunto. É fácil asssim, silenciar. Ora se o PGR falasse, não sobre o que, não tendo cara, parece que nem é, mas desse a cara pelo que há e é e exige assim que se enfrente, cara a cara e de viva voz, ficaríamos todos mais contentes. Todos menos o Governo, claro. E aí está a causa e o motivo!

Alteração ao Código Penal: outra para 15 de Setembro, claro!

Claro que a reforma do processo penal tinha de entrar em vigor em concomitância com a do Código Penal, que tardava em aparecer. Ei-la hoje, aqui mesmo, publicada no Diário da República. Para entrar em vigor a 15 de Setembro!
Já disse sobre isto o que tinha para dizer. Não há maior prova de arrogância, de desprezo sobre os que trabalham na Justiça do que configurar inícios de vigência com esta duração tão curta, leis publicadas concomitantemente com a reabertura dos trabalhos judiciais. Ou, é verdade, pode não ser intencional! Pode tratar-se de negligência pura, da consciente!

Quem é quem onde no MP

Quem quiser saber onde estão os nossos procuradores é ver aqui: há os promovidos por mérito e também os promovidos por antiguidade; há os colocados em lugares, que se mantêm onde estão, os transferidos para lugares de onde não saem; e há os destacados por conveniência «de serviço». É o chamado «movimento extraordinário». Mais arrumado, só aqui: quem quiser estar atento compreende e até entende!

Não justificação da difamação por formulação de juízos de valor

O Acórdão 40/07 do TC teve de decidir a seguinte questão, saber se seria «inconstitucional a determinação contida na norma do artigo 180.º do Código Penal aplicada como ratio decidendi no sentido defendido da inaplicabilidade das circunstâncias previstas como causa de exclusão da ilicitude no n.o 2 do artigo 180.º do Código Penal aos casos em que a ofensa à honra e consideração de terceiros decorram de juízos valorativos, e não de factos hoc sensu, ainda que tais juízos sejam acompanhados da referência ou menção desses mesmos factos, por ‘impossibilidade de preenchimento da condição da alínea b)’ (do n.o 2 do artigo 180.º do CP)».

Como se sabe, a causa de justificação no crime de difamação só ocorre quando alguém imputa factos e prove
que visava fim legítimo, prove a verdade do afirmado ou a convicção séria da verosimilhança e não se exceda face ao fim em vista. Tem sido este o entender uniforme da doutrina e a jurisprudência: a causa de exclusão da ilicitude referida no n.o 2 do artigo 180.o do Código Penal não se aplica a juízos de valor. Eis o que se sujeitou ao TC agora numa lógica de aferição da constitucionalidade material.
No caso estava em apreço o uso por jornalista da «expressão aldrabão (...) acompanhada da
descrição factual—a mentira ao Parlamento», em concreto «o aldrabão do governador civil de (...), usada num artigo de jornal.
A defesa quis a justificação do facto, pois que a formulação do dito juízo de (des) valor viera acompanhada da descrição de factos. E tentou que a norma nesta dimensão normativa concreta, fosse declarada materialmente desconforme à CRP.

Para que melhor se entenda, em causa o artigo 180º, n.os 1 e 2, do Código Penal:
«1—Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto ou formular sobre ela um juízo ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2—A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira».

Ora o TC, citando o acórdão recorrido, lembrou que «se a específica causa de justificação sobre que nos
debruçámos (a do artigo 180.º, n.o 2, do Código Penal) é inaplicável à formulação de juízos de valor ofensivos, por impossibilidade de preenchimento da condição da alínea b), tal não implica que a formulação de juízos de valor seja, em absoluto, insusceptível de justificação. No caso de formulação de juízos ofensivos, poder-se-ão aplicar, se for caso disso, as regras gerais contidas no artigo 31.o, designadamente a constante da alínea b) do n.o 2, tendo-se em especial atenção o princípio da ponderação de interesses».

Estatui o citado n.º 2 do artigo 31º do Código Penal que:
«1—O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.
2—Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
(...)
b) No exercício de um direito.»

E assim consignou o TC, em remate, que: «daqui decorre que a interpretação normativa adoptada pela
decisão recorrida não viola a exigência constitucional de que os direitos à liberdade de imprensa e à honra sejam conciliados através duma operação de harmonização proporcional, uma vez que não considera que o artigo 180.o, n.o 2, do Código Penal seja a única norma, no plano do direito infraconstitucional, convocável para julgar se os juízos de valor ofensivos da honra duma pessoa se possam traduzir no exercício do direito de liberdade de imprensa, tendo-se socorrido do disposto no artigo 31.o, n.o 2, alínea b), do Código Penal, para efectuar essa ponderação. Assim, tal como também concluiu o Acórdão n.o 201/2004, do Tribunal Constitucional (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 58, p. 965), o artigo 180.o, n.o 2, alínea b), do Código Penal, quando interpretado em termos de ele não abranger juízos de valor, mesmo que tais juízos sejam acompanhados da referência aos factos que lhe estão subjacentes, não viola qualquer princípio ou preceito constitucional, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente nesta parte».

Ou seja, porque justificável nos termos do artigo 31º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, a formuação de juízos
de valor, ao não estar prevista, como causa de justificação do facto, no n.º 2 do artigo 180º do mesmo diploma, não infringe a Constituição, pois «não viola a exigência constitucional de que os direitos à liberdade de imprensa e à honra sejam conciliados através duma operação de harmonização proporcional».

Faz sentido para quem se habitua à estranha lógica jurídica: o Direito prevê ali o que parecia negar aqui.

Processo penal, processo disciplinar: o jogo duplo

O artigo 5º da nova Lei 50/07, de 31 de Agosto, que estabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos susceptíveis de afectar a verdade, a lealdade e a correcção da competição e do seu resultado na actividade desportiva, consagra que: «o exercício da acção penal ou a aplicação de penas ou medidas de segurança pelos crimes previstos na presente lei não impedem, suspendem ou prejudicam o exercício do poder disciplinar ou a aplicação de sanções disciplinares nos termos dos regulamentos desportivos».
Trata-se da manifestação do que pode vir a ser uma injustiça grave. Julgo que a ideia consagrada sempre valeria nos termos gerais pelo que, o consagrá-la, é uma imprudência legislativa, pois transmite a ideia de que, se não houvesse lei expressa, a solução seria outra!
A punição disciplinar - quantas vezes acelerada - a que se siga um não provado, judicialmente decretado em processo penal, quanto aos factos que deram origem à procedimento por violação de regras de diciplina, não abre a porta a uma revisão da decisão punitiva. Disse-o o STA em vários acórdãos, em relação a funcionários demitidos por factos que, por serem possíveis crimes, a justiça penal considerou mais tarde serem inexistentes; funcionários e que, na ânsia de retomarem o emprego que lhes garantia a subsistência, tentaram em vão o recurso extraordinário de revisão disiciplinar.

Ainda diz a Constituição que as decisões dos tribunais prevalecem sobre as de todas as outras autoridades! Se
isto fosse assim, esta legislação estava mais do que fora de jogo, era um verdadeiro penalty!

As escutas e os jornais

É curioso o que está a surgir em torno da possibilidade de divulgação jornalística de escutas telefónicas. Sobretudo a falta de lógica nas críticas.
Sabe-se em que medida as escutas telefónicas são uma intromissão e uma devassa.
Sabe-se quantas vezes elas são uma habilidosa colagem do que interessa à acusação, uma selecção maldosa de partes de conversas enxovalhantes para os escutados.
Sabe-se em que medida o Tribunal Constitucional teve de intervir para se moralizar o sistema e que o apagar das escutas, fonte de todas as truncaturas e mãe de todas as caricaturas, não sucedesse sem que ao menos os escutados, ouvidos, pudessem opor-se a que se destruíssem as escutas que podiam defendê-los.
Sabe-se isso tudo.
Mas é curioso que os que sabem exacatamente isto, conhecem em que medida as escutas que estão nos processos enlameiam, enxovalham, devassam, ridicularizam, surpreendem o escutado à traição, apanham-no nos momentos em que a investigação quer, esses mesmos berram e gritam o «aqui d'El Rei» que há que permitir que a imprensa venda papel à conta desssa intrusão desleal na privacidade alheia.

Compreendo uns: querem que se perpetue o circo mediático, o boxe na lama em que se converteu a nossa
vida pública. Mas há outros que é melhor pararem um pouco para reflectirem: ou são juristas ou jornalistas! Tertium non datur!

Acesso ao Direito e aos Tribunais

A Lei n.º 47/07, de 27 de Agosto procede à primeira alteração à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais. Entra em vigor em 1 de Janeiro! Consulta-se, aqui.

PSP com nova orgânica

Órgão de Polícia Criminal, a PSP vê a sua Lei Orgânica modificada pela Lei n. º 53/07, de 31 de Agosto. Leia-se. Excepto um artigo, entra em vigor dentro de trinta dias.

Leis animalescas

Com incidências penais a Lei n.º 49/07, de 29 de Agosto procede à «primeira alteração aos Decretos-Leis n.os 312/2003, de 17 de Dezembro, e 313/2003, de 17 de Dezembro, e segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, que estabelecem o regime jurídico de detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos, de identificação e registo de caninos e felinos e de aplicação da Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia». Lê-se a partir daqui.

Lei do flair play desportivo

Outra Lei para entrar em vigor no dia 15 de Setemebro é a Lei n.º 50/07, de 31 de Agosto, vulgo lei da corrupção desportiva, mas tecnicamente uma lei que pretende estabelecer «um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos antidesportivos contrários à verdade, à lealdade e à correcção nas competições desportivas». Pode alcançar-se a partir daqui. Neste jogo que é a Justiça, tanta lei a entrar em vigor quinze dias depois da abertura dos tribunais é caso para ficar o Ministro off side.

Lei de Política Criminal

Foi publicada a Lei de Política Criminal, a 51/07, de 31 de Agosto. Também ela é para entrar em vigor em 15 de Setembro! Regressados das «férias», os que trabalham na Justiça, em vez de irem trabalhar vão estudar!
A Lei pode ser lida aqui.
Comentários serão feitos, logo que a tenhamos lido.

Fazer de juiz

A propósito de um escrito meu sobre o ser-se advogado, a Nicolina Cabrita, no seu interveniente blog, lembrou uma frase do bastonário Ângelo D'Almeida Ribeiro: «togas e becas "são feitas com o mesmo tecido"».
Obrigado Nicolina, por nos ter lembrado um grande homem, um excelente Advogado, um Digno Bastonário, o Dr. Ângelo Vidal d'Almeida Ribeiro.
Procurei-o tinha eu uns atrevidos 20 anos, porque queria escrever um artigo sobre a então chamada «assistência judiciária» para o «Comércio do Funchal», o jornalinho cor-de-rosa onde escrevíamos todos os que queríamos fugir à censura. É que o coronel censor madeirense era mais brando ou de compreensão mais lenta, nunca o soube. Andavam por lá, treinando-se na letra de imprensa, o Vicente Jorge Silva (ilustre director) o José António Saraiva, hoje director do Sol, o António José Saraiva, pai daquele, o Luís Manuel Angélica,sei lá quantos outros! Sugeriu-me o Dr. Almeida Ribeiro que procurasse o então Desembargador Hernâni de Lencastre, que visitei na sua casa na Avenida de Roma, o tempo mecessário para, respeitoso, não o maçar, o tempo suficiente para me encantar com a sua tranquilidade de alma, característica de quem é mesmo juiz e não se limita a fazer de juiz.
Sabia-o dado à escrita. Outro dia encontrei num alfarrabista um livro seu, de versos, com uma dedicatória carinhosa. Lembrei-me então, comovido, tal como hoje, dos dois, ambos falecidos, o juiz-poeta e o meu Bastonário.

Recursos em processo civil

Para entrar em vigor em 1 de Janeiro, a alteração de fundo ao sistema de recursos em processo civil, através do Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto. Consulta-se aqui.

A vacatio do CPP

A irresponsabilidade dos políticos mede-se pelos seus actos. Em causa está a entrada em vigor da 15ª alteração ao Código de Processo Penal. Saíu hoje no «Diário da República». Pode ser lida aqui. Altera-lhe significativamente uma caterva de artigos. Traduz a versão final sobre várias versões que foram circulando quanto ao que seriam as alterações a introduzir ao diploma de 1987.
Só que, de acordo com a Lei que o edita, a 48/07, entrará em vigor já em 15 de Setembro.
Ou seja e em resumo, regressados ao trabalho após um mês de férias, com toda a carga acumulada de coisas para fazer, o pessoal que trabalha na Justiça penal vai encontrar de súbito uma nova lei, de aplicação imediata aos processos pendentes e que entrará em vigor quinze dias depois!
Arrogantes, nem o benefício de uma «vacatio legis», como acto de decência e respeito para os que fazem do Direito a sua profissão, os senhores legisladores souberam conceder, ao mandarem para a folha oficial o novo CPP.
Dirão que o assunto do Código foi muito discutido e muitas das normas novas já não são desconhecidas. Talvez. Mas talvez não seja menos verdade que em Portugal cada vez mais as pessoas esperam para verem publicadas as leis e assim acreditarem que existem e, não menos vezes, esperam uns tempos que elas vigorem, para ver se pegam. É que há muitas que não pegam mesmo e são revogadas logo a seguir.

A toga e a beca

A imprensa brasileira noticia: «Hoje ele completa 70 anos e, depois de exercer a advocacia por quase 30 anos e atuar como desembargador por 16 anos, ele está se aposentando. Paulista de Itapira, Carlos Stephanini também foi procurador-geral do Estado, vice-presidente do TJMS no biênio 2001/2002 e professor universitário. Ingressou na magistratura do Estado no cargo de desembargador, na vaga reservada ao quinto constitucional a advogados, no dia 28 de novembro de 1991».
Mas para além da notícia, o que me deixou a penar foram as palavras do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional MS, Fábio Trad, quando disse que «Carlos Stephanini nunca abandonou a beca, mesmo togado», porque «a sua imparcialidade é o retrato fiel do seu compromisso com o Direito e a justiça».
Eis o que de melhor se pode dizer de um advogado, para além de lhe referir a honradez. Defensor do interesse de uma parte, mas não com ela confundido. É difícil? Sim. Impossível? Não. Na subtileza da diferença está a grandeza moral da pessoa.

Erro judiciário, obrigação de indemnização

O problema é a afectivação da responsabilidade extra-contratual do Estado, no caso por acto jurisdicional, nomeadamente por erro judiciário, o que não quer dizer necessariamente judicial. O CPP consagra-a em dois casos.
O Governo quis legislar sobre isso, o PR vetou o diploma, no caso o Decreto nº 150/X da Assembleia da República [DAR II Série-A n.º 124].
A imprensa aduziu que haveriam sido razões financeiras que estariam na origem do veto presidencial. A maioria de nós que, apesar da experiência, toma por única a informação a quem pela imprensa, arquivou o assunto, como se de uma mesquinhez orçamental se tratasse.
Jorge Langweg, no seu atento blog leu a mensagem presidencial e anotou outros fundamentos de discordância, citando passos significativos da mesma que a imprensa deixou passar. O In Verbis fez o mesmo.
Leia-se a mensagem presidencial, aqui, ou ouça-se aqui.
Tudo visto, há um no veto presidencial um pensamento correcto sobre os limites do razoável na apreciação dos actos dos tribunais: nem todos são certos, alguns enfermam de erro, nem todos darão azo a indemnização. A não ser assim, seria a ameaça sobre a liberdade de decidir, sem a qual não há independência judicial.

As férias dos Advogados

Aí está de volta a questão das férias judicias, agora que elas estão a acabar.
Há três coisas que eu quero dizer a esse respeito, não como candidato ao Conselho Superior, mas sim como advogado. O Conselho Superior não tem que ter uma opinião sobre esse assunto.
Primeira: quando o Governo há meses delineou uma ofensiva contra os tribunais, sob a bandeira popular do combate aos privilégios corporativistas, os magistrados perderam a batalha da opinião pública, ao terem agendado como tema de reclamação colectiva o direito, que iam perder, a dois meses de férias! O país indignou-se ao dar conta de que havia quem tivesse férias aparentemente tão extensas e eles, com razão ou sem ela, nunca conseguiram convencer ninguém, nem a totalidade dos próprios colegas, da justeza da sua posição. Mau grado isso, saltam agora alguns advogados a requentar um prato que já se viu que é intragável! É um erro que só nos vai diminuir!
Segunda: na crise grave pela qual passa a advocacia, nem todos se podem dar ao luxo de ter sequer um mês de férias. Conheço muitos advogados que ficam em Agosto nos seus escritórios na esperança de que lhes surjam clientes nesta altura, alguma defesa oficiosa, algum emigrante em férias, em suma, algum trabalho. Não confundamos pois, numa luta reivindicativa, os que querem com os que podem! É uma ilusão!
Terceira: com aguidos presos e notificações que surgem, por rotina e com intenção, feitas em férias judiciais - não fazendo sempre correr prazos mas gerando inquietação, nomedamente junto dos constituintes que querem os processos ao menos vistos, consultados e uma posição pensada antes de Setembro, pois os nervos e as angústias não vão de férias - há muito que me habituei a ter as férias estragadas. É uma falsa questão!
Em suma: por mais férias que gostasse de ter e que os outros tivessem era preciso, para tudo funcionar, que todos se pudessem dar ao luxo de as ter, que nenhum prazo corresse durante dois meses, enfim que a Justiça toda parasse, prejudicando com isso o país e os meus concidadãos. Não quero! Não devemos querer!
A Justiça funcionar em férias é a garantia de trabalho para muitos que precisam dele. Respeitemo-los, sobretudo os que podem organizar o escritório e tirar algumas férias. Comigo é fácil. Estou sempre de férias!
P. S. E se o argumento é os prazos estarem a correr em férias ou no final de Julho, afinal, só contra os advogados, porque os tribunais acabam por defender-se deles, então isto, que é um abuso, não pode gerar erro!

O CSM e os media

A nova Lei do Conselho Superior da Magistratura [36/07, de 14.08] cria um «gabinete de comunicação, relações institucionais, estudos e planeamento», o qual «tem competências no âmbito da articulação entre o Conselho Superior da Magistratura e a comunicação social e os cidadãos, no âmbito da articulação entre o Conselho Superior da Magistratura e entidades institucionais nacionais e estrangeiras e, ainda, no âmbito da realização de estudos e pareceres relativos ao funcionamento dos tribunais».
As relações entre os tribunais e os media não têm sido fáceis.
O problema é saber se cada tribunal fala por si se, concertadamente, através do Conselho. Vendo esta lei, conclui-se que, pelos vistos, através do Conselho é que não falam.
Por isso, as relações com a imprensa continuam ao sabor do individual e do casuístico. No STJ, por exemplo, através de uma empresa privada da especialidade. Noutros casos perante um muro de silêncio. Há de tudo.

Janeiro 2007: um mês sem gatos

* Tribunais

O presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Santos Serra, afirmou que «os tribunais tributários estiveram "praticamente parados", em 2006, devido às providências cautelares que "ocuparam todo o tempo" dos juízes. "São milhões de euros que ficam por cobrar, uma vez que os processos acabam por prescrever", disse o juiz conselheiro, felicitando o facto de já no final do ano passado ter sido introduzida uma alteração que determina a suspensão da contagem dos prazos daquelas acções, a partir do momento em que dão entrada nos tribunais, tal como acontece nas acções cíveis». Milhões de euros por cobrar pelos quais ninguém responde! Para quê também? Mais milhão menos milhão..

* Blogoesfera

O ano abriu com uma iniciativa: um militante da blogoesfera, a quem se deve um esforço abnegado e altruísta digno de louvor, transformou o seu blog numa revista digital. Joel Timóteo, juiz de Direito, cidadão do Direito, obrigado!

* Escutas telefónicas: o apagão participado

Por Acórdão proferido a 10, o TC «julga inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, a norma do artigo 188º, nº 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância».
Ante tal Acórdão do TC, muitos liberais, imaginando, ingénuos, que os senhores juízes iriam, de futuro, em amigável diálogo com os arguidos e seus defensores, com procuradores e polícias confraternizando, escolher o que se apagaria e o que se conservaria do escutado, saudaram o decidido. Desconfiado, antecipei que de ora em diante ninguém mais apagaria nada do escutado, o privado, o íntimo, o secreto, tudo guardado ao lado do útil e probatoriamente relevante, a devassa total! Bruxo!

* Cartografia jurídica

Ficou a saber-se que, com o novo mapa judiciário, «a actual divisão territorial judiciária em 231 comarcas - quase um tribunal por cada um dos 308 municípios - será completamente alterada. Portugal ficará dividido em apenas 32 circunscrições judiciais de base, coincidindo com as actuais 32 regiões administrativas desenhadas em 2002 para a distribuição de fundos comunitários - as NUT III (Nomenclaturas Unitárias Territoriais)». Que o Ministério tem mapa fica-se a saber, oxalá tenha bússola!

* Prazos para mortos, a correr aos fins de semana

Depois de serem os advogados e procuradores a sofrer na sua maior parte com os prazos a correr aos fins de semana, agora passaram a ser os tanatologistas: «o Ministério da Justiça vai criar um sistema na medicina legal, que obriga ao funcionamento dos respectivos institutos durante os fins-de-semana e feriados». Até aqui, o enterro esperava, a descoberta do crime entrava em descanso.
Duarte Nuno Vieira, presidente do INML, desdramatizaria a situação, lembrando que nos domingos e nos feriados as conservatórias estão fechadas, pelo que é “impossível” fazer funerais. “Além disso – acrescentou –mesmo que a pessoa seja autopsiada, é necessário que os cemitérios estejam abertos e que haja ordem do Ministério Público, o que não acontece aos domingos e feriados”. Como há sempre uma explicação que tudo justifica!

* Não liberdade incondicional

Foi preciso o Palácio Ratton para acabar uma indecência legal. A 8 de Janeiro o TC declarou «inconstitucional a norma do artigo 127º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, na parte em que veda o recurso das decisões que neguem a liberdade condicional, por violação do princípio do Estado de direito, do direito à liberdade e do direito de acesso direito aos tribunais». Não tinha havido até agora legislador que tivesse coração ao menos para se lembrar de revogar esta lamentável situação!

* Reforma ou revisão penal

O Governo conseguia levar a sua a bom porto. No dia 8 de Janeiro, eram tornadas públicas três propostas de lei. Alberto Costa, que no início do seu cargo viu a cabeça a prémio, prosseguia a sua corrida pelo corredor da morte, mostrando, sob a batuta autoritária do primeiro-ministro, que quando os Governos querem, fazem! A filosofia «desencarceradora» da proposta de Alberto Costa em matéria de Processo Penal seria elogiada pelo deputado comunista António Filipe, Nuno Magalhães do CDS/PP diria que «o seu partido está de acordo "com a esmagadora maioria" das propostas do Governo». Só faltava os do PS estarem de acordo também... Em discurso directo o ministro diria: «“Tomei medidas de inspiração cavaquista”». Não duvidamos nem por um instante. Como lembrava o Dr. Soares «les beaux esprits se rencontrent».
- Proposta de Lei n.º 98/10 pocede à vigésima primeira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro - Ler in Proposta de Lei
- Proposta de Lei n.º 107/X, que cria um Sistema de Mediação Penal, aprovada em Conselho de Ministros de 2 de Novembro de 2006 - Ler in
Proposta de Lei n.º 107/X
- Proposta de Lei N.º 109/X, que aprova o Código do Processo Penal - Proposta de Lei

* Julgados de paz e mediação

Segundo dados tornados públicos, «no ano de 2006, entraram 5066 novos processos nos Julgados de Paz, o que representa um aumento de 43% face ao ano anterior». De acordo com a mesma fonte: «o tempo médio de duração de um processo nos Julgados de Paz continua a ser de cerca de 2 meses». Nada mau! Entretanto iniciava-se na Assembleia da República a discussão da nova lei sobre a mediação penal.

* Segredo de justiça

«Não tenho solução nenhuma para o segredo de justiça porque creio que será sempre violado», disse o PGR na Assembleia da República. Como já ironizei aqui, o caso já não é a violação do segredo de justiça, é ele ser alvo de autênticos atentados ao pudor...

* Aborto fiscal

«O aborto ilegal é um negócio sujo, que não é tributado», disse Maria José Morgado. Ao ouvir isto, o Fisco que já ataca as meninas da vida, um destes dias colecta o sexo solitário!

* Cravinho reduzido a pó

«João Cravinho anunciou que vai entregar no Parlamento dois projectos de lei em matéria de corrupção, mas o grupo parlamentar já garantiu que não os irá agendar, por os considerar "não adequados nem consistentes"», revelou o Jornal de Notícias que se começou a mostrar, desde o ano passado, curiosamente, um jornal muito bem informado sobre temas de justiça.

* O STJ em outsourcing

Sinal dos tempos, «o Supremo Tribunal de Justiça resolveu recorrer aos serviços externos da LPM para fazer a sua assessoria mediática». Não sabíamos que precisavam!

* Habeas corpus: os números

Segundo dados tornados públicos, «entre 1982 e 2006, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a única instância com competência para decidir sobre habeas corpus, recebeu à volta de 250 petições. Uma média de 10 por ano. Cerca de 90 por cento foram indeferidas». Ante o princípio da «actualidade» que subjaz à jurisprudência daquele tribunal, as deferidas devem tê-lo sido porque alguém não esteve atento em tempo para corrigir a ilegalidade da prisão, inutilizando assim supervenientemente tal providência extraordinária!

* As verdades eternas, o viático da linha justa

«E é bem sabido que os burgueses passados ao campo da revolução dão na maioria das vezes em pernósticos. São duros, implacáveis e exigentes. A moral bolchevique beberam-na com tal ânsia que ficam permanentemente bêbados de verdade de linha justa, de posições correctas, tudo muito enfeitado de citações, penosamente tiradas de livros que, as mais das vezes, tiveram a sua época e foram brandidos mais como arma de arremesso ocasional do que como tratados de ciência política e social. Isso que agora parece tão claro, era nos tempos obscuros, difícil de perceber. E como não tínhamos o viático da origem proletária obrigavamo-nos a brandir os pequenos catecismos como verdades eternas», escreveu o inteligente MCR no desalinhado Incursões. Como nesta frase está tanta gente e tanta coisa! E ainda há quem diga que o MCR é prolixo! Ele que é tão económico nas descrições!

* Um dia na prisão

Soube-se que «cerca de 300 jovens vão ser convidados a passar um dia na prisão para conversar com alguns reclusos, um projecto da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP), Instituto de Segurança Social e Direcção-geral de Desenvolvimento Curricular para prevenir a criminalidade. Em declarações à agência Lusa, o director-geral dos serviços prisionais , Rui Sá Gomes, defendeu que os jovens, ao contactarem com os reclusos, vão poder detectar o que está certo ou errado. «Os reclusos vão ajudar os jovens para que não cometam os mesmos erros», salientou, adiantando que a iniciativa vai ajudar a prevenir a criminalidade e sensibilizar os jovens para o exercício da cidadania responsável».
Na mesma lógica de sensibilização, porque não engavetar os que decidem propor e mandar os outros para a cadeia, só para verem como é? E já agora os que os defendem, só para saberem como não é. Seria a regra do não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti.