Apresentação



O presente blog foi criado em Janeiro de 2005. Está em actualização permanente, tal como o seu autor, que decidiu agora regressar ao estudo do Direito. Tem como linha de orientação não comentar processos ou casos concretos, menos ainda o que tenha a ver com a minha profissão, estando o meu site de Advogado aqui, nele se mantendo o mesmo critério. Estou presente também na rede social Linkedin e no Twitter.

José António Barreiros




Júlio de Castro Caldas


Faço minhas as palavras do Bastonário e do Conselho Geral na declaração pública sobre a triste notícia que é a morte do Bastonário Júlio de Castro Caldas. Tive a honra de proferir as palavras de homenagem quando lhe foi atribuída, a 19 de Maio deste ano, a medalha de ouro da Ordem dos Advogados. Perdeu-se um grande advogado, perdi um amigo. 

Morreu o nosso Bastonário Júlio de Castro Caldas. Foi Presidente da Ordem entre 1993 e 1998, em dois mandatos sucessivos, depois de ter desempenhado funções no Conselho Distrital de Lisboa (entre 1979 e 1980) e no Conselho Geral (entre 1987 e 1989).
Advogado toda a vida, recorda-se nele a dedicação esforçada à profissão, a gentileza para com os colegas, uma bonomia tranquila que não o impediu de defender de modo vibrante os interesses da classe quando os sentiu em perigo.
Militante de um partido, tendo desempenhado funções na política, chegando a Vice-Presidente do grupo parlamentar do mesmo, nunca colocou a Ordem ao serviço da política nem permitiu que esta interferisse nos destinos da advocacia. É nisso exemplo de honradez cívica.
Quando do IV Congresso dos Advogados, realizado sob a sua égide, no Funchal, em Maio de 1995, afirmou um paradigma de «criteriosa identificação e definição dos conceitos de interferência de poderes do Estado», nomeadamente pelo «respeito pela função intermediadora e interventora do patrocínio forense de parte, como forma de controle e fiscalização da legalidade».
Júlio de Castro Caldas protagonizou, em antecipada preocupação, temas que se viriam a revelar, afinal, actuais face aos critérios da contemporaneidade.
Se no segundo mandato elegeu como tema prioritário as reformas do processo penal e do processo civil, foi para que se concretizasse uma cooperação de esforços entre os advogados, os magistrados judiciais e o Ministério Público, tendo os advogados direito a reclamar esse espírito «já que somos quem representa em primeira linha os cidadãos e a sua individualidade face ao Estado, e bem sabemos que o fulgor das democracias se mede pelo rigor e pela eficácia dos seus sistemas judiciários».
Se elegeu o tema da relação entre a comunicação social e a justiça, foi ante o efeito pernicioso já sentido dos prejuízos causados à justiça pelos benefícios económicos decorrentes da luta concorrencial pelas audiências. Palavras suas: «o processo judicial na comunicação social é nos dias de hoje um fenómeno totalitário, destruidor de direitos individuais constitucionalmente garantidos».
Se no Dia Nacional do Advogado, em 1993, se ocupou da investigação criminal foi para clamar por uma «subordinação funcional real de toda a investigação criminal, qualquer que seja a forma que se dê a tal investigação, a Magistrados do Ministério Público que sejam verdadeiros Juízes de Instrução, que por dever institucional tenham a obrigação de fazer prevalecer a lei geral e abstracta, num domínio tão sensível para os direitos individuais dos cidadãos».
Com ele, e como afirmaria mais tarde: «durante os meus dois mandatos, não havia legislação que não tivesse a consulta obrigatória da Comissão de Legislação, que emitia os seus pareceres a tempo e horas e devo dizer que, usualmente, esses pareceres eram ouvidos e tomados em consideração».
A Ordem teve então participação activa e consequente em comissões governamentais de reforma legislativa a nível do processo penal e civil, processos falenciais, custas judiciais, contencioso administrativo, direito comercial, e acesso ao direito, relativamente ao qual a Ordem apresentou um projecto de lei, tomando igualmente a iniciativa legislativa no que se refere à responsabilidade civil dos advogados e respectivo seguro.
Entre os combates que travou esteve o que pôs em causa a projectada alteração da legislação sobre o arrendamento para profissões liberais e em defesa das compensações aos hemofílicos contaminados com o vírus HIV. Parte significativa do seu primeiro mandato foi ocupado com o tema da revisão do Estatuto da Ordem dos Advogados, que viria a ser modificado em 1994.
Respeitado a nível nacional, era-o também a nível internacional, tendo sido eleito, em 1998, presidente da Fédération des Barreaux d’Europe. A Ordem participava então de modo actuante em um dos Comités Permanentes da CCBE, na Conferência dos Presidentes das Ordens dos Advogados da Europa, no Congresso da UIA em que Portugal assegurou uma das vice-presidências, bem como contacto regular com as congéneres europeias e principais organizações internacionais, a UIA, a IBA, a AIJA e a UIBA, bem como com as ordens dos países lusófonos.
À sua iniciativa se deve a revitalização da Comissão dos Direitos do Homem.
No plano das realidades práticas, actualizado e prospectivando o futuro, ocorreu no seu mandato a criação do portal virtual da Ordem e bem assim o Centro de Documentação Jurídica, instrumentos hoje ao serviço usual de todos os advogados. Ao Conselho Geral por ele presidido se deve, em articulação com a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, a criação de um Fundo Especial de Segurança Social e a implementação de novos sistemas de subvenção e subsídio de invalidez.
Morreu, pois, um grande advogado e um notável Bastonário. Não morre, porém, a alma da toga, a independência, a coragem e o exemplo moral.

Maria João Antunes - 2: disposições e princípios constitucionais em matéria penal

Retornando ao texto do livro cuja leitura já anotei [aqui], centremo-nos no primeiro capítulo dedicado às disposições e aos princípios constitucionais em matéria penal.
O interesse da exposição radica precisamente no enunciado sistematizado que faz das normas jurídicas da Lei Fundamental que se conexionam directamente com a matéria penal, mas também dos princípios cuja expressão constitucional é reconstituída por referência a preceitos da Constituição, no caso tanto a portuguesa como a brasileira, sobretudo os primeiros com menção às decisões jurisprudenciais em que foi considerada a sua relevância.
Quanto às normas jurídicas constitucionais, assim listadas, o seu número impressiona pela extensão, a evidenciar a dimensão do território normativo constitucional, na sua maior parte de sinal garantístico. Assim os artigos 19º, n.º 6, 24º, n.º 2, 25º, n.º 2, 29º, ns. 1, 2 3 e 4, 30º, n.º 1, 2, 3, 4 e 5, 32º, n.º 2, 37º, ns. 1 e 3, 117º, n.º 3, 134º, f), 157º n.º 1, 161, f), 165º, 1, c), 211º, n.º 3, 213º, 219º e 282º, n.º 3.
Em nota de rodapé a narrativa ilustra, a propósito, temas em que estas regras jurídicas tiveram relevo: normas penais em branco, legalidade em matéria criminal, pena relativamente indeterminada, pessoalidade das penas, responsabilidade solidária dos gerentes e administradores, incapacidade eleitoral activa dos definitivamente condenados, estatuto dos condenados em prisão, enriquecimento injustificado e reserva de lei para legislar como contraordenação em matéria antes criminalizada.
Para além das regras, há, porém, os princípios que, integrando o «bloco da constitucionalidade», «são recondutíveis ao programa normativo constitucional, surgindo como formas de densificação ou revelação específicas de princípios ou regras constitucionais positivamente explanados», como é o caso do «direito penal do bem jurídico» [que é detalhado em capítulo próprio do livro], de onde decorrem os princípios da dignidade penal do bem jurídico e da necessidade [ou carência] da intervenção penal [extraído do artigo 18º, nº 2 da Constituição], o princípio constitucional da culpa [por referência aos artigos 1º, 13º e 25º, n.º 1 na parte em que deles decorre a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, bem como do artigo 2º quando consagra o modelo de Estado de Direito democrático],  o princípio da proporcionalidade das sanções penais [com fundamento nos já citados artigos 2º e 18º, n.º 2 da Constituição], e o princípio dito da «socialidade» ou da socialização da condenação, pelo qual «incumbe ao Estado um dever de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe as condições necessárias para a reintegração na sociedade [o que é construído em função dos artigos 1º e 25º, n.º 1, 2º, 9º, alínea d, 26º, n.º 1 e 30º, nº 2].
Enfim, a última parte da exposição aborda o tema dos princípios jurídico-constitucionais «dos quais derivam para o legislador penal proibições de incriminação», como é o caso do princípio da igualdade, como o que esteve subjacente à declaração de inconstitucionalidade do artigo 175º do código Penal, na redacção anterior a 2007, pois que incriminava actos homosexuais com adolescentes e «não ser constitucionalmente tolerável uma incriminação violadora da proibição constitucional da discriminação em razão da natureza homossexual dos actos sexuais de relevo».

Sumários de acórdãos: descubra as diferenças

No que à difusão da jurisprudência respeita ele há coisas interessantes sobretudo em matéria de sumários. É sabido que estes tentam ser apenas um extracto do entendimento expresso numa decisão ou, pelo menos, no que se tenha por ser o núcleo essencial dessa decisão. E também tem escassa margem de discussão que, fruto da massificação dos processos, e do excesso de informação, há uma generalizada prática de leitura dos acórdãos pelos seus sumários, pressupondo o que pode ser erro: que os sumários traduzem fielmente o decidido e que há um sumário diríamos oficial do decidido.

Ora para meditar sobre o tema, veja-se o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2019, sobre transmissão e execução de sentenças em matéria penal tal como vem publicado no último número da Colectânea de Jurisprudência

«A recusa de reconhecimento de sentença estrangeira, consagrado no art. 36/1/j da Lei n.º 158/2015, quando a duração da medida de vigilância ou da sanção alternativa for inferior a seis [sic], não necessita de interpretação corretiva, pois o legislador consagrou essa recusa, optando por uma solução admitida pela DQ nº 2008/947/JAI, em coerência com o que ocorre em matéria de cooperação judiciária internacional em matéria penal»


Veja-se agora o sumário do mesmo acórdão tal como vem publicado na dgsi [ver o texto integral aqui]:

«I - A questão que se suscita nestes autos prende-se essencialmente com o conjunto de normas que transpuseram para o direito interno as disposições previstas na Decisão-Quadro 2008/947/JAI do Conselho, de 27 de Novembro de 2008, respeitante à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças e decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas e mais precisamente com o disposto no art. 36.º, n.º 1, al. j), da Lei 156/2015, 17-09, o que, numa interpretação que o ilustre recorrente qualifica de meramente literal, aponta para a recusa de reconhecimento da sentença quando a duração da medida de vigilância ou da sanção alternativa for inferior a 6 meses, interpretação que se segundo este recorrente faria do diploma de transposição um articulado incongruente, violaria o primado do direito comunitário e que, independentemente disso, mesmo a aceitar-se a interpretação do Tribunal recorrido, a decisão será nula porquanto, não tendo previamente dado cumprimento ao disposto no art. 36.º, n.º 4 da Lei 158/2015, de 17-09, terá incorrido no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP).
II - Segundo o art. 35.º, n.º 3, da Lei 156/2015, 17-09, a autoridade portuguesa competente não reconhece a sentença ou decisão relativa à liberdade condicional se decidir invocar um dos motivos de recusa do reconhecimento a que se refere o artigo seguinte.
III - A entender-se que a norma do n.º 1 do art. 36.º do mesmo diploma legal tem natureza impositiva, aquele “se decidir” não teria qualquer sentido. Conjugando o disposto em ambas as disposições seria forçoso concluir pela natureza facultativa do disposto no art. 36.º, n.º 1.
IV - O que o legislador fez foi realizar, através do art. 35.º, a transposição do art. 8.º da Decisão-Quadro, de cujo n.º 1 consta o seguinte: "A autoridade competente do Estado de execução reconhece a sentença e, se for caso disso, a decisão relativa à liberdade condicional, transmitida nos termos do artigo 5.º e de acordo com o procedimento previsto no artigo 6.° e toma sem demora todas as medidas necessárias à fiscalização da medida de vigilância ou da sanção alternativa, a menos que decida invocar um dos motivos de recusa do reconhecimento e da fiscalização a que se refere o artigo 11.º", sem ter tido em conta a concreta solução adotada no que se refere às causas de recusa.
V - Em parte alguma do art. 36.º, n.º 4, do CP, se refere que o pedido de informações complementares se destine a evitar accionar o motivo de recusa. Pelo contrário, o n.º 4 refere que "antes de decidir não reconhecer a sentença (...) ".
VI - O n.º 4 não impõe o pedido de informações, uma vez que ele se destina a obter " (...) todas as informações complementares necessárias". Ora, se não houver necessidade de quaisquer informações complementares, tal pedido não se justifica e faz desse procedimento um ato totalmente inútil. O que o legislador pretende é, face a um fundamento de recusa, que o mesmo só seja accionado dispondo a autoridade competente de todos os elementos para que essa recusa seja inquestionável.
VII - O n.º 5 do art. 36.º ao admitir que mesmo face a uma recusa pode-se e deve-se procurar chegar a um acordo com a autoridade emitente e, com base nele, decidir fiscalizar mas sem assumir as decisões a que alude o art. 40.º n.º 2, consagra uma solução subsidiária.
VIII - Face ao considerando n.º 18 da Decisão-Quadro e no art. 11.º constata-se que a Decisão-Quadro tem o propósito de dar aos Estados a possibilidade de não reconhecer um conjunto de decisões, mas não pretendendo, nem podendo, vincular um Estado a fazê-lo de determinada forma. O Estado português optou pela decisão de recusa, em coerência com o que ocorre em outras situações, designadamente em matéria de cooperação judiciária internacional em matéria penal, o que é uma opção perfeitamente legítima.
IX - Portugal não é o único Estado da União que optou por esta solução para situações como a que está em apreço. Houve Estados que optaram pela mera possibilidade de recusa, como a Itália (art. 13.º, n.º 1, al. g) do Decreto legislativo 38, de 15-02-2016), ou a França (art. 764-25, n.º 1 do CPP, um dos artigos acrescentados a este código pela a Lei 2015-993, de 17-08, aprovada para afeitos de transposição da Decisão Quadro 2008/947).
X - Em Espanha o art. 105.º, n.º 1, al. b) da Lei 23/2014, de 20-11, determina que o juiz denegará o reconhecimento e a execução das decisões de liberdade vigiada em medida inferior a seis meses (decisões essas que, nos termos do seu art. 94.º, al. i) do mesmo diploma, abrangem a prestação de trabalho a favor da comunidade). Ou seja, num caso como o que está em apreço, a Espanha recusaria o reconhecimento da decisão.
XI - A decisão sob recurso não incorre na nulidade do art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, decidiu em conformidade com a letra e o espírito do art. 36.º, n.º 1 da Lei 158/2015 e não ofende o primado do direito comunitário porquanto o legislador português optou por uma solução admitida pela Decisão-Quadro 2008/947/JAI (considerando 18 e art. 11.º).»

Maria João Antunes - 1: cosmopolitismo e deferência jurisdicional

Há pequenos livros que se tornam maiores pela riqueza das reflexões que proporcionam. Na aparência este é apenas um relatório apresentado em função de um regulamento académico; só é que muito mais do que isso, pois traz um ponto de situação não só ao tema que dá azo ao título, mas também a temas que são com ele conexos.
A abordagem convoca além disso, não só o Direito Criminal brasileiro, até aqui muito desconsiderado, mas agora parte essencial do ensino «dado o número significativo de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra que são oriundos do Brasil», mas também o que decorre do Direito alemão, italiano, espanhol e, numa menor medida, francês.
Irei dividir as notas de leitura em vários textos, cada um conforme à matéria a que respeita.
Entrando pelo último capítulo através dele entra-se pelo tema do que é denominado o «cosmopolitismo e pluralismo constitucional», no fundo, numa outra vertente a «protecção multinível de direito». Trata-se, no fundo de notar que «deixou de fazer sentido pensar as relações entre o direito penal e a Constituição exclusivamente por referência a esta ou, melhor dizendo, por referência à Constituição nacional».
Neste particular a autora surpreende momentos interesses da situação.
Por um lado, que a «vinculação» a essa pluralidade «chega mesmo a ir além do expectável, perante disposições constitucionais como as contidas nos artigos 7º, 8º e 16º da CRP [...]».
A propósito lembra que, em Portugal e de modo mais amplo por exemplo do que se passa em Espanha, a partir da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e em face da nova redacção da alínea g) do n.º 1 do artigo 449º do CPP; a revisão da sentença transitada em julgado passou a ser admissível quando "uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça".
Esta sobreposição de ordenamentos assume hoje uma tal força de prevalência do internacional sobre o nacional que há decisões, e na obra citam-se três,que «terão extravasado, por ventura, em alguns pontos a deferência jurisdicional que é característica da jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo quando deixa para os Estados membros uma significativa margem de apreciação». 
Sendo esta a situação actual, oxalá a nossa jurisprudência acolha esta lógica de proteccionismo reforçado pois que não apenas escorado na Lei Fundamental nacional mas afinal no garantismo emergente das fontes internacionais orientadas à tutela de direitos. Um caso concludente tem a ver, por exemplo, com a denominada burla de etiquetas em que, pela manipulação das categorizações jurídicas, o legislador acolhe conceitos que são forma de compressão estatutária mas que, em rigor, não qualificam com aderência substancial a realidade que pretendem definir.

dgsi: o ponto de situação

Este blog é um corpo vivo em constante actualização. Esta manhã coloquei na lateral direita, a seguir às ligações para os portais de jurisprudência, o ponto de actualização do site da dgsi.  Cada vez que houver nova jurisprudência será fácil por ali ver a situação. Actualmente estamos assim com o Tribunal da Relação de Guimarães e a Relação de Lisboa na dianteira, ex aequo:


TC-10.12
STJ-05.12
TRG-19.1.2
TRE-05.12
TRG-17.12
TRL-19.12
TRP-10.12

CSMP: membros e funções

A folha oficial publica hoje a Resolução da Assembleia da República n.º 1/2020, aprovada a 20 de Dezembro de 2019, pela qual foram designados os membros do Conselho Superior do Ministério Público:

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea g) do artigo 163.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, e da alínea f) do n.º 2 do artigo 15.º do Estatuto do Ministério Público, eleger os seguintes membros para o Conselho Superior do Ministério Público:

Efetivos:
Manuel de Magalhães e Silva
Rui Manuel Portugal da Silva Leal
José Manuel Mesquita
António Manuel Tavares de Almeida Costa
Brigite Raquel Bazenga Vieira Tomás Gonçalves

Suplentes:
Vânia Gonçalves Álvares
Daniel Bento Alves
Pedro Gonçalo Roque Ângelo
Nos termos do artigo 27º do Estatuto do Ministério Público, compete ao seu Conselho Superior:
a) Nomear, colocar, transferir, promover, exonerar, apreciar o mérito profissional, exercer a acção disciplinar e, em geral, praticar todos os actos de idêntica natureza respeitantes aos magistrados do Ministério Público, com excepção do Procurador-Geral da República;

b) Aprovar o regulamento eleitoral do Conselho, o regulamento interno da Procuradoria-Geral da República, o regulamento previsto no n.º 4 do artigo 134.º e a proposta do orçamento da Procuradoria-Geral da República;

c) Deliberar e emitir directivas em matéria de organização interna e de gestão de quadros;

d) Propor ao Procurador-Geral da República a emissão de directivas a que deve obedecer a actuação dos magistrados do Ministério Público;

e) Propor ao Ministro da Justiça, por intermédio do Procurador-Geral da República, providências legislativas com vista à eficiência do Ministério Público e ao aperfeiçoamento das instituições judiciárias;

f) Conhecer das reclamações previstas nesta lei;

g) Aprovar o plano anual de inspecções e determinar a realização de inspecções, sindicâncias e inquéritos;

h) Emitir parecer em matéria de organização judiciária e, em geral, de administração da justiça;

i) Exercer as demais funções que lhe sejam atribuídas por lei.

Suspensão provisória: obrigatoriedade e inconsequência


Interessante porque no sentido [aparente, afinal] de não ser possível extrair consequências processuais do incumprimentos da regra da obrigatoriedade da ponderação da suspensão provisória do processo [quando apenas se trata de uma decisão relativa a processo sumário], o Acórdão da Relação de Guimarães de 17.12.2019 [proferido no processo n.º 24/19.4GTBGC.G1, relator Jorge Bispo] sentenciou [em termos que o sumário não reflecte, ver o texto integral aqui]:


«I) O Ministério Público deve obrigatoriamente ponderar a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, antes de deduzir acusação em processo sumário.

II) Todavia, não o tendo feito, tal omissão não é suscetível de consubstanciar qualquer invalidade processual, mormente a nulidade de insuficiência do inquérito, prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal.»


A ideia da obrigatoriedade da ponderação da suspensão provisória do processo [nos casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos legais] foi expressa no Acórdão do STJ de 13.02.2008 [proferido no processo n.º 07P4561], segundo o qual: 

«A Lei n.º 48/2007, acentuou a natureza de poder-dever conferido pela norma do n.º 1 ao Ministério Público ao substituir a expressão “pode (…) decidir-se (…) pela suspensão do processo” por esta outra, claramente impositiva: “oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina (…) a suspensão do processo», mas já assim se devia entender no domínio da redação dada pela Lei n.º 59/98, mas pretendeu-se afastar a interpretação de que “o pode decidir-se” constituía uma mera faculdade concedida ao Ministério Público a usar discricionariamente e afirmar a interpretação de que verificados os respetivos pressupostos, se impunha ao Ministério Público a suspensão provisória do processo.».

É certo que a questão se colocou em sede de processo sumário [onde inexiste inquérito] e o aresto admite [citando o parecer do MP junto da Relação] que poderia ter ocorrido irregularidade, a qual, porém, não foi arguida no caso. 

É por isso evidente que o sumário, parecendo conter doutrina geral é nessa parte enganador. É porque, a ser expressão de regra para o processo comum, o que o aresto estaria a determinar é que a a «clara impositividade» que cita, quando não acatada, não tem consequências processuais, invalidando o processo pela omissão do devido , e a vertente dever do binómio poder/dever fica confinado é faceta poder.

1ª CACDLG: agenda para 6 de Janeiro

Está agendada para 6 de Janeiro de 2020 a reunião ordinária da 1ª Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Da agenda consta [cita-se o texto oficial]:


1. Distribuição de iniciativas legislativas: nomeação de relator e deliberação sobre consultas a promover; 

2. Discussão e votação dos pareceres sobre as seguintes iniciativas legislativas: 

Proposta de Lei n.º 4/XIV/1.ª (GOV) - "Aprova as Grandes Opções do Plano para 2020" 

Área da Administração Interna - Relator: Deputado André Coelho Lima (PSD) 
Área da Presidência - Relator: Deputado José Manuel Pureza (BE) 
Área da Justiça - Relatora: Deputada Mónica Quintela (PSD) 

Proposta de Lei n.º 5/XIV/1.ª (GOV) - "Aprova o Orçamento do Estado para 2020" 
Área da Administração Interna - Relator: Deputado André Coelho Lima (PSD) 
Área da Presidência - Relator: Deputado José Manuel Pureza (BE) 
Área da Justiça - Relatora: Deputada Mónica Quintela (PSD) 

Proposta de Lei n.º 6/XIV/1.ª (GOV) - "Aprova o Quadro Plurianual de Programação Orçamental para os anos de 2020-2023"; 

Área da Administração Interna - Relator: Deputado André Coelho Lima (PSD) 
Área da Presidência - Relator: Deputado José Manuel Pureza (BE) 
Área da Justiça - Relatora: Deputada Mónica Quintela (PSD) 

Projeto de Lei n.º 101/XIV/1.ª (CDS-PP) - "Agravamento da moldura penal para crimes praticados contra agentes das forças ou serviços de segurança (50.ª alteração ao Código Penal)" Relatora: Deputada Sara Madruga da Costa (PSD)

3. Instalação da Subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação e da Subcomissão para a Reinserção Social e Assuntos Prisionais; 

4. Apreciação e votação das atas n.ºs 7 a 14/XIV/1.ª (correspondentes às reuniões de 4 a 19 de dezembro de 2019); 

5. Outros assuntos.

Bom Ano!

Último dia do ano. A comunicação social e as redes sociais estão carregadas de balanços da década e promessas para o que se inicia amanhã. Fazem-se listas dos top's no sucesso e na desgraça. Acho que, nessa matéria, para além de falar de mim, não me sinto habilitado a muito mais e eis o que estas linhas pretendem significar.
Termino 2019 com a revitalização deste espaço, que iniciei em Janeiro de 2005, e sinto-me gratificado com isso, no que tal significa esperança e esforço numa idade em que há a tentação do desespero ou do descanso.
Sei, porém, em que medida fiquei aquém. Tinha pensado regressar à escrita que circunstâncias da vida fizeram interromper, mas apenas consegui uns dispersos, sem expressão de maior, e sem ter encontrado ainda o fio condutor do pensamento que me assegure a ideia, ilusória seja, da originalidade e sentir assim, com fundamento, ter algo que valha a pena ser lido. Entro o ano com esse projecto prometido.
Numa faceta mantive-me fiel a um princípio que anunciei no pórtico deste blog, não trazer para aqui o que tivesse a ver com a minha profissão. Por mais difíceis que tenham sido os momentos que nela vivi, por mais sentido fizesse vir por vezes aqui prestar esclarecimentos sobre os casos que me são confiados e que, como advogado, senti amiúde exigiam explicação ou melhor informação quanto ao modo como se desenrolavam, nunca o fiz, porém. Por maioria de razão, somado isso ao respeito pelo mínimo ético dessa mesma profissão, nunca comentei em público os casos profissionais dos outros, valha também nisso o apreço devido à minha modesta inteligência que se recusaria a falar do que não sei.
Advogado, continuo advogado e disso me honro; ao encerrar o ano dos meus 70 anos, pressinto que não saberia ter outra profissão na área forense: nunca a procuradoria, no que isso significaria agir por regra em prol da acusação, impedido estaria agora de pedir absolvições quando as julgasse de justiça, até porque há um espírito de contida rebeldia no meu ser que o incompatibilizaria com a ideia de hierarquia funcional; nunca a judicatura, no que tal exige julgar o meu semelhante através dos factos que ele terá praticado, já que há em mim uma noção da incapacidade de condenar todos pecados sabendo-os alguns passíveis de serem meus, incapaz, por isso de uma tal responsabilidade.
Sou advogado que é a minha área natural, a profissão liberal, vivida, em contra-ciclo, neste mundo contemporâneo da indústria jurídica, em que a advocacia foi tornada empresarial, em regime de prática isolada.
Servi, quando convocado, a minha Ordem e esgota-se este ano o último contributo: estive no executivo, porque duas vezes no Conselho Geral, no jurisdicional, porquanto duas vezes no Conselho Superior, na segunda como Presidente, e enfim, no consultivo, presidindo no mandato do Bastonário Guilherme Figueiredo, ao Gabinete de Política Legislativa.
Trabalho, porque me sinto válido para isso, e porque tenho encargos que o exigem e tento fazê-lo com gosto, vencendo as contigências das minhas limitações e daquelas em que o meio se tornou.
Tento que a vida seja mais do que a profissão, mais do que a vida jurídica, procuro portanto, pois há mais mundos, pela leitura e pela escrita, ser um outro ser, indiferente aos que me aconselhem a não mostrar esse outro lado tão pessoal, e a acantonar-me, sim, à tecnocracia da profissão ou à reclusão talar da reserva dos cargos, a primeira rendosa, a segunda defensiva: exponho-me como pessoa.
Terei um dia, e os anos somam, diminuindo, antecipada pena do que ficar, mas mais ainda do que não tiver vivido. Cada ano é, nisso uma benção, ao renovar a esperança de que ainda há tempo, e o meu tempo é sempre o tempo de hoje. 
Em paz comigo, descontadas as nódoas negras sentimentais e aquilo em que o ânimo alquebra, encaro a vida com 22 anos de entusiasmo, como quando então dei os primeiros passos no mundo do Direito, o pequeno escritório de advogado na comarca de Sintra, os livros jurídicos de filho de solicitador.  Bom Ano, pois!

Advogados! Directiva ECN+: prazo prorrogado

A Autoridade da Concorrência informa: «O prazo da consulta pública relativa ao anteprojeto de transposição da Diretiva ECN+ foi prorrogado até ao dia 15 de janeiro de 2020. Poderá submeter os seus comentários e observações através do endereço eletrónico consultapublica@concorrencia.pt ou para o endereço postal da AdC. Este anteprojeto destina-se a transpor a Diretiva ECN+ para o quadro jurídico português, o que permitirá que autoridades de hashtag#concorrência dos Estados Membros da EU apliquem as regras de concorrência de forma mais eficaz.»

Formulário: antigo, afinal actual

Para além de livros novos, que, quantos deles, logo se desactualizam assim uma penada do legislador ou um novo entendimento da jurisprudência, tenho também uma razoável biblioteca de antiqualhas. São estes que dão a ironia do carácter precário de muito do Direito e do esforço hercúleo da alguns que o querem servir.
No caso foi este formulário, breve nas suas 82 páginas, dedicado ao Ilustríssimo Senhor José Lopes Xisto, bacharel em Leis, e escrito por quem assinou J. M. P. Coelho. A assinatura esconde a modéstia, a amabilidade identifica aquele a quem o opúsculo vai dedicado. Um mundo de boas maneiras, o apagamento do autor em troca daquele que com a obra quer honrar.
Em advertência sob a forma de "Declaração" o autor diz que escolheu a comarca de Silves por ser aquela em que começou a «servir o officio de escrivão» mas tudo é imaginário, incluindo os nomes e o caso. Caso sinistro diga-se que termina com uma condenação à pena de morte.
Velho dirão, mas afinal, actual, quer pelas reflexões que proporciona, quer pela actualidade de alguns dos problemas.
Na altura, e o livro foi publicado em 1851, a dispersão do Direito Criminal era chaga, pois, descontadas as Leis, as Portarias, as Circulares e os Acórdãos só a Novíssima Reforma Judiciária de 1841 contava 1272 artigos, tendência de hipertrofia legislativa que já então mostrava a sua pegada e veio para ficar.
Para além disso, a moléstia da processualite, doença jurisprudencial mais apta a conhecer da formalidade que não da substância, já havia infectado o sistema de justiça. E eis que o amável escrivão tentou achar remédio que prevenisse o mal do vício de forma, através deste seu formulário. E escreve [respeitando eu a linguagem da época]: «O desgosto de vermos um processo anullado que de ordinário traz comsigo a perda de tempo - a impossibilidade de se reproduzirem certas provas - a multa - a suspensão - o descrédito, e outros damnos, foi o incitivo que nos animou a este trabalho».
Acompanhando o processo desde o seu início até à remessa à Relação, em apelação, o livro de fórmulas inaugura-se com o auto de notícia, por ele escrivão lavrado «por estar de semana», no qual narra que ao «anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesu-Christo de mil e oitocentos e cinquenta no primeiro de Janeiro do dito anno» e em «casas da residencia do Juiz de Direito da comarca» foi presente o lavrador Antonio Côrrea Pinto, solteiro, que relatou que no último dia do ano seu, pai fora surpreendido e agredido por um tal Antonio de Oliveira Fagundes, proprietário, «o qual lhe descarregára uma forte pancada na cebeça de que resultou cahir e ferido, picando-o depois com uma navalha, e que aos gritos do ferido fugira».
Ante a notícia, mandara o juiz que se procedesse a «corpo de delicto» sendo para tal intimados o Ministério Público e os facultativos, aquele para o procedimento estes para o exame. E assim, por acto do escrivão fora intimado o Procurador Régio», bem como os cirurgiões. Ajuramentados estes, ante os Santos Evangelhos, conforme determinava o artigo 903º da NRJ, examinaram o ferido, após o que o juiz ordenou a comparência do filho deste, pois o agredido estava sem sentidos, o qual relatou que, antes de perder o conhecimento, «cahindo em uma profunda languidez» o pai lhe referira que o acto haveria sido praticado por um embuçado «que lhe pareceu ser o Fagundes».
Prosseguiram as averiguações sob a forma de exame do fato  do queixoso [fato então era roupa de gente e não, como hoje seria com o Novo Acordo Ortográfico, ocorrência da vida], para o que foram convocados dois alfaiates, com nomeação de depositário para o chapéu de seda preta redondo, a camisa de paninho, o colete azul de lã e a jaqueta de pano azul quase forrada de baeta azul clara, o qual assinou ato ficando adstrito ao cargo «com as penas de fiel depositario».
E em suma porquanto bastava, requereu o Delegado «que se tome querella» contra o Fagundes «por ser o author e prepetrador do atroz crime de ferimentos». 
E eis que «nesta cidade de Silves, e casas da residência do Juiz de Direito o Dr. José Maria de Mello, onde eu escrivão vim, ahi foi presente o Delegado Regio nesta comarca, o Dr. José Maria Ferreira, e por elle foi ddito que vinha a Juizo dar sua perfeita querella contra Antonio d' Oliveira Fagundes», o que fez indicando testemunhas.
Ouvida a prova testemunha e lavrada "assentada" da audição, foi o sumário dado como conclusão de determinado pelo juiz, segundo o qual «As testemunhas do presente summario até aqui inquiridas obrigam à prisão, e livramento a Antonio de Oliveira Fagundes», por crime previsto do livro quinto das Ordenações Filipinas [título 35, § 4º, 5º «e outras Leis», despacho de pronúncia que foi logo comunicado.
E assim termina a primeira parte deste episódio que o formulário acompanha, com toda a tramitação subsequente até à sentença capital, a qual é referida na sentença como excepcional por força de Decreto de 12 de 1801 - «que ordena que os Juizes apliquem a pena e morte só em último caso» - mas que no caso ele juiz decretava «na pena de morte natural para sempre na forca: que será levantada no mesmo sitio onde de cometteo o crime».
Cruel decisão, esta, mereceu, no entanto, ao magistrado esta  nota de aparte: «[...] Tal é o desgraçado mister d' um Juiz que devendo ligar-se à Lei, não encontra nesta, senão a morte fulminada contra os homicidas». E isto porque, no seu entender: «é de esperar que quando entre nos se organize um Codigo Criminal se ilimine inteiramente aquella pena, substituindo-a ou pela prisão perpetua, ou milhor ainda pelo degredo [...]

Revista Portuguesa de Ciência Criminal: 29º/2

Continua em ritmo de publicação atempada a Revista Portuguesa de Ciência Criminal, dirigida por Jorge de Figueiredo Dias, de que publicou agora o tomo segundo deste seu 29º ano de existência.

Em matéria de artigos, retira-se do sumário:

-» Maria João Antunes e Susana Aires de Sousa, intitulado Da relevância da identificação do bem jurídico protegido no crime de pornografia de menores;

-» Eliana Gersão, denominado Os jovens e o sistema criminal;

-» Francisco Aguilar, A suspensão provisória do processo como troca das penas do processo por uma confissão informal de culpa (ou do incitamento ou auxílio processuais aos suicídio moral);

-» Rafaela Vaz Vilela, Teresa Braga, Olga Cunha e Rui Abrunhosa Gonçalves,  Avaliação psicológica forense do abuso sexual e sua valoração nas decisões judiciais.

Quanto a jurisprudência crítica, publicam-se os comentários:

-» Miguel João Costa, Os limites à extradição para fora da União Europeia: Petruhhin e Schothöfer & Steiner;

-» Susana Aires de Sousa, Prova indirecta e fundamentação da decisão;

Com a secção Vária, o número termina com um o comentário de Karla Tayumi Ishiy ao relatório de 2018 sobre a população reclusa em Portugal.

As GOP's e a advocacia

Consta das Grandes Opções do Plano, apresentadas pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, sob o título «Garantir a liberdade de acesso à profissão» o seguinte: «O Governo, para assegurar o direito à liberdade de escolha e acesso à profissão, constitucionalmente garantido, irá impedir práticas que limitem ou dificultem o acesso às profissões reguladas, em linha com as recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da Autoridade da Concorrência.». 
É rigorosamente esta a expressão.
Estamos, pois, uma vez que o princípio foi transposto para as Grandes Opções do Plano, ante uma assumida intenção política, programada, ainda não corporizada no concreto, mas já suficientemente clara quando correlacionamos aquela fórmula vaga com o que de específico está adquirido no espírito da Autoridade da Concorrência, que já havia apresentado as suas ideias a 6 de Julho de 2018 [ver aqui]. E tive já ocasião de, neste espaço, acompanhar este pensamento da Autoridade da Concorrência e inclusivamente divulgar anteontem a sua forma mais acabada, sendo certo que ele traduz uma orientação que vem sendo formada no âmbito da OCDE onde o tema é antigo e já em 2007 aquela organização havia publicado um documento estruturado, incluindo o caso português [ver aqui, nomeadamente a partir da página 251], havendo inclusivamente um documento de trabalho desta organização, difundido em 2016, que correlaciona essa lógica liberal que é a filosofia da organização com as inovações disruptivas tanto tecnológicas como institucionais [ver aqui, nomeadamente a partir da página 25; ver também aqui].
Estamos em suma, uma tendência clara a nível europeu, assumida agora por este Governo em sede de planeamento, preparada tecnicamente no âmbito da Autoridade da Concorrência. 
Sendo este o contexto, o europeu, a margem de manobra a nível nacional fica reduzida, o que não quer dizer inexistente. Caberá à Ordem dos Advogados um papel relevante e aos advogados uma lógica de convergência face a esta política.

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Fotografia: Daniel Rocha, jornal Público.

Assembleia da República: iniciativas


São estes os últimos projectos de lei registados na Assembleia da República:

[168/XIV, PEV]: Define o regime e as condições em que a morte medicamente assistida não é punível

[169/XIV, PAN]: Determina a declaração da filiação ou ligação a organizações ou associações “discretas” em sede de obrigações declarativas (Primeira alteração à Lei n.º 52/2019, de 31 de julho)

[170/XIV, PCP]: Determina o alargamento da rede nacional e altera o regime de competência, organização e funcionamento dos julgados de paz (2.ª alteração à Lei n.º 78/2001, de 13 de julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho)

No que respeita a propostas de lei, foram apresentadas as seguintes:

[4/XIV]: Aprova as Grandes Opções do Plano para 2020

[5/XIV]: Aprova o Orçamento do Estado para 2020

[6/XIV]: Aprova o Quadro Plurianual de Programação Orçamental para os anos de 2020-2023

Advogados, atenção!

Grande parte das discussões que se travam em público no que à advocacia respeita ocorrem sem que haja uma verdadeira percepção que vai no substrato regulatório; e se não vejamos o que são as propostas da Autoridade da Concorrência no que se refere à reforma legislativa regulatória para as profissões liberais [ver texto integral aqui] que, numa lógica economicista se prevê traduza um benefício para a economia no que se refere às profissões legais de 32 milhões de euros [isto porque: cada €1 de procura adicional dos serviços jurídicos e contabilísticos leva a um aumento de €1,49 no VAB de Portugal]


São 13 as profissões liberais cuja regulação se pretende, entre elas os advogados, os agentes de execução, os notários e os solicitadores.

São estas as principais propostas no que aos advogados respeita:

 Separação das funções de autorregulação e representativa das ordens profissionais, criando um órgão independente com funções de regulação da profissão externo ou interno à ordem profissional mas efectivamente separado dos restantes órgãos composto por representantes da profissão, indivíduos de outros órgãos reguladores, representantes de organizações de consumidores e académicos;

 Reavaliação das actividades reservadas a profissionais inscritos numa ordem profissional, reduzindo os actos exclusivos, garantindo critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade face aos objectivos de política pública;

Reanálise dos critérios para as qualificações académicas necessárias à inscrição numa ordem profissional, estabelecendo um processo transparente, proporcional e não discriminatório de identificação de vias alternativas para a aquisição das qualificações Criar cursos de conversão de um determinado grau académico em outro grau académico;

 Reanálise dos critérios do estágio para efeitos de inscrição numa ordem profissional, garantindo que a entidade com funções de avaliação do estágio profissional para acesso à profissão não se cinja a peer review;

  Abolir as normas que restringem a propriedade de sociedades de profissionais, permitindo que a totalidade ou a maioria do capital social e direitos de voto possa ser detida por não profissionais e/ou não registados na ordem profissional;

 Abolir as normas que restringem a gestão e a administração de sociedades de profissionais, permitindo que sejam realizadas por indivíduos não inscritos na ordem profissional;

 Abolir a proibição da prática multidisciplinar em sociedades profissionais, reavaliando a  proporcionalidade das incompatibilidades e impedimentos que possam inviabilizar a oferta de actividades multidisciplinares por sociedades de profissionais;

 Abolir restrições ao livre estabelecimento de notários ou alternativamente a reavaliação da actual organização dos serviços notariais (adequação, necessidade e proporcionalidade).


Delação premiada: o regresso do indefinido

O tema da delação premiada voltou à agenda, como de costume misturado com o da justiça negociada, o Direito Premial, a protecção dos denunciantes e outros afins. Quando não há rigor nos conceitos a discussão acende-se por causa da incompreensão e termina por exaustão, enfim, tudo inútil.
Uma coisa parece adquirida: a sedução que o modelo brasileiro despertou em certos espíritos, ávidos de eficácia, complacentes com entorses a direitos fundamentais e indiferentes ao risco do erro judiciário, aquela como prioritária, os direitos como relativos e o erro como um risco a ter de suportar, está em declínio. Os abusos a que se pode prestar, o descrédito que lançou sobre a Justiça estão à vista. 
Para além disso, a ministra da Justiça, em recentes declarações, veio esfriar a ilusão dos que pensam que o Governo irá promover uma alteração de paradigma no que se refere a estas matérias: seguro é que está entronizado um grupo de trabalho, o seu mandato é desconhecido, é cedo para futurologia que não seja especulação.
Neste contexto direi o que segue no que se refere a quem seja arguido em processo penal:
Sou a favor de premiar os arrependidos que com a sua colaboração mostrem ter interiorizado os valores da justiça e da sociabilidade, não os oportunistas que, mantendo-se na amoralidade e precisamente por isso, queiram dar à morte os demais apenas em troca de uma gratificação para si próprios.
Sou a favor de uma justiça que aceite receber quem esteja espontaneamente dispostos a colaborar mas que mantenha a sua liberdade de decidir não uma justiça que entre em negócios processuais com arguidos e que se comprometa a garantir a uns benefícios à conta de prejuízos para outros, pondo em leilão a independência dos juízes e a verdade dos factos.
No que se refere a denunciantes que não sejam vítimas, pensar que será difícil escapar à sua existência, num sistema que tem progredido à sua conta, inclusivamente dos anónimos, sistema que se dotou da impunidade de decidir quem quer arguir e quem quer manter sem arguição para lhe usar o testemunho. O tema aqui é só saber se tais denunciantes devem ter protecção e neste caso qual a serem usados como prova ou a terem contribuído para a mesma, e se a protecção abrange aqueles que nem testemunhas sejam mas apenas tenham sabido do que delatam.
Tudo visto e a manter-se a solução de via reduzida que as palavras da ministra sugerem, veremos qual dos tópicos em que haverá a anunciada reforma "cirúrgica". Em tempos, enquanto responsável pela Procuradoria Distrital de Lisboa, Francisca van Dunem determinou um sistema de negociação da pena. Não encontrou eco, salvo, creio, em Coimbra, de cuja Universidade surgira a ideia. Veremos se não se arrependeu da solução e arrepiou caminho.

Dolo alternativo

A revista Julgar, na sua edição on line, publica na íntegra um estudo sobre o tema do dolo alternativo da autoria de João Athayde Varela [Investigador integrado do Centro de Estudo & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade (CEDIS, ver aqui) da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa]. Ver o texto aqui.
Segundo o sumário: «pretende-se no presente estudo indagar sobre as consequências jurídico-penais da alternatividade em direito penal, especificamente nos casos de dolus alternativus e “determinação alternativa do facto” (Wahlfeststellung). Assim e se na primeira hipótese, partimos da caracterização dogmática da estrutura típico-subjetiva do ilícito criminal, já na segunda analisamos a conformidade constitucional da figura jurídico-processual penal da “determinação alternativa do facto”, discutida desde há largo tempo na Alemanha e aplicada reiteradamente pelos tribunais superiores deste país. Ao final, conclui-se pela especial relevância prática da alternatividade penal, conduzindo esta, porém, a soluções distintas nas duas situações sub judicio: dolo alternativo e determinação alternativa do facto.»

Antunes Varela - centenário do seu nascimento


A República do Direito - Associação Jurídica de Coimbra, associação de direito privado aberta à participação de todos os interessados pelos problemas da justiça e, particularmente, de todos os que exercem a sua actividade no estudo e aplicação do Direito [ver o site aqui] anuncia a realização no dia 18 de Dezembro de 2019 pelas 15h00, irá ter lugar no Salão Nobre do Tribunal da Relação de Coimbra uma Sessão Solene Homenagem de Coimbra ao Professor João de Matos Antunes Varela, no centenário do seu nascimento 1919-2019

Violência doméstica no plenário da AR


São estes os projectos de lei que vão hoje a votação no Plenário:

Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª (BE)

Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica enquanto vítimas desse crime (6.ª alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas e 47.ª alteração ao Código Penal)

Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª (BE)

Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de declarações para memória futura das vítimas (6.ª alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e à assistência das suas vítimas)

Projeto de Lei n.º 92/XIV/1.ª (PAN)

Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica

Projeto de Lei n.º 93/XIV/1.ª (PAN)

Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do Ministério Público

Projeto de Lei n.º 123/XIV/1.ª (PEV)

Criação de subsídio para vítimas de violência que são obrigadas a abandonar o seu lar

Declaração Universal dos Direitos do Homem


«[...] Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;
Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem conduziram a actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem;
Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão; [...]»

Notas manuscritas do que viria a ser a Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada a 10 de Dezembro de 1948, com 48 votos a favor, nenhum contra e abstenções da Bielorrússia, Checoslováquia, Polónia, Ucrânia, União Soviética e Jugoslávia, além da África do Sul e Arábia Saudita [fonte: UN Audiovisual Library]

Direito Premial: não à revolução!


Em declarações públicas proferidas ontem, a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, clarificou o sentido político pretendido pelo Governo em matéria de Direito Premial. Citando as suas declarações: «Não tem nada a ver com criar nada de novo ou revolucionário, tem apenas a ver com a identificação de algumas áreas de estrangulamento que precisam de alguma afinação e com a sua intervenção cirúrgica nessas áreas para melhorar a capacidade de resposta do ponto de vista da prevenção e repressão criminal” da criminalidade económico-financeira, explicou Francisca Van Dunem, afastando a ideia de que haverá uma mudança completa de paradigma neste domínio.
Trata-se, pois, por um lado, de uma lógica de alargamento, por estar em causa a criminalidade económico-financeira, por outro, uma lógica restritiva, porquanto se afastam os modelos de ampliação através dos quais alguns sectores pretendiam, à conta do tema, alterações significativas no modelo vigente. 
Facto é que, para além desta asserção geral, nada de específico fica definido como ponto de partida para a revisão do sistema, nem sequer um compromisso com a filosofia da pena negociada que a então PGA defendeu como critério para a Procuradoria Distrital de Lisboa. E assim, creio que qualquer discurso sobre o tema só pode ser consequente em face de propostas concretas que surjam do grupo de trabalho que está criado para o assunto, pois até lá o risco de estarmos ante mera especulação. 
Não pode, porém, esquecer-se, que a Assembleia da República tem poderes legislativos exclusivos na matéria e, assim, não é de excluir que surjam, a partir do hemiciclo, propostas que não se conformem com a via reduzida do pensamento governativo.

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Foto Miguel Lopes/LUSA

Assembleia da República: iniciativas


Mais uma proposta de lei baixou à 1ª CACDLG e outros projectos de lei estão ali registados.

Em matéria de propostas de lei, eis a que refiro:

[2/XIV]: Procede à transposição da Diretiva Delegada (UE) 2019/369 da Comissão, de 13 de dezembro de 2018, a fim de incluir novas substâncias psicoativas na definição de droga, introduzindo a vigésima quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas

Quanto a projectos de lei, actualizando a lista que tinha publicado, com relevo directo para o tema deste blog:

[143/XIV, CDS-PP]: Assegura formação obrigatória aos magistrados em matéria de Convenção dos Direitos da Criança (4.ª alteração à Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro)

[144/XIV, CH]: Agravação das molduras penais privativas de liberdade para as condutas que configurem os crimes de abuso sexual de crianças, abuso sexual de menores dependentes e actos sexuais com adolescentes e criação da pena acessória de castração química

Crimes contra a honra: actualidade e interacção social

Interpretação actualista dos conceitos jurídicos em função da interacção social em matéria de crimes contra a honra, por ponderação dos critérios de aferição da tipicidade vertidos em um estudo jurídico tida como referência na matéria, o ensaio de José Beleza dos Santos, publicado em 1959 sobre os crimes de difamação e injúria.

É este o este interessante passo do Acórdão da Relação de Lisboa de 04.12.2019 [proferido no processo n.º 4477/14.9TDLSB-3, relatora Adelina Barradas de Carvalho, texto integral aqui] onde é configurada a questão da actualidade como critério de validação interpretativa:

«O estudo de Beleza dos Santos citado pelo tribunal a quo (“Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 92.º) é uma reflexão importante sobre os crimes contra a honra, tem resistido à erosão do tempo mas data de 1959 .
Mas o estudo data de 1959 e o crime em causa , tendo em conta uma série de factores perdeu alguma carga em certos pontos ganhando-a noutros. Ou seja, o crime de injúrias é um crime cultural, as palavras têm a força que os movimentos culturais e sociais assim como os contextos em que são proferidas, lhes dão.
Hans Welzel chama a esse factor de influência e modificação, interação social. E sofreu o desgaste imposto pela compatibilização do bem jurídico que tutela com outras liberdades que, entretanto, se foram afirmando e sedimentando (como seja a liberdade de expressão). Hans Welzel desenvolveu uma teoria limitadora do Direito, estabelecendo obstáculos à utilização arbitrária do sistema penal através de elementos retirado do mundo fático. Na lógica deste jurista e filósofo, que se deparou com as atrocidades de um Estado punitivo e dominador ao extremo cometendo mesmo atrocidades, o Direito está intimamente associado à realidade de modo que factualidade e norma se correlacionam.
Na verdade o Direito é algo de vivo e tem de se adaptar ás alterações, evoluções e mesmo involuções do dia a dia das vivências e condições humanas. Não queremos com isto dizer que a Honra vale menos hoje do que valia em 1959. Queremos dizer que se o conceito de honra se redimensionou ganhando peso em situações , noutras situações a noção de que não foi atingida é clara.»

Contraordenações e alçapões


O sistema legal em matéria de ilícito de mera ordenação social carece de duas definições essenciais: uma, uma lei-quadro a partir da qual todos os regimes específicos, e tantos são, se sujeitem para evitar a completa disparidade de soluções que encontramos, amiúde sem qualquer razão substancial de diferenciação; outra, um regime geral que seja o mais extenso e completo possível e assim não sujeite, como até aqui, a normação contraordenacional viver em função do que se achar ser ou não lacuna a integrar pelo regime do processo penal e os interessados a sofrerem as funestas consequências da incerteza. É que, por não ser assim, e vivendo como se vive, tudo é uma floresta de enganos, por vezes para as entidades impugnantes e - às vezes sucede - para as próprias autoridades administrativas. O Acórdão da Relação de Lisboa de 03.12.2019 [proferido no processo n.º 68/19.6TNLSB.L1-5, relator Luís Gominho] é disso bom exemplo, ao ter de resolver o problema da admissibilidade do envio de uma peça processual por uma autoridade administrativa por meio de correio electrónico, sem assinatura do seu autor e a possibilidade de tal ser causa de rejeição. Uma Justiça insegura fruto de um Direito incerto.


É este o sumário do decidido [texto integral aqui, com desenvolvimentos que vale a pena considerar]:

«Ainda que se possa reconhecer a existência de uma fase administrativa e uma outra judicial no processo contra-ordenacional, a verdade é que um processo contra-ordenacional, embora tenha uma fase adminstrativa, não é um processo administrativo.
- Um recurso de “impugnação judicial” em processo contra-ordenacional, como tal definido por lei – artigo 59.º, n.º 1, do RGCO - não é um recurso administrativo, nem se lhe aplicam normas administrativas.
- Ao recurso de impugnação judicial do processo contra-ordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do C.P.P. (artigo 41.º do RGCO); em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do C.P.C. (artigo 4.º do C.P.P.)”.
- Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.
- Não pode deixar de exigir-se a assinatura ou autenticação dos documentos electrónicos remetidos a juízo, não por via do citius, sequer através de endereço de e-mail oficializado pela Ordem dos Advogados, mas por endereço particular de e-mail do Ex.mo Advogado remetente.
- Mas a remessa para a Autoridade administrativa por meio de correio electrónico simples, sem a assinatura do seu autor, não deve determinar como consequência, a rejeição pura e simples da impugnação apresentada, que seja tempestiva, sem que previamente seja concedida ao interessado a possibilidade do seu aperfeiçoamento, rejeição que a existir, sem tal prévio convite, viola o viola o direito ao recurso.
- Acresce que não existe norma legal a cominar a rejeição do recurso, enviado e recebido pela autoridade administrativa dentro do prazo, quando não esteja devidamente assinado pelo seu autor, vigorando neste domínio, um princípio de legalidade.
- Não deixando aquela omissão de traduzir uma irregularidade, entende-se que a mesma poderá ser reparada com um convite ao seu subscritor para, em prazo que se entenda conveniente, apresentar pessoalmente no Tribunal recorrido o original do recurso de impugnação por si enviado, devidamente assinado, ou então, também pessoalmente, ratificar o articulado primitivamente apresentado.»

Corrupção: um dos cinco pilares


Um dos cinco pilares da estratégia nacional contra a corrupção proposta pela associação Transparência de Integridade [ver a totalidade aqui] está a Justiça [os outros quatro são a política, a administração pública, a sociedade e o sector privado e os reguladores] e quanto a esta são as seguintes as propostas que visam, segundo a proponente «garantir a independência, capacitação e meios legais e materiais do sistema judicial para combater a corrupção, punindo os responsáveis e recuperando os ativos.»

«Propostas e medidas:

1.1 Criar um sistema robusto e eficaz de proteção dos denunciantes, em linha com a Diretiva Europeia recentemente acordada e com as melhores práticas internacionais, de modo a permitir a deteção mais atempada dos crimes e a recolha de denúncias mais fundamentadas e bem documentadas.

1.2 Criar uma agência anticorrupção especializada que reúna competências de investigação, prevenção (no âmbito do setor público e do setor privado), prossecução criminal e educação, como proposto nos arts. 6.º e 36.º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Absorvendo várias das competências atuais do Conselho de Prevenção da Corrupção, da Entidade de Contas e Financiamentos Políticos, do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, da Unidade Nacional de Combate à Corrupção e da recém-legislada Entidade para a Transparência, este novo organismo deve ser uma estrutura única de combate à corrupção, com todos os benefícios daí decorrentes, e dotada de meios técnicos e humanos através de garantias de autonomia administrativa e financeira, mediante a fixação do seu orçamento com base numa percentagem fixa do Orçamento de Estado para cada ano.

1.3 Criação de tribunais especializados, com competências específicas em crimes relacionados com corrupção, ao abrigo do art. 211.º da Constituição.

1.4 Reforço da transparência do sistema judicial, através da criação do website da Justiça Portuguesa, que recolha e agregue informações sobre a atividade das várias instituições envolvidas (Ministério Público, Tribunais, etc.) e que contenha, nomeadamente, os seguintes elementos:

a) Estatísticas mais detalhadas e atualizadas sobre o andamento de processos e da Justiça;
b) Disponibilização sistemática e organizada das decisões judiciais (acompanhadas da identificação dos arguidos/réus);
c) Disponibilização sistemática e organizada dos despachos finais de inquérito do Ministério Público;
d) Disponibilização das decisões de processos disciplinares sobre magistrados judiciais.

1.5 Melhoria dos mecanismos de prevenção, através de campanhas de sensibilização a potenciais denunciantes, da criação de gabinetes de intelligence, da análise integrada da informação recolhida sobre processos de corrupção e crimes conexos e do fomento da realização de averiguações preventivas dentro dos trâmites legais.

1.6 Descriminalização da difamação, na medida em que constitui um obstáculo efetivo à denúncia de casos de corrupção.»

Um modo esquisito de ser

Vem a caminho o primeiro tomo do Comentário Judiciário do Código de Processo Penal e senti que poderia ser momento de entrar na análise do segundo volume, que está publicado desde 2018. O problema das obras que não surgem pelo início é, no entanto, esse mesmo, aguardarmos ansiosamente que surja o seu começo, para não dizer o seu termo, porque a relação entre os preceitos da lei implica que não se possa interpretar um sem que outro encontre também expressão do entendimento sobre ele sufragado. 
Para além disso, um Código anotado por vários autores não pode ser referido sem menção a cada uma das anotações, no caso as de António Gama, António Latas, João Conde Correia, José Mouraz Lopes, Luís Lemos Triunfante, Maria do Carmo Silva Dias, Paulo Dá Mesquita, Pedro Soares de Albergaria e Tiago Caiado Milheiro. Se em uma obra universitária pode haver convergência de orientação dentro da diversidade da opinião, aqui o expectável é que cada anotador traduza o seu pensamento próprio sobre o tema relativamente ao qual escreve, por não haver uma "escola" de pensamento que assim se exprima.
A obra em causa é necessariamente útil, enriquecendo quanto possa ajudar a compreender o ponto de situação do Código de 1987 na fase actual sujeito que foi às sucessivas modificações que, em alguma parte, o tornaram um outro Código.
Muito poderia dizer sobre o anotado no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, mas neste momento em que escrevo pondero se deverei levar o arrojo a este parágrafo que, tudo pensado, assim segue: nele,  nem um só dos escritos que publiquei sobre processo penal, de monografias [e dezenas foram] a livros [e dois até hoje, um deles em dois volumes e já sobre o novo Código] mereceram menção na aliás extensa biografia. Vale isto como critério de julgamento sobre a valia de quanto escrevi? Não me cabe a mim dizê-lo, pois sou o pior crítico do que tenho escrito, ao sentir estar sempre aquém do que podia, e mais aquém ainda do que devia. Mas fosse para repudiar quanto tenho escrito, ao menos talvez uma referência tivesse sido possível, não para os outros que são merecedores de autores de mais valia, porventura, afinal, para mim próprio que remoo a ideia de regressar com mais pontualidade à escrita, isso na ilusão, ingénua como todas as ilusões, de que possa dar com isso algum contributo aos demais. 
Desanimarei ante o silêncio? Não. Porfiarei. É um modo esquisito de ser.